16 - A Festa das Abelhas

Antes

A Festa das Abelhas, como qualquer outra da Vila de Prudenta, servia para um único propósito em comum: relembrar as evidências de Kreinto. Passada duas semanas do começo da primavera, todas as flores já abertas, as abelhas apareciam para trabalhar e fornecer o mel que era capaz de curar muitas doenças. Não gostavam de chamá-lo de elixir, pois assemelhariam a providência de Kreinto aos mitos de não-prudentos. Apesar disso, o mel era importante e a Festa das Abelhas servia para comemorar o alimento de cada dia e como aquele ser tão poderoso cuidava deles e pensava nos mínimos detalhes.

Com o tempo, esta tornou-se a festividade mais importante, pois o motivo de a comemorarem os deixavam muito felizes. Portanto, as brigas e desavenças que aconteciam em meio às outras comemorações do ano, eram cortadas antes que crescessem e formassem frutos de desentendimento.

As abelhas, além de fornecerem o mel tão especial para estes habitantes, mostrava-os o foco e a determinação em viver o propósito de Kreinto para a vida delas. Trabalhavam incessantemente para servi-los e isto significava muito. Tinham o mito de que se uma abelha os picasse, o que muito raramente acontecia, esta pessoa seria muito bem sucedida na sua vida.

Para Guinu Fantený, havia um motivo a mais para que a Festa das Abelhas fosse a mais importante. Era a primeira vez que havia dançado com Aiyra, seu amor de infância. Desde pequeno, ele era do tipo de criança prodígio que seguia todas as regras e era elogiado por todos os adultos. Fora a criança mais nova de sua geração a aprender o kalimba, sempre era o mais comportado nas festas e ajudava os mais velhos sempre que podia. Sua família não era como os Vitania, mas era benquista, visto que tinha em sua linhagem o primeiro Sábio Prudento da vila, Nabas.

Os Fantený eram aquele tipo de família que se agarravam a uma pessoa de seu sangue para provarem seu valor. Por muito tempo, sempre fora Nabas Fantený, mas com o passar dos anos, foram caindo no esquecimento já que ninguém muito notável aparecia para renovar-lhes a reputação. Quando começara a dar seus primeiros passos, Guinu fora picado por uma abelha no meio da cerimônia. O menino ficara muito mal e de cama por muitos dias, mas quando viram que sobreviveu, tornaram para ele o fardo de carregar a reputação da família de volta para o topo. Começaram, então, a investir nele como se investiria em um rei.

Todos estes esforços acabaram dando certo, visto que era tão bem estimado entre os prudentos que apenas ele era considerado à altura de Aiyra. Os Vitania eram uma espécia de realeza sem que de fato fossem. Guinu, para os Fantený, era uma espécie de príncipe plebeu. Todavia, quem olhasse para o rapaz com outros olhos veria o fardo de carregar toda uma família nas costas.

Guinu costumava se abrir com Aiyra nas poucas vezes que tinham oportunidade de conversarem sem que ninguém os ouvisse. Não foram muitas vezes, como você já deve estar imaginando, mas era o suficiente para que ela se sentisse à vontade para também confidenciar-lhe algumas coisas. Em alguns momentos, era preciso apenas que trocassem um olhar para que ambos rissem discretamente. Entendiam um ao outro.

Senhor Rerovius e todos os sábios prudentos estavam de pé para a cerimônia. Os anciãos que haviam escolhido para si outro ofício que não o de sábios encontravam-se sentados nos bancos ou no chão com o resto das pessoas. Cada família poderia providenciar o seu assento durante os preparativos para a festa. Eles teriam que fazer um pequeno ajuntamento de terra apenas alto o suficiente para que os homens e as mulheres pudessem sentar mantendo as pernas fechadas. Faziam uma mistura logo cedo e deixavam o dia todo para secar e endurecer. Ao fim de tarde, forravam com um pano feito pelos tecelãos especialmente para a Festa das Abelhas. Os Vitania sempre se atrasavam para montarem seus assentos ao chão, pois sabiam que o lugar privilegiado seria deles, não importando quem chegasse primeiro.

Portanto, lá estavam eles. Pouco depois dos Sábios Prudentos encontravam-se os Vitania. Do outro lado, de frente para eles, estavam os Fantený, que haviam "escalado" durante os anos este assento com muito suor graças a Guinu, o orgulho da família.

Em pé, de frente para todos, estava senhora Atemia Walýa, a sábia prudenta viva mais antiga da vila. Ela era a responsável por realizar a cerimônia da Festa das Abelhas, pois acumulava quase seis décadas de experiência. Se apoiava na sua bengala de bambu com a mão esquerda e com a direita segurava o Sankta. Apesar de alguns prudentos argumentarem a favor de substituir as antigas tradições por outras melhores, a senhora Atemia nunca permitiu que mexessem na leitura do livro sagrado. Dizia que quanto menos as novas gerações ouvissem o Sankta, menos saberiam os motivos das comemorações. Depois de explicar, sempre dizia uma frase que todos já estavam cansados de ouvir e que atribuíram a ela, quando na verdade estava escrita no livro sagrado: "Para acreditar, é preciso ouvir, e ouvir do Sankta."

Já falava com dificuldade, o que fazia difícil de ouvir sua voz, mas havia um respeito tão grande por ela que o silêncio era absoluto. Ela fazia uma boa leitura do livro sagrado, com entonação e muita vida. Até os bebês paravam para ouvi-la durante a cerimônia. Era como se o próprio Kreinto falasse aos seus corações.

Após a leitura do Sankta. Todos se levantavam e fechavam os seus olhos enquanto a mais antiga sábia prudenta viva invocava a Kreinto. Nesse momento, acontecia o fenômeno que mais impressionava um não-prudento recém chegado. De dentro do peito daqueles presentes começava a emanar uma luz lentamente, como uma flor desabrochando. A cada instante, brilhava mais forte e mais forte e mais forte. Até que começavam a sentir seus corações queimarem e a esboçar um sorriso no rosto por tamanha paz que sentiam. Nenhum livro e nenhum sábio em nenhum momento da história soubera por em palavras este momento como de fato acontecia. Não sei se você é um prudento ou um não-prudento, mas tento aqui dar o meu máximo para fazer com que você, leitor, tente ter uma pequena dimensão do que acontecia.

Claro que um ou outro abria os seus olhos para fazerem uma espécie de inspeção da luz alheia, julgando quem era mais ou menos puro pela intensidade. No dia seguinte, fofocas espalhavam-se sobre alguém estar começando a dar lugar a impurezas dentro de si. Entretanto, os sábios sempre tentavam abafar tais boatos para que a vila não inflamasse em brigas logo após uma festa tão importante, o que apagaria completamente o foco de tais comemorações. Algumas vezes adiantava, outras não, mas os sábios prudentos sempre tentavam. No final de tudo, as próprias pessoas que eram curiosas demais para manterem seus olhos fechados acabavam perdendo o brilho com o tempo e, felizmente, abandonavam a lamentável prática de espalhar boatos. Aqueles que a continuavam, logo deixavam a vila. Como eu havia dito antes, ninguém que não amava a Kreinto conseguia permanecer ali. Eventualmente, provocando confusões ou não, iam embora.

Uma das coisas mais importantes que estavam escritas no Sankta era a necessidade que tinham de trazer à memória os atributos e feitos de Kreinto. Ora, fora ele mesmo quem inspirara o livro sagrado e escrevera que amar a ele era, na verdade, obedecê-lo.

Aqueles, porém, que sabiam o motivo da festa mantinham-se de olhos fechados e concentrados até o fim. Era como se Kreinto os visitasse e agora estavam revestidos de tamanha força que conseguiriam sobreviver às adversidades que, cada vez mais frequentes e intensas, os assolavam.

Ao som da primeira nota pela harpista líder, todos os outros instrumentos, com exceção ao kalimba, a seguiam. Um por vez, como no começo, mas desta vez mais rápido, levando apenas alguns poucos minutos até que chegasse a vez das crianças que, ao invés de tocarem, se levantavam e tomavam seus lugares para a dança. As mais novinhas se remexiam de um lado para o outro como se houvessem formigas em seus assentos. Não viam a hora de poderem se levantar para fechar a cerimônia com a linda dança que vinham preparando há algumas semanas.

Desta vez, cada um carregava consigo um cesto com flores. No cesto de Andrius haviam apenas flores de pétalas laranjas.

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