𝟎𝟑𝖝𝟏𝟗 '𝕿𝖍𝖊 𝕱𝖑𝖊𝖆 𝕭𝖔𝖙𝖙𝖔𝖒'
Alyssane fechou a porta atrás de si, o frio da madrugada batendo contra sua pele enquanto ela caminhava pelo corredor escuro e silencioso. A noite com Aegon havia sido insuportável, e tudo o que ela queria agora era se livrar daquele sentimento de sufocamento.
Estava envolta em seus próprios pensamentos, o peso da possível gravidez e a culpa pela traição a rodeando como uma sombra persistente.
À frente, ela avistou sua mãe, Alicent, parada ao lado de uma janela que dava para o pátio escuro. O manto verde de Alicent parecia uma sombra, e embora o rosto dela estivesse oculto pelas sombras, Alyssane notou que sua postura estava tensa, algo incomum.
Ela se aproximou lentamente, hesitante, chamando em um sussurro:
— Mãe?
Alicent não parecia surpresa ao vê-la sair dos aposentos de Aegon, mas havia um choque em seus olhos que Alyssane não conseguiu ignorar. Alicent hesitou por um momento, respirando fundo antes de falar.
— Seu pai... Viserys está morto, Alyssane.
Alyssane parou de andar. As palavras de Alicent a atingiram como um golpe.
— Quando...? — a voz de Alyssane saiu baixa, mal conseguindo acreditar.
— Algumas horas atrás, após o jantar — Alicent respondeu, sua voz tremendo levemente, mas com uma calma inquietante. — Foi pacífico. Ele simplesmente... parou de respirar.
Alyssane engoliu em seco, tentando processar a notícia. O silêncio entre as duas era palpável, e o peso da revelação parecia dobrá-la. Ela queria chorar, mas algo mais tomava conta da situação. Seus pensamentos correram rapidamente.
Ela sentiu o coração apertar no peito, uma onda de tristeza avassaladora ameaçando transbordar.
— E agora? — sussurrou, a voz dela quebrada, quase inaudível.
Alicent, surpreendendo Alyssane, a puxou para um abraço apertado. Alyssane sentiu o cheiro familiar de sua mãe e por um momento, desejou apenas ser uma criança novamente, sem o fardo da responsabilidade ou das conspirações que pairavam sobre sua família.
— Volte para os aposentos de Aegon... ou para os seus — murmurou Alicent, a voz calma, mas cheia de uma tensão oculta. — Descanse, filha. Ao amanhecer, Aegon será coroado.
Alyssane se afastou um pouco, olhando diretamente para o rosto de sua mãe. O luto e a confusão em seus olhos deram lugar a uma dor ainda mais profunda.
— Isso não era o que meu pai queria — ela disse, com uma firmeza triste, mas desesperada. — Ele nunca quis usurpar o trono de Rhaenyra. Ela... ela é a herdeira. Foi o que ele decidiu.
Alicent soltou um suspiro, os olhos cansados e cheios de uma exaustão que Alyssane nunca havia visto antes. Alicent, a mulher forte e determinada que sempre controlava tudo ao seu redor, parecia, por um momento, ter carregado o peso do mundo nos ombros.
— Seu pai se foi, Alyssane — disse ela, com um tom melancólico, mas firme. — Agora, tudo o que importa é o que é melhor para o reino. E a lei é clara. Aegon é o primeiro filho homem. Ele é o herdeiro legítimo.
Alyssane sentiu o coração afundar ainda mais. Era como se todas as peças do quebra-cabeça de sua vida estivessem se desmontando diante dela. O que seu pai teria realmente desejado? E o que seria do reino agora que a disputa pelo trono estava prestes a explodir?
Ela deu um passo para trás, sentindo o peso da verdade se abater sobre ela. A coroa estava prestes a cair sobre a cabeça errada, e no fundo, Alyssane sabia que não havia nada que pudesse fazer para mudar isso. A lei, o poder, o desejo de Alicent e Otto.
— Vá, minha filha — insistiu Alicent suavemente, acariciando o rosto dela. — Amanhã será um dia longo. Você precisa descansar.
Alyssane assentiu lentamente, embora a tristeza em seu peito não cedesse. Sem mais palavras, ela se afastou, suas pernas pesadas, carregando-a de volta para onde estava destinada a passar a noite.
Alyssane voltou para os aposentos, mas o sono não veio. Seus pensamentos giravam como uma tempestade, cada vez mais fortes, mais intensos, enquanto a escuridão da noite lentamente cedia espaço à primeira luz da manhã. Ela se virou na cama várias vezes, os lençóis parecendo prender seu corpo inquieto. Como poderia descansar quando sabia o que estava por vir? O peso do futuro caía sobre ela como uma âncora.
Durante aquelas horas silenciosas e solitárias, uma decisão se formou em sua mente: ela guardaria o segredo da gravidez, pelo menos por enquanto. Havia tantas incertezas, e revelar a verdade agora só complicaria ainda mais as coisas. A criança que carregava, o filho de Aemond, teria que esperar.
Alyssane já não se sentia segura perto de nenhum dos homens daquela corte. Cada gesto, cada olhar, parecia guiado pelo orgulho, pelo desejo de poder ou pela busca insaciável de validação. Seus sentimentos, seus medos, eram ignorados, jogados à sombra dos egos inflamados que a cercavam. Até Aemond, o único em quem ela confiava cegamente, parecia agora distante, sua afeição manchada por uma mudança que Alyssane não podia mais ignorar.
Alyssane sabia que precisaria ser forte, pois outro desafio se aproximava com o amanhecer: a coroação de Aegon. Ela seria coroada rainha ao lado dele, e juntos usurpariam o trono de Rhaenyra.
A ideia a atormentava. Mesmo com a pressão de Alicent e a legalidade que tentavam impor, Alyssane sabia que não era o que Viserys desejava. Ele havia escolhido Rhaenyra como sua herdeira. Ainda assim, agora não havia espaço para questionar o inevitável. O plano já estava em movimento, e ela tinha que seguir adiante.
Quando os primeiros raios de sol começaram a entrar pelas janelas do quarto, Alyssane se levantou da cama, sentindo o corpo pesado pela falta de sono. Mas antes que os preparativos para a coroação pudessem começar, havia algo mais que ela precisava fazer. Seu coração apertou ao pensar em seus filhos, Daeron e Daella. Ela queria vê-los antes de enfrentar o mundo. Antes de colocar a coroa na cabeça e participar da traição que viria a separar ainda mais sua família.
Ao abrir a porta de seus aposentos, Alyssane deu de cara com Aemond. Ele estava parado no corredor, a expressão severa e inabalável, com o rosto levemente sombreado pela luz da manhã nascente.
— Onde você vai? — ele perguntou, sua voz firme, mas baixa.
Ela parou por um momento, surpreso por vê-lo ali, mas respondeu sem hesitar.
— Vou ao berçário... ver os meus filhos.
Aemond franziu o cenho, um lampejo de emoção passando por seu único olho.
— Nosso pai morreu — ele disse, com a voz dura, mas não houve o impacto que ele esperava.
Alyssane apenas assentiu, sua dor bem diferente da dele, mais pesada, mais profunda.
— Eu sei — ela respondeu, baixinho, os olhos marejados. — Estou mais triste do que você pode imaginar, Aemond.
Ele a observou por um momento, percebendo o peso daquela declaração, mas manteve o semblante sério.
— A guarda está sendo substituída — ele explicou, quase como se fosse um fato frio e estratégico que precisasse ser comunicado. — Mudanças foram ordenadas durante a noite.
Alyssane balançou a cabeça, sem realmente se importar com as manobras políticas no momento.
— Eu só... quero ver os meus filhos. — Sua voz estava trêmula, mas decidida.
Houve uma breve hesitação de Aemond, como se ele estivesse avaliando suas próprias emoções em relação ao que ela havia dito. Finalmente, sem mais palavras, ele se moveu para o lado dela.
— Eu vou com você — disse ele, em um tom que não oferecia escolha.
Juntos, eles caminharam pelos corredores silenciosos da Fortaleza Vermelha, a presença de Aemond uma sombra ao seu lado. Alyssane não trocou mais palavras com ele, mas sentia a tensão emanando dele. Sabia que ele estava irritado, frustrado por toda a situação que os envolvia, e também pela noite que tinham passado separados, enquanto Aegon tomava seu lugar. Mas naquele momento, ela apenas queria o conforto de estar perto de seus filhos, antes de encarar o que viria a seguir.
O ar nos corredores parecia mais frio naquela manhã. Ao se aproximarem do berçário, Alyssane se sentiu um pouco mais aliviada, sabendo que, por um breve instante, poderia se refugiar no amor e na inocência de seus filhos.
Quando entraram no berçário, Alyssane avistou as amas de leite ocupadas vestindo e penteando Daeron e Daella. Os gêmeos, de cabelos prateados e olhos vívidos, brincavam distraidamente, completamente alheios ao caos que se desenrolava no reino.
— Saiam — ordenou Aemond, com sua voz fria e implacável, o que fez as amas olharem rapidamente para Alyssane antes de obedecerem sem questionar.
Assim que a porta se fechou, o silêncio envolveu o ambiente, apenas quebrado pelas risadinhas dos pequenos. Alyssane se ajoelhou rapidamente diante dos filhos, ignorando a tensão entre ela e Aemond por um momento. Ao verem a mãe, Daella deu um gritinho de alegria, enquanto Daeron, mais quieto, se aproximou com os bracinhos estendidos.
— Meus pequenos — disse Alyssane com um sorriso trêmulo, abraçando os dois ao mesmo tempo. Daella enroscou os braços ao redor do pescoço da mãe, rindo, e Daeron, como sempre, observava tudo de forma mais calma, mas ainda assim se aconchegou em seu abraço.
— Mamãe! — gritou Daella, rindo. — Brinca!
— Claro que sim, minha flor — respondeu Alyssane, seus dedos trêmulos acariciando os cabelos prateados da filha, sentindo um aperto no coração. Naquele momento, desejou que tudo pudesse ser tão simples quanto brincar com seus filhos, sem coroações, traições ou decisões cruéis.
Aemond observava de pé, seus olhos fixos na cena, os lábios apertados.
Ele se agachou ao lado de Alyssane, estendendo a mão para Daeron, que olhou para ele com um olhar sério e curioso.
— O que você está pensando, garoto? — perguntou Aemond, suavizando o tom ao segurar a mãozinha de Daeron.
O menino não respondeu, apenas sorriu, um sorriso pequeno, mas suficiente para quebrar a expressão tensa de Aemond. Ele puxou o filho para perto e o colocou no colo. Daella, por sua vez, estava animada demais para ficar parada, e começou a puxar o vestido de Alyssane, tentando chamar sua atenção para que brincassem juntas.
— Dragão! — Daella gritou, apontando para Aemond, que arqueou a sobrancelha, olhando para a menina.
— Dragão? — ele repetiu, um meio sorriso surgindo em seu rosto.
Daella riu, encantada, enquanto Aemond olhava para Alyssane, que observava a cena em silêncio. Seus olhares se cruzaram brevemente, e ele viu a preocupação nos olhos dela, misturada com a ternura que ainda carregava pelos filhos. Por um breve momento, tudo pareceu suspenso, a tensão entre eles, as mentiras, a traição iminente, enquanto os gêmeos traziam uma breve e frágil sensação de paz.
Alyssane ainda estava absorta em seus pensamentos, pensando no filho que carregava no ventre, fruto dela e de Aemond, mas que ainda não podia contar a ninguém. Havia muito em jogo, e agora não era o momento. Seus devaneios, no entanto, foram abruptamente interrompidos pelo som da porta se abrindo.
Alicent entrou no quarto com Criston Cole logo atrás. Seu rosto estava marcado pela tensão, mas desta vez, não houve repreensões sobre Alyssane e Aemond estarem juntos.
— Onde está Aegon? — perguntou Alicent, seus olhos escaneando o quarto rapidamente, como se já soubesse que ele não estava ali, mas ainda esperasse alguma resposta que aliviasse sua preocupação.
Alyssane e Aemond se entreolharam por um breve momento antes de ambos responderem quase ao mesmo tempo:
— Não sabemos — disseram, mas o tom neutro de Aemond trazia uma ponta de irritação contida.
Criston deu um passo à frente, sua postura rígida como sempre.
— Vou procurá-lo na Baixada das Pulgas. Há alguns... lugares que ele costuma frequentar — disse Criston, suas palavras pesadas de insinuação. Era evidente que ele sabia bem onde Aegon passava o tempo, longe dos olhos da corte.
Aemond deu um passo à frente, sua expressão endurecendo.
— Vou com você. Conheço esses lugares melhor do que ninguém — disse ele com firmeza, já se preparando mentalmente para a caçada ao irmão.
Alyssane arqueou a sobrancelha, cruzando os braços. A ideia de deixar Aemond e Criston Cole sozinhos na Baixada das Pulgas atrás de Aegon não a agradava. Além disso, Aemond mencionando seu conhecimento dos hábitos de Aegon acendeu um incômodo interno. Ela se recusava a ser deixada de fora.
— Vou também — disse Alyssane, sua voz firme e decidida.
Alicent, que já estava tensa, virou-se rapidamente para a filha.
— Não, Alyssane — sua voz era calma, mas determinada. — Você será rainha em poucas horas. Precisa se preparar.
Alyssane franziu o cenho, mas antes que pudesse responder, Aemond interveio.
— Não é seguro — disse ele, seu tom sério e controlado. Havia mais preocupação em sua voz do que ele gostaria de admitir.
— Estão falando do meu marido — rebateu Alyssane, usando Aegon como desculpa, mesmo sabendo que não sentia nada por ele. Ela percebeu o olhar de Aemond se encher de ciúmes, apesar de ele saber que ela não tinha amor por Aegon.
A tensão no ar era palpável, e Alyssane, decidida a não ser deixada para trás, soltou um suspiro pesado antes de continuar.
— Se vocês não me deixarem ir, vou segui-los no meu dragão — ela declarou, sabendo que isso colocaria Alicent e Aemond em uma situação complicada. Eles sabiam que ela faria isso se fosse necessário.
Alicent, já sobrecarregada pela situação e pelas pressões da coroação iminente, soltou um suspiro frustrado e levantou as mãos, como se implorasse aos deuses por paciência.
— Pelo amor dos deuses, não! — exclamou, os olhos arregalados. — Não podemos causar um alvoroço agora, não às vésperas da coroação. Tudo pode desmoronar!
Aemond, ciente de que Alyssane não desistiria tão facilmente, olhou para a mãe, depois para Alyssane, e por fim, cedeu.
— Eu cuido de Alyssane — disse ele, a voz grave. Havia um subentendido ali que só os dois compartilhavam.
Alicent fechou os olhos por um instante, resignada.
— Muito bem — murmurou. — Mas, por favor, tragam Aegon de volta o mais rápido possível.
Logo os três chegaram à Baixada das Pulgas, encapuzados e disfarçados. Alyssane nunca havia pisado ali antes e, apesar da pressão dos acontecimentos recentes e das incertezas que vinham à frente, não pôde deixar de sentir uma curiosidade latente.
Seus olhos se moviam de um lado para o outro, absorvendo a vida caótica daquele lugar: as ruas estreitas, as construções mal cuidadas, as pessoas que passavam apressadas ou cochichavam nos becos. Havia um tipo de energia viva na decadência, algo que a fascinava, mesmo diante da tensão.
Enquanto caminhavam, Criston e Aemond discutiam, ambos irritados com a imprudência de Aegon.
— Esconde-se como um covarde enquanto o reino espera. — resmungou Criston, o rosto carrancudo debaixo do capuz.
Aemond fez um som de desdém.
— Sempre foi ingrato. Não passa de um fraco que não entende o peso da responsabilidade — murmurou, com um toque de desprezo na voz. Seus passos eram duros e calculados, como se ele quisesse esmagar a terra sob os pés.
Alyssane acompanhava em silêncio, suas mãos ocultas dentro do manto, seu coração batendo um pouco mais rápido enquanto se ajustava ao ambiente estranho. Por mais que sua mente estivesse tomada pela busca por Aegon, uma parte dela ainda processava o fato de que, em breve, ela e ele seriam coroados e isso não a trazia nenhum conforto. Mas, antes disso, precisava resolver a questão de encontrá-lo.
Eles pararam em frente a um prostíbulo de aparência sórdida. O cheiro forte de álcool, suor e perfumes baratos invadiu as narinas de Alyssane, e ela franziu o nariz, se perguntando como Aegon conseguia passar tanto tempo nesses lugares.
Quando a porta se abriu, uma mulher apareceu na soleira. Ela tinha um sorriso malicioso no rosto e, ao ver Aemond, seus olhos brilharam com uma mistura de provocação e nostalgia.
— Ora, ora... Veja só quem cresceu — disse ela, o sorriso alargando-se de forma insinuante. — O príncipe Aemond. Tão grande e... bonito agora.
Alyssane, instintivamente, lançou um olhar para Aemond, curiosa sobre o que aquilo significava, mas ele manteve o semblante frio, ignorando a provocação da mulher. Criston deu um passo à frente, tentando manter o foco.
— Estamos aqui por Aegon — disse ele, firme. — Sabe onde ele está?
A mulher riu, cruzando os braços e inclinando o corpo contra o batente da porta.
— Ah, o príncipe Aegon... Ele sempre teve gostos peculiares — disse ela com um sorriso malicioso. — Mas posso ajudá-los. Se procurarem por ele, talvez tenham mais sorte em um outro lugar. Fica duas ruas a baixo, o lugar que ele prefere agora.
Com isso, ela gesticulou para o fim da rua, antes de entrar novamente no prostíbulo. Aemond e Criston trocaram olhares e, sem mais palavras, começaram a caminhar na direção indicada.
Enquanto avançavam, Alyssane não pôde deixar de notar o cheiro doce que pairava no ar, quase hipnotizante. Seu estômago roncou audivelmente, e ela se virou para um barraca próxima que exibia uma variedade de guloseimas assadas, cobertas com uma camada de açúcar brilhante. As massas douradas pareciam perfeitas, com a crocância da casca e a suavidade do interior prometendo um sabor irresistível.
— Nós não temos tempo a perder — Criston comentou, olhando para o caminho à frente.
Aemond, porém, hesitou e virou-se para Alyssane. Ele notou a forma como seus olhos brilhavam para as delícias e, em um gesto surpreendente, fez um movimento para parar.
— Espere um momento — disse Aemond, sua voz carregada de determinação. Ele se aproximou da barraca e, com um breve aceno, pediu algumas das guloseimas.
Alyssane olhou para ele, um misto de surpresa e gratidão. Enquanto ele conversava com o vendedor, ela podia sentir o aroma doce se intensificando, e um sorriso involuntário surgiu em seu rosto.
— Você não deveria estar pensando em comida agora — disse Criston.
Aemond voltou com as delícias nas mãos, apresentando-as a Alyssane como um tesouro.
— Aqui, para você — disse ele, com um leve sorriso que falava mais do que suas palavras.
Alyssane aceitou o presente, seus olhos brilhando de alegria.
— Obrigada, Aemond. — O simples gesto a tocou mais do que ela poderia expressar.
Alyssane caminhava enquanto saboreava a guloseima, sentindo a textura macia e doce derreter na boca. Cada mordida trazia um pouco de conforto em meio ao turbilhão de pensamentos que a cercava. Aemond caminhava ao seu lado, sempre mantendo um olho nela e o outro vigilante, examinando os arredores em busca de qualquer sinal de Aegon ou de perigo iminente.
— Como você conhecia aquela mulher? — Alyssane perguntou, quebrando o silêncio entre eles.
Aemond suspirou, parecendo refletir sobre a lembrança.
— Quando eu tinha treze anos, Aegon me levou para aquela casa dos prazeres — disse ele, a voz baixa, quase como se estivesse confessando um segredo. — Ele queria que eu tivesse a mesma "educação" que ele.
Alyssane o observou, notando uma mistura de desconforto e amargura em sua expressão.
— E você... gostou? — perguntou ela, curiosa.
Aemond balançou a cabeça.
— Não era o que eu esperava.
Alyssane sentiu um aperto no coração ao ouvir as palavras de Aemond. Sabia que ele carregava suas próprias cicatrizes, seus próprios traumas, e que havia mais sob a superfície do irmão gêmeo que conhecia tão bem.
— Você deveria ter me contado — disse ela, sua voz suave, mas carregada de uma leve decepção.
Aemond franziu o cenho, desviando o olhar.
— Esqueça isso, Alyssane. Continue comendo — respondeu ele, sua voz firme, como se não quisesse prolongar o assunto.
Ela obedeceu, dando mais uma mordida na iguaria doce, mas por dentro estava inquieta. Como ele não havia compartilhado isso com ela antes? A relação entre eles, tão profunda desde a infância, parecia agora obscurecida por segredos que ambos guardavam.
Alyssane, porém, não podia julgá-lo. Ela própria tinha segredos. Segredos que envenenavam lentamente o que tinham, sem que percebessem. Quando eram crianças, eram transparentes um com o outro, mas a vida adulta e as circunstâncias os separaram em muitos aspectos. Agora, cada palavra não dita criava barreiras invisíveis entre eles.
Os dois seguiram caminhando, lado a lado, mas o peso do silêncio parecia cada vez mais presente, enquanto ambos refletiam sobre tudo o que não foi dito.
Depois de uma negociação rápida e nervosa com uma mulher conhecida como Verme Branco, o trio finalmente obteve a localização de Aegon. O que deveria ser uma simples informação logo se transformou em um peso esmagador no coração de Alyssane. Ao ouvir o nome do local, seu estômago se revirou. Era um lugar conhecido por sua reputação sombria, um mercado onde crianças eram vendidas como mercadorias. A realidade da situação a deixou extremamente perturbada.
— Isso não pode ser verdade — murmurou Alyssane, os olhos arregalados de horror. — Aegon não poderia...
Mas a certeza na voz de Verme Branco e a angústia em seu coração não deixavam espaço para dúvidas. O desejo de proteger de acabar logo com aquilo se misturava com a repulsa pela vida que Aegon escolhera levar.
Assim que chegaram ao local, Aegon, sentado em uma mesa à sombra, percebeu a chegada do grupo. Com um olhar de pânico, ele deixou a bebida de lado e correu para fora do estabelecimento, como se sentisse que a situação havia se tornado crítica.
Aemond e Criston, sem hesitar, imediatamente correram atrás dele. Alyssane, mesmo com o coração acelerado, tentou acompanhar o ritmo dos dois, mas as pernas pareciam pesadas como chumbo. O que estava acontecendo? Por que Aegon havia se colocado nessa situação?
— Aegon, espere! — gritou ela, a voz ecoando na rua estreita, mas seu chamado foi perdido no vento. A mente de Alyssane girava com imagens perturbadoras de crianças inocentes e uma maré de preocupação por seu irmão.
Aemond olhou para trás, notando a dificuldade de Alyssane em acompanhá-los. Seu olhar se tornou um misto de determinação e preocupação, mas ele não podia parar agora.
— Aegon! — A voz de Aemond era feroz e cheia de autoridade. — Pare!
A corrida se intensificou, e Alyssane se forçou a acelerar, determinado a não deixar que o desespero tomasse conta.
A luta entre Aemond e Aegon explodiu em uma fúria desenfreada, os dois se enfrentando como se fossem inimigos em vez de irmãos. Os socos ecoavam pelas paredes do beco, e a adrenalina pulsava nas veias de Alyssane enquanto tentava desesperadamente entender o que estava acontecendo. Em um momento de descuido, Aegon e Aemond rolaram escada abaixo, a briga se transformando em um caos incontrolável.
— Aemond, não! — gritou Alyssane, sua voz cortando através do tumulto. Ela tentou se aproximar, mas Criston Cole a segurou firme pelos ombros, impedindo que ela se jogasse na briga.
— Deixe-os resolver isso! — disse Criston, a determinação em seu olhar.
Mas Alyssane sentia seu coração se partir ao ver os dois irmãos lutando, cada um lutando por suas próprias razões, mas ambos perdidos na escuridão.
— Aegon! — Aemond gritou, sua voz misturando raiva e frustração. — Pense em Allicent! Pense em Alyssane! Não seja tão egoísta!
As palavras de Aemond atingiram Aegon como um golpe. Ele parou, mesmo enquanto tentava se desvencilhar, olhando para Aemond com um semblante de desespero.
— Eu não quero ser rei! — Aegon implorou, a voz cheia de emoção. — Apenas me deixe fugir!
A tensão entre os dois irmãos era palpável. Aemond, mesmo respirando pesadamente, viu a fraqueza nos olhos de Aegon e decidiu aproveitar aquele momento.
— Não se trata de você! — ele insistiu, suas palavras cortantes e diretas. — Você tem responsabilidades! Para a mãe. Para sua esposa e para o reino. Não pode simplesmente pensar na própria bunda.
Aegon hesitou, a luta dentro dele visível em seu rosto. As palavras de Aemond, embora duras, ressoavam em sua mente. Ele não era apenas um príncipe; era um irmão, um filho. E a pressão da coroa não era o único peso que carregava.
— Você precisa parar de correr — Aemond disse, seu tom suavizando um pouco, mas ainda firme.
Dentro dele, a raiva fervia, não apenas contra Aegon, mas também contra si mesmo. Ele estava prestes a entregar a coroa para aquele irmão ingrato, sem que ele ao menos a merecesse. Aemond se dedicara por anos, sacrificara tanto: perdera um olho e tivera que assistir Alyssane se casar com Aegon. Mas naquele momento, isso era o que ele precisava fazer.
Aegon olhou para Alyssane, e seu olhar se suavizou. Ele suspirou, como se todo o peso do mundo tivesse caído sobre seus ombros. As palavras de Aemond ressoaram em sua mente, e ele percebeu que não estava apenas fugindo de seu destino, mas também dos sentimentos que cercavam sua família e suas responsabilidades.
— Eu não quero isso — Aegon admitiu, a voz fraca.
Aegon hesitou, a insegurança evidente em seu olhar. O desejo de escapar ainda pulsava dentro dele, mas a determinação de sua irmã e o fervor de Aemond o prenderam à realidade.
— O que eu faço agora? — ele murmurou, buscando respostas em seus olhos.
— Encare a verdade — Aemond respondeu, sua voz agora cheia de uma força quase paternal.
— Vamos voltar para casa — disse Alyssane, entrelaçando suas mãos com as deles. — Precisamos nos unir e enfrentar isso juntos.
Aemond acenou, a tensão nos ombros aliviando-se um pouco. Com um último olhar para o local onde tanto havia acontecido, eles se dirigiram juntos para a saída, determinados a enfrentar o futuro.
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