𝟎𝟒𝖝𝟐𝟕 '𝕿𝖍𝖊 𝕻𝖗𝖎𝖓𝖈𝖊 𝕽𝖊𝖌𝖊𝖓𝖙 𝖇𝖊 𝖈𝖗𝖔𝖜𝖓𝖊𝖉'
Alyssane estava sentada à mesa, o prato à sua frente intocado, o vapor da comida recém-servida se dissipando no ar. Alicent, sentada ao lado, insistia em um tom suave, mas firme:
— Você precisa comer, Alyssane. Não pode continuar assim.
Alyssane mal ouviu as palavras da mãe, seus olhos perdidos nas dobras do guardanapo em seu colo. O cheiro da comida enjoava-a, mas não tanto quanto a presença constante de Alicent, que agora parecia fazer questão de ser a mãe que nunca fora antes.
Irônico, pensou, que todo esse esforço materno viesse depois da morte de Daeron, como uma tentativa tardia de redenção. Alicent se esforçava tanto agora, querendo ser atenciosa, uma figura materna sólida, mas para Alyssane, tudo aquilo era um teatro vazio.
— Não tenho apetite — respondeu, sua voz baixa e vazia, sem o menor vestígio de emoção. O simples ato de falar parecia exaurir suas forças.
A verdade era que o que realmente a corroía não era o vazio do estômago, mas o fato de que sua mãe, a grande rainha-mãe, estava dormindo com o homem que deveria estar protegendo seus filhos. Criston Cole, o leal espada juramentada, aquele que deveria ser o escudo de sua família, tinha escolhido compartilhar a cama de Alicent enquanto Daeron estava sendo morto.
Ela apertou os punhos, as unhas machucando a palma de suas mãos. A lembrança da morte do filho a perseguia como uma sombra gélida, e saber que, enquanto ele morria, a segurança de seus filhos e de sua família estava sendo negligenciada em troca de momentos de prazer sujo... aquilo lhe causava uma repulsa profunda.
Foi nesse momento que a porta se abriu, abrupta demais para o ambiente delicado que Alicent tentava criar. Otto Hightower entrou, o rosto pesado, como quem carrega uma notícia amarga. A sala pareceu mergulhar em um silêncio denso, os sons do castelo desaparecendo para Alyssane. Ela ergueu o olhar com lentidão, sentindo um pressentimento se formar no fundo do estômago.
— É com grande pesar que trago notícias sombrias... o rei Aegon... está morto. — Otto começou, seus olhos fugindo dos de Alyssane e se fixando em Alicent, que se levantou de imediato, com o coração na garganta.
Alyssane sentiu como se o tempo tivesse parado. O peso das palavras de Otto desmoronou sobre ela, mas não com choque, e sim com uma fria confirmação de algo que ela já sabia em seu íntimo. Ela havia visto a espada de Aegon no cinto de Aemond. Ela sabia que isso estava por vir. Mas ouvir as palavras de Otto fez tudo parecer real de uma maneira diferente, final.
Alicent levou a mão à boca, o choque evidente em seus olhos. A mulher que acabara de tentar cuidar de Alyssane como uma mãe zelosa agora parecia desmoronar diante de seus próprios medos. Ela cambaleou para trás, como se o golpe fosse físico.
— Não... — sussurrou Alicent, a incredulidade manchando sua voz, antes de levantar o olhar para Otto, desesperada. — Como isso aconteceu?
Otto hesitou por um momento, seus olhos severos se suavizando levemente ao encarar a filha, mas sua voz permaneceu firme:
— Após a batalha em Pouso das Gralhas. Ele... não resistiu aos ferimentos.
Alyssane sentiu o ar ao seu redor rarefeito, como se a sala estivesse se fechando sobre ela. As palavras de Aemond ecoaram em sua mente: "Ele não vai sobreviver." Claro que não. Não com Aemond determinado a garantir que ele não vivesse.
Quando Otto terminou de falar, o silêncio na sala foi cortante, pesado como a lâmina de um machado. Alicent estava trêmula, os olhos marejados de lágrimas contidas, mal conseguindo processar a notícia da morte de Aegon. Ela mal teve tempo de reagir quando as portas da sala se abriram novamente com um estrondo. Aemond entrou, a postura altiva, o rosto marcado pela expressão de quem já havia calculado todos os seus próximos passos.
Quando Aemond entrou na sala, sua presença parecia esmagadora. O silêncio se tornou opressor, e os olhos de Alicent, ainda marejados pela notícia da morte de Aegon, se voltaram para o filho mais novo, procurando algum consolo ou explicação. Mas havia algo diferente nele. A rigidez nos ombros, o olhar frio e implacável... era como se ele já tivesse se distanciado de tudo aquilo. A sala, por um breve instante, pareceu muito pequena para a intensidade que ele carregava consigo.
Alicent, lutando para manter a compostura, deu um passo à frente, as mãos trêmulas tentando se agarrar a algum vestígio de controle.
— Aemond... — sua voz era um misto de dor e confusão. — Aegon... está morto. Meu filho... o que vamos fazer agora?
Aemond a interrompeu com um movimento brusco da mão, nem mesmo permitindo que ela terminasse a frase.
— Eu sou o rei agora — ele disse, com uma frieza cortante, como se as palavras de Alicent fossem insignificantes. Não havia espaço para luto em sua voz, apenas uma afirmação de poder, implacável e indiscutível.
Alicent piscou, sem entender, a incredulidade tingindo suas feições.
ideia de que ele reivindicava o trono tão rapidamente, sem hesitação, sem remorso, parecia um golpe para a mãe que ainda estava processando a morte de Aegon.
— Aemond, ele... ele ainda era seu irmão — ela tentou, em um tom hesitante, quase suplicante.
Mas Aemond não mostrou compaixão. Seus olhos estavam distantes, frios como gelo.
— Ele era uma vergonha — respondeu, ríspido, o desprezo impregnando suas palavras. — Um rei que não merecia o trono que ocupava. Agora, as coisas serão diferentes.
Alyssane, que até então havia permanecido quieta, sentiu o peso de tudo aquilo cair sobre ela. Algo dentro dela, profundo e instintivo, já sabia a verdade. Ela conhecia Aemond o suficiente, sua ambição, seu desejo feroz de controle. A morte de Aegon não fora uma simples consequência da batalha, e ela sabia disso sem que ele precisasse dizer.
— Aemond... você não pode simplesmente... — começou Alicent, a voz embargada pelo desespero, a dor de perder um filho ainda fresca em seu coração.
Aemond, impassível, interrompeu-a com rudeza:
— Vou ser coroado antes do fim do dia, mãe. — Sua voz cortante fez a sala inteira parecer gelar. Ele se virou para Otto, que observava em silêncio, atento a cada palavra. — Certifique-se de que tudo esteja pronto. Não temos tempo a perder.
Otto assentiu com um leve movimento de cabeça, o semblante sério, embora seus olhos calculassem o impacto de cada decisão. Alicent, no entanto, não pôde conter a indignação que transbordava diante das palavras do filho.
— Você vai se coroar agora? — Ela deu um passo à frente, a voz trêmula de incredulidade. — O corpo de Aegon nem esfriou! Ele era seu irmão, Aemond!
— Era uma desgraça para esse trono e para esta casa. Agora estou aqui para consertar os erros que ele deixou. — Ele lançou um olhar breve, mas significativo, para Alyssane, cujos olhos estavam fixos nele, uma mistura de choque e entendimento atravessando seu rosto. — E pela noite, me casarei com Alyssane.
Aquelas palavras atingiram Alicent como um golpe. Ela não pôde acreditar no que ouviu, os olhos arregalados de surpresa. Seu próprio filho agora expunha seus planos de maneira tão despudorada, sem sequer esconder suas intenções.
— Isso é uma loucura! — Alicent exclamou, erguendo a voz. — Alyssane é a rainha viúva de Aegon! Não há honra nisso, não há decência! Você está desrespeitando tudo o que nossa família representa!
Aemond girou lentamente para encará-la, seu rosto inexpressivo, mas os olhos brilharam com uma fúria contida. Ele caminhou em direção a Alicent, parando diante dela com uma frieza aterradora.
— Honra? Decência? — Sua voz era um sussurro venenoso. — Acha que restou alguma coisa disso em nós, mãe?
— Eu sou o rei agora. E Alyssane será minha rainha.
Alicent respirou fundo, quase ofegante, os olhos fixos no filho com um horror crescente. Era como se ela estivesse diante de um estranho, alguém que não reconhecia mais. Ela sentiu um peso sufocante, a angústia de ver no que ele havia se tornado.
— Você está fora de controle, Aemond... — murmurou, a voz vacilante. — Isso não vai acabar bem...
Aemond sorriu de canto, um sorriso que não trazia nenhuma alegria, apenas a certeza fria de alguém que já havia traçado seu caminho.
— Não estou fora de controle, mãe. Estou finalmente tomando o controle que me foi negado por tanto tempo. — Ele olhou para Otto novamente. — Faça os preparativos. Hoje à noite, eu e Alyssane seremos um.
Alicent tentou falar, mas sua voz morreu em sua garganta. Ela sabia que nada do que dissesse mudaria o curso das coisas.
Alicent saiu da sala, visivelmente abalada, e Otto a seguiu com passos firmes, carregando o peso da nova ordem que se instaurava. O silêncio que se seguiu foi pesado, sufocante. Aemond permaneceu na sala, o olhar de predador ainda firme enquanto se movia com uma calma calculada. Ele se aproximou de Alyssane, que estava imóvel, como se o mundo ao seu redor estivesse desmoronando.
Aemond encostou-se casualmente na mesa, o olhar fixo nela. Ele ergueu sua mão e, sem hesitar, tocou o queixo de Alyssane, levantando suavemente seu rosto para encontrar seus olhos. Ela não resistiu, mas o olhar que ela lançou a ele era carregado de uma mistura de dor e resignação.
— Você o matou — murmurou Alyssane, a voz baixa, quase um sussurro.
Aemond, que ainda segurava o rosto dela, não vacilou. Seu olhar era duro, mas havia uma tranquilidade sombria em sua expressão.
— Você já sabia — respondeu ele com frieza, os lábios curvando-se num sorriso amargo. — Não precisa fingir surpresa agora, Alyssane. Não você.
Ela piscou, um tremor percorrendo seus lábios. Havia uma dor profunda em seu peito, uma certeza cruel que ela não podia mais ignorar. A morte de Aegon, a ascensão de Aemond, tudo parecia parte de um destino que ela temia, mas que não conseguira impedir. Ainda assim, ela se recusava a aceitar a verdade mais cruel de todas.
— Eu não vou me casar com você, Aemond — disse ela com firmeza, mas sua voz trêmula revelava o conflito interno que a consumia.
Aemond a soltou, afastando-se alguns centímetros, os olhos dele agora um reflexo da mesma raiva contida que sempre parecia borbulhar abaixo da superfície. Ele a encarou por um momento, deixando o silêncio se arrastar, até que finalmente falou, com uma tranquilidade gélida:
Aemond estreitou os olhos, o sorriso de canto diminuindo até sumir, substituído por um brilho frio e determinado em seu olhar.
— Sim, vai. — A voz dele era inflexível, quase cortante. — Você sempre foi minha, Alyssane. Desde o começo. O casamento com Aegon foi uma farsa. Agora, vamos corrigir isso.
— Não... — ela tentou argumentar, mas as palavras pareciam lhe escapar, como se não tivessem força o suficiente para penetrar a muralha que ele havia erguido ao redor de si.
Aemond inclinou-se mais perto, segurando o rosto dela com ambas as mãos, o toque dele mais firme do que carinhoso.
— Nós vamos reinar juntos — declarou ele, a voz baixa e cortante. — Rhaenyra e Daemon vão pagar por tudo. Por cada traição, por cada gota de sangue que derramaram.
Alyssane sentiu o aperto dele aumentar, os dedos longos enredando-se nos cabelos dela, como se ele estivesse determinado a mantê-la sob controle, a prendê-la na realidade que ele estava construindo com palavras de vingança.
— Eu vou restituir tudo que nos foi tirado — continuou Aemond, com uma convicção implacável. — Nosso sangue, nossa honra... Eu não vou descansar até que Rhaenyra e seus filhos estejam mortos, até que Daemon seja abatido. Eles levaram o que era nosso, e eu vou tomar de volta. E você, Alyssane... — a voz dele suavizou um pouco, quase gentil, enquanto seus polegares acariciavam as têmporas dela — será minha rainha ao meu lado.
Ela piscou, sentindo uma mistura confusa de terror e algo mais profundo, que ela não queria reconhecer. O olhar de Aemond era como um farol de obsessão, uma promessa de poder e vingança, mas o custo... Alyssane sabia que o custo seria sua própria alma.
O silêncio que se seguiu era pesado. Alyssane podia sentir o calor das palavras dele, o peso das promessas que ele fazia, mas uma parte dela, uma parte que ainda tentava lutar contra tudo o que ele havia feito, sussurrava que aquilo era um abismo do qual ela talvez nunca pudesse escapar.
Alyssane respirou fundo, limpando a garganta e forçando suas mãos trêmulas a se moverem com uma suavidade que ela sabia, de tantas outras vezes, ser capaz de acalmá-lo. Ela tocou o peito de Aemond, sentindo a firmeza de seus músculos sob a seda da túnica, antes de deixar seus dedos subirem, lentamente, até o rosto dele. Seu polegar acariciou a linha da mandíbula, e seus olhos buscaram os dele, tão duros e cheios de determinação.
— Aemond... — Sua voz estava frágil, carregada de uma dor que ela tentava manter contida, como uma rachadura que ameaçava se expandir. — Nada disso... nada disso vai trazer o nosso filho de volta.
. Ele fechou os olhos ao toque dela, e Alyssane sentiu a respiração dele se tornar mais lenta, como se estivesse tentando conter uma tempestade que rugia dentro dele.
— Eu sei... — murmurou ele, a voz mais baixa, quase quebrada por um instante. — Eu sei que não vai.
Ela continuou acariciando o rosto dele, sua mão deslizando pela cicatriz que ele sempre tentava esconder do mundo, mas que ela conhecia tão bem. O olhar dela, mais suave agora, buscava se reconectar, alcançar aquele pedaço dele que ainda era o garoto que ela amou, antes de tudo desmoronar.
— Aemond... — sussurrou ela, tentando encontrar algum fragmento de compaixão dentro dele. — Não precisa ser assim.
Ele ficou quieto por alguns segundos, como se suas palavras ecoassem dentro dele, mas então abriu os olhos novamente, mais frios, determinados.
— Pode não trazer ele de volta — disse Aemond, sua voz endurecendo mais uma vez. — Mas vai garantir que ninguém mais tire algo de nós. Vai garantir que ninguém mais machuque você... ou qualquer coisa que nos pertença.
O momento de ternura escapou pelos dedos de Alyssane, como areia entre as mãos. Ela sentiu o vazio crescer entre eles de novo, mas não retirou o toque, mesmo sabendo que talvez nunca o alcançasse verdadeiramente.
— Nosso filho... — ela repetiu, em um último esforço para lembrá-lo da dor comum que compartilhavam. — Ele não gostaria disso.
Aemond recuou ligeiramente, sua expressão tornando-se dura novamente, como se toda a ternura que Alyssane tentara invocar tivesse desaparecido num piscar de olhos.
— Ele era uma criança — disse Aemond, com a voz cortante, cheia de raiva e dor. — E eles o mataram. Mataram nosso filho como se ele fosse nada. Agora, eles vão sentir o mesmo.
O coração de Alyssane acelerou, e sua mão tremia ligeiramente ao deixar o rosto dele. Ela se afastou um passo, os olhos arregalados, o choque estampado em cada linha de seu rosto.
— O que você fez? — perguntou, com um fio de voz, mas já sabendo a resposta.
Aemond a observou, os lábios se curvando num sorriso sombrio e determinado.
— Eu enviei Sor Arryk. Ele vai matá-los, Viserys e Aegon. Eles vão pagar com o sangue de seus filhos.
Alyssane sentiu o mundo girar ao redor dela. Viserys e Aegon. As crianças. Eram tão jovens, menores que Daella. O choque e o horror se espalharam por seu corpo como gelo, prendendo sua respiração no peito.
— Não... — ela sussurrou, o pavor crescendo. — Eles... eles são crianças, Aemond! Crianças menores que a nossa filha.
Ela deu mais um passo para trás, tentando processar a crueldade daquele ato. As imagens dos pequenos Viserys e Aegon vieram à sua mente, a fragilidade deles, a inocência. Eram apenas meninos, não soldados. Não ameaças.
— Eles são inocentes... — completou, quase sem fôlego, sua voz entrecortada de desespero.
Aemond a encarou sem ceder, a intensidade de sua decisão implacável, imune ao choque e horror estampados no rosto de Alyssane. Ele respirou fundo, o tom de sua voz severo e definitivo.
— Já está feito — disse, sem espaço para contestação. — Nada vai mudar isso agora.
Alyssane sentiu o estômago se revirar, a garganta seca e o coração pesado com o peso das palavras dele. Ela tentou balbuciar algo, mas as palavras morreram em seus lábios, esmagadas pela frieza implacável de Aemond.
— Vá se preparar — ele continuou, a voz gelada e cortante. — A coroação será antes do pôr do sol. E nosso casamento logo em seguida.
Ele deu um passo em direção à porta, sem sequer olhar para trás. Alyssane ficou ali, parada, sentindo o vazio crescer ao redor dela. Ela tentou falar, implorar, mas nada parecia ser capaz de atravessar o abismo entre eles agora.
A porta se fechou atrás de Aemond, e ela ficou sozinha, as palavras dele ecoando em sua mente, como um decreto selado em sangue e fogo.
A coroação de Aemond foi um espetáculo envolto em sombras, uma cerimônia menor do que a de seu irmão, mas imbuída de um peso que fazia o ar parecer denso, como se cada respiração estivesse entrelaçada com luto. As luzes das tochas tremeluziam nas paredes, refletindo o estado de um reino mergulhado em dor, e os murmúrios de um povo que mal podia conter a angústia ecoavam como um lamento coletivo.
Alyssane estava ali, uma sombra entre os presentes, seus olhos perdidos na figura de Aemond, que se erguia triunfante diante da multidão.
A coroação de Aemond foi um espetáculo envolto em sombras, uma cerimônia menor do que a de seu irmão, mas imbuída de um peso que fazia o ar parecer denso, como se cada respiração estivesse entrelaçada com luto. As luzes das tochas tremeluziam nas paredes, refletindo o estado de um reino mergulhado em dor, e os murmúrios de um povo que mal podia conter a angústia ecoavam como um lamento coletivo.
Alyssane estava ali, uma sombra entre os presentes, seus olhos perdidos na figura de Aemond, que se erguia triunfante diante da multidão. Ele, em sua nova coroa, parecia sedento por aprovação, como um predador que finalmente tinha caçado sua presa. Havia uma satisfação sádica em seu olhar, como se cada lágrima derramada pelo luto dos que amavam Aegon fosse uma oferta em seu altar de vingança. Ele se erguia, não como um homem, mas como uma força da natureza, pronto para reivindicar o que, em sua mente distorcida, sempre deveria ter sido seu.
Alyssane, por sua vez, não podia ignorar o eco da morte de Aegon, mesmo que o amor que sentira por ele nunca tivesse sido verdadeiro. Ele era um reflexo de tudo que não desejava, um príncipe que falhou em seus deveres, um rei que se afundou na depravação. No entanto, seu assassinato a deixava perplexa, como se o mundo tivesse mudado de uma forma irreversível, e sua própria alma estivesse manchada pela sombra do que acontecera.
Sentia-se presa entre a lealdade e a repulsa, um espectro em um banquete de horrores. Enquanto Aemond se regalava com o reconhecimento que acreditava merecer, ela era apenas uma parte do cenário, um lamento silencioso perdido no vento. Ele a havia arrastado para esse caminho de destruição, e o peso de sua escolha se tornava insuportável.
As coroas e os estandartes que adornavam a sala estavam sombreados por uma melancolia que nenhuma luz poderia dissipar, e Alyssane percebeu que, mesmo em meio à glória e ao triunfo, havia um vazio.
A hora do casamento chegou, e o ar estava pesado com uma expectativa sombria. As velas iluminavam a sala com uma luz tremulante, refletindo nas paredes como se quisessem dissipar a escuridão que permeava o coração dos presentes. Apenas a família estava ali, e Otto, em sua frieza calculada, achava que era o arranjo mais apropriado. Afinal, ainda era o sangue dele no trono, e ele observava com um sorriso satisfeito a tragédia que se desenrolava diante dele.
Alicent, em seu íntimo, lutava contra um turbilhão de emoções. Parte dela se culpava por ter permitido que tudo chegasse a esse ponto, pela teia de intrigas que ajudara a tecer. Outra parte temia Aemond, a intensidade de sua determinação agora tão desconcertante. E havia, por último, uma onda de compaixão por Alyssane, que estava prestes a se tornarem uma rainha sob um jugo de sangue e dor.
Helaena, em um canto da sala, parecia distante, como se tivesse recebido visões do futuro que ninguém mais poderia ver. Seu olhar estava perdido, pensativo, como se, de alguma forma, soubesse que a tragédia era inevitável. O silêncio da sala era quase palpável, quebrado apenas pelo sussurrar das vestes e o som suave dos corações que palpitavam com ansiedade.
Quando o septão se aproximou, a tensão aumentou, e a sala pareceu congelar em um instante. Antes que as palavras do ritual pudessem ser ditas, Aemond inclinou-se para Alyssane, seus lábios quase tocando a pele dela enquanto sussurrava.
— Eu te amo, Alyssane. Você é minha, e tudo vai ficar bem.
Ela assentiu, ainda trêmula, o coração batendo descompassado no peito. Aemond lhe deu um aperto reconfortante, como se tentasse infundir coragem nas profundezas de sua insegurança. Mas, enquanto suas mãos se entrelaçavam, um vazio se instalava em seu coração. Sentia falta do que eram antes, das risadas partilhadas em segredos, da emoção do proibido que fazia seus corações dispararem. Era um amor genuíno, antes do peso do reino e das tragédias que os cercavam.
Alyssane sempre sonhara em se casar com Aemond, mas não dessa forma, não sob o manto da dor e da vingança. O amor que um dia a enchia de esperança agora parecia sufocante, um fardo a ser carregado.
O ritual começou em meio ao murmúrio reverente da família reunida, as velas lançando sombras dançantes nas paredes de pedra do septo. O ar estava impregnado com a fragrância doce e pesada do incenso, enquanto o septão se preparava para conduzir a cerimônia. Alyssane estava de pé ao lado de Aemond, a tensão pulsando entre eles como um fio prestes a se romper.
O septão, com sua voz grave e solene, invocou os antigos deuses para testemunhar a união. Ele começou a recitar os votos, palavras que ecoavam através do tempo, repletas de significados sagrados. Cada frase parecia pesar no coração de Alyssane, enquanto ela se lembrava dos tempos em que sonhava com um amor sem sombras, um amor livre de tragédias.
Então, chegou o momento do ritual de sangue. O septão, com um olhar sério, pediu que Alyssane estendesse a mão. Ela hesitou, a mente turvada por um emaranhado de sentimentos, mas Aemond segurou seu pulso, sua presença forte e firme, como se pudesse ancorá-la naquele mar tempestuoso.
Com uma adaga cerimonial, o septão fez um pequeno corte na palma da mão de Alyssane, a lâmina reluzente deslizando suavemente sobre a pele, deixando um rastro de dor e uma gota de sangue que brotou imediatamente. O sangue escorreu, vibrante e vermelho, enquanto o septão a guiava, colocando a mão de Aemond sobre a dela. O contato trouxe um calor inesperado.
Aemond também fez seu corte, a lâmina cortando sua pele de maneira rápida, mas não menos dolorosa. As gotas de sangue se misturaram, unindo-se em um só, simbolizando não apenas a união de seus corpos, mas a fusão de seus destinos, marcada para sempre por esse ato sagrado.
Depois disso, o septão pegou uma taça ornamentada, a superfície brilhante refletindo a luz das velas, e colocou o sangue misturado dentro dela. Os olhares da família estavam fixos no cálice, e o silêncio era quase ensurdecedor. Alyssane podia sentir o peso das expectativas e a pressão do momento.
— Agora, bebam juntos — instruiu o septão, erguendo a taça. — Que este sangue seja o símbolo de sua união, o laço inquebrantável que os ligará para sempre.
Aemond tomou a iniciativa, pegando a taça e levando-a aos lábios, os olhos fixos nos de Alyssane, como se a intensidade de seu olhar pudesse derreter as barreiras que se erguiam entre eles. Ele bebeu, o líquido rubro descendo por sua garganta, antes de oferecer a taça a ela.
Com uma mão trêmula, Alyssane aceitou a taça, o toque de seus dedos com a superfície fria da cerâmica provocando um arrepio em sua espinha. Ela hesitou, lembrando-se da dor que a unia a ele, mas, no fundo, havia uma centelha de determinação que a impulsionava a seguir em frente. Levando a taça aos lábios, sentiu o gosto metálico e amargo do sangue misturado ao vinho, um sabor que simbolizava tanto a união quanto o sacrifício.
Ela bebeu, sentindo o líquido quente deslizar pela garganta, e ao olhar nos olhos de Aemond, percebeu que, embora o futuro fosse incerto e repleto de sombras, aquele momento era apenas o começo de uma nova era.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top