Parte 1: Do Vinho Para o Enxofre
Londres. Conhecida como a capital industrial do mundo nesta época, após uma revolução que transformou todos os homens de classe baixa em meros ajudantes de máquinas gigantes que não tinham alma, mas tinham um único objetivo: encher os bolsos e a barriga de aristocratas gananciosos que apenas olhavam para cima enquanto subiam, ignorando qualquer coitado que se fazia de degrau para a sua ascensão.
Mas eu não tinha a noção disso naquele momento. A partir daquela janela do barco, eu via aquela quantidade de luzes e fumo vindo das chaminés como um simples sinal da evolução do ser humano, mas eu não estava preparado para tudo que aconteceria naquela noite.
- Meu senhor, acabamos de chegar - disse uma mulher vindo ao meu lado - É impressionante, apesar de ser tão bonita nas fotos, ver a cidade pessoalmente é outra coisa...
- Eu já disse para não me chamar assim, Naomi, se você esqueceu, nós lutamos lado a lado na guerra como simples soldados - levantei pegando na mão dela - E eu adoro como o meu nome soa quando você o diz.
- Para com isso Terui, nós viemos em uma viagem diplomática, e não uma lua de mel, então é melhor se comportar - Puxou a sua mão com a cara toda vermelha, e abriu o caminho para eu passar - Anda logo, que não podemos deixar todo mundo a espera.
O nosso recém-noivado não impediu que Meiji, o atual imperador do novo governo japonês, de mandar a gente para aqui com um simples objetivo de fortalecer as relações com o Reino Unido. O ano era 1888, e quem nos aguardava naquela noite fria de novembro era Robert Cecil, o atual primeiro-ministro, que logo que viu a gente, tentou disfarçar a sua inquietação devido ao atual clima.
- Bem-vindos a Londres, eu espero que vocês tiveram uma viagem confortável - Apertou a minha mão - Você deve ser o jovem Kimura, e a sua bela noiva, prazer em finalmente conhecer vocês, bem que eu queria ter a presença de vossa alteza também.
- Infelizmente para si, ele está demasiado ocupado com a restauração completa do governo - respondi esfregando as mãos.
- Fico feliz que tudo esteja indo conforme o planejado, depois da guerra contra o clã Tokugawa, ele provou que era muito sábio para a sua pouca idade - Robert suspirou soltando uma brisa bem visível demostrando o quão frio estava - Melhor falarmos dentro da carruagem, que este clima está me matando...
A viagem de carruagem foi tranquila, as ruas estavam pouco movimentadas pela hora, mas os postes de iluminação davam vida para aquelas ruas cheias de casas e a boa parte dos estabelecimentos que estavam fechados, comparando com o sítio de onde vim, era como se eu tivesse viajado para outro planeta...
- O que está achando da nossa cidade - perguntou Robert olhando para mim com um pequeno sorriso, ele sabia que era a minha primeira vez por lá.
- Magnifica, nunca vi algo parecido - ajustei o corpo, cruzando as minhas pernas - Desculpa a pressa, mas qual é real proposito da minha vinda para aqui?
- Um certo homem, tem uma proposta que talvez agradará você e o seu imperador - A após ele dizer aquilo, a carruagem parou na frente de um edifício que era ameaçador devido ao seu tamanho - Finalmente chegamos, espero que tenham energia para participar de uma pequena celebração acontecendo neste momento.
Descemos na carruagem e entramos pelas enormes portas daquele edifício, e fomos agraciados pelo enorme salão. A cor dourada dominava tudo, desde os enormes candelabros no teto até as taças repousando nas mesas. Homens e mulheres exibindo as suas melhores vestimentas, socializavam por todos os lados.
E no meio de tantos rostos, surge um que eu e Naomi conhecíamos muito bem.
Thomas, que bom encontrar alguém familiar por aqui! - disse Naomi abraçando o homem que vinha na nossa direção. Fazia quase 2 anos que não víamos ele.
- Bom ver vocês aqui, mas acho que o grupo está incompleto, algo que nunca tive a chance de presenciar - perguntou Thomas confuso, mas ele tinha razão, era a primeira vez em muito tempo que eu ficava longe de meus companheiros.
- O imperador limitou a viagem apenas para nós os dois - respondi para ele rindo - Se os outros viessem, a viagem se tornaria num circo completo.
- Ele vos conhece muito bem, mas no final, umas férias seriam bem merecidas depois de tudo que vocês passaram - Após Thomas falar aquilo, um homem surge atrás dele dando a mão para mim - Este cavalheiro é Tomas Crusswell, meu xará, e representante da Standard Oil Company aqui em Londres.
- É um prazer conhecer, um dos responsáveis pela ruína de um clã inteiro - Disse Crusswell dando um sorriso falso, o que me incomodou um pouco - Mas eu acho mais apropriado pularmos estas cortesias, e pulamos diretamente aos negócios, até porque eu sou a razão pela sua presença aqui.
- Tomás, você prometeu que iria se comportar... - interviu Robert chateado.
- Não faz mal, eu não vim para ficar muito tempo de qualquer jeito - respondi mudando de humor, e troquei olhares com Crusswell por alguns segundos, deixando o clima pesado.
- Por aqui, me siga, e não se preocupe com a sua companheira de viagem que Thomas fazer companhia para ela - Crusswell começou a andar, e eu segui juntamente de Robert, que estava do meu lado. Subimos as enormes escadas até o primeiro andar e chegamos até uma das portas, mas antes de entrar, olho para Naomi.
- Vai, eu irei ficar bem - sorriu após mexer os lábios, me deixando menos preocupados, ela sabia se defender e estava com Thomas, então passei pela porta e a mesma fechou.
Andamos por corredores cheios de portas brancas, aquilo parecia um labirinto, mas consegui decorar o caminho de volta, até que chegamos a uma porta vermelha que estava sendo guardada por dois guardas armados com rifles.
Robert abriu a porta e entramos, exibindo uma pequena sala com 3 poltronas a volta de uma mesa com uma lareira acesa feita de tijolos com uma enorme cabeça de urso pendurada por cima. Em cada lado da sala tinha umas estantes, uma para livros e outra para as bebidas.
- Sintam-se em casa - disse Robert pegando uma garrafa na estante. Eu e Crusswell sentados nas poltronas ficando frente a frente. Robert sentou também servindo em copos por cima da pequena mesa que separava a gente - Este aqui, é um Bourbon que recebi de presente pelo próprio John Rockefeller em pessoa, ele me disse que é perfeito para esse tipo de situação.
- Muito obrigado, meu amigo - respondeu Crusswell dando um gole sem desviar o olhar de mim, e pousou o copo começando a falar - Mais uma vez dou parabéns, ao seu imperador pela vitória na guerra, graças a estratégia dele e as vossas habilidades misticas vocês tiveram uma enorme vantagem contra o clã Tokugawa, mas..., foi principalmente graças ao armamento fornecido pelo governo inglês que vocês não foram escorraçados como cães, então vocês possuem uma dívida para conosco.
- Onde quer chegar com esse pequeno discurso, Sr. Crusswell? - perguntei confuso. Ele apenas falava de um jeito rude, coisas que eu já sabia.
- Nós queremos que a Standard Oil Company opere no vosso país com efeito imediato, levaremos máquinas para o vosso território com o objetivo de achar e extrair qualquer tipo de obra-prima existente - exigiu descaradamente enquanto brincava com o gelo dentro de sua bebida - Considerem isso como um método eficaz de pagar a dívida.
Pela reação de Robert, era meio obvio que ele não contava com uma proposta dessas.
- Você deve estar louco, ninguém permitirá que a natureza seja violada só para o teu benefício, as nossas "habilidades misticas" a que você se refere, dependem totalmente dela - respondi indignado com ele - Deve haver outro meio de resolvermos isto.
- Infelizmente, não tem outro meio, caríssimo...
- Então dou este encontro como encerrado - levantei e abri a porta dando de caras com os dois guardas - Saiam da minha frente!
- Se você não vai colaborar, então já não serves de nada para mim - Crusswell sentado, levantou a mão fazendo sinal para os guardas - Matem ele...
Um deles tenta agarrar em seu revólver na cintura, mas eu agarro em sua mão o impedindo, e bato no cano do rifle que o outro encostou na minha cabeça, fazendo ele disparar na estante de bebidas pertencentes a Robert.
- Que droga, vocês estão fazendo, olhem onde vão atirar - reclamou o mesmo tentando resgatar o líquido das garrafas partidas no chão - Crusswell, você não pode simplesmente matá-lo sem esperar consequências
- A minha paciência se esgotou, e considera a morte dele como um simples infortuno - Tomás levantou disparando o seu revólver, e sua bala atravessou o meu ombro, e a seguir o peito do homem que eu estava socando - É melhor reconsiderar a minha proposta...
- Nunca! - disse antes de correr desviando de outro disparo. Eu tinha de sair o mais rápido possível daí, então voltei pelo caminho decorado, mas quase chegando na porta, vários guardas entram por ela, me obrigando a voltar, e entro na primeira sala logo ao virar as esquina, trancando em seguida, e oiço vários passos se distanciando aos poucos - Droga, como eu irei escapar dessa..., não consigo sentir a minha chama para puder usa-la conta eles.
- Você parece meio perdido, meu caro - Olho para frente e lá estava um jovem de cabelos prateados olhando para mim, uma mulher desmaiada estava em seus braços e ele estava com uma faca em uma das suas mãos - O que foi, não aguentou ver tantos snobes reunidos em um grande salão?
- Bem, digamos que a partir de agora, virei um inimigo do estado - disse dando um sorriso morto, eu só pensava em Naomi naquele momento - Pode me dizer o que você está fazendo com ela?
- Estávamos tendo uma pequena diversão, mas ela acabou caindo de tão bêbada que ficou, o seu nome é Mary Kelly, e eu sou Jack - deitou ela na cama e fez uma vênia - A tua presença nesse quarto me compromete também, então que tal nós sairmos daqui?
- Eu tenho a certeza que os guardas, não deixarão isso acontecer...
- E quem disse que iriamos precisar de portas? - Ele correu até a janela aberta e pulou segurando em uma corda, descendo até a rua lá pra baixo. Eu cheguei até a janela e olhei para ele acenando - Não se preocupe, é seguro.
- Certo... - Tomei coragem e dei um pequeno pulo segurando na corda e desci até ele - Isso foi perigoso.
- Mas era o unico jeito, agora o que você vai fazer? - perguntou Jack puxando com força a corda fazendo tudo cair até o chão - Não acho que as ruas serão seguras e você não parece que conhece alguma coisa por aqui, isso se ires tão longe com esse ferimento.
- Eu estou bem, só preciso ir pegar Naomi prime... - Oiço tiros e gritos, então corremos até a esquina dando uma visão da entrada, e vejo Crosswell de pé apontando a arma na cabeça de Thomas que estava machucado e deitado no chão - O que está acontecendo?
- Você está se metendo com a pessoa errada, Crosswell, ele virá atrás de você por causa dela... - disse ele tossindo - Ainda dá tempo de corrigir a porcaria que fizeste...
- Você acha que aquele japonês idiota vai conseguir fazer algo contra mim, aqui? - Respondeu rindo - Eu vou acha-lo, e matá-lo bem na sua frente, tal como fiz com a mulher dele.
- Como assim? - Após Thomas perguntar, o corpo de Naomi é jogado sem vida pelo primeiro andar com uma corda amarrada em seu pescoço, deixando ela pendurada para todo mundo ver - Seu monstro, você tem noção do que acabou de fazer!
- Estou farto de manter a calma, a guerra deles foi ganha porque eu financiei, então não importa se eu tiver de limpar todo mundo daquele pequeno conjunto ilhas para eu recuperar o meu lucro, então deixe de tanta preocupação e viva a sua vida, soldados..., levem este palhaço daqui.
Eu tentei gritar após ver o cadáver de Naomi daquele jeito, mas Jack agarrou em mim tapando a minha boca com uma espécie de pano.
- Calma, eu sei que dói perder a única razão para continuares a viver desse jeito, então deixa-me mostrar a você o caminho até onde ela está agora... - Após ele dizer isso, senti uma lâmina passando suavemente pelo meu pescoço. Ele me larga deixando eu agonizando no chão, tentando achar um jeito de respirar, enquanto o sangue escorria sem parar - Não tinha outra forma, meu caríssimo, eu tenho certeza de que o porto estaria cercado de guardas impedindo a tua escapatória, e a população é não tão fã de esconder estrangeiros, então apenas deixa-te ir e morre em paz.
Eu tentei rasgar um pouco de minhas vestes para estancar a zona do corte, mas o ferimento era grande demais, então a minha visão começou a ir aos poucos.
Olhei para Jack que sorriu macabramente para mim e a sua canção foi a última coisa que eu acabei ouvindo:
"Oh my time is up
My destiny is certain.
You curse floats above me
Like a melody i hear.
Oh my time is up
And heaven's gates are bolted.
But now i'm not even sure
If they want me down in hell
Grant me one last request
Sing me this song of death."
Olhei para o céu onde a Lua vermelha era a única testemunha imparcial do meu fim, lágrimas começaram a cair do meu rosto, e a profunda escuridão que mergulhei repentinamente me fez perceber que nem tudo pode ter um final feliz, ou ao menos um satisfatório.
Mas pelo menos irei me encontrar com Naomi, certo?
Fim da 1ªParte.
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