19 - A Floresta das Árvores Altas

Antes

A Floresta das Árvores Altas se erguia de frente para eles, imponente, balançando suas folhas ao som do vento de primavera naquela madrugada. A lua e as estrelas banhavam de luz quem ali se encontrava e iluminavam discretamente, quase como se estivessem tímidas, o lugar onde estavam. Pisavam numa areia úmida e a sentiam abraçar seus pés com o frescor do sereno que ali havia caído instantes antes. O vento gelado mais refrescava do que fazia os dentes baterem de frio. Era como se as narinas estivessem sendo purificadas por respirar aquele ar tão puro. Aiyra fechou os olhos e sorriu, com satisfação.

Trix a olhava de longe de testa franzida enquanto voltava para casa com seus avós e seu irmão. Era muito nova para ir à praia.

Apesar de já ter anoitecido por completo, o ambiente não estava tomado pela escuridão. Difícil tarefa é explicar este fenômeno, todavia uma tenra luz os iluminava em meio à floresta e podiam ver uns aos outros enquanto andavam. Alguns seguiam o caminho até a praia cantando antigas cantigas, outros falavam alto e davam risadas, o clima era de muita alegria e liberdade. Aiyra sentia-se livre por poder finalmente participar deste momento da cerimônia. Dentro de si, a vontade que sentia era a de abrir os braços e correr pela floresta, respirando aquele ar extremamente puro e refrescante até chegar à praia e, cansada, se deliciar com a água do mar.

Olhou para o alto e desejou saber os segredos que as folhas cochichavam entre si com o farfalhar que preenchia seus ouvidos. Sentiu-se inserida na conversa quando ouviu as flores no adorno de sua cabeça balançaram como quem responde suave e positivamente a uma pergunta. Percebeu que isto era suficiente e não ousou mais querer se meter naquele diálogo. Eram segredos da floresta.

Sem nem perceber, pisou forte numa grande raiz e quase perdeu o equilíbrio. Guinu tentou alcançá-la mas ela recobrou-se a si rapidamente. Entretanto, percebendo o gesto do rapaz, lançou para ele um breve sorriso de agradecimento. Olhou para trás de novo e o avistou novamente, que por sua vez apertou o passo para chegar ao lado dela.

- É muito bonita, não é? - perguntou com as mãos para frente e olhando para o alto.

- O quê? - indagou sentindo seu rosto esquentar de vergonha, pois pensava que se tratava dela o elogio.

- A Floresta das Árvores Altas. - disse, respirando fundo enquanto fechava seus olhos.

Ela agradeceu a Kreinto que Guinu não prestara atenção em sua reação. Limpou o pouco de suor que surgira em sua testa e se recompôs antes mesmo que ele percebesse algo.

- Sim, claro. - Aiyra olhou novamente ao redor, lembrando de seus devaneios. - De fato, é uma floresta muito bonita, bem diferente da que fica ao Nordeste, no limite da fronteira.

- Você já foi para o limite da fronteira? - Guinu abriu os olhos e olhou para ela com a testa franzida enquanto perguntava - Não sabia que era permitido crianças por lá.

- Eu costumava ir com meu avô quando era mais nova para estudar diferentes espécies de plantas. - explicou, tocando uma das folhas que estavam ao seu alcance.

- Pensei que se assemelhava a esta aqui, com árvores altas e densas. - ele olhou para a frente. Só haviam árvores, nenhum sinal da praia.

Os dois olhavam a paisagem que os cercava enquanto conversavam.

- Na verdade, aquela floresta é muito vasta. Existe todo tipo de verde lá. Me pergunto o que esta aqui guardaria durante o dia também. - enquanto falava, em sua cabeça passava infinitas possibilidades.

- Bom, na volta você poderá explorar já que voltaremos apenas pela manhã. Quem sabe eu também não acho alguma espécie que valha a pena pintar?

Ela deixou as árvores e virou seus olhos para ele bruscamente com os olhos semicerrados.

- Desde quando você pinta?

- Comecei recentemente, apenas para ter registrado momentos que valham a pena. - ele deu um leve sorriso, achou graça do espanto dela -  Quero poder contribuir para o acervo da senhora Yeda, quem sabe um dia meus filhos e netos não se beneficiarão dos meus relatos em tela?

- Você pensa nos seus filhos e também nos seus netos?! - ela agarrou seu vestido e se mexia freneticamente enquanto falava. - Mas estão tão longe! Não te dá uma aflição e angústia o fato de que ainda não os têm consigo?

Por outro lado, Guinu permanecia sereno observando as árvores e olhando para ela vez ou outra.

- Não, pensar no futuro me dá motivos para ter paciência. Em você não?

- De forma alguma! - os seus cabelos se moviam de um lado para o outro com sua agitação - Pensar no futuro me dá agonias sem fim.

- Por que pensa isso? - ele levantou as sobrancelhas.

- Não sei, esperar é terrível. Me sinto parada no tempo. - ela ajeitou pela terceira vez o adorno pois se escorregava conforme ela balançava a cabeça - Gosto de ter as coisas acontecendo no seu devido tempo, detesto me sentir atrasada.

- Bom, eu tenho para mim que não sabemos qual o devido tempo, então também não sabemos quando estamos atrasados. - as mãos dele pendiam para os lados, pesando os ombros para baixo, como que largadas ali e iam para a frente e para trás, despreocupadamente, conforme ele caminhava.

Aquela frase fora como um baque para Aiyra, era como se Guinu fosse indiferente aos seus problemas e queixas. Queria que ele a apoiasse, não que discordasse dela. Naqueles dias, infelizmente, ela ainda não tinha entendido que as duas coisas não eram antagonistas nem mesmo antíteses.

- Quando você fala assim, soa como um Sábio Prudento. - retrucou amarga e rancorosamente. - Tem interesse em se tornar um?

- Talvez, acredito que estou perto de descobrir o que quero na verdade, mas não tenho pressa. - esse assunto o empolgava e ele gesticulava conforme falava. - Creio que a certeza é melhor que a precipitação.

Não acreditava no que estava ouvindo. Parecia, para ela, que Guinu a estava rejeitando. Ela que tanto queria casar-se logo e ele nem para escolher o que queria fazer para agilizar as coisas. Sentia que era a única que se importava com o futuro dos dois. " Talvez", pensou, "nosso futuro juntos não esteja tão certo quanto eu pensava, talvez ele esteja cogitando alguma outra, quem sabe?".

- Eu só não queria mais ter que esperar, entendeu? - ela lançou para ele um olhar significativo.

- Entendi. - ele respondeu ambos: o olhar e a pergunta.

Guinu era aquele tipo de pessoa que desenvolveu-se tanto com os livros que passou a ter dificuldades de entender emoções. Se Aiyra não fosse seu amor desde a infância, ouso dizer até que ele optaria por permanecer sozinho. Conhecer e entender como alguém funciona era muito dispendioso para alguém tão reservado como ele. Preferia manter-se ao lado de Aiyra, de quem conhecia até mesmo os imprevistos e suportava os defeitos. Sabia bem o que esperar dela. Ainda assim, ouso dizer que em nossas mentes existem abismos que muitas vezes nem nós mesmos conhecemos.

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