Te magoei...


— Pedro, vai casar com ela?

— Sei lá...

— A tia Sandra disse que a Celina...

— Lucas, chega! Eu não tô com cabeça pra ouvir essas fofocas. Só porque a mãe e a Celina não estão se falando, não precisa por mais lenha na fogueira.

Lucas estreitou os olhos, ficou sério e isso sempre deixava Pedro com dó.

— Alemão brabo! Naim, naim, naim. Nada de fazer esse beiço aí. Reconhece que tá precisando de uma bronca.

— Você vai brigar comigo? — Lucas sentou-se no colo de Pedro como nunca deixara de fazer desde que tinha cinco anos e o mais velho apenas permitiu aquilo. — Mas a Celina...

— Não...não fala dela. Tô cansado guri. Levanta, que vou tomar um banho e cair na cama. Aproveitar que o pai tá aí e fica de olho na mãe.

— Pedro... Ela vem morar aqui?

— No começo sim.

— Vou ligar pra minha mãe e pedir pra morar com ela.

— Larga mão de ser bobo! Quer morar com ela? Vai lá achando que é melhor que aqui e daqui a pouco tá jogado no mundo.

— Daqui três anos eu faço dezoito e vou sumir dessa casa. Tomara que vocês se separem. Odeio aquela mulher e ela não manda em mim. Não vou ficar de empregadinho dela.

— Lucas... —  Pedro amaciou a voz pra falar. —  Quem tá dizendo que você vai ser empregado? Eu não deixo acontecer uma coisa dessa, tá. Logo tu pode arrumar emprego. Não fica dizendo que com dezoito vai embora...

— Só que eu vou!

— Vai nada, alemão chato! Fala que você é chato! É né?

— A Celina...  

Numa brincadeira de moleque, Pedro o abraçou por trás e tampou-lhe a boca pra ele não terminar o que ia dizer. Lucas ficou irritado, corado e lutou pra se soltar, então mais velho deu um soprão na orelha do jovem que tentou socá-lo e tudo acabou em cócegas e risadas.

Embora não tenha sido possível perceber, aquela brincadeira inocente que cansara de fazer com o mais novo, deixou Lucas arrepiado e provavelmente muitas outras reações já despertavam no corpo adolescente de quinze anos.

— Tu não vai ser empregado, seu chato. Celina vai poder ajudar a mãe depois que a criança nascer. Sei lá. Nem sei se tá grávida, não tem barriga e nem fala mais no assunto.

— Tomara que não esteja. — Lucas usou um tom magoado na voz.

— Se não estiver, tão cedo ela não me dá outro susto desse. Nem que ela garanta que toma a "baga" eu encapo o "bicho".

Lucas ficou corado visivelmente, chamando a atenção de Pedro.

— Eu não tenho que ouvir esse tipo de coisa... é nojento!

— Que é? Não me diz que não tem uma namoradinha ainda?

— Eu gosto de meninos.

Olhando firme nos olhos do mais velho, o jovem largou a afirmação e obteve de Pedro uma expressão séria e assustadora. 

— Só experimenta ficar de safadeza com macho por aí! — Com essa frase atirada com grosseria, o adolescente se retraiu e com medo de uma nova abordagem que pudesse implicar na amizade deles, não tocou mais no assunto. Sempre confiara no mais velho e não imaginou que pudesse ser vítima de preconceito com esse. Talvez com o resto da família, mas não Pedro.

Desde aquela noite em que conversaram, Lucas sentiu Pedro distante e cada minuto uma "pontada" de arrependimento pela confissão feita sem aviso. 

E ele crescera e deixando toda a infância pra trás... depois passou dos doze, treze, quatorze, quinze anos e pela necessidade de um pouco de afeto permitiu-se uns beijos às escondidas com algum menino de sua idade em quem pudesse confiar. 

Celina realmente dera um alarme falso, mas antes disso conseguiu um anel de noivado. Infelizmente pra ela veio também a mudança de comportamento de seu homem, pois Pedro não mais parecia ter interesse em se casar. Disse todo irritado numa "discussãozinha", que se pudessem manter aquele namoro onde cada um ficasse em seu canto, pra ele era melhor e parou de procurá-la por uns tempos.

Semanas depois, houve um almoço de domingo no qual Mariana e seu namorado comentaram sobre suas intenções de morarem juntos.

— E tu e a Celina? Achei que estavam com um pé no altar.

— Ah Mari, fiquei cabreiro com a mentira da gravidez. Parece que esfriou um pouco.

— Ah coitada. Olha que se tu gostasse de verdade dela já tinha casado. Tá enrolando demais. Eu já tinha caído fora se o Rodrigo ficasse só nessa enrolação. Cadê o tio?

— Ah, ele tá lá pra São Miguel do Oeste, morreu um amigo dele e foi no velório.

— Velório, sei...

Pedro chutou a canela da prima por baixo da mesa. Mesmo que todos soubessem das coisas que seu João andava aprontando, dona Sandra era preservada. Ainda mais, depois do segundo derrame que deixou-lhe a boca torta como sequela e junto disso veio a depressão e o desgosto pela vida. Lucas permanecia auxiliando no que era possível, mas deixou claro que aos dezoito se mudar ou morar com sua mãe.

— Se ela te abandonou, vai fazer o que atrás dela?

Pedro "desferia" esses "golpes" que faziam o rapaz ficar magoado, mas era a realidade dele.

— Pode parar de descontar em mim as coisas que estão erradas no teu namoro ou com seu pai ou tua mãe. Não vou ficar escutando, fujo de casa se brigar comigo!

Lucas cruzou os braços e sentou em um canto do sofá, numa atitude bem infantil.

— Valha-me Deus! — Pedro revirou os olhos e se aproximou do jovem. Lucas era seu irmão, um pouco seu filho e seu amigo. Com um gesto inocente sentou-se pertinho do mais novo e o abraçou, dando um beijo na parte de trás da cabeça. — Não faz isso comigo. Sabe que eu não tenho mais ninguém que dá pra confiar, conversar e contar toda as coisas. Heim. Não tá brabo, né?

— Tô! — Lucas não se virou pra responder, primeiramente porque estava corado até a raiz do cabelo e depois, porque estava mesmo sentido por ser jogado de lado, pra ser "aproveitado" quando lhe achassem alguma utilidade. 

Passara a infância vendo em Pedro o Super-Homem, o paizão, o amigão, o dindo, o irmão e a afeição estava se transformando em algo diferente que ainda lhe era confuso.

— Ei escuta... — Pedro falou num sopro quase rouco e nisso Mariana entra empurrando a cadeira de rodas com dona Sandra. Então soltou o rapaz e foi ajudar a levar sua mãe para o segundo andar da casa de madeira.

— Porque o tio não gasta um pouco e faz um elevador? Olha, sinceramente Pedro, o teu pai tem dinheiro.

— Tá Mari! Deu!

Dona Sandra estava muito mais leve como resultado de suas teimosias para não se alimentar e com isso era mais fácil leva-la pra cima. Pedro tinha braços fortes, era entroncado e não tinha dificuldades em carregar a mãe. Com cuidado a colocou sobre a cama e lhe deu um beijo carinhoso na testa. 

Com a boca retorcida ela murmurou um agradecimento e Lucas subiu correndo para auxiliar.

— Tia, vou preparar um banho pra senhora. Pedro vai ter que me ajudar, porque o tio João não tá.

— Tá. — Visivelmente constrangido, o filho precisou auxiliar Lucas e Mariana a despir sua mãe para o banho e a troca de fralda. Depois o menino desceu para ajudar Mariana a preparar algo a janta e tão logo tinha algo pronto, subiu correndo, achando Pedro sentado no sofá olhando triste para a TV desligada.

— Pedro! Ei, surdo!

— Hã?!

— A janta tá pronta. Vou tratar a tia e depois desço.

— Eu te espero então.

— Aqui demora, vai. Janta lá com a Mari e o Guigo.

Mas o adulto não foi, preferindo sentar a beira da cama e observar como o garoto cuidava de sua mãe, tratando-lhe na boca, ora ajudando-a a segurar a colher e limpando seu rosto com o guardanapo.

— Bom né tia?

— Uhumm, bommm. — Muitas palavras ela exprimia com mais sentimento que outras.

— A Mari disse que vai cozinhar uma dobradinha pra senhora.

Dona Sandra caiu na risada, pois tinha aversão ao prato feito de bucho bovino e Lucas que compartilhava o mesmo nojo a respeito da "iguaria" riu junto com ela.

— Que foi Pedro... — Mesmo com a boca torta, dona Sandra falava. — a Celina tá boa? Nem veio mais... Trás ela aqui, queria tanto conversar um pouco.

— Eu trago sim. — Pedro permaneceu quieto aparentando tristeza e buscou o olhar de Lucas, antes tão alegre, agora tão consternado quanto o seu. — Deixa que ajudo a mãe, desce e janta que depois eu vou.

Lucas aceitou, mas saiu do quarto furioso deixando dois adulto se olhando.

— Tá grande o Lucas, nem parece aquela peste que veio morar com a gente. Tá moço bonito... que pena.

Pedro juntou as sobrancelhas e fez uma cara engraçada...

— Pena? Hahaha. Pena porque ele é bonito?

— Não... porque Lucas é diferente, é daquele jeito... — Dona Sandra virou a mão num gesto que tentava explicar algo da orientação sexual do menino, não tão menino, pois tinha dezesseis anos.

— Cada um sabe de si, né mãe. Eu percebi isso e ele até me falou... uma coisa. Meu medo é que ele sofra. Tem tanta gente ruim nesse mundo e esses piás meio delicados acabam sempre sofrendo.

— A Celina tem ciúme dele, já percebeu?

— Quê? Ciúme do que?

Mariana entra de repente no quarto e expulsa Pedro.

— Sai, sai, sai... vai jantar guri. Daqui a pouco eu e o Guigo vamos e fica mais complicado pra ti e o Lucas. Anda.

— Oh comida! Vou mesmo!

Um sorriso enfeitou a cara barbuda e ele desceu a escada ruidosamente só pra encontrar o Lucas lavando a louça e Rodrigo que saia do banheiro.

— Já jantaram?

— Nem vou te responder, ficou por último porque quis.

— Seu chato, tá toda vida azedo. — Pedro teve intenção de subir sem janta, mas Rodrigo puxou assunto, aí ele desistiu e se serviu do macarrão, galinha velha com molho caseiro, queijo parmesão fresco ralado por cima, salada de radite e um copo de vinho seco que ele compravam numa vinícola em Água Doce (SC).

Lucas colocou a toalha de louça no ombro de Pedro e disse perto de seu ouvido.

— Tu seca! Tô indo dormir. Tchau Guigo.

O adolescente se despediu de qualquer jeito já na metade da escada.

— E o teu pai?

Pedro era bastante amigo de Rodrigo e por isso acabou se abrindo.

— O pai tá desanimado, bebendo e fazendo o que tem vontade, um monte de merda. O Bruno pediu emprestado um valor alto e não pagou... Depois, o pai vendeu terra para aqueles caras da fábrica de ração e não recebeu, as cooperativas andaram atrasando os pagamentos e o prédio que ele tava construindo, tá com a obra embargada. Tá difícil, eu peguei representação comercial, não tem venda e tô mais fora de casa. Me preocupo com o Lucas sozinho com a mãe desse jeito...

— Tem medo que ele faça alguma coisa? Não né Pedro!

— Larga mão de bobagem! O pai que não para em casa e os dois estão ficando sozinhos e é isso me preocupa, se a mãe passa mal... o Lucas tem menos de dezoito anos. Tem poucos empregados hoje em dia, porque aqui é só um terço do que já foi. E pior que estou com um sentimento estranho que o pai vai largar isso daqui. Não tem mais o valor que tinha agora que desmembrou.

— É muito dinheiro que o Bruno levou?

— Um conto e meio!

— Caralho!

— É!

— Pra que ele precisava disso tudo?

— Nem sei! A gente achou que era pra abrir aquela clínica veterinária moderna, mas ele tá de com dois carros novos, a casa é um luxo que só vendo... nem gosto de falar, ele é meu único irmão. Mas tem dia que se não fosse o Lucas, eu me sentiria sozinho no mundo.

— E a Celina?

— Ah Rodrigo, não dá mais. — Pedro mostra no visor do celular, as infinitas chamadas não atendidas.

— Não faz isso. Senta e conversa.

— Já fiz isso e não adianta. Ela teve coragem de sugerir que eu colocasse a mãe numa residencial daqueles geriátricos. Acredita que lá no escritório do pai, me aparece o dono do Recanto "Não Sei Das Quantas" pra me falar como funcionava e valor mensal. Aí eu disse que não tinha interesse e ele na hora me falou que minha "mulher" tinha pedido uma visita.

— A Celina? Não dá pra acreditar muito que fez isso.

— Tá achando que eu minto? Ela confirmou e ainda me disse: "se a gente casar, não vou ficar morando naquela casa e muito menos cuidando da tua mãe".

— Nem sei quem tem razão Pedro. Antes de ficar com raiva dela, pensa se não ia ser melhor pra tua mãe. Tem fisioterapeuta, enfermeiros, cuidadores e gente da idade dela pra fazer companhia.

— Para né. Não vou tirar minha mãe daqui. A casa é dela...

— Eu sei disso, mas olha se um rapaz de dezesseis anos não tá carregando muito peso nas costas. Pensa se é aceitável, uma recém casada morar com a sogra e ter que limpar a bunda da mulher.

— Deixa como tá.

— Quem sou eu pra opinar. Desculpa. Mas tua mãe precisa de mais cuidado. Lucas é muito menino pra levar esse peso. Lembra da Marcinha? Não fizeram isso contigo quanto tu era criança? Ficou responsável por outra criança quando devia estar brincando de carrinho. Lucas devia estar estudando e longe daqui. Ele tem família, deixa ele escolher o que é melhor pra ele.

— Nem pensar, Guigo. Lucas tem só dezesseis anos e daqui ele não sai nunca!    

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Desculpem a hora... 

Mas está aí e entregue! Bem lindo!

Ai gente obrigado pelos votos no Oscar Literário! Nem tô crendo que estou lá ganhando votinhos. Eeeehhhh \o/.

Beijão em vocês e tudo de lindo :D

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