Te decepcionei...


O jovem Lucas estava acostumado a rotina doméstica que nem mesmo a via como imposição. Agia no automático durante o dia, sabendo que até as dezessete horas precisava ter tudo pronto para então ir para a escola técnica onde cursava o segundo ano do segundo grau. Escolheu o magistério, sabendo pelos boatos de que era o último ano que o Estado proporcionaria essa oportunidade. Embora não tivesse certeza que queria ser professor um dia, gostava de aprender sobre os parâmetros contidos na educação.

Dentro da escola fez o mínimo de amigos que precisasse e o mais chegado era o Robson ou Robinho que combinava ainda mais com ele. Como se o mundo ditasse a regra, ambos andavam em um pequeno grupo com os meninos que "seguiam" a mesma orientação sexual e com aquelas amigas dos gays que simpatizam e não os enxergam como pessoas anormais como faz boa parte da sociedade.

O jovem preferia não se abrir demais a respeito de sua vida doméstica e os problemas inseridos nesta. Mas com o Robinho sentiu-se confortável para confidenciar sobre os sentimentos que ele próprio olhava como algo errado e impossível, com relação ao Pedro. Com a idade dos amigos que estavam na faixa dos quinze aos dezessete, não obtinha conselhos sábios e mais uma vez, a solidão para os pensamentos era confortável.

Geralmente Bruno ligava pra saber como a mãe estava e raramente os visitava pelo medo da cobrança do pai, pois havia pego uma grande quantia emprestada e não conseguira se estabilizar para começar a devolver.

Seu João olhava com desapego para a fazenda que tornara-se um sítio menor de terra, não vendo futuro e sim prejuízos. Assim como Sandra, que depois de dois AVC tornara-se parcialmente inválida, ele resolveu friamente se livrar do que lhe pesava, pedindo a separação e fazendo a divisão dos bens entre o casal e os filhos, considerando o alto valor em posse de Bruno, este continuou devedor. 

Foi algo parecido com cotas, tipo 80% dividido para o casal e 20% que os filhos dividiram. Nisso Pedro ficou com o sítio desvalorizado e a mãe com um prédio inacabado no centro. Seu João se mudou para São Miguel do Oeste e Bruno voltou a se aproximar da mãe que obviamente piorou no quadro de saúde.

— O pai ficou louco Pedro. Onde ele tá com a cabeça?

— Nem sei. Sei que tá puxado cuidar disso e da mãe. Não tenho como deixar o Lucas que é tão novo, sozinho com a mãe. Será que a Lorena não consegue dar uma força?

— E a Mariana?

— A Mariana vem todo final de semana, até aproveitou as férias e ficou uns três dias aqui. Poxa, Bruno, é a mãe. Eu tô sem poder vender nada, as contas estão vencendo e...

— Tá e o prédio da mãe?

— O prédio tá vazio, Bruno, tá parada a obra e não tem como terminar aquilo. Que mundo tu vive? Olha eu tô me fodendo sozinho. Quer saber.... nem esquenta, vive tua vida lá, mas não me aparece chorando quando ela morrer.

— Precisa falar isso?

— Eu peço se a tua esposa, que não trabalha fora, pode dar uma atenção pra mãe e tu me manda pedir pra Mariana que é sobrinha do pai.

— Tá, eu tenho a minha vida, Lorena tem as crianças...

— Tá, e eu não tenho minha vida? Mas vai e continua a cuidar da tua.

Bruno e Pedro não se entendiam mais. 

O prédio que dona Sandra ficou na separação, fora construído de forma irregular e a prefeitura embargou, mas seu João acabou "molhando a mão" de alguém e foi liberado. Só que muito antes do reboco, ele parou de investir. Restava ao Pedro, organizar e por em dia as dívidas da pequena fazenda e lucrar algo pra terminar a obra.

Toda essa pressão o estava fazendo surtar e Celina conseguiu essa brecha de carência dele pra se achegar mais uma vez. Sabendo que a mãe do namorado era o bem mais precioso, ela tratou de ajudar com os cuidados. A contragosto de Lucas, ela cuidaria da mãe de Pedro à noite até que o jovem voltasse da aula, mas foram por duas semanas apenas.

Pedro o buscava na porta do colégio independente de ter ônibus disponível aos alunos. Em casa o jovem tomava um banho rápido e se jogava no colchão no chão do quarto de dona Sandra que dormia profundamente devido aos medicamentos. Uma noite fechou os olhos para ouvir aqueles insetos que "cantam" nas noites no interior e ouviu algo mais... sussurros...gemidos e poucas palavras que esfaquearam seu coração.

— Me deixa louco assim, faz... isso... rebola gostoso.

De olhos arregalados, o jovem sentou-se ao ouvir algo tão íntimo do casal pela primeira vez. Não haviam lágrimas, pois não houve promessas e Lucas era duro demais pra chorar. Mas houve ressentimento e repulsa.

No sábado pela manhã ela já tinha ido cedo, pois precisava abrir a loja, mas fizera o café e Lucas se controlou pra não jogar na pia da cozinha. Pedro lhe pedira pra economizar o que pudesse até entrar o dinheiro de um caminhão usado que ele vendeu.

— Ei guri, pode me pegar uma camisa limpa. — Pedro chegou na porta e arrancou a camisa suja de carvão mostrando o tronco forte e peludo ao jovem corado que desviou o olhar e subiu a escada correndo.

— Pedro, me leva no centro de tarde. Combinei de assistir um filme com as meninas.

— Não tá dando pra gastar, Lucas.

— Eu pago só a metade com a carteira de estudante e tenho aquele dinheirinho que você me dá todo mês.

— E a mãe?

— Tá, a Celina que cuide hoje. Fico a semana toda cuidando.

— Não dá pra ir hoje, eu já tinha combinado outra coisa. Vai sábado que vem.

— Eu já tinha te falado na segunda feira que terça eu ia porque era feriado, aí você me disse que durante a semana não dava.

— Como que eu ia saber que hoje tu combinou alguma coisa.

— Vou sair e ponto final. Não sou teu empregado!

Pedro se assustou com a atitude do rapaz e seu sangue ferveu.

— Como é?

— Manda a folgada da tua namorada cuidar da sogra ou só serve pra foder de madrugada?

O mais velho fechou a mão com tanta raiva que estalou os dedos e estreitou os olhos.

— Tá de castigo.

— Hahaha! Você não manda em mim!

Exercendo um controle hercúleo, Pedro entrou em casa e subiu a escada pisando com toda a raiva que sentiu, ao ser desafiado. Seu coração batia com uma força absurda, suas têmporas pulsavam e o rosto queimava de raiva. Sua mãe ainda dormia tranquila, seu peito subia e descia lento e isso transmitia calma. A cortinas brancas estavam abertas e balançavam com o ventinho fresco que entrava. Então ele sentou na cama e ouviu uma voz feminina e conhecida que tagarelava com Lucas, na medida em que subia a escada.

— Ai desculpa, Pedro. Eu falando alto e a tia tá dormindo. Brigou com o Lucas?

— Hã? O que ele disse? Tá chorando?

— Tá nada! Tá revoltado com você, guri. O Guigo vai levar ele no centro de tarde, pode ir namorar tranquilo.

— O Lucas não vai sair de casa, tá de castigo.

— Gente! Para de ser bobo, Pedro! Ele não tem seis anos. Ele te ajuda, é teu braço direito. Só quero ver daqui dois anos se ele quiser ir embora. Porque eu já teria ido. Ele vai querer arrumar um emprego, estudar, todas essas coisas e até achar uma pessoa pra namorar... sei lá o que... é a vida.

— Isso me preocupa. Já entendi o que você quis dizer.

— E nada de castigo, senão eu levo ele pra morar comigo!

Aquela conversa com a Mariana, lhe arrancou um pequeno sorriso. Após o almoço deixou de buscar Celina para se manter firme em proibir Lucas de sair com seus colegas.

— Ei, Pedro... Tá brabo comigo? — Lucas preparou o chimarrão depois no almoço e lhe passou a cuia.

— Acho que não devia ter me respondido. Eu sempre te tratei bem.

— Eu sei. Mas não é certo isso... — Lucas há meses não sentava no colo do mais velho e o fez, daquele jeito meio criação, abraçou Pedro e beijou sua bochecha, enquanto este tomava seu mate e afagava os cabelos lisos do rapaz.

— Pedro! — Celina apareceu tão de repente que assustou o namorado, fazendo ele ter um sobressalto. Lucas não saiu do colo do "irmão" e como ela nunca tinha presenciado essa intimidade dos dois, sentiu o efeito de uma traição. O próprio Pedro estava acostumado com o carinho de Lucas e não se preocupou em se justificar.

— Ué... — Pedro deu uns tapinha na coxa no mais novo pra que ele se levantasse e foi atrás da namorada que entrou no próprio carro batendo a porta. — Celina... Abre! 

— Nada! Não foi nada! — Ela pareceu meio arrependida pelos pensamentos, talvez equivocados com relação a cena e saiu do carro. — É que você me disse que ia me buscar pra almoçar aqui e são quase duas horas, aí eu chego e pego o Lucas ali.

— Ah larga de bobeira, entra. Quer um mate?

— Sempre? Isso nem se pergunta pra "cataúcha" aqui.

Lucas subiu pra se arrumar e pediu ao Rodrigo que o levasse ao centro, pois não conseguia olhar na cara do Pedro. Ele simplesmente o expulsou de perto quando Celina chegou e essas "bofetadas", ele não conseguia mais aturar. Beijou dona Sandra e ouviu aquele pequeno conselho dela e de Mariana:

— Se cuida e se comporta.

— Tá! — Ele saiu radiante, pois estava recebendo um voto de confiança de pessoas que se preocupavam com sua integridade, só o Pedro que não parecia notar que o menino crescera e logo sairia do seu controle.

Quando passou por Celina não a olhou na cara. Pedro chamou sua atenção e ele ignorou, entrando no carro de Rodrigo.

— Lucas, desce. Vou te levar lá bem rápido. — Pedro abriu a porta do carro do namorado da prima e não obteve resposta.

— Fica aí com ela. — Lucas tentou puxar a porta e o mais velho segurou seu braço.

— Que cara chato! Vem logo. Lucas, já tô me irritando sabia?

— Não tô te obrigando...

— Vem que a gente tem que conversar. Hum?

O rapaz olhou o rosto barbudo e o seguiu até seu carro. Pedro foi passando-lhe um sermão pelo caminho todo como se estivesse prestes a deixar um moleque de seis anos na casa de alguém para uma festinha de aniversário, enquanto Lucas olhava para a paisagem verde do milharal, depois a terra vermelho-escura, a própria rodovia e outras coisas que tomaram sua atenção. Ou teria respondido o mais velho com grosseria.

Na frente do shopping, Pedro pergunta:

— Cadê o pessoal?

— Lá dentro, foi o que a gente combinou.

— Não vou te largar aqui sozinho, liga e avisa.

— Meu Deus, Pedro! Para de me tratar como uma criança! Só falta você querer ir junto.

— Sou responsável...

— Muda essa frase feita. Veio me dizendo isso o caminho todo.

— Vai ligar ou volta pra casa?

Lucas estava cansando de se submeter e cruzou os braços.

— Para com essa mania, guri! Parece criança. — Pedro estava nervoso com ele e pra não brigar, falou no melhor tom de voz. — Lucas, liga para quem veio e diz onde você tá, espera que eles te busquem OU vamos voltar pra casa e, juro que te coloco de castigo como nunca fiz.

— Vamos embora e tô de castigo!

— Lucas...

Mas o jovem foi irredutível e preferiu voltar pra casa só para não aceitar fazer o que Pedro tinha sugerido. Ao chegar, todos estranharam a situação e as caras sérias dos dois. Celina estava intrigada e questionou o namorado:

— Ihhh, vai dar uns tapas nele?

— Não se mete, Celina! Lucas vem aqui!

O rapaz se voltou e encarou firme o mais velho, mas o silêncio prevaleceu. Pedro parecia ter se dado conta que cometera algo sem muita base racional e estava arrependido. Lucas era importante demais pra ele e por isso lhe inspirava cuidado. Era seu amigo e a pessoa em quem mais confiava, e por uns momentos sentiu que essa liberdade estaria ensinando-o a voar sozinho. Porque se preocupava com isso, quando tinha uma namorada?

— Pedro que grosseria! A Celina foi embora chorando... — Mariana lhe atentou.

Ele não percebera nada naqueles minutos que tentava esfriar a cabeça. Lucas já havia subido e lógico que essa atitude do mais velho, para ele não ia ficar barato. Pedro tinha tirado seu direito de ter algum lazer e descontração com colegas de sua idade e Lucas pagaria na mesma moeda em com juros.

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Pareço um zumbi, mas cumpri e estou postando. Cansado... 

Beijos e até amanhã♥♥♥

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