Te abracei...


Lucas não era muito sociável e isso era um fato. E quem o conhecia não dava muita atenção à suas birras. Quanto a sua educação, Pedro era quem mais tinha resultados. Havia algo na cumplicidade entre ambos, onde dona Sandra tentava interferir algumas vezes.

— Pedro, aquela moça... quando que vai trazer pra almoçar? O pai perguntou quem era e eu não sabia responder muita coisa. Nem eu conheço.

— Pra que pressa?

— Pressa? Esses dias, escutei tu falando no telefone com ela e combinando onde iam comemorar os 6 meses de namoro. Traz ela logo.

— Mãe, eu tô conhecendo ela melhor. Não quer dizer que vou casar com a Celina. Nem fui almoçar na casa da família dela, justamente pra deixar bem claro que não quero me enrolar sério.

— Enrolar sério? Pedro faz favor! Que moça que gosta disso? Quer casar com que idade?

— Depois dos quarenta!

Pedro saiu e nisso Lucas largou os deveres e correu atrás dele.

— Ô Pedro, me leva junto?

Lucas tinha esse costume e Pedro estava cansado.

— Hoje não, vai terminar seus deveres.

O menino não era de chorar, mas ficou sentido que nem jantou.

— Olha aqui, menino! Não sai dessa mesa se não comer tudo. Nem que tu dormir em cima do prato. — Dona Sandra o ameaçou.

Era próximo das oito horas da noite quando ela pôs a comida no prato e passava das dez horas, quando terminou seu bordado e percebeu que o menino dormia com a cabeça apoiada nos braços. Sentiu dó dele, mas para manter-se firme, o acordou e mandou que tomasse banho antes de dormir.

Não havia muito afeto por da parte de dona Sandra e do seu João, apenas haviam consequências boas e ruins conforme Lucas se comportava. O avô já tinha mais de sessenta anos e por medo da solidão amasiou-se novamente e assim a distância com o menino permaneceu. 

Sua mãe tinha contato por telefone com apenas duas de suas irmãs, aquelas que não lhe perturbavam com relação ao fato de ter abandonado o menino pra poder viver sua vida. Amanda sempre alegava que ele estava melhor onde ficara e sua vida era imprevisível demais para criar um filho de forma adequada. Segundo ela, afirmava que sofria e sentia saudades, mas precisava ficar longe pra focar nos estudos e trabalhar, tendo em mente buscar o menino quando tivesse estabilidade social e financeira.

Lucas já tinha desapegado de sua genitora e não falava dela, também não quis que comemorassem seu aniversário de onze anos em 26 de março e tudo que faziam com ele era criticar. Apenas Pedro que teve a preocupação de perguntar a ele o porquê desse comportamento.

— Não quer bolo, brigadeiro, chamar os amigos da escola e ganhar presente?

— Não. Eles são uns idiotas.

— Lucas, não usa essas palavras. São seus amigos. Lembra que ano passado eu levei aquele bolo na escola? Você tá triste porque não ganhou presente deles?

— Não. Porque o Ricardo me bateu e chutou, aí eu disse que ia matar ele.

— Para com isso, se falar isso outra vez eu fico chateado.

— Ele disse que sou menina.

— Nem liga pra ele. Vou lá conversar com a professora tá. Pergunto pra ela se tá tudo bem e conto que seu colega te bateu. Onde ele bateu.

Lucas apontou para a bochecha que não continha marcas, mas quando o menino levantou a calça de moletom até o joelho, ali sim, tinha uns hematomas.

Pedro brigou na época de escola, bateu e apanhou, mas era um rapaz de estrutura grande e por isso não fugia se o provocassem. Lucas era mirrado e isso lhe causava preocupação. 

Nos dias a seguir, ele conversou com a professora e indignado comentava com a mãe:

— Acredita que a professora do Lucas disse que não tem como separar as briguinhas das crianças. Falou que não dá pra tratar o Lucas como se ele fosse alguém especial, porque tem alunos da inclusão com laudo que requerem essa atenção.

— Ela tá certa! Professor é pago pra ensinar e não cuidar dessas pestes mal educadas. — Seu João se meteu. — Onde já se viu? O piá que aprenda a se defender. Ficam aí aconselhando: "ai Lucas, seja educado, seja bonzinho" esse piá parece uma boneca.

— Ô pai, na escola já ficam dizendo isso pra ele. Ele acabou de completar onze, e é um menino, não fala assim.

— Sim, já reparou o jeitinho? Não sei não. Ainda bem que não é meu filho, isso eu não aceito. Já falei pra tua mãe: "Sandra, pare de mandar o piá lavar louça, cozinhar arroz e arrumar o quarto dele. Esse piá vai virar viado".

Pedro podia não conhecer muitos gays, porque morava em cidade pequena e de interior e isso motivava esses a manterem-se discretos. Mas não sentia por eles, a mesma repulsa como seu pai.

No fim, o menino não quis a festinha de aniversário, que não era nada além de um bolo, uns doces e salgados e uns balões. Ele queria um presente e ter sua solidão pra brincar, fantasiar e pensar. Sua vida até então o tinha incentivado a amadurecer mais rápido. E entre os colegas sentia-se irritado por ter que esperar os que "patinavam" no aprendizado.

Pedro não via nada de incomum no menino. Via a volta de Lucas, um ambiente e pessoas hostis e sempre lembrava de si naquela idade. Parecidos, mas não iguais.

Passaram mais uns meses e Celina pressionou um pouco seu namorado, para entrosar as famílias e Pedro cedeu porque pensou que não teria mais problemas com a insociabilidade do menino. Realmente foi uma surpresa ver Lucas tão educado estendendo a mão e dando um sorriso tímido a jovem.

— Que olho bonito! É verde ou azul? — Essas observações repetitivas irritavam o garoto.

— É verde.

— Era azul quando ele era pequeno, depois foi ficando cinza e mudou, ficou um verde meio escuro. Ia ser "boniteza" demais se além desse cabelo, ele tivesse olhos azuis, né.

Lucas não responde à observação de dona Sandra que queria parecer simpática e agradável com a futura nora.

— Vai brincar lá em cima. — A mulher mandou.

Mas ele não foi, queria ficar perto do adulto que sempre lhe dava atenção. E para quem ele reservava todos os seus sentimentos complexos demais.

Celina sendo uma pessoa naturalmente agradável conseguir avançar alguns níveis de diálogo com o menino e assim foram tornando-se um tanto amigos. Só que Pedro ainda tinha que arrasta-lo a todos os lugares com eles. Logo o adulto percebeu que precisava daquela privacidade para seus momentos mais íntimos com a namorada e nessa hora, o menino parecia adivinhar e dificultar as coisas.

.....

Não foi fácil para Celina passar três anos de namoro, com um menino então adolescente, que determinava muitas coisas a respeito do Pedro. Ela teve seu primeiro desentendimento com Lucas, seis meses antes quando dona Sandra foi internada após seu primeiro AVC. 

Seu João determinou que não pagaria alguém pra cuidar da esposa e ela mesmo achava que sua paralisia nos membros inferiores era temporária, logo concordaram que não havia necessidade de ter uma despesa com a contratação de um recurso humano. 

O jovem entraria no ensino médio no ano seguinte e por isso sem que lhe fosse dado o direito de argumentar, os pais de Pedro decidiram que o jovem rapaz estudaria a noite para que durante o dia, pudesse auxiliar em casa e claro que ele ajudou a cuidar de dona Sandra, não com carinho, mas com respeito e responsabilidade.

— Mas Pedro, a tia Sandra é pesada, eu não vou conseguir dar banho nela.

— Lucas, não precisa erguer a mãe, eu tô indo pra Joaçaba e quero ver se compro algumas coisas adaptadas. É só por um tempo, depois a mãe se vira.

— E se ela não se virar?

— Tá, custa tanto assim ajudar a cuidar da pessoa que te adotou? — Celina se intrometeu e Lucas finge não ouvir. Não era da natureza dele se calar, menos ainda se humilhar, então esperou com paciência a chance de retrucar. — Pensa na pessoa que estendeu a mão pra ti. 

O adolescente, sequer olhou na cara da moça para que ela percebesse que ele lhe era indiferente.

— Pedro, eu até ajudo, mas quem vai limpar toda a casa, lavar roupa, fazer comida, essas coisas?

— Pois é, a Mariana e a mulher do Bruno vão vir uma vez por semana, mas é muita coisa. — Pedro concordou.

— Mas o Lucas sabe fazer o serviço da casa, não custa dar uma varridinha, lavar a louça, fazer um arroz e arrumar as camas. — Pela segunda vez, Celina se meteu.

— É Pedro, não custa... — Lucas respondeu. — A Celina tá praticamente se oferecendo pra fazer.

— Eu não disse isso. Na minha casa eu faço.

— Mas eu não me meto na sua casa.

— Olha a tua idade pra me responder.

— Quem te chamou e pediu a tua opinião, sua metida! 

— Ohh, para, já! Nada de ficarem discutindo. Vou falar com a Preta e ver se ela aceita dar uma ajeitada aqui pra nós.

— A Preta disse pro opa que tava pensando que um dia tu ia chamar pra limpar a casa e ela já falou que não quer. — Lucas se adiantou com base nas conversas ouvidas.

— Ai Lucas não se mete, tu nem sabe se a tua vó mudou de opinião.

— Você que não se mete, eu moro aqui e falo como eu quero e o Pedro gosta mais de mim do que de você.

— Tá, vai sonhando. Olha, eu não vou ficar aqui batendo boca com um guri abobado. — Celina pôs a bota e fechou o zíper com raiva enquanto Pedro tentava convencê-la a ficar.

— Lucas sobe! — Seu tom era ameaçador e não houve contestação.

O adolescente subiu pisando duro, mas sem medo de represálias posteriores. Pedro sempre amolecia com ele, sempre acabava sendo "amigão". Antes de falar com o jovem, ele formava a "defesa" e analisava com olhos de Pedro jovem que passou por coisas similares.

Mais tarde Pedro tentou falar com ele e recebeu um olhar cheio de raiva.

—  Alemão, alemão... 

—  Nem vem brigar, porque você viu que ela só se mete aqui. 

—  Eu não brigo contigo, você sabe, só que tá difícil pra mim, entende. Tu é novo...

— Novo? Pra fazer esse monte de coisa e aturar o teu pai, não sou novo.

— Mas se estou perto te defendo, sabe disso né? 

— Sei! Tipo hoje que preferiu me mandar pro quarto do que deixar aquela mulher ir embora. Pedro...

Quando Lucas amaciava a voz, Pedro ficava tenso involuntariamente e confuso...

— Hum?

— Você me adora ainda?

—  Larga mão de bobeira, adoro sim! Vem cá...  —  Lucas aceitou o abraço, como sempre, seu bálsamo, seu conforto e sua proteção. Pedro beijou os cabelos sempre arrumados do jovem e apertou ele com mais força ainda. —  Neném do Pedro... lembra que tu dizia isso quando tinha cinco ou seis anos?

—  Não...

— Sim, nem me lembre. Tu ia no banheiro e só deixava eu te limpar.

—  Aii! Para!

Pedro começou a rir muito, mas manteve o jovem por mais um tempo junto ao seu corpo e quando o soltou disse:

— Quando eu te pedia o que tu era do Pedro, você dizia: o neném do Pedro.

—  Tá, mas eu nem lembro, não chama assim que não sou mais criança! —  Lucas tava vermelho e sério quando respondeu e realmente não gostava desse tipo de memória.

Era o universo de dois amigos que parecia ser perfeito e um bom esconderijo para os problemas que gritavam em volta, como a mãe tendo alterações de pressão depois do AVC e logo o clima não ficou bom por meses...

A prima de Pedro, Mariana não se entendia com Lorena, a esposa de Bruno e as discussões de ambas deixava o ambiente pesado. Celina preferia ficar do lado de Mariana pelo fato desta ser prima do Pedro, mas bastava Mariana pedir que ela fizesse algo que Celina arrumava desculpas para não vir a fazenda. Às vezes Pedro ficava longe de casa com a namorada, sobrando coisas demais para Lucas, Mariana e Lorena. Bruno e seu João eram machistas demasiado para tarefas domésticas e pagar uma empregada, era algo fora de questão, pois o velho achava que tendo uma sobrinha, duas noras e Lucas, não tinha porque gastar com folha de pagamento e encargos.

Lorena foi a primeira que desistiu. Discutia com a sogra que tornou-se cadeirante, mas que ainda manteve-se com a língua ferina. Bruno tomou as dores da esposa e afastou-se naquele momento complicado, em que a família poderia estar unindo os esforços. 

Mariana também discutiu e foi com seu tio, quando ela lhe jogou na cara que ele estava mais preocupado com o dinheiro do que o bem estar da esposa. Pedro ajudava o pai a administrar a fazenda, cuidando da folha de pagamento, do contas a pagar, das compras de insumos e material de uso e consumo, também dos valores recebíveis que a cooperativa depositava. Logo dona Sandra era um fardo pesado para todos. 

Seu João passava mais tempo em casa e encrencando com Lucas.

— Esse copo tem cheiro de sabão. Lava de novo!

Lucas aprendera a não responder um homem temperamental como seu João e pela idade o respeitava, mas sentia raiva de ser tratado como "escravo".

Enfim... Dona Sandra não voltou a caminhar e permanecia dependente para ser levada em muitos lugares, mas fazia muitas coisas da forma que conseguia para ajudar em sua casa. 

....

Pedro esteve à beira de um surto quando Celina passou a lhe pressionar para que casassem, pois havia engravidado.

Na cabeça do jovem Lucas que mal chegara aos quinze anos, aquilo lhe pareceu como uma traição e por semanas, não falou com Pedro. Estava magoado com o mundo. Sua situação era algo imposto a ele e não tinha a quem recorrer. Seu vô o acusaria de ser um malandro e mal agradecido. Sua mãe aparecia na fazenda uma vez cada dois anos, já havia se casado e se tornado mãe outra vez. Pedro ia casar, porque tinha feito um filho na Celina. A família de Pedro não se entendia mais. Seu João andava saindo muito de casa para ir pra zona mesmo. E dona Sandra parou de falar e não queria mais comer.

Eram muitas coisas para Lucas. Mas Lucas absorveu cada uma delas com calma, pois havia algo no meio disso tudo que sempre lhe interessou e enganava quem pensava que ele estava muito tranquilo e apenas aceitando o que vinha ao seu encontro. 

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Maa oeeee, quem quer dinheiro? \o/ Hoje é dia né, tem Sílvio e quase ninguém admite que vê o bom velhinho. O cara é foda! Eu tava vendo, falo mesmo, haha...

Entrego mais um capítulo e abraços, carinhos e beijos comportados. 

Bom começo de semana e o restante que seja melhor ainda! Vamo com fé!


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