ஜ|Capítulo 01|ஜ
Um ano depois...
A maré subia serena no Atol das Rocas. Alguns animais marinhos circulavam à vontade pelos corais com um maior volume de água. Flávio encerrava seu dia de trabalho tomando um banho nas águas salgadas. Com seu emocional enfraquecido, divagou seus olhos pelo poente que pintava o céu de laranja e vermelho.
Rodeado por peixes de várias espécies e tubarões lixa bebês, já não se admirava com a exuberância dos animais à sua volta como era costume, mesmo que amasse o lugar e tivesse como um santuário, pois, a reserva é escolhida por espécies da fauna marinha como maternidade.
O motivo de seu desgosto era a cabeça presa na saudade da sua esposa, fazia um ano que enterrou Antônia sem o corpo de sua filha. Não soube diluir no tempo o sentimento de revolta com um destino tão cruel, e a tristeza que o dominou desde o que aconteceu continuava pulsando. O buraco em seu peito só crescia a cada dia mais longe do último adeus. Não aceitava que aquela mulher cheia de saúde tivesse partido para sempre.
Após sair da água, entrou na cabana que divide com a chefe e os outros quatro agentes. Estendeu a toalha para secar em um varal improvisado, pegou o smartphone e conferiu a rede social. A linha do tempo estava repleta de homenagens para Antônia, percebeu que não foi uma boa ideia conferir o aplicativo de amigos. Desligou o celular e jogou na mochila cargueira.
— Ei, cara. — Jorge chamou a atenção de Flávio num tom suave. — Se precisar conversar, estou aqui — ofereceu, com uma expressão de compaixão no rosto.
— Valeu, irmão — respondeu Flávio, dando dois tapinhas na nuca do seu amigo afofando os cabelos escuros.
Jorge escalou o beliche sem muita dificuldade. Logo que deitou o corpo tonificado no colchão de molas, assistiu ao colega pentear os cabelos ruivos que estavam com um cumprimento maior. Desde o falecimento da esposa, ele parecia negligenciar a aparência. Percebeu, quando pegou um litro de vodca da mochila e escondeu embaixo da camiseta.
— Isso não é uma boa ideia, cara — alertou preocupado. — Você está descuidado, com a barba por fazer, os cabelos desgrenhados e sempre com um bafo de álcool.
Flávio ignorou o que ouviu de Jorge, e seguiu para o lado mais isolado da Ilha do Farol no Atol, onde as tartarugas-verde fazem a desova de seus ovos. Afundando os pés descalços na areia, caminhou até ficar bem afastado da cabana. Sentou perto do mar, onde pensou ser um bom lugar para anestesiar suas dores com a garrafa de vodca como companheira.
Girou a tampa da garrafa e ouviu o estalo do lacre rompido. O Atol era justamente o lugar que precisava estar, isolado do resto do mundo, no meio do oceano atlântico, no meio do nada. Cercado apenas por animais, areia, água e o céu que escurecia.
O vento gelado soprou a lágrima que desceu do rosto castigado pelo sol. Deu um longo gole no gargalo da garrafa, sentiu o álcool quente se misturar ao sangue em suas veias e arder no estômago vazio.
Alguns pássaros marinhos da espécie Atobás dormiam ali perto, desfrutando da tranquilidade que o Atol oferecia por estarem distante da civilização. Flávio tomava um gole atrás do outro, assim, rapidamente alcançou a metade da garrafa.
Passado algum tempo, o corpo do guarda começava a entorpecer, os seus sentidos ficavam lentos, como também distantes. Em algumas horas, havia ingerido quase a bebida inteira de que dispunha o litro. Ainda sentado, a cabeça ficou pesada, deixou cair o tronco na areia e repousou.
— Antônia... Antônia... preciso te ver, Antônia... eu preciso... — balbuciou com a voz embriagada.
Os olhos fechavam e abriam ao som do movimento das ondas. O vento espalhava a areia da ilha, levando os grãos de um lado para o outro parecendo brincar num jardim zen.
Sentiu o corpo vibrar, e um ronco alto soou em seus ouvidos o fazendo acordar confuso. Levantou, tentando focalizar a visão embaçada, olhou para o chão da praia e viu algo que parecia seu corpo inerte na areia. Tudo em volta estava em um estado imaterial, sem a ação do espaço-tempo, o que tornava o momento leve.
Na direção das ruínas do antigo farol, notou que um espectro feminino se aproximava em passos delicados que pareciam deslizar. Os longos cabelos da mulher não balançavam no ar com a ação do vento e, apesar da distância entre os dois, em um piscar de olhos, ela alcançou Flávio.
— Eu morri? — Entonou a voz preocupado. — Você é um espírito de luz ou algo do tipo? Um anjo, talvez... — A mulher sorriu graciosamente.
O som que veio daquela figura incorpórea, vibrou no seu olhar analítico. Por um momento, ele enxergou perfeitamente o sorriso dela, preenchendo Flávio de alegria, como há muito não experimentava e fazendo escapar um riso fácil, que logo se desfez por não entender o que se passava.
— Você não está morto, está no plano astral. — A voz sussurrou em seu ouvido.
Um silêncio se formou, enquanto o tempo continuava agindo diferente. Flávio parecia sonhar e viver, sentia sua forma, mas não sentia sua carne. Novamente, sua visão se desfocou e uma confusão mental caiu sobre ele, como se estivesse prestes a acordar. A mulher segurou em sua mão de maneira suave, e o toque dela conectou os dois.
— Feche os olhos e lembre que você conhece essa dimensão, várias vezes esteve aqui nos seus sonhos... lembra? — O som que saia dos lábios gentis da mulher parecia cada vez mais real e, quando abriu os olhos, aos poucos pode enxergar ela nitidamente.
Os cabelos áureos como os raios de sol da desconhecida esvoaçaram no ar com a mesma pancada de vento que fez uma onda quebrar. Os olhos miúdos e tristes fitavam a expressão de Flávio, que absorvia a energia à sua volta. Ele percebeu o peito mais aliviado, suas tristezas se dissiparam naquele lugar, e a presença dela trazia uma energia acolhedora.
Olhou curioso para o pijama que ela usava: uma blusa curta feita com o tecido de cetim na cor preto seguro por finas alças, rodeado por uma tira de renda nas bordas e uma calça pantalona também de cetim na cor rosa-seco. Para ele, era uma roupa que demonstrava estar diante de uma mulher que gostava de se vestir como uma dondoca, mas não parecia uma.
— Desculpe por meus trajes. Eu nunca encontrei uma pessoa nas minhas viagens, e sempre saio com a roupa que estou dormindo.
Ele juntou as sobrancelhas, e se afastou um pouco da mulher. Avaliou seu corpo estirado no chão e olhou novamente para ela.
— Estive aqui outro dia, sempre quis conhecer o Atol, mas é proibido a visitação. Aprendi a fazer a viagem astral, e quando me senti segura de ir mais longe, aqui foi o primeiro lugar que mentalizei. — Flávio sorriu, como se não acreditasse na mulher. Mas, no fundo, entendia o que ela dizia.
— Então, encontrou uma forma de burlar a segurança do Atol? E ainda encontra o guarda nesse estado vergonhoso... — Olhou para si mesmo, estirado na areia.
— Exatamente...
— Como você aprendeu a andar por aí, enquanto dorme?
— Estudando.
— Não teve medo?
— Um pouco, ainda sou nova nisso. Está me ajudando a enxergar a realidade e tentar conviver com tudo que não consigo controlar, é melhor que o álcool.
— Suponho que deva ser...
— Vem! O sol já vai nascer.
Foi puxado pela mulher até perto da água, apesar de ter assistido o sol nascer por diversas vezes no Atol, naquele dia foi diferente de todos os outros. Os raios solares invadiram sua alma, proporcionando bem-estar de uma forma que nunca sentiu, desabrochou na primeira luz do dia uma nova energia de vida em seu ser.
— Preciso ir, está na hora de acordar, as horas passam rápido nesse plano — explicou a mulher.
— Lembrarei disso amanhã?
— Provavelmente não.
— Você se lembrará de mim?
— Sim.
— Como volto aqui novamente?
— Dorme pensando em como esse sonho foi bom. Não bebe mais, isso só atrai coisas ruins.
— Você não parece ser algo ruim.
— Eu não vim aqui por você, vim pelo Atol. — Sorriu.
— Como é seu nome?
— Miranda — disse a voz sumindo no tempo.
A médica acordou feliz com a experiência de ter conhecido alguém durante a viagem. Sentada sobre a cama em seu quarto decorado com um conceito minimalista, fez o registro no pequeno diário dos sonhos de tudo o que aconteceu, antes que esquecesse.
Após levantar da cama, caminhou com os pés descalços sentindo os pelos macios do tapete off white. Ao chegar em frente à janela do cômodo, que estava escondida por trás das cortinas de linho num tom claro, deu uma breve olhada na vista panorâmica que ela oferecia.
Olhando a vista de seu apartamento, viu que o céu azul se apresentava praticamente sem nuvens, assim como se perdia na linha do horizonte em uma imensidão de água salgada. E naquela infinidade do Oceano Atlântico, em uma ilha composta por formações vulcânicas e bancos de areia, imaginou se o homem que conheceu já estaria acordado.
Se preparou para trabalhar e enquanto tomava um café, pesquisou na internet a equipe do Atol das Rocas. Tocou na primeira foto que surgiu, imediatamente reconheceu Flávio de cabelos cortados e com uma aparência mais jovial do que a atual. Quando conheceu o guarda, ele parecia descuidado, mas ainda assim o achou bonito. Desligou o celular e saiu para o trabalho.
Flávio abriu os olhos com a memória de um sonho fugindo da mente, sentia a cabeça pesada da ressaca, apesar de despertar com a alma leve. Levantou esticando o corpo, depois sacudiu a areia das roupas. Recolheu a garrafa do chão e largou na lixeira para reciclagem de vidro. Os colegas de trabalho estavam à mesa para o café da manhã, e se assustaram quando ele entrou na cabana cantarolando, demonstrando bom-humor.
— A farra foi boa? — perguntou a chefe do Atol.
Rose tinha corpo bem magro, daqueles que a pele é fina por falta de gordura. Estatura média e um rosto retangular com um amontoado de pequenos cachos, que parecia ser sua marca registrada, sobre a cabeça.
— Eu só precisava respirar, não se preocupe que meu trabalho não será prejudicado — explicou.
— Você não quis tirar uma licença para passar pelo seu luto, Flávio. Ainda está em tempo, não quero na minha responsabilidade um funcionário alcoolizado. O Atol apresenta perigos constantes para quem está consciente, imagina para quem não está. A lista de mortos por aqui é longa, você sabe disso.
— Não vai acontecer novamente, chefe — garantiu.
No decorrer do dia, o agente desfrutou da leveza que experimentava e executou suas obrigações sem pensar muito no motivo de estar assim, pela primeira vez em muito tempo, a tristeza que o acompanhava deu um tempo.
Em alguns momentos, se pegava tentando lembrar do sonho da noite anterior, nada vinha à mente, apenas o som da risada de Miranda surgia em seus ouvidos. Parecia que o vento havia gravado, e o trazia a todo instante numa brisa suave, como se quisesse forçar a memória dele lembrar da mulher que surgiu em seus sonhos. Isso deixou em Flávio a impressão de ter esquecido algo que estava muito guardado na lembrança.
Apesar de ser alguém simpático e prestativo, Flávio não era tão alto astral, o que causou estranheza na turma que trabalhava com ele a sua animação aparente. Depois de todas as tarefas concluídas, iniciou o treino diário de calistenia, encerrando com uma corrida pela ilha. Por fim, tomou um banho nas piscinas naturais de águas cristalinas, atento aos animais marinhos à sua volta.
Antes de ir para a cabana, voltou ao local em que dormiu, estudou o lugar e tentou recordar a noite passada. Sabia que estava só, mas algo o dizia ser mais que isso. Sentou um pouco na areia e o bom-humor do dia inteiro se dissolvia na medida que uma ansiedade juvenil — aquela que nos absorve antes de um primeiro encontro — surgia de forma inexplicável, deixando Flávio confuso sobre seus sentimentos.
Riu de si mesmo, o fato era que se sentia estranho e sem conseguir entender o que se passou com ele, voltou até a cabana para jantar com a equipe do Atol. Estavam todos à mesa, com as peles vermelhas e brilhosas do sol, também estampavam no rosto os olhos de quem teve um dia exaustivo, mas satisfatório.
Rose sentava sempre entre Tony e Zezinho, eles formavam praticamente um trio, os três eram os mais antigos. Flávio e Jorge chegaram bem jovens na reserva e um bom tempo depois dela ser reconhecida dessa forma, se tornaram funcionários quando foram aprovados num concurso público.
Tony era um velho pescador redimido, que por muitos anos praticou a pesca predatória no Atol. Seus olhos miúdos traziam um brilho alegre na pupila escura, a gargalhada barulhenta e a barriga estufada eram o que melhor o descreviam. Todos executavam igualmente as demandas que o local precisava para se manter, não havia espaço para vaidades ou uma hierarquia decrescente, apenas a chefe e os agentes.
Durante o jantar, a conversa foi barulhenta. Falavam atropelando um ao outro. Inclusive Rose, que amava soltar o verbo com seu jeito animado e conectado a tudo que acontecia no lugar. Vez e outra ela era convidada para aparecer em entrevistas, documentários para televisão ou recebia homenagens pelo trabalho de uma vida na reserva.
A verdade é que a chefe do grupo é uma daquelas pessoas que será uma honra conhecer e todos os membros de sua equipe a respeitavam. Ela tornou seu trabalho uma missão, sempre se portava aos invasores do Atol como uma educadora, jamais agia de forma repreensiva.
Na mesa só existia um espectador. Mesmo que ele fosse o motivo da conversa, o que geralmente acontecia, no entanto, permanecia em silêncio sem se incomodar com as brincadeiras das quais era alvo constante. Zezinho poupava as palavras como fossem muito caras para serem usadas, se limitava a observar atentamente o quanto as pessoas soltam a língua para falar besteira.
Foi o primeiro a terminar a refeição e a deixar a mesa para uma boa noite de sono. Se Tony carregava uma barriga farta, daquelas que a camisa não consegue cobrir o umbigo e os botões lutam para permanecerem abotoados, Zezinho era pele e osso. Sempre escondia o cabelo ralo por baixo de um boné que só tirava na hora dormir, ver ele sem o adereço podia ser considerado um privilégio.
Aos poucos a mesa foi esvaziando, restando Jorge e Flávio.
— O que tinha naquela vodca? Você ontem parecia derrotado, hoje acordou outra pessoa — observou.
— Sinto que percebi a imensidão do mundo, que somos apenas passageiros aqui e tenho que seguir com a vida. Dias tristes, dias alegres... no fundo, ainda tenho a sensação que me cortaram a alma por não ter elas aqui, mas preciso aceitar que não posso mudar isso.
— Se não soubesse que aqui só tem a gente, diria que conheceu alguém.
— Por quê?
— Você passou o dia com aquele sorriso bobo de quem acabou de se apaixonar.
—Que viagem! Está ficando muito tempo no sol e ele derreteu seu juízo. — Bateucom o indicador na testa de Jorge e em seguida saiu.
ஜ|RECADO DA AUTORA|ஜ
Como vão, meus amores?!
Mais um capítulo postado. O que acharam?
Não esqueçam de ☆votar☆ para ajudar a obra a crescer.
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Até quarta com mais um capítulo! ✿◕‿◕✿
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