22 - Primeiro encontro pela madrugada

Agora

O suor escorria pelo rosto de Aiyra conforme ela fazia as repetições dos exercícios necessários para afinar seus braços e lhe dar forças para realizar as variações dos números de Pefrus. Precisava estar pronta para atender imediatamente ao que ele pedisse. Não sabia muito se queria ficar no lugar de Jasným. Zyskla estava sobrecarregada por ter que fazer outro além de seu próprio número, mas Aiyra não sentia tanta pena dela a ponto de querer virar o novo bichinho de estimação de Pefrus. Ele era sedutor e enigmático, mas as coisas que fazia a deixavam com medo. Principalmente por não entender a lógica dele, como ele pensava e o que o motivava. Seu passado também era uma incógnita.

O clima com as meninas estava tenso. Ália Brosan, como Pefrus identificara a menina de cabelos vermelhos e grandes olhos, não havia ido falar com ela naquele dia. Provavelmente estava muito envergonhada para lhe dirigir a palavra. Ou estava frustrada por seu plano não ter dado certo. Aiyra pensou se tratar da segunda opção. Afinal, era mais provável que uma pessoa que havia acabado de tentar te passar a perna estivesse com raiva por não ter sido bem sucedida do que arrependida e ressabiada. Quando pensava na palavra que saíra da boca de Zyskla na noite anterior sentia um frio na espinha. Mortal. Não sabia que existiam pessoas capazes disso para conseguir o que querem. Era bom saber. Da próxima vez que viessem, estaria preparada.

Ela olhou ao redor para as rosas vermelhas que decoravam o local. Era incrível como não perdiam a cor. Parecia que só elas estavam paradas no tempo desfrutando de serem jovens para sempre. Havia acabado de pensar isto quando viu de relance com a sua visão periférica um pequeno vulto vermelho vindo ao chão. Uma pétala jazia ali, solitária e fria. Após terminar seu treino, ela se abaixou e pegou-a do chão. Levou para a sua cama e deixou embaixo do travesseiro para lembrá-la do foco que deveria possuir se queria ter um número solo e independência como Zyskla.

Depois do que acontecera com Badika, ela estava desconfiada. Não sabia em quem poderia acreditar e fazia o possível e o impossível nos seus treinamentos para que conseguisse um dia ter tempo para dar algumas escapadas. Queria muito que o Circo de Xalen um dia fosse para a Vila novamente. Pensou em Guinu e na pergunta que ele lhe fizera antes de sua partida. Bom, ela queria voltar e tinha alguém com ela. Não sabia como seria a recepção dele, mas levaria Badika consigo. Ela estava decidida a voltar. Tinha alguém para levá-la de volta, afinal.

Inclusive, estava com saudades de seu amigo, mas decidiu ser mais discreta dali em diante. Estava começando a entender a dinâmica daquele lugar e como as pessoas funcionavam. Ela faria o circo voltar para a Vila, tinha certeza disto.

Naquela noite, não conseguiu dormir por muito tempo. Ainda era madrugada quando despertou. Gemeu de dor quando sentiu seus músculos cansados reclamarem dos movimentos que ela insistia em fazer ao levantar-se da cama. Se espreguiçou mesmo dolorida e ouviu alguns ossos se estalarem. Saiu, cambaleando enquanto bocejava.

As noites em Tsyarah eram frescas, mas não frias. O vento que soprava tímido deixou a pele de Aiyra gelada. Ela gostava disso, esse frescor durante a madrugada sem que precisasse tremer e bater os dentes.

Deu um pulo quando ouviu um barulho mais à frente e desejou ter levado alguma coisa para iluminar o seu caminho.

Seguiu andando em direção ao ruído. Preferia descobrir logo o que era do que passar o resto da noite sendo corroída pelo medo daquilo que sua mente achava que poderia ser. Havia mudado muito nos últimos meses.

Na direção dela, vinha uma silhueta que ainda não havia distinguido muito bem, mas sabia que era uma pessoa pelos passos que ecoavam no silêncio da noite.

Pelo tamanho, devia ser Gisar Gatif. Fazia dias que não o via e estava com saudades de seu amigo brutamontes do coração mole. Mas descartou esta possibilidade quando distinguiu que eram duas pessoas. Uma alta e outra mais baixa que estava encurvada e com os cabelos desgrenhados.

- O que faz acordada a esta hora? - disse, firme.

Aiyra reconheceu a voz de Pefrus imediatamente.

- Perdi o sono, então decidi sair para uma caminhada. - sua voz também estava firme.

- No meio da noite? Pode ser perigoso, não acha?

- Não, o que poderia acontecer?

- Não sei, talvez um bicho selvagem poderia te atacar.

Então ele chegou perto o suficiente para revelar que ao lado dele estava Ália Brosan.

Arregalou os olhos e prendeu o ar por um segundo. Não fosse pelos cabelos vermelhos, Aiyra não reconheceria a garota. Seu rosto estava acabado. Não mais pálido e rosado, o roxo tomava conta de sua face inchada e machucada, junto com tons de vermelho que ela julgou ser sangue. Tanto a roupa dela como a de Pefrus estava completamente ensanguentada. A menina arfava com dificuldade e piscava devagar seus olhos escondidos num inchaço roxo profundo. Também era possível ver alguns cortes no seu pescoço e nos seus braços. Ela não podia imaginar duas coisas: o que estaria por debaixo das roupas e o que teria provocado aquilo.

Tremeu com a visão a sua frente. Era terrível. Queria parar de olhar mas não conseguia. Tentar disfarçar sua reação a esta altura era inútil.

Pefrus deu uma risada discreta antes de interromper o silêncio.

- Vê o que aconteceu com Ália? Não se manteve em seu quarto e foi atacada por um urso. - ele largou a menina e começou a andar em círculos - Existem muitos ursos nessas redondezas. Um perigo! Não sei o que aconteceria se eu não tivesse chegado a tempo! Não é mesmo, minha querida?

Ália balbuciava mas não era possível entender uma palavra. Sua boca estava enorme, assim como suas bochechas e ela falava como se sua língua tivesse virado um ovo. De um súbito, começou a pender para o lado.

- Opa! Peguei você! - Pefrus chegou com agilidade e rapidez para segurá-la antes que chegasse ao chão, então virou-se para Aiyra. - A pobre machucou sua perna, uma pena! Ela precisa descansar agora. Mil perdões por não poder ficar e desfrutar da sua companhia, mas devo me retirar. Prometo compensar o inconveniente algum dia. Até mais.

Aiyra não conseguia falar nada. Apenas observava enquanto iam para longe. Quando não pôde mais vê-los nem ouvir seus passos, foi para o seu quarto. Estava mais agitada que antes de sair para caminhar.

Naquela noite, quando conseguiu pegar no sono, teve diversos pesadelos com uma menina de cabelos vermelhos e rosto desfigurado.

No dia seguinte, Pefrus explicou para ela que Ália Brosan quebrara a perna tentando fugir do urso e havia decidido ir para casa pois não poderia mais treinar.

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