Capítulo XXII - Desde o início

 — Marcel!

Imediatamente após o grito, a corda foi puxada e o sino começou a tocar. Um som estridente tomou os ouvidos de Marcel Gray, um som que já havia ouvido dezenas de vezes antes.

Ele desligou a máquina em que trabalhava, um lançador de dardos automático, e levantou-se do banco em que estava sentado. Destrancou a portinhola e a abriu, fazendo um gesto para que a pessoa subisse as escadas e entrasse no sótão. Esperou algum tempo até que viu Silas Miller atravessando a portinha e ficando de frente a ele.

Marcel, até então, estava sozinho na casa. Sua esposa e filha haviam viajado alguns dias atrás para a casa da mãe de Rebecca, onde ficariam por uma semana. Ela e Marcel nunca haviam se dado muito bem — as poucas tentativas de fazer um jantar em família tiveram como resultado gritarias e louças quebradas —, de modo que o homem não havia sido convidado. Não que ele fizesse qualquer questão de ir.

O homem sentou-se novamente e puxou o banco ao seu lado, mas Silas não parecia fazer questão de acompanhar o amigo. Continuou de pé, saltitando no mesmo lugar. Parecia empolgado com algo.

— Por que está tão feliz? — indagou Marcel.

Então, viu que o homem segurava em suas mãos dois pedaços de papel.

— Economizei dinheiro — disse o senhor Miller, entregando-lhe os papéis, o que Marcel descobriu serem passagens de avião. — Comprei assentos em um voo para a França. Podemos finalmente ir atrás de nosso sonho!

O homem sentado sorriu. Não podia acreditar!

Levantando-se, vasculhou uma prateleira próxima e tirou de lá um livro. "Um estudo do mal", de Anthony e Martha Pascal. Havia recebido o exemplar de presente há mais de um ano pela tia de sua esposa — que, diferentemente da mãe, apoiava seu relacionamento com Rebecca. Desde aquele dia, ele e Silas sonharam com, um dia, encontrar o diamante perdido de Abelone e agora finalmente poderiam ir atrás desse sonho.

— Sairemos em três dias — concluiu Silas. — É melhor nos prepararmos.

O sorriso deixou os lábios de Marcel. Conferiu a data marcada no bilhete, e era verdade.

— Não podemos adiar? — questionou ele, no que seu amigo reagiu com um olhar inquisitivo. — Rebecca e Giselle só estarão de volta na quinta-feira. Eu não posso ir embora sem me despedir.

Silas parecia um tanto decepcionado. Esperava que o homem ficasse empolgado para ir logo. Há meses não falavam de outra coisa que não fosse isso.

— Não podemos — respondeu, melodramático. — Eles não vão reembolsar as passagens e não sei quando conseguirei recuperar esse dinheiro.

Marcel levou algum tempo até responder.

Era óbvio que ele queria ir para a França com Silas. Há meses imaginava esse dia chegando, os dois entrando na floresta de Manoury e encontrando a joia perdida. Mal podia esperar. No entanto, não estava preparado para ir embora naquele momento. Queria se despedir de sua esposa e filha antes de ir e queria fazer isso na presença das duas, mas elas não estariam de volta a tempo.

Por outro lado, não sabia quando teriam aquela oportunidade novamente.

Deixou uma carta, dizendo que gostaria de poder se despedir pessoalmente, mas que não precisavam se preocupar, pois estaria de volta em breve, embora não soubesse quão breve seria. Disse também que as amava e que se lamentava por ter que fazer aquilo, embora não tivesse explicado o que estava para fazer.

A corda do sino foi cortada naquele dia.

• • •

— Marcel e Silas deixaram a Inglaterra e pegaram o voo para cá — narrou Dawil. — E foi assim que tudo começou.

O homem de cabelo rosa se encontrava de pé, explicando toda a história às duas garotas, que estavam sentadas à sua frente. Os demais detetives já sabiam o que havia acontecido, mas também prestavam atenção ao monólogo do francês. Lawrence, Jefferson e Elsie estavam sentados sobre as costas de Marcel Gray, que, deitado no chão, já havia desistido de se debater. Eles estavam apenas aguardando a chegada da polícia para poderem prender o homem.

— No dia em que chegaram aqui, apenas Marcel entrou na floresta — prosseguiu. — Não sei se isso foi combinado previamente entre eles ou se Silas ficou com medo quando a viu pela primeira vez. — Ao dizer isso, olhou nos olhos de Marcel, que não reagiu. — O fato é que ele entrou na floresta. Ele é o sujeito desconhecido de nove anos atrás, mas, ao contrário do que pensamos, ele não morreu. Obviamente.

Sim, era óbvio. Ao menos, vendo o tal sujeito ali, vivo, era óbvio que ele não havia morrido. Não havia nenhum perigo na época.

— Silas arrumou trabalho no mercado da vila de Yernies para que conseguissem se sustentar — prosseguiu. — Poderiam suspeitar dele se trabalhassem aqui em Dancourt, e, como frequentemente viajava para cá, era mais seguro se usasse outro nome. É assim que Lou Lafaille surge nessa história. Ele vinha para este vilarejo por aqui, pela parte de trás da floresta, e é para isso que esta câmera foi instalada. — Ele apontou para algum lugar no meio das árvores, provavelmente para o lugar errado, mas não importava. Eles sabiam de qual câmera ele estava falando. — Para que Marcel pudesse ver quando Silas estava vindo e então desativar as armadilhas.

Dawil começou a caminhar. Assim como enquanto pensava, ele discursava melhor enquanto caminhava.

— No sótão da antiga casa dos Gray havia várias invenções, segundo o relato de Elsie. Aparentemente, Marcel possuía talento para inventar coisas, sobretudo coisas perigosas. Creio que ele teve bastante tempo para aperfeiçoar essas habilidades aqui em Dancourt. Silas, ou melhor, Lou, com seu emprego no mercado, conseguia o dinheiro e materiais necessários para que Marcel criasse armadilhas que mantivessem as pessoas afastadas da floresta, machucando e até assassinando quem ousasse entrar lá.

Deu uma olhada para o homem no chão, buscando uma confirmação que não veio, e prosseguiu.

— Não tenho como saber se tiveram essa ideia logo de início ou se ela surgiu com o tempo. No entanto, em algum momento, isso se tornou necessário para impedir que as pessoas atrapalhassem sua busca. Não poderiam deixar que outro alguém pusesse as mãos no diamante. Assim sendo, puseram o plano em ação, tendo Leon Courbet como sua primeira vítima.

"Mesmo assim, isso não foi o bastante. De tempos em tempos, alguém se arriscava no meio das árvores, e, mesmo que matassem todos os que entravam, aquilo os atrapalhava na procura pela joia. Mais do que impedir os que entravam de sair, precisavam evitar que as pessoas continuassem entrando na floresta. E o Padre Larousse foi de grande ajuda para eles.

"Josué sempre foi uma figura influente no vilarejo. Se ele mandasse as pessoas se afastarem da floresta, o número de aventureiros diminuiria consideravelmente e eles poderiam trabalhar em paz. Só precisavam de algo que motivasse o padre a fazer isso."

Nesse momento, a expressão no rosto de Dawil foi o mais puro desprezo.

— Os dois assassinaram Jade Larousse.

Todos os olhos se voltaram para Marcel Gray, que apenas fechou os seus. Sabia que sua filha o olhava e não conseguiria encará-la de volta. Não adiantaria dizer nada, pois não acreditariam nele, mas aquilo não era verdade.

Não foi o que aconteceu.

• • •

— Isso é mesmo necessário? — perguntou ao colega. — Ela é só uma criança

Silas, ao seu lado, fez que sim. Usavam óculos de visão noturna para se enxergarem naquela escuridão, caso contrário seria impossível executar o plano. Estavam dentro da floresta, escondendo-se atrás de árvores mais próximas ao vilarejo, observando.

Era noite de celebração na igreja e todos de Dancourt estavam lá — ou, pelo menos, a maioria significativa. O local estava lotado e havia fiéis do lado de fora, tentando observar o que acontecia por cima do mar de cabeças de quem tivera a sensatez de chegar cedo. Vendedores aproveitavam-se da movimentação da noite para faturar vendendo água, petiscos e artefatos religiosos. Silas lamentava por perder a oportunidade de conseguir dinheiro fácil, mas o que estavam para fazer era mais importante.

Se aproximaram da casa do padre pelos fundos, onde ninguém observava. Entraram através da janela destrancada, como era comum na vila. Nunca havia sido registrada nenhuma ocorrência de invasão, de modo que os habitantes não se preocupavam muito, o que era bem conveniente para os dois.

Encontraram Jade deitada, cochilando. O peito da menina subia e descia acompanhando sua respiração. O rosto angelical de apenas quatro anos transmitia paz, sem saber o que estava prestes a lhe acontecer.

Cobrindo a sua boca para que não gritasse e seus olhos para que não os visse, raptaram Jade e a levaram para dentro da floresta.

Enquanto esperavam o final da celebração, Silas carregou a garota até um local mais profundo na floresta. Marcel preferiu ficar longe enquanto Silas prendia os pés da menina em uma armadilha de urso. Não conseguiria fazer isso sem lembrar-se de Giselle e imaginar-se machucando sua própria filha, de modo que preferiu passar essa tarefa ao colega, que não possuía uma família invadir seus pensamentos.

Não lhe agradava a ideia de machucar uma garota de quatro anos, mas concordaram que não havia melhor opção.

Ele havia tentado visitar sua filha alguns meses após sua partida. Comprou uma passagem de volta para a Inglaterra, mas, quando chegou lá, elas já haviam partido e a casa havia sido vendida para um casal. Os dois homens que lá viviam não sabiam lhe informar onde estavam sua esposa e filha, e ele pensou tê-las perdido para sempre.

Após essa desilusão, concentrou seus esforços na busca pela joia.

Ao final da celebração, esperaram o padre sair, se despedir de seus fiéis e dirigir-se até sua casa. Assim que Josué percebeu a ausência da filha, correu pelo vilarejo, em pânico. Silas deixou a floresta longe dos olhares da população e se pôs a caminhar, colocando-se em sua posição de cidadão aleatório. Ninguém prestaria atenção no homem, nem mesmo se, ao se colocar propositalmente no caminho do padre para que este lhe perguntasse onde Jade estava, apontasse para as árvores e respondesse que viu uma garota correndo para dentro da floresta.

Ninguém prestaria atenção se isso acontecesse.

Ninguém prestou atenção quando aconteceu.

Assim que Josué correu para dentro da floresta, Marcel o acompanhou, em silêncio. Esperou que o padre encontrasse sua filha para levar à boca o microfone que segurava e começar a sussurrar. Os dois chegaram à conclusão que era necessário criar uma atmosfera sobrenatural se quisessem convencê-lo e aos habitantes que havia de fato uma maldição, então tiveram a ideia de instalar alto-falantes pela floresta e, então, sussurrar. O plano era transformar a floresta em algo vivo, consciente, pronta para matar... E deu certo.

O que eles não previram era Josué fugir e deixar Jade para trás.

A ideia inicial era que o padre, ao ver sua filha machucada e ensanguentada, a levasse para o vilarejo como uma prova de que a maldição era real. Tinham esperanças de que a menina sobrevivesse, ainda que não pudesse mais andar. No entanto, quando a garota foi deixada para trás, perceberam que tinham de fazer algo a respeito. Não podiam levá-la de volta à vila, pois poderiam ser vistos. Mais do que isso: imaginar uma garota de quatro anos fugir da floresta sozinha estragaria qualquer tentativa de maldição que eles se esforçavam para criar. Precisariam fazer alguma outra coisa.

Ao ouvir Silas sugerir assassiná-la, Marcel ficou abismado. Não imaginava que o amigo pudesse ser tão cruel. Não que ele próprio pudesse julgá-lo — havia o sangue de mais de dez pessoas em suas mãos, ele já não tinha certeza do número exato —, mas era cruel fazer isso a uma criança de apenas quatro anos.

Sugeriu que a levassem a um médico no vilarejo de Yernies. Lá, alguém a encontraria e a adotaria, ao menos era o que esperava. Silas ofereceu resistência de início ao imaginar o trabalho que teriam, mas aceitou, vendo que Marcel não aceitaria outra coisa.

Silas, então, olhou através das árvores na direção do vilarejo e balançou a cabeça.

— Esse padre é um covarde por ter abandonado a filha desse jeito — comentou.

Marcel baixou os olhos para o colar de coração em seu pescoço.

— É... — murmurou. — Covarde...

• • •

— Marcel e Silas usaram as armadilhas e os alto-falantes para causar a impressão de uma entidade sobrenatural — continuou Dawil. — Foi o bastante para que o padre se convencesse de que havia algo nessa floresta. Ele sabia que não era o fantasma de Abelone, como nos contou, mas não tinha ideia do que poderia ser. Então, criou uma narrativa por volta da morte da filha: que Cédric morreu na floresta e que havia um demônio lá dentro. Ninguém ousaria questionar sua experiência sobrenatural e, como já corriam boatos sobre a morte do ladrão, não teve muito trabalho em convencer a população de que havia uma maldição aqui.

"Deu certo. O número de aventureiros diminuiu bastante após a morte de Jade e o surgimento oficial da maldição de Abelone. Ainda havia cidadãos corajosos — ou estúpidos — o bastante para entrar na floresta, mas logo eram mortos. Incluindo Laura Grandis."

• • •

— Estou cansado disso.

Os dois se encontravam sentados em uma raiz de árvore, em silêncio há alguns minutos. Era pouco mais de sete horas da manhã e os dois haviam acabado de comer um sanduíche frio de presunto. Haviam combinado de se encontrar logo cedo para aproveitar o dia. Fariam uma busca intensiva em cada parte daquela floresta — mas, diferentemente das outras quatro, daquela vez daria certo.

Mas, chegado o dia, antes que saíssem para procurar o que quer que fosse, Marcel disse essas palavras.

Silas olhou confuso para o amigo que falava.

— Mas nem começamos a procurar — ele disse. — Tenho certeza de que desta vez encontraremos o livro com o diamante.

— Não estou falando disso — Marcel rebateu. — Estamos aqui há anos. Já vasculhamos cada canto dessa floresta mais de uma vez e nada. Às vezes, penso que é melhor desistirmos.

Silas levou algum tempo até processar o que havia acabado de ouvir.

— Marcel... — Ele suspirou. — Nós entregamos as nossas vidas para isso. Abandonamos o nosso país, investimos anos e muito dinheiro por essa causa... Quando encontrarmos o diamante, poderemos recuperar tudo o que perdemos. Acredite.

O sr. Gray não queria acreditar.

— E se o diamante não estiver aqui? — sugeriu, dizendo em voz alta as palavras que lhe atormentavam há vários dias. — E se algum explorador o encontrou antes de nós? E se Abelone nunca trouxe a Bíblia para cá?

Silas balançou a cabeça, tentando não ouvir o que ele dizia. Não queria sequer imaginar essa possibilidade.

— Já matamos muitas pessoas — ele disse. — Isso não pode ter sido em vão.

— E quantas mais precisaremos matar até que isso chegue ao fim?

Ele não ouviu a resposta do colega, pois ela não veio. O sr. Miller se calou ao ouvir, atrás de si, o som de uma folha seca sendo pisada. Marcel também ouviu. Eles se viraram, acendendo as lanternas e iluminando o local de onde ouviram o barulho.

Era uma garota.

Ela olhava assustada para os dois, seus olhos saltando de um para o outro. Ouvira a conversa dos dois homens. Não entendeu boa parte da história, mas os ouviu dizer claramente sobre as mortes. Sua postura indicava que tentou se afastar de costas lentamente, mas foi traída por sua perna esquerda ao pisar em uma folha seca no chão.

O que uma garota fazia tão fundo ali na floresta? Àquela hora da manhã? Silas e Marcel se entreolharam, mas, antes que pudessem decidir o que fazer, a garota virou-se e começou a correr.

Laura Grandis corria sem olhar para trás.

Os dois homens, após um breve segundo de hesitação, se puseram a persegui-la. A garota corria mais rápido que eles, mas eles continuaram atrás dela. Não podiam deixar que ela escapasse, que voltasse para o vilarejo, que contasse a todos sobre a verdade.

Após alguns minutos, pararam de correr, sem fôlego. Haviam se perdido da menina e não sabiam mais o que fazer. Se ela chegasse novamente a Dancourt, estariam perdidos. Marcel já se perguntava para qual país deveriam fugir quando ouviram um grito de algum lugar à sua direita. Os dois foram até a origem do som, onde viram a garota de cabeça para baixo, pendurada pelos pés por uma corda. Havia sido pega em uma das armadilhas. Ao vê-los se aproximando, se debateu, tentando se soltar, mas não adiantava. Sabia que não conseguiria.

Toda a esperança de voltar para casa se foi. Ela podia, enfim, se permitir gritar. E foi esta a última coisa que Laura Grandis ouviu: seu grito agudo cortando a floresta de Manoury.

• • •

— Assim, Laura dá início à nossa participação no caso, embora a história tenha se iniciado vários anos antes.

Os policiais haviam acabado de chegar no local, alguns deles subindo a encosta do vilarejo e outros o contornando. Pareciam surpresos pelo método pouco usual usado pelos detetives para prender o criminoso, mas não poderiam nunca duvidar de sua eficácia.

Só estavam esperando o homem concluir o seu discurso para efetuarem a prisão.

— Isso aconteceu quarta-feira de manhã, mas nem todos se atentaram ao seu desaparecimento. Seus pais se desesperaram ao ver que a filha não voltara da escola, mas seus colegas de sala imaginaram que ela havia apenas faltado às suas aulas do dia. — Apontou para a menina que fizera a ligação. — Giselle Gray descobriu sobre a morte da amiga somente quinta-feira à noite. Na sexta, ligou para a polícia, saindo de casa escondida da mãe por volta das dez horas da noite. Por coincidência, Bianco Cardoni estava em Dancourt nesse momento, trazendo Lou Lafaille para conhecer a temível floresta.

Dando uma olhada de relance para Marcel, Dawil prosseguiu:

— Lou, ou melhor, Silas, pôde ver o rosto de Giselle — contou. — Ela mesma disse estar debaixo de um poste de luz. A expressão de surpresa que o senhor Miller emitiu não foi causada pela magnitude da floresta, como presumiu Bianco, mas sim pela menina. Mesmo após nove anos terem se passado, ele ainda reconheceu seu rosto. Precisava contar a Marcel.

"Na manhã seguinte, ele vem a Dancourt, encontra-se com Marcel dentro da floresta e conta a ele sobre o que viu. Imagino que estivesse empolgado para se encontrar com Giselle e Rebecca, não tanto por si próprio mas sim por seu amigo. Marcel não via sua esposa e filha há bastante tempo e certamente adoraria reencontrá-las. Mas não era verdade.

"Ele não podia ver as duas depois de tudo o que fez. Agora era um assassino, um homem ganancioso que largou tudo por causa de uma joia. Não poderia encarar sua família. Os dois discutem sobre isso por horas sem chegar a uma conclusão, até que, em dado momento, começam a brigar. Silas pega o cordão de coração com a foto de Giselle, que Marcel havia guardado todos esses anos, e corre."

Giselle ouvia àquilo tudo sem acreditar. Pondo a mão em seu bolso, tira de lá o tal cordão, quebrado e em vários pedaços por ter sido jogado no chão em seu ataque de raiva. Estava lá, em suas mãos. Pegara do chão do hospital antes de ir embora. Olhou para seu pai, preso pelo peso dos três detetives, mas este não lhe olhava de volta. Não parecia querer fazê-lo.

Dawil ainda não havia acabado.

— Mas Silas havia se esquecido de um detalhe importante — disse. — As armadilhas que haviam instalado ainda estavam ativadas. Enquanto corria, foi pego em uma delas, gritando ao perceber o que havia acontecido. Tendo em vista que havia um furo em seu pescoço, se me lembro bem, posso concluir que Silas provavelmente foi atingido por um dardo envenenado.

"Tudo isso aconteceu no exato momento em que Lawrence estava na floresta. Ele encontrou o corpo de Silas antes que Marcel pudesse chegar até lá, mas, como Silas estava de posse do cordão com a foto de Giselle, Knopp presumiu que fosse o próprio Marcel. A confusão teria sido desfeita se ele tivesse conseguido carregar o corpo consigo para fora da floresta, mas, se tentasse fazer isso, provavelmente os dois teriam sido mortos. Escapou por um triz: foi pego pela mesma armadilha que Laura, mas conseguiu escapar."

Lawrence, lembrando-se dos momentos que viveu dentro daquela floresta e também das palavras do padre Larousse, pensou que talvez o homem não estivesse tão errado assim. Josué interpretara como um sinal divino o fato de ter conseguido sair de lá sem nenhum arranhão, o que não era verdade: só conseguiu sobreviver porque era de interesse de Marcel e Silas que ele ajudasse a disseminar os boatos. No entanto, talvez Lawrence pudesse fazer das palavras do padre as suas.

Talvez Deus tivesse, de fato, um plano maior para ele — ou qualquer divindade em que as pessoas escolhessem acreditar. Como Jefferson costumava dizer, "as coisas são do jeito que as pessoas querem que seja, e tudo existe". Fosse qual fosse o responsável pela sua sobrevivência — Deus, espíritos, sorte, destino ou o puro e simples desejo do Universo —, Lawrence Knopp estava vivo e seria eternamente grato a quem quer que o tivesse salvo.

— Silas está morto — continuou Mini. — Como eu disse hoje mais cedo: apenas duas mortes entre quarta-feira e sábado. Lou se trata apenas de um personagem inventado, de forma que apenas Laura e Silas foram vítimas da "maldição".

Olhou para Marcel, buscando uma confirmação da morte de seu cúmplice. O homem assentiu.

— Agora, tudo está resolvido. — Dawil bateu uma palma. — Amanhã, os policiais voltarão para retirar as armadilhas que os dois instalaram para que os habitantes possam voltar a entrar na floresta em segurança. Apesar de que eu não gostaria de entrar ali dentro depois de tudo o que aconteceu.

Lillie sorriu com a resolução do mistério, mas baixou a cabeça. Até então, havia cultivado uma vã esperança de Laura aparecer viva ao final de tudo, embora soubesse ser quase impossível. Mas, tendo em vista tudo pelo que haviam passado na última semana, aquela talvez fosse a melhor solução para o caso.

Os três detetives se levantaram, deixando que a polícia capturasse e algemasse Marcel Gray — e talvez o levasse para um hospital para tratar de um possível problema de coluna. A Agência LED e o Jefferson ainda seria chamada para esclarecer os pontos importantes daquele caso, mas podia-se dizer, de certa forma, que o fim havia chegado.

— Esperem — disse Lawrence para os dois policiais que levavam Marcel Gray. Eles pararam e o detetive virou-se para Giselle. — Você gostaria de falar com seu pai?

Giselle hesitou.

Há anos, pensava no que diria a seu pai se o encontrasse mais uma vez. Até pouco tempo atrás, pensava que ele havia sido sequestrado ou assassinado após ter ido embora da Inglaterra. Caso o encontrasse ainda vivo, teria dito que o amava e sentia sua falta. Perguntaria onde esteve todos aqueles anos, por que não voltara para casa, se alguém havia lhe feito algo de ruim.

Quando descobriu sobre o corpo na floresta, não desejou dizer nada. Estava com raiva por ter sido abandonada ainda criança, mas não lhe desejava mal. Não gostava de imaginá-lo morto e não queria que isso houvesse acontecido. Apenas não sentia nada, como dissera a Lawrence.

No entanto, o corpo na floresta não era dele. Quando assistiu à filmagem que Knopp fez, sentiu esperança de que ele ainda estivesse vivo. Sabia que era improvável — Marcel havia entrado na floresta nove anos antes e não retornara, provavelmente estava morto —, mas, assim como Lillie com Laura, Giselle esperava, no fundo do seu ser, que o pai estivesse vivo e salvo. Diria poucas palavras, algumas rudes, com razão, mas outras alegres. Era seu pai, afinal.

Com a conclusão do caso, porém, havia apenas uma frase que gostaria de dizer.

Ela se aproximou do homem, que também deu um passo para se aproximar. Marcel se surpreendeu ao ver o quanto sua filha havia crescido. Perdera a maior parte de sua vida, de seu desenvolvimento, e lamentava por ter feito isso. Se perguntava como estaria Rebecca, se havia mudado, se havia encontrado outro alguém... Sabia que não tinha mais o direito de se preocupar com isso, mas Silas estava certo: ele estava feliz por ver sua filha mais uma vez.

Giselle, então, colocou sua boca próxima ao ouvido do pai e sussurrou, de modo que nem os policiais pudessem escutá-la:

— Eu queria que aquele corpo na floresta fosse o seu.

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