27 - Ouro na fronteira
Agora
O circo se posicionou na montanha da província Xae, onde o vento soprava mais forte. Apesar de um clima um tanto seco, ali sentiam um certo alívio. No entanto, estabilizar as lonas no chão tinha dado a eles um bom trabalho. Aiyra estava olhando o pôr do sol ir do laranja forte ao vermelho no horizonte. Seu cabelo esvoaçava para trás conforme o vento soprava e ela sentia um vazio diferente na nuca. Havia passado por um momento de transformação estética assim que chegou e uma destas etapas consistia em cortar o seu cabelo. Curto e reto, aquilo que parecia um grande pano preto agora batia no máximo no seu queixo. Sentia uma espécie de frio estranho pela falta do comprimento que fazia companhia para ela desde sempre.
Passou lentamente a mão pelo braço. Ainda sentia os pelos de seu corpo caindo, como uma memória de sua pele pelo que havia passado algumas horas antes. Ela estava brilhante e sedosa, assim como sua pele do rosto e seu cabelo. Todavia, sentir que chegou naquilo que queria dava uma certa sensação de incerteza. Se desejava realmente aquilo, se valera de fato a pena, então o que faria agora que tinha alcançado seu objetivo? Será que seria sempre assim? Galgando lugares invisíveis para descobrir que não são suficientes apenas quando chegou lá? Muitas reflexões passavam pela cabeça dela naquele momento, mas não as absorveu por completo. Isto iria significar ter de fazer alguma coisa. E o que poderia fazer agora se não seguir em frente e arcar com as consequências de suas escolhas?
- Por que não vai com Zyskla ao povoado?
Ela se virou, surpresa por não ter percebido que Pefrus havia se aproximado.
- Acha que seria uma boa ideia? - cruzou os braços na frente de seu corpo.
- Na verdade, faz parte de suas tarefas. Em algum momento você terá que saber por conta própria como trazer novos integrantes ao circo. - ele pegou levemente em suas duas mãos, uma por vez, e as descruzou. - Ayandha é um país muito rico em possíveis pessoas para as atrações disponíveis antes e depois dos espetáculos, para aqueles que querem um entretenimento... diferente.
- Eu nunca vi essas atrações. Poderei vê-las algum dia ou isto não faz parte do meu trabalho? - perguntou, desafiadora.
Pefrus sorriu.
- Garanto que você verá muito em breve, já que deseja tanto. - ele passava o dedão no pulso da outra enquanto falava.
- Ótimo.
Ela deu um beijo no rosto dele e saiu à procura de Zyskla.
Uma pessoa montada num elefante não é uma pessoa difícil de se achar. Lá estava ela, acariciando Esme quando Aiyra chegou.
- Vamos? - e imediatamente estendeu a mão para Aiyra.
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O povoado da província Xae era cheio de lindas cabanas e parecia muito aconchegante visto de fora. O sol queimava a pele das duas meninas que passavam por ali enquanto as pessoas abriam caminho de forma casual. Aiyra estranhou mas, quando Zyskla revelou que dali havia vindo Esme, ela entendeu. Este tipo de coisa era muito mais comum que em outros lugares. Quando você retira algo trivial de seu contexto original, ele se torna exótico. Não para o povo de Ayandha que, com suas roupas brilhantes cor de ouro, laranja e rosa, estava acostumado a ver a princesa passear por ali com frequência. Via-se ouro e jóias por todos os lugares. O circo não era tão extraordinário assim ali, sem seus truques e apresentações. Seria difícil atrair os olhos daqueles que não vêem nada de novo.
- Tudo bem, vamos para o norte. - como que lendo a mente de Aiyra, mudou a direção de Esme. - A fronteira da província Xae com a Yawimi é um bom lugar para começar.
- Por quê?
- É um lugar com muitos conflitos. Essas duas províncias possuem pensamentos muito diferentes e foram obrigadas a conviverem juntas por muitos anos durante a colonização do rei de Tsyarah. - ela limpou o suor que se acumulava na testa. - Hoje, possuem seus próprios reis e rainhas e não são mais impedidos de se comunicarem na sua própria língua, mas a tensão ainda é presente.
- Então como vamos falar com eles? - Aiyra repetiu o gesto da outra quando sentiu gotas descendo até o seu pescoço.
- Também falam o idioma universal. Eles mantêm os dois. Um para perpetuar suas raízes, outro para não serem mais enganados por estrangeiros.
Andaram no sol por um longo tempo, passaram por um espaço aberto e seco, sem vegetação, até que chegaram à fronteira. Algumas armas estavam apontadas para o outro lado, e outras para a direção que elas estavam vindo. Aiyra precisou apertar os olhos para enxergar que haviam pessoas ali segurando aquilo que identificou, de fotos que já havia visto, como bestas. As extremidades pontudas soavam desafiadoras, ninguém ousaria colocá-las à prova. As roupas dos soldados eram douradas de um tom quase que perfeitamente clamufado na terra seca e brilhante. As torres nas quais ficavam eram como que feitas de areia e o muro que separava as províncias feito de ouro. Nem mesmo nos livros vira algo tão exuberante e assustador ao mesmo tempo.
Uma menina, que parecia uma criança, acabara de atravessar o muro e chorava como ninguém. Sua boca aberta, berrava em desespero. As mãos caídas para a frente, balançavam conforme ela corria. Usava apenas uma calcinha bem larga e branca. Suas pernas e braços eram muitos finos, mas seu estômago era estufado. Os soldados nem se mexiam, pareciam acostumados com isto.
- Desnorteada e sozinha, vindo na nossa direção. Nem precisamos procurar. Ela será perfeita e eu continuo sendo muito boa no que faço. - disse, com um sorriso de satisfação no rosto e cutucando Aiyra com a ponta do cotovelo.
Assim que desceram, Zyskla abriu os braços para receber a menina, que passou direto e grudou na perna de Aiyra. Ali, longe do circo e de conflitos de províncias, as duas pareciam mãe e filha. O tom de pele chocolate e o cabelo macio e cheio como uma nuvem a lembraram de Guinu, e ela se indagou se a filha deles dois seria assim, como aquela desconhecida que abraçava com força as suas pernas. Pensou nele, pensou em casa, depois de muito tempo.
A menina agora chorava em silêncio e Aiyra começou a sentir suas próprias lágrimas descerem de seu rosto. Quentes e grossas, elas escorriam e caíam de seu queixo até encontrarem o cabelo daquela que a abraçava.
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