Livro dois - Capitulo Um - Ponto de Ruptura
Naquele momento da última manhã fria do ano, a brisa bate mais forte na janela da casa de praia ocupada pelo grupo de amigos. Sophie e Alycia, aconchegadas e protegidas no silêncio do corpo uma da outra. Dinah e Normani estão transando no quarto, rindo e enquanto tentam se controlar para não acordar a casa, Mike, Millie e Sofia estão catando ostras na beira da praia. Os dois adolescentes estão felizes por estarem juntos, Sofia está por ter sua irmã por perto. Nico toma café na cozinha enquanto tenta equilibrar a conversa com duas garotas ao mesmo tempo, ele sorrir agradecido. Lauren dorme agarradinha com Camila e Gracie entre elas, mas Camila não está dormindo, ela está admirando Lauren e sorrindo a cada vez que as gargalhadas de Sofia lá em baixo chegam aos seus ouvidos.
São menores de idade, pouca experiência, estão usando suas piores roupas, e vivendo os seus últimos meses naquela pequena cidade de interior, perdida na Califórnia. De certa forma eles sabem que nunca mais será igual, dentro de alguns meses a vida de cada um tomara um novo rumo. Alycia mora dentro da angustia de ver Sophie ir embora para Londres para estudar em Cambridge, Sophie tem medo que ir embora acabe com elas. Nico sente medo de deixar os amigos, de não ser da mesma forma nunca mais. Dinah e Normani ainda não sabem se vão morar juntas ou se esse é um passo longo demais, Lauren sente medo da distância cansar Camila, Camila deseja que Lauren apenas veja as coisas da forma que ela vê.
Todos parecem meio assustado com o futuro, mas tentam disfarçar com uma cortina de sarcasmo e brincadeiras. Eles evitam falar nisso, mas não falar sobre, não evita que se aproxime. Não era só o ano que dava adeus, outros estavam chegando muito rápido. Rápido demais.
— LAUREN!
— CAMILA!
Aos gritos dos seus respectivos irmãos, o casal e toda casa levanta assustados. É uma confusão de passos e objetos caindo. Dinah e Normani tentam se vestir rapidamente, Nico larga sua xícara de café e pula pra fora, enquanto Alycia, Sophia já estão do lado de fora, maravilhadas com o que estão vendo.
Lauren sai antes que Camila, preocupada, a roupa amassada, piscando pela luminosidade, enquanto busca Mike. Ela suspira de alívio quando o vê são e salvo ao lado de Sofia e Millie. O garotinho aponta para o horizonte e sorrir.
— Laur, elas vieram nos dá boas vindas!
Ao sentir a presença da namorada saindo de dentro de casa, ela pode ver no horizonte se perdendo entre as ondas a gigante figura de um animal marinho, uma baleia se movia exibida dando seu show particular para o pedaço gelado da costa Californiana.
— Ela é linda! – Exclamou agradecida por ser contemplada com aquela cena linda. Notou sua namorada com os olhinhos castanhos miúdos da força que ela fazia para não chorar. – Ei, amorzinho o que aconteceu?
Camila piscou algumas vezes tentando engolir o bolo que se formou em sua garganta e deu a Lauren um pequeno sorriso tímido.
— É só bobagem.
— Eu gostaria de saber. – Insistiu ela.
— Bem, eu tive um sonho essa noite, de quando eu era bem pequena e vi uma dessas. – Respondeu, esquecendo de propósito de citar seu pai. – Como eu disse, não é nada demais. Eu que sou boba.
Lauren beijou seu rosto, e aconchegou a namorada debaixo de seus braços, sentindo o cheiro do xampu de baunilha que Camila usava e era seu cheiro favorito do mundo. Enquanto isso, a baleia parecia ter se cansado de dar seu showzinho particular e mergulhava cada vez mais profundamente nas águas frias do oceano.
— Essa exibida interrompeu meu sexo para ir embora tão rápido? Volte aqui! – A loira gritou, e arrancou risadas de todos menos de Camila. – Eu nem postei uma foto no Instagram.
— Dinah! – Camila repreendeu a amiga com um tapa no braço. – Eles são criança.
— É mesmo, Walz? Você não estava tão incomodada ontem a noite quando seus ge-
As mãos de Camila foram direto a boca de Dinah, enquanto ela tentava esconder as bochechas coradas.
— Nem um pio.
Estão quase voltando para casa quando Mike volta.
— Um segundo. – Pede ele. Os amigos viram, e ele levanta a câmera do seu celular. – Quero tirar uma foto de vocês.
— Com essa roupa? – Disse Dinah.
— Nada mais vocês do que essa bagunça particularmente bonita. – Respondeu Mike e piscou para o grupo de amigos que gostaram do elogio e trocaram olhares emocionados um para o outro.
Mike pede que se inclinem um na direção do outro. É uma coisa simples, sorrir para a câmera, verificar se tudo está no lugar. Sem pretensão de sair fabulosos para redes sociais. É uma foto deles. Juntos como uma coisa só. Coisas naturais que nos matam de saudade quando o tempo passa.
— Prometam que não vamos nos afastar. – Pediu Nico com a voz embargada. – Prometam que seremos os mesmos em qualquer lugar do mundo.
Ninguém teve coragem de dizer nada. Camila encostou a cabeça no peito de Lauren, Alycia beijou o rosto de Sophie e sussurrou pra ela que a amava, Dinah fez o mesmo com Normani e Mike ofereceu sorriu pra Millie que aceitou seu sorriso.
O infinito e suas noções particulares de tempo. Poucas horas, era só o que restava a eles.
Alycia evitava fazer julgamentos prévios das pessoas, primeiro porque ela temia que fizessem o mesmo com ela e segundo porque esse era o tipo de atitude que sua mãe sempre lhe disse pra evitar. Mas foi impossível para Alycia Jasmin Evans, não detestar Joe Jonas no momento em que teve o primeiro contato com ele. A camisa aberta, com um bermudinha patética colorida, e maldito bigode, a porra do maldito bigode, fizeram o sangue dela ferver.
Ele era um tipinho metido a simpático que provavelmente levava muitas mulheres na lábia.
— Olá, Alycia. É um prazer finalmente lhe conhecer. – Disse, com as mãos estendidas parada na porta do quarto que o casal estava ocupando. Ela imediatamente adicionou mal educado na lista de coisas que odiava nele.
— Joe! – Sophie o afagou com uma simpatia um tanto quanto exagerada e Alycia rolou os olhos sem se preocupar se ele visse. – Eu achei que você não viesse.
— Eu quase não vinha. Mas meus irmãos acabaram viajando para o México e eu ia ficar em casa sozinho... – Ele explicou, sorrindo, deixando no ar um risinho de canto que fez Alycia sentir vontade de socar aqueles dentes estranhamente brancos.
— Vamos jantar? – Alycia interrompeu os dois e sem dar sopa para que ele enfiasse outra conversa no meio arrastou Sophie junto
Discutiram coisas banais durante o jantar e os amigos tentaram ser absolutamente simpáticos com Joe. Apesar que a cada frase do rapaz, havia uma troca de olhares constrangidos. Ele decididamente queria a atenção de Sophie e não fazia questão de esconder isso. Graças a Lauren, de um momento para o outro eles começaram a falar sobre a política de liberação do aborto e foi ai que a noite começou a se desenhar de maneira trágica.
— Eu sinto que devemos dar segundas opções a mulheres estupradas, além do aborto. – Joe dizia, entre um pedaço de pizza e outro. – É uma questão humana, eu amo as feministas, mas acho que elas estão sendo um tanto egoístas.
— Segundas opções a mulheres estupradas? – Alycia perguntou, surpreendendo inclusive Lauren, que já estava pronta para rebater o argumento do amigo de Sophie. – É por isso que eu acho que vocês homens deveria calar a boca! Estupro é uma violência hedionda... Causada por vocês, que usam e abusam desse direito inato que desfrutam de fazerem o que quiserem com a desculpa que "são homens". Uma mulher emocionalmente destruída não está pronta para ser mãe do seu agressor.
Joe demorou certo tempo para processar o argumento de Alycia, e com as bochechas coradas deu de ombros antes de responder.
— Eu acho que o aborto deve ser evitado em qualquer circunstância. Matar uma criança iguala o crime.
— O quê? – Alycia riu, encarando-o com os olhos verdes intensos. – Você só pode estar brincando comigo. Colocando estupro e a extinção de um aglomerado de células no mesmo prisma?
— Sim. – Respondeu ele com ainda mais convicção. – É muito complicado, mas eu sou contra o aborto e acho que esse é um assunto da sociedade, não só das mulheres. – Alycia riu e Joe, novamente ficou corado. – O que eu disse de tão engraçado?
— A graça é ouvir isso vindo de uma garotinho rico, branco, hétero e privilegiado pela sociedade da hora que acorda, a hora que vai dormir querer opinar por assuntos que só dizem respeito a mulheres e suas escolhas pessoais. Você é hipócrita ou é burro?
Joe corou tão vivamente que parecia uma árvore de natal. Irritada, Alycia lançou pra sua namorada um olhar, questionando silenciosamente como ela poderia fazer amizade com alguém como ele.
A mesa lotada se tornou silenciosa como um túmulo. Ninguém, nem mesmo Dinah parecia disposto a declarar alguma piadinha. A vergonha fez Joe levantar da mesa e se dirigir exclusivamente a Sophie.
— Eu acho que não sou bem-vindo, – Enquanto dizia, Joe se ergueu da mesa em uma saída dramática. – Obrigado pelo convite. Com licença e feliz ano novo.
O silêncio voltou a reinar a medida que os amigos trocavam olhares constrangidos. A porta principal foi batida e então Sophie levantou-se.
— Está feliz? – Gritou com Alycia. – Você não precisava fazer isso com ele.
— Sim, eu precisava! Pra onde você vai? – Ela inquiriu quando viu a namorada empurrar a cadeira para levantar da mesa.
— Vou tentar consertar a bobagem que você fez!
— Eu não to acreditando nessa porra!
A ruiva deixou a mesa, correndo para fora, encontrando Joe ainda parado ao lado do seu carro.
— Sua namorada me odeia? – Joe esbravejou, assim que a amiga parou do seu lado. – Ela nem ao menos me conhece e me tratou dessa forma. E seus amigos foram igualmente complacentes...
Sophie permaneceu parada, olhando-o fixamente sem saber o que dizer.
— Eu sinto muito.
— Sophie. Eu já tinha uma ideia, mas como seu amigo eu preciso lhe dizer que essa garota não é pra você, ela é um tipinho arrogante, inconsequente. Pode arrumar coisa melhor...
— Joe, eu amo Alycia. Te disse isso várias vezes, não vamos para esse assunto, não foi isso que vim fazer aqui. – Mesmo com suas palavras o rapaz, estava decidido em continuar falando.
—Você deveria tentar encontrar alguém que seja educada no mínimo. Alguém que se importe com você de fato...
— E quem seria essa pessoa? Você? – Sophie sorriu com acidez.
— Sim, eu já dei muitas provas que me importo com você, te acho uma mulher linda, sua namorada tem uma fama que a procede. Você mesma me contou que ela foi infiel, quem te garante que ela não vai repetir? Você estará na Inglaterra em breve, Sophie, se ela é inconfiável com você aqui, imagine a quilômetros de distância.
A ruiva ficou calada, e ele tomou seu silêncio como liberdade e permissão.
Estava caindo do céu uma fina camada de neve, foi por essa temperatura agressiva que Alycia foi recebida quando colocou os pés pra fora. Mas não podia existir palavra pra ressignificar agressão do que ver Joe, com os lábios colados nos lábios de Sophie.
A ruiva lutava para se livrar do aperto e dos lábios, mas só encontrou hesito quando a namorada esticou seu braço e empurrou o garoto pelo ombro.
— Al, eu, ele... Eu sinto muito...
Qualquer tentativa de Sophie em dizer alguma coisa foi interrompido pelo barulho do soco que Alycia deu contra o rosto de Joe. O rapaz foi jogado direito ao chão, segurando o nariz.
— Porra! – Ele xingou, tentando para o fluxo que jorrava por suas narinas. – Sua louca, psicopata! Porra!
Evans sacudia o punho no ar tentando acalmar a dor no local, enquanto seus amigos atraídos pela confusão a retiravam de perto de Joe.
— Eu vou te matar. – Joe tentou se levantar, porém foi interrompido por Nico que o segurou pelos braços.
— Quero ver você tentar. – Com um puxão ela conseguiu se soltar dos braços de Lauren, e avançar novamente em direção a Joe. Porém no meio do caminho encontrou Sophie.
— Pare com isso agora! – A ruiva estava mais irritada que perplexa pelo que tinha acontecido. – Você enlouqueceu?
A raiva deu lugar a outro tipo de sentimento igualmente perigoso. O ciúme. Alycia afastou-se da namorada, com a garganta se fechando com a vontade de chorar. Ela ficou parada observando sua namorada voltar-se para ajudar o rapaz a se recompor.
Entrou no quarto, pegando tudo que era seu e jogando dentro da mala aberta, quando pegou o último pertence a porta foi aberta e Sophie entrou. Ela se manteve ignorando sua presença opressora no mesmo cômodo que juravam horas antes não deixarem mais nada abalar seu amor.
Alycia tinha planejado ir passar a virada de ano naquele lugar por um motivo. Ela procurou a melhor casa, a mais bonita, com a vista mais deslumbrante porque ela queria contar a Sophie que tinha tomado uma decisão irreversível de ir com ela pra Londres. Agora ela se imaginava em qualquer lugar, menos com ela.
Desceu as escadas, tendo Sophie em seu encalço. A ruiva não dava uma palavra, mas não deixava de segui-la. Deram de cara com os amigos aos pés da escada.
— O que está acontecendo aqui? – Exigiu saber Nico. – Vocês podem me explicar, por gentileza?
— Conte a eles... conte a ele! – Gritou Alycia, parando e largando sua mochila no chão.
— Alycia... – Lauren repreendeu-a. – por favor, você está assustando as crianças, pare com isso.
— Até quando continuará com esse circo, huh?! Você sabe muito bem que eu o empurrei.
Com o olhar nitidamente chateado, ela retrucou:
— Você o empurrou ou eu te tirei dos lábios dele? Aquele cosplay do mindinho estava te beijando a força e a errada sou eu? – Ela riu sem humor e suspirou. – Ou talvez você estivesse gostando, não é? Afinal, eu disse pra você inúmeras vezes que aquele babaca estava lhe cercando. E VOCÊ NÃO ME DEU OUVIDOS! Agora está livre para ir ficar come ele.
Sophie abriu a boca em um "o" e travou os punhos. As lágrimas ameaçavam escorrer pelo seu rosto, mas ela não estava pronta para entregar-se tão fácil.
— Como você pode sugerir algo assim? Como? – Ela riu, sem tentar mais conter suas lágrimas. – Você também está livre para voltar a vida que tinha antes.
—É o que farei. – Sem pensar duas vezes, agarrou uma peça que estava jogada na mesinha de centro e atirou-a na direção dela.
Errando por muito o alvo, Alycia colocou mais uma vez sua mochila nas costas e deixou a sala, voltando quando chegou a porta. Precisava fazê-la se sentir tão magoada quanto ela.
— Não sei como alguma vez passou pela minha cabeça a ideia de largar tudo aqui e pensar em ir pra Cambridge com você. – Zombou de si própria, enfiando a mão dentro da bolsa de ondem tirou um papel amassado com sua matrícula na universidade. – Foda-se. – Disse logo depois de rasgar o papel em vários pedaços e jogar no chão.
Ainda atônitos com tudo que tinha acontecido tão rapidamente, ninguém na sala parecia capaz de dizer algo. Principalmente quando Sophie correu para o quarto, e Lauren seguiu sua prima.
— Alycia, não faça isso... – Pediu a jogadora, assim que alcançou Alycia na garagem, e se surpreendeu com a quantidade de dor que viu em seus olhos. – Fique conosco.
— Me deixe em paz! – Ela jogou sua mochila dentro do carro. – Eu não posso mais ficar aqui nem mais um minuto.
— Al...
— Por favor, Lauren... Apenas me deixe em paz!
— Pra onde você vai? – Ela limpou a garganta e suspirou.
— Pra casa.
— Você quer desabafar? – Ela perguntou bem baixinho.
— Obrigada, mas eu preciso ficar sozinha. – Sua prima respondeu com um fio de voz, ela parecia prestes a cair no choro. – Feliz ano novo.
—Al...
Alycia ignorou seu chamado entrando no carro e arrastando em direção a qualquer lugar longe dali.
O carro de Lauren cortava as ruas em uma velocidade baixa. Sofia, Mike e Millie dormiam um do lado do outro, encostados e frustrados pelo fim de semana ter acabado daquele jeito. Depois que Alycia foi embora não tinha mais clima para nenhum tipo de comemoração. Lentamente, Nicholas se retirou com a irmã de volta para casa, Normani e Dinah foram e Lauren sabia que precisava fazer o mesmo.
O clima dentro do carro estava estranho. Ou era o conjunto de tudo que anunciava algo incontrolável. Lauren ligou o rádio, quebrando o silêncio mórbido e uma música baixinha do Beatles começou a tocar. A cidade parecia congelada, silenciosa como o poço. Era noite ano novo e a melancolia se instaurava a volta.
Ela viu de canto de olho a luz do celular de Camila piscando, e o nome do seu pai surgir, até que ela rejeitou a chamada e voltou a focar na pista.
— Camz... – Ela suspirou, olhando pelo vidro e depois para ela. – Longe de mim querer me meter na sua relação com seu pai, mas eu acho que você deveria atendê-lo. Faltam poucas horas para o fim do ano. Terá a chance de fazer ano que vem tudo diferente, esquecer as magoas no passado é uma boa forma de começar o ano mais leve.
As palavras de Lauren fizeram Camila se envergonhar, ela sabia que precisava perdoá-lo, que cultivar magoa a adoecia também, mas era tão difícil. Não era só dizer que tá tudo bem.
— Eu não sei se posso. – Ela engoliu o bolo que se formou em sua garganta. – Quer dizer, eu posso, mas me sinto cada vez menos ligada a ele. Você entende?
— Sim, mas você pode pelo menos tentar? Por mim.
— Posso. – Lauren assentiu e carregou as mãos da namorada até seus lábios onde deixou um beijo leve.
Não disseram mais nada o restante do caminho.
Lauren nem se deu conta quando a voz no rádio iniciou a contagem para o fim daquele ano, apenas teve sua atenção atraída por Camila que suspirou baixinho olhando pela janela a queima de fogos.
— Adeus 2016. – Disse a cubana para o vento, quando exatamente nesse momento o carro parou na porta da sua casa. – Olá 2017.
— Vou levar Gracie pra minha casa, tudo bem?
— Tem certeza que não quer dormir aqui? – Camila sentia cada vez menos vontade de dormir sozinha.
— Tenho. Eu preciso deixar Mike e Millie em casa e tentar conversar com Alycia. – Ela abraçou Camila com ternura. – Desculpe...
— Pelo que?
— Não sei, eu gostaria que hoje tivesse sido especial.
— Estar com você é especial. – Ela retirou o cinto e colou os lábios contra os de Lauren em dois beijos seguidos de uma mordida delicada. – Teremos outras oportunidades iguaizinhas a essa. Eu te amo, feliz ano novo
— Você é a melhor coisa que me aconteceu, Camz. Eu vou te amar pra sempre e não adianta você dizer que pra sempre é um conceito abstrato, eu preciso pensar que vou ter você comigo pelos próximos 60 anos. – Sua namorada beijou seu rosto e depois seus lábios até as duas suspirarem apaixonada, com aquele tipo de amor leve que sempre quiseram em suas vidas.
— Boa noite, mi amor.
— Boa noite, princesa.
Ela ficou parada na calçada, com um Sofia agasalhada e sonolenta apoiada em seu corpo. Suspirou, ainda ouvindo os resquícios de fogos no céu. Retirou o celular do bolso, e retornou a chamada tentando contatar seu pai, mas foi em vão. Aquela hora as linhas estavam congestionadas, com os votos de ano novo sendo enviados aos montes. Pensando nisso, Camila deu de ombros, teria mais tempo no dia seguinte...
As águas poderosas do oceano se chocam com força contra o barco que balança de um ponto a outro. O homem com barba por fazer com o rosto carregado de rugas de preocupação aperta a madeira contra as mãos. Esperava tanto chegar logo em terra firme, mal podia esperar.
Era uma viagem difícil, ele sabia. Perdeu amigos, familiares e conhecidos naquele trajeto em direção a América. É engraçado, mas a América dos latinos é diferente da América nos Yankees. Do lado sul e central, existe pouco glamour, celebridades e o charme cosmopolita do inverno de neve e beijos na Times Square. Esse mundo de faz de conta que ele via na televisão trouxe para Alejandro uma obsessão quase cega de poder sentir aquele mundo.
Mas veja bem, realidade e faz de conta tem seu preço. A realidade costuma ser dura, principalmente quando ela é servida de uma só vez. O fato de seu sonho nunca ter se cumprido o derrotou como homem. Mas essa é uma história que vocês já conhecem. Ali dentro daquele barco, Alejandro ainda era o homem de família que desejava dar tudo que podia a sua pequena e única filha.
Camila correu até o pai, segurando sua inseparável mochila do ursinho Pooh. Carregada de lápis e folhas soltas. Ela tinha uma alma artística, ele sempre soube, estava fadada a ser uma estrela e era por ela também aquele sacrifício.
— Papa? – Camila chamou sua atenção assim que parou do seu lado. – Quando vamos chegar?
Pelas contas do homem, a viagem ainda estava na metade. Pelo menos, cinco ou seis dias ali dentro. Mas não quis assustá-la com seus medos.
— Em breve.
— Breve como o tempo que um sorvete demora pra congelar ou breve como um abraço? – Sorrindo da pergunta capciosa da filha, Alejandro a pegou no colo.
— Breve como um sorvete no sol.
— Então não vai demorar! – Exclamou ela animada, para completar em seguida com a sobrancelha franzida. – Sinto falta da vovó e da nossa casa.
— Estamos indo pra uma nova casa.
— Eu gostava da antiga. – Insistiu Camila.
— Mija, já conversamos sobre isso, vai gostar mais da nova.
— Eu não tenho tanta certeza.
— Não precisa ter medo de nada, filha. – Prometeu. – Eu estarei lá pra você sempre que precisar.
— Papa? – Camila gritou com os olhos arregalados, apontando para o horizonte. – Olhe só é uma baleia.
Aquela lembrança deixou Alejandro ainda mais amargurado sentado sozinho em uma das últimas poltronas do bar imundo do subúrbio. Levantou-se, usando como apoio uma das mesas sujas do bar, decidido a tentar encontrar com Camila. Ia pedir perdão para sua garotinha, nem que fosse de joelhos.
Perdão por ter estragado sua vida, perdão por ter sido um pai péssimo e um homem fraco. Por ter arrancado Camila da ilha prometendo um sonho que ele nunca pode cumprir. Oferecendo algo que Camila provaria sem ele. Sua garotinha emanava luz, a escuridão era trazida por ele, que prometeu amar e cuidar dela até os últimos dias da sua vida e que nunca chegou nem perto de cumprir.
Jogou uma nota de cem dólares, que serviria para pagar o aluguel sem esperar o troco, sem nem olhar na cara do dono do bar.
Assim que entrou no carro e com dificuldade conseguiu enfiar as chaves no contato, sentiu as entranhas se torcendo, obrigando-o a vomitar do lado de fora, deixando uma marca bizarra na lataria do carro.
Engoliu a vontade para não vomitar novamente e soltou o ar devagar, arrastando o veículo em direção a pista principal.
Na casa do subúrbio, Camila colocou sua irmã na cama e digitou uma mensagem rápida de boa noite para Lauren, e tentou através de Nico saber como Sophie estava. Teriam tanta confusão por causa daquela briga entre Sophie e Alycia, mas não podia julgar a amiga. Ela não queria nem pensar no que faria se visse alguém beijando Lauren.
Desceu até a sala, enquanto falava com a mãe por telefone, avisando que tinha voltado mais cedo e que estava cansada e ia dormir. Comeu pizza gelada e bebeu suco de uva aguado e ficou stalkeando as pessoas que tiveram um ano novo mais animado que o dela. Daria tudo para estar em uma praia do hemisfério sul. Convenceria Lauren a passar suas próximas férias no Brasil, ou iria sozinha.
Quando o sono lhe venceu, ela decidiu que era hora de dormir. Caminhava em direção a escada, quando encontrou aberto um livro de Charles Bukowski que Lauren insistiu pra ela ler e que ela deixou esquecido sobre a mesa da sala. Pegou-o na mão e leu, exatamente a passagem que tinha deixado para depois:
"À espera da morte como um gato que saltará sobre a cama. Sinto terrivelmente por minha esposa. Ela verá este corpo duro e branco. Vai sacudi-lo uma vez, depois quem sabe outra: "Hank!" Hank não responderá. Não é minha morte o que me preocupa, é minha mulher abandonada com este monte de nada. Quero, no entanto, que ela saiba que todas as noites dormindo ao seu lado, que mesmo as discussões inúteis sempre foram esplêndidas e que as palavras difíceis que sempre temi dizer podem agora ser ditas: Eu te amo."
Camila suspirou mais uma vez, com um nó esquisito na garganta, devolveria aquele livro pra Lauren tão logo ela aparecesse. Chega de morbidez. Antes de deitar, pegou o celular na mão e discou mais uma vez para seu pai, que novamente não atendeu. Foi com o pensamento nele que ela dormiu aquela noite, agarrada em Sofia.
Invariavelmente, foi nela que Alejandro estava pensando, quando perdeu o controle da direção e o carro se chocou contra uma parede de tijolos. Foi naqueles olhos brilhantes que ele pensou quando seu mundo girou, e todo seu corpo foi quebrado e esquecido, imprensando-o na lataria do carro.
Foi em Camila que ele pensou quando a dor insana o tirou os sentidos.
Foi a pequena cubana que antecedeu a escuridão infinita. Para sempre.
Camila foi abrindo os olhos lentamente, ainda sentindo o gosto ruim de um pesadelo difuso que a acordou várias vezes naquela noite. Abriu os olhos, tudo dentro do seu quarto parecia normal, mas, ao mesmo tempo, irregular. Principalmente sua mãe sentada na cadeira da sua escrivaninha.
Camila no entanto, não notou os olhos vermelhos e cheios de dor, ou a maneira trêmula que ela segurava a xícara de café. Os olhos de sua mãe piscaram várias vezes, como se ela estivesse segurando tudo de si para não desabar.
— Que horas você chegou? – Perguntou, usando os cotovelos para se apoiar na cama. A curiosidade não passou de uma ação fugaz quando notou uma fina lágrima translúcida rolar todo o rosto da sua mãe, deixando um contorno fraco e transparente na pele.
Camila reconheceu dor. Foi o mesmo tipo de olhar que ela lhe deu quando seu pai foi embora.
Seu pai...
Saltou da cama.
— Aconteceu algo com o papai? – A voz sendo dominada pelo desespero.
A angustia que acordou começou a fazer sentido, como se milhares de seres carnívoros tomassem conta do seu estômago e fizesse ele de bola.
— Aconteceu uma coisa terrível, Camila. – Sinuhe disse, as lágrimas caindo incapazes de serem refreadas, um olhar que parecia pedir desculpas.
— Mãe... o que aconteceu? – Implorou sem saber se queria de verdade saber.
— Seu pai... – As palavras travaram na sua garganta. Sinu não era capaz de terminar a frase.
Camila engoliu em seco, ela já sabia, no fundo ela já sabia, ela só não queria admitir.
— Seu pai sofreu um acidente... – Agora as lágrimas escorriam do rosto da mulher com maior rapidez. – E não resistiu.
Por um momento, foi como se todas as vozes o mundo tivesse se calado. Até mesmo o coração de Camila, parou por um segundo. A latina, fechou os olhos, o sentimento de negação a aqueceu por um segundo, para depois cair sobre ela um choque avassalador.
Seu pai estava morto.
Seu pai morto...
Seu pai...
— Isso não é verdade.
Ela enfiou o moletom que usava de uma única vez no corpo, sem prestar atenção que ele estava pelo avesso. Enquanto repetia pra si mesma que sua mãe estava enganada, existiam milhares de "Alejandros" naquela cidade de merda, tinha certeza que ele estava em casa naquele momento. Por isso, ela abriu a porta do quarto com um puxão e correu em direção as escadas, sem calçar os pés. Sem se dar ao trabalho de pegar o celular e ver as milhares de mensagens que chegaram a medida que a notícia se espalhava.
Abriu a porta da frente, e ignorou a movimentação anormal ali. Ignorou também a quantidade de carros parados na calçada. Ignorou o oficial que conversava com Nicholas e Sophie Turner. Ignorou Sofia nos braços de Alycia.
No momento que viram a amiga cruzar o jardins desnorteada ela foi carregada por um abraço demorado e singelo de muitos braços. A primeira voz que ouviu foi a de Dinah.
— Eu sinto muito, Mila.
— Não é verdade. – Sussurrou para si mesma. – Não é verdade... NÃO É VERDADE! – Gritou, enfim dando lugar as lágrimas.
Camila voltou a negociar com o luto, ele não estava morto. Era tudo um sonho. Empurrou os amigos de perto. Estava sufocando. A ânsia de vômito corroendo seu peito, correu por cima do gramado, o maldito gramado que seu pai odiava cortar.
Sem forças para aguentar o próprio peso, ela caiu de joelhos aparando a queda com uma das mãos. O primeiro jato de vômito deixou seus lábios, os músculos da garganta expelindo o que ela não tinha no estômago. O líquido escorria pela sua roupa e sujava o chão.
— Isso não tá acontecendo, isso-
Levou as mãos até seus cabelos e elas os segurou entre os dedos com a irá do luto apontando seus primeiros sinais e entrando em conflito com a negação. Ela só queria que aquilo fosse a porra de um sonho, um equívoco, qualquer coisa. Mas a dor era tão real. Camila se culpou então, deveria ter atendido sua ligação, poderia ter insistido. Pai venha me ver, pai eu te perdoo. É tudo culpa minha. Outro jato de vômito desceu por sua garganta.
— Mila. – Sophie colocou a mão em seu ombro erguendo a amiga lentamente. – Vamos entrar...
— Solte-me, isso não pode ser verdade Sophie, ele tá vivo... Isso é um equívoco, diga a eles. Mande toda essa gente ir embora da minha casa. Cade a Lauren? Ela vai fazer isso por mim, chame a Lauren agora!
— Mimi, Lauren foi cuidar do velório. – Ela respondeu fungando. – Ela está... – Ela não esperou a amiga terminar de falar, ela não estava mais ouvindo.
— Beba um pouco, Walz. – Ofereceu Dinah lhe estendendo um copo com o que pareceu chá, ela torceu o nariz com nojo. Sentia-se incapaz de voltar a comer qualquer coisa.
Camila, não sentia nada além de uma dor excruciante no peito. Só conseguia pensar no corpo do seu pai jogado sobre uma maca fria, via aqueles olhos que eram cheios de vida, lentamente perdendo a cor e ficando acinzentados, contemplando o nada.
Estava doendo. Doía tanto. Ela nunca imaginou que pudesse sentir uma dor daquele tamanho. Sentia vontade de morrer. De se trancar no seu quarto e nunca mais sair. De enfiar uma bala na sua cabeça. Ela odiava o caos. Ela odiava a si própria por ter sido tão burra. Por ter deixado seu pai ir.
Quando foi acordada no meio da madrugada por uma Alycia desesperada, Lauren soube naquele exato momento, que aquele dia ficaria gravado em sua mente como uma tatuagem. Teve vontade de chorar de se camuflar em qualquer realidade. Se perguntou várias vezes, porque com Camila? Aquela máxima do luto que nos faz imaginar que coisa ruim só pode acontecer com gente ruim.
Lauren tinha que ser forte, forte pela mulher que amava e que protegeria com sua vida. Forte pela mãe de Camila, que lutava para não cair, enquanto tentava planejar o que dizer a filha quando ela acordasse. Por sorte, ou azar, Camila dormia quando a notícia chegou, quando Sinu desesperada chegou em casa e buscou apoio e ligou para os amigos da sua filha que eram uma família antes de qualquer coisa. Se ofereceu para ir até o hospital, se ofereceu para cuidar do funeral. Pegou tudo pra si, porque não deixaria nada pra Camila, além da sua dor.
Quando entrou na sala vermelha, seus olhos simplesmente não desviavam daquela imagem horrenda. Em nada lembrava o homem que forte de feições bonitas Ele estava destruído, da mandíbula semiaberta, a máscara de oxigênio pendia. Metade do seu rosto era irreconhecível e braço do homem caia de maneira flácida pra fora da maca. Havia sangue por todos os lados e um macabro gotejamento de sangue coagulado escorria de alguma parte do seu corpo e caia no chão.
Catatônica, ela respondeu as perguntas que fizeram, sem tirar os olhos do olho esquerdo intacto que contemplava o nada, Lauren quis vomitar quando se deu conta que pai e filha tinham os olhos idênticos. Era como se ela olhasse os olhos de Camila.
— Você está bem? – Perguntou um enfermeiro encostando ao seu lado. Ela apenas assentiu. – Parente?
— Eu sou namorada da filha dele.
— Oh, certo. – Assentiu ele. – O IML, virá fazer a retirada do senhor Alejandro e precisamos que você assine aqui e aqui. – Apontou para duas linhas em um papel e Lauren apenas acenou para tudo que ele disse. A palavra IML, lhe causava arrepios. – Lauren, só encontramos isso no bolso da calça. Acho que a filha dele vai gostar de ter em mãos,.
Lauren ficou parada encarando o pedaço de papel sujo de sangue estendido em sua frente até ter coragem de pegar. Quando reconheceu a imagem, desabou Lauren a cabeça na bancada sem forças.
— Eu preciso respirar. – Pediu a ele. – Assinarei o que for preciso, mas preciso de um minuto.
— Como quiser, eu volto daqui a pouco.
Lauren resolveu tudo de maneira rápida e decidida. Tudo pra que estivesse logo junto de Camila, que pudesse dividir com ela a sua dor. Dirigindo seu carro, ela segurava a fotografia suja de sangue nas mãos trêmulas. Desceu do veículo e diretamente assentiu para Alycia, que falava o celular.
Ela passou direto pelos amigos subindo dois degraus de cada vez para chegar rápido no quarto de Camila. A porta estava entreaberta e ela limpou as lágrimas que já rolavam da sua face. Empurrou a porta lentamente, notando depois que este estava aparentemente vazio. Lauren girou em torno de si mesma, buscando em todos os lados, abriu a porta do banheiro e não encontrou nada. O pânico começou a lhe dominar. Mas então ela ouviu um pequeno suspiro.
Abaixou-se lentamente, girando em direção a cama e foi lá que ele encontrou. Camila estava encolhida debaixo da cama em posição fetal, como se protegesse de um monstro invisivel. Ela já esteve diante de muita dor durante sua vida, quando quebrou o braço doeu, quando teve o rosto agredido por Lorena Trump doeu, mas nada se comparava ao tipo de dor que Camila tinha escrito em cada cantinho da sua face. Não existe dor bonita. A dor transforma as feições em argila, não em porcelana. Camila está se arrastando. Está lutando para não morrer por dentro.
Sem dar uma palavra, Lauren deita no chão e estende uma de suas mãos lentamente, segurando a de Camila contra a sua. Ela queria dizer que estava lá.
— Eu quero morrer, Lauren.
Foi a única coisa que Camila disse a ela.
Foi a única coisa que Lauren gravou em sua mente.
Oi gente. Eu sinto muito ter que colocar um capítulo tão triste depois de comemorar que chegamos a 200k, mas é a história seguindo seu rumo.
Teoria fala de amor, de caos, mas o mais importante. Ela fala de escolhas. Quando eu comecei a escrever teoria, o enredo brotou de uma vez na minha cabeça, e esse capítulo é um dos mais difíceis de escrever, pq eu queria sentir a dor da Camila (personagem) enquanto escrevia, e isso foi emocionalmente desgastante.
Alejandro foi um péssimo pai pra ela na sua adolescência, mas ele sempre foi presença constante na mente dela, pq ela o ama. Acima de qualquer coisa ela o ama e é por isso que o capítulo se chama ponto de ruptura. A Camila de antes rompeu-se com a Camila do "agora", porque perder o pai é algo que nos molda pra sempre.
O desing de teoria mudou, e agora vamos largar as coisas mais alegres para ir lentamente indo ao tom azul e frio. Chegar nesse ponto, também quer dizer que estamos chegando ao fim. Alycia e Sophie são um casal muito querido, mas é isto... Preciso de conflito pra ter história. Não me matem, ainda não... Terão mais motivos daqui pra frente. Mas nada de desespero, eu sei exatamente o que estou fazendo, ok?
O que acharam do capítulo de hoje?
Vejo vocês em breve.
Love you guys.
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