ஜ|PROLÓGO|ஜ



Um ano antes...

O som do zíper da mochila cargueira fechando sobre a cama acordou Antônia. Ela abriu devagar os olhos pesados pela sonolência, e passou a observar o marido que se preparava para outra corajosa jornada de trinta dias no Atol das Rocas. O lugar é uma extraordinária e perigosa reserva biológica marinha.

Flávio trabalha há alguns anos neste local, que é uma área protegida, na função de agente do IBAMA. Ele faz parte da equipe que monitora as duas ilhas do Atol localizado no Atlântico Sul, a mais de duzentos quilômetros do porto da cidade do Natal.

Antônia trabalha como decoradora, sendo bastante requisitada por clientes que admiram o seu trabalho baseado no conceito moderno. Infelizmente, está afastada, pois foi submetida ao repouso constante por recomendações médicas. Sua gravidez exigia atenção; devido em alguns momentos, ter sido registrado uma alta na pressão arterial. Apesar de outros exames mostrarem que aparentemente estava tudo bem, esse fato era um alerta.

Ajeitou o corpo na cama, mantendo as pernas elevadas em cima de uma pilha de almofadas, esta era uma manobra para diminuir o edema gestacional, e acompanhou atenta o movimento do marido, que continuava a organizar seus objetos pessoais para a viagem. Poderia passar horas com o seu olhar perdido nele.

Caso o pôr do sol fosse uma pessoa, provavelmente se pareceria com Flávio, devido a cor dourada de sua pele, e dos fios dos seus cabelos ter nuances de vermelho. Mesmo que tivessem em um comprimento curto, as mechas acima da cabeça formavam ondas que cobriam suas orelhas, caindo nas laterais do rosto. A barba dele tinha um certo volume, isso fazia com que aparentasse ter mais idade do que seus trinta e um anos.

Os olhos escuros a fitaram com o mesmo jeito analítico de sempre, mas com um ar amoroso que apenas ela e as pessoas de quem gostava, recebia. Vestiu a velha camiseta com o logo do Atol, escondendo o abdômen definido por horas diárias de exercícios intensos.

Antônia suspirou com um ar de tristeza. Ele foi até ela em passos leves, puxou o lençol devagar, revelando a barriga exageradamente grande para trinta e duas semanas de gestação. Após sentar na cama, cumprimentou com carinho a filha que tanto sonhava em conhecer, usou o umbigo estufado de um jeito bobo como canal de comunicação.

— Bom dia, dorminhoca! Papai está indo trabalhar, se comporte. Quando eu voltar, ficaremos todos juntos nos preparando para te receber — recomendou ao pequeno ser que Antônia gerava com uma voz calorosa, e lhe deu alguns beijos afetuosos.

A barriga se mexeu, parecia que a neném mandava um sinal de que participava da conversa. Flávio ficou radiante e a esposa assistiu encantada, imaginando o pai maravilhoso que ele seria.

— Já estamos com saudades... — Antônia lamentou.

— Também já estou com saudades — disse ao fazer um carinho no rosto dela. — Não vá fazer estripulias, esse barrigão está pesado. Seu sogro está de prontidão para te ajudar em qualquer coisa — recomendou. — Posso confiar que não montará o quarto sozinha? — Estreitou os olhos encarando a esposa.

— Pode — confirmou, e lhe deu um sorriso penoso.

— Não faça essa carinha triste, será minha despedida do Atol. A transferência para o Parque das Dunas está praticamente aprovada, agora ficarei sempre em casa.

— Tem certeza? É o que realmente quer? — perguntou desconfiada.

— Não acho justo que fique aqui sozinha com nossa filha — justificou.

— Eu consigo me virar, tenho medo que esteja se precipitando e isso seja outra vez um peso no nosso casamento. Vamos combinar que, depois da licença, você pensa sobre isso com cautela. Não tenha pressa — pediu.

— Quantas vezes eu preciso pensar em algo para tomar uma decisão? — Sorriu refreado.

Acariciou a pele pálida de Antônia, e beijou os seus doces lábios que desenharam um sorriso afável. Olhou sentimental uma última vez para a curvatura da barriga antes de sair rumo ao porto, agora seguiria viagem por vinte e quatro horas, até alcançar as águas turbulentas que antecedem o Atol. Deixou inconformado, a esposa de longos cachos cor de café, que apesar do inchaço da gravidez, aparentava estar mais magra que o seu normal.



Miranda corria a contragosto no seu sedan Corolla híbrido para o plantão na unidade de urgência ginecológica, com a intenção de diminuir o seu atraso. Não tinha o hábito de dirigir dessa forma, ainda mais na situação que se encontrava. Perdeu a hora devido a uma emergência com sua mãe, que pelas circunstâncias da idade, quebrou a bacia ao sofrer uma queda no banheiro.

A médica insistiu que fosse trocado o seu plantão, mas ninguém conseguiu a substituir. Psicologicamente, não tinha condições de trabalhar, mas não podia deixar a unidade de pronto atendimento sem médico. O diretor não dispensou Miranda daquele expediente, prometeu que a cobriria e caso surgisse uma situação mais grave, designaria o atendimento a outra unidade hospitalar.

A queda de sua mãe no banheiro resultou em uma cirurgia de emergência. Seu pai, por ser idoso, não conseguiu enfrentar a situação sozinho. Apenas Val, que é a governanta da casa dos seus pais, ajudou a prestar o socorro adequado. A médica chorava aflita olhando o sinal vermelho, sentia que seus pais praticamente viraram seus filhos, e dar assistência a eles trazia uma sobrecarga constante em sua vida.

A tensão do dia deixou os nervos abalados e os braços trêmulos, o que não era algo bom para uma médica em atendimento. Estacionou na vaga reservada para funcionários do Hospital, e foi por obrigação assumir o plantão. Havia dois partos normais a serem realizados na hora de sua chegada. Fez a checagem das pacientes, tranquilizando as mães com o seu jeito amável, e deu as orientações necessárias para a preparação de cada uma.

Enquanto lavava o rosto para tentar se acalmar e ficar mais controlada, entra na emergência uma grávida de trinta e sete anos em um quadro anormal de hipertensão. A mulher que estava extremamente debilitada, se queixava de uma dor forte no estômago, como se tivesse levado um soco. Imediatamente, Miranda atendeu ao chamado da voz no alto-falante do hospital, que alertava para que ela comparecesse na urgência.

Ao chegar para realizar o atendimento, a médica obstetra aplicou as medicações necessárias para estabilizar a pressão, assim como verificou a dilatação no canal vaginal da grávida em aparente risco de morte. Ao conferir a situação da dilatação, constatou que a paciente estava em trabalho de parto e, através da cardiotocografia, identificou que os sinais vitais do feto eram inaudíveis.

Diante do quadro geral da gestante que não era favorável para um parto normal, foi até o diretor do hospital, e solicitou a transferência imediata da paciente para outra unidade. Reforçou para seu superior sua incapacidade no momento de realizar uma cesárea, como já havia explicado ao pedir para ser substituída no plantão. Apontou para ele os riscos de seguir adiante, dado a natureza grave da paciente e do feto.

Apesar das condições apresentadas, os argumentos da médica para um melhor atendimento e a necessidade de uma ação rápida — pois a gestante estava sob risco iminente de morte — o diretor se recusou e, agindo friamente, impôs à médica que continuasse o atendimento. Insistiu pontuando ser obrigação dela, por não ter no local veículo adequado para a transferência.

— Doutor Ramalho — falou num tom de apelo ao diretor —, ela não tem condições de enfrentar um parto normal, e eu não tenho condições de realizar a cesárea. O senhor disse que me cobriria se houvesse necessidade, pois não conseguiu um médico para me substituir. Não temos muito tempo — explanou preocupada.

— Vocês médicos supõem que tiramos substitutos da cartola feito mágica, a solicitação de troca de plantão deve ocorrer com no mínimo vinte e quatro horas — rebateu com ar de tranquilidade.

— Foi uma emergência, só pude falar com duas horas de antecedência — justificou com pesar.

— Quem está aqui é a senhora. Se ela morrer, a responsabilidade será sua, doutora. Essa é minha palavra final.

— Esse é um hospital privado, como não existe unidade móvel suficiente para atender a demanda?

— Doutora. — Bufou. — A melhor, quero dizer, a única chance de viver que esta mulher tem é a senhora. E vejo que está perdendo tempo — falou entre os dentes com impaciência.

Miranda realmente não se via em condições de utilizar o bisturi. Antônia se contorcia de dores com o rosto estava banhado de suor, e a situação do feto só se agravava. A preparação para o parto normal era impossível, assim convocou temerosa a equipe para realizar a cesárea. Não deixaria a mulher sem receber assistência médica, abandonada à própria sorte. Decidiu proceder com o atendimento, apesar de colocar sua carreira em risco, pois, sua única preocupação era salvar a vida de uma mãe e sua filha.

Os pais da paciente a esperavam apreensivos no corredor do hospital. Quando socorreram a filha, perceberam de imediato que ela parecia estar muito enfraquecida e numa situação preocupante. Agora, rezavam com toda fé que possuíam, para correr tudo bem e que logo pudessem conhecer a neta.

Na sala cirúrgica, tudo acontecia da maneira mais rápida possível. Após ser aplicada a anestesia e enquanto aguardava a medicação surtir o efeito esperado, Miranda surgiu para Antônia, mostrando que ela não estava sozinha, na tentativa de fortalecer o estado emocional da grávida para a operação. Nesse momento, a paciente segurou a mão da médica e apertou firme com o olhar aflito.

— Doutora... — vocalizou com a voz fraca. — Estou sentindo que algo está muito errado, desde o início foi um erro... — falou, ao Miranda aproximar o ouvido. — Você tem uma alma transparente, sabia? Seu coração é bom, tenho certeza que conseguirá fazer o seu melhor.

Miranda afirmou com a cabeça e tentou reforçar essa confiança de Antônia que chorava nervosa, esperando sair dali com sua filha. O procedimento arriscado foi iniciado, a médica respirou fundo, controlando ao máximo seus nervos que estavam tensos. Invocando seus anos de experiência, traçou o bisturi na pele de Antônia com um corte perfeito, no entanto, sua mão pesou mais do que deveria, atingindo o feto na região lombar.

Os membros da equipe médica se entreolharam preocupados. Miranda continuou a cirurgia fazendo o seu melhor sem se deixar apavorar com o ocorrido. Logo, checou que os sinais vitais de Antônia começaram a cair. O bebê também estava em seus últimos momentos de vida e, apesar de todos juntarem esforços para reanimar a paciente, ela veio a óbito junto de sua filha.

Miranda esmoreceu derrotada diante do painel, mostrando a linha imóvel dos batimentos cardíacos de Antônia. Anunciou combalida a hora da morte, avaliou o quadro da paciente e constatou que a menina ingeriu mecônio — material fecal produzido pelo próprio feto. Imediatamente, a equipe médica, constatando a incapacidade da obstetra de seguir os protocolos, bem como preocupados, contataram o diretor pela linha telefônica da Unidade Cirúrgica, relatando o acontecido.

Orientados pelo diretor e temendo perder seus empregos, preencheram o relatório ocultando informações que poderiam induzir como causa da morte erro médico. Pressionaram a médica para assinar, justificando que tinham medo de serem prejudicados. Alegaram também que ela fez o seu melhor e que não teve culpa no óbito, argumentando que se relatassem tudo, com certeza haveria uma sindicância, e Miranda poderia perder a licença.

Influenciada pela equipe e cumprindo o determinado pelo diretor, informou aos familiares a causa da morte de Antônia como eclâmpsia. De fato, não houve tempo o suficiente para a pressão arterial estabilizar e conduzir uma cirurgia tranquila.

Assim, foi ocultado as informações que poderiam levar a uma investigação, protegendo o hospital e a médica de futuros problemas. O envolvimento das autoridades abriria uma hipótese de culpabilizar o hospital e ela pelo óbito da paciente. Além da ilegalidade na manipulação dos fatos, a instituição hospitalar impediu o acesso dos familiares da paciente ao corpo do recém-nascido.

A Instituição Hospitalar Vida e Saúde queria sumir com a Dra. Miranda Amorim de seu quadro de funcionários o mais rápido possível, pois a médica começou a questionar a administração do hospital. Antes de concluírem o desligamento dela, precisaram encaminhar a médica para terapia, onde se constatou que ela enfrentava uma exaustão psicológica, devido às longas jornadas a que era submetida e o episódio com a paciente grávida.

Após o rápido acompanhamento na terapia, foi imediatamente dado às férias que há dois anos ela não gozava. Ao ser finalizado o período de descanso, ocorreu sua dispensa do hospital sem a menor justificativa.


ஜ| RECADINHO |ஜ

História novinhaaaaaaa!! Espero que tenha gostado do prólogo, gostado não, amado. kkkkkkkk

Muito bom estar de volta, amo esse chamego de postar capítulos toda semana, estava morrendo de saudades de vocês.

Não esqueçam de comentar e votar☆! Capítulo novo na quarta-feira. Bjs... ✿◕‿◕✿



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