Capítulo XXI - Um pouco decepcionante

Para a infelicidade de Lawrence, não era do padre que Dawil estava falando. Para sua felicidade, também não era dele próprio.

O sol havia se posto duas horas atrás, deixando a sombra da noite ocupar seu lugar. O céu negro pontilhado de estrelas era uma visão muito bela, assim como o cair da noite também o era. A própria floresta de Manoury também possuía lá sua beleza, embora oculta no meio de sua aura de medo e temor. Era algo belo — se soubesse onde procurar. No entanto, não era beleza o que interessava à Agência LED e o Jefferson: era pegar o assassino.

Os quatro se encontravam na parte de trás da floresta, estrategicamente posicionados: Dawil e Elsie estavam próximos à floresta, mas afastados entre si por algumas centenas de metros. Jefferson e Lawrence, longe das árvores, também se distanciavam entre si, além de entre os demais. Cada um dos detetives era o vértice de um quadrado imaginário, apenas esperando o momento certo para estes vértices convergirem em um único ponto. O ponto onde estaria o culpado.

Eles só esperavam que sua falta de experiência perseguindo criminosos não os atrapalhassem.

Estava escuro, como deveria ser. Nenhum deles conseguia enxergar um ao outro, o que era bom. Era mesmo desse breu quase total que precisavam para capturar o assassino. Eles não poderiam ser vistos ali antes da hora, caso contrário o plano poderia dar errado. Teriam de ficar bem escondidos até o momento ideal.

O relógio em seus pulsos marcava nove e vinte e três. Ainda havia alguns minutos pela frente, então eles esperaram.

Lillie e Giselle também esperaram.

As duas não se encontravam no quadrado. Nem em seus vértices, em suas arestas ou mesmo faziam parte de sua área, situação que confundiria matemáticos que porventura sobrevoassem aquela região naquele momento — o que não era o caso, felizmente. As garotas não estavam em forma geométrica alguma, pelo contrário: estavam afastadas de lá, seguras, mas ainda por perto. Depois de tudo, era de se esperar que desejassem ver o desenrolar dos acontecimentos, principalmente Giselle. Afinal, foi a sua ligação que deu início a toda a investigação, e ela queria saber como tudo terminaria.

As amigas estavam em silêncio há vários minutos. Nenhuma delas disse nada desde que os detetives terminaram de bolar o plano e se arrumaram em suas posições, de forma que a situação, apesar de tensa, ficasse constrangedora para ambas.

Depois de mudar de posição pela centésima vez para se ajeitar no chão duro, Lillie suspirou. Ela estava cansada, exausta, física e mentalmente. Suas pernas estavam doloridas por ficar muito tempo sem se movimentar. Sua mente estava irritada por conta do tédio. Mas ela estava cansada, acima de tudo, de esconder seus segredos.

— As coisas estão estranhas entre a gente — comentou, olhando para a amiga, que se assustou com a repentina quebra de silêncio. — Eu sinto muito.

Giselle pousou os olhos na companheira por alguns segundos e logo voltou a encarar o vazio. Ela respirou fundo antes de falar algo.

— Está tudo bem — respondeu. — Não é culpa sua. Eu sei que você está se sentindo mal com algo, e não precisa me contar se não quiser.

Lillie não respondeu. Giselle, na mesma hora, se arrependeu do que disse. Estava agindo como uma má amiga!

— Mas pode me contar também. — Ela tentou consertar. — Na verdade, me conta agora! Eu quero saber. Digo... se você quiser... quer? Eu não sei...

A menina também se calou. A conversa acontecia melhor em sua cabeça.

Lillie estava confusa. Não sabia se deveria revelar à melhor — e única — amiga sobre seu avô. Estava cansada de guardar seu segredo, ela queria contar... Mas já tivera aquela vontade antes, semanas atrás, e o resultado não foi o esperado. Perdera Laura. Não suportaria perder Giselle também.

— Eu quero — revelou. — Eu quero muito... mas não posso. Não posso contar a você. Você vai me odiar para sempre.

Aquela frase não era das mais adequadas a serem ditas, mas Lillie não se importava. Já havia repetido a sentença dezenas de vezes em sua cabeça e pela primeira vez a havia dito em voz alta. Não adiantava mais ficar em silêncio. Mesmo que se contasse sobre a sua família, o relacionamento entre as duas já estava tão condenado que jamais voltaria a ser como era antes.

Talvez fosse melhor.

A jovem Gray hesitou por uns segundos. Estava assustada, é claro. No entanto, também estava ciente de que, se as coisas continuassem assim, o relacionamento delas não voltaria ao normal.

— Lil — ela segurou as mãos da garota —, pode me contar qualquer coisa. Eu vou entender. Eu sou sua amiga, e sempre vou ser.

Lillie recolheu as mãos, num gesto brusco.

— Não! Laura também disse isso e ela se afastou mesmo assim. — Giselle abriu a boca de espanto. — Você também vai me deixar e eu não quero isso. Você é muito importante para mim.

Baudet recolheu-se em seu silêncio, e Gray fez o mesmo.

A menção ao nome de Laura fez o peito de Giselle se apertar. Ela sentia que era a reação que mais lhe acontecia nos últimos tempos: uma dor no coração que ela não sabia mensurar. No entanto, daquela vez, outra coisa lhe ocorreu: um pensamento. Ao ouvir Lil citar o nome de sua amiga, lembrou-se de uma conversa que tivera com Elsie durante a viagem de volta.

A mulher já havia terminado de ler o livro dos Pascal — em apenas meia hora, como disse que faria. Rebecca havia dormido, não havia muito o que fazer e a detetive estava bastante desperta, então ela e Giselle passaram algum tempo conversando até que a loira fosse novamente tomada pelo sono. Em dado momento, começaram a conversar sobre suas vidas pessoais, e o tema "amizade" foi colocado em pauta.

"Lil tem o costume de se fechar quando algo a deixa preocupada ou magoada", Giselle havia dito. "E, às vezes, ela acusa os outros de se afastarem quando, na verdade, é ela quem faz isso. Nestas últimas semanas, ela e Laura não estavam conversando como de costume. Nenhuma das duas me contou o motivo, mas tenho medo de isso ter acontecido de novo. Tenho medo de algo ter acontecido entre as duas e Lillie ter interpretado isso da maneira errada."

Então, aconteceu. Giselle ainda não sabia o que acontecera entre as duas, mas, ao que tudo indicava, seus temores estavam corretos. Conhecia Laura, sabia que, independentemente do que Lillie houvesse dito, Laura não se afastaria dela. Ela entenderia. Lillie, por sua vez, não entendia as coisas dessa forma, e, ao decidir se afastar para não criar problemas, criou sua própria versão do que havia acontecido, culpando Laura.

Bom... Era tarde demais para desmentir histórias.

— Você também é muito importante para mim — Giz optou por dizer. — É a minha melhor amiga. Esteve do meu lado desde que nos mudamos para cá, nós duas contamos uma com a outra durante anos... Não importa o que você tenha para me dizer, eu vou entender. — Então, sorriu para a amiga. — Se eu estiver mentindo, pode me dar um soco.

Aquela era uma brincadeira entre as duas, uma prova de confiança. Sempre faziam isso uma com a outra quando juravam algo. Era uma promessa das mais solenes que poderiam ser feitas.

Lillie inspirou fundo antes de contar.

Contou a ela sobre sua relação com o ladrão que dera início a tudo. Contou sobre como descobrira a verdade ao vasculhar uma antiga caixa com fotos de sua mãe e esta foi obrigada a lhe explicar. Contou sobre Leon Courbet e como se sentia culpada por sua morte. E, é claro, contou sobre Laura e como ficou irritada quando esta se afastou — ao menos, segundo a sua própria versão.

Em momento algum Giselle abriu a boca. Não a interrompeu, não fez nenhum comentário, não fez um estardalhaço com a notícia. Pelo contrário: escutou com atenção o que a melhor amiga tinha a dizer, sem julgamentos, sem nada fazer.

Então, ao final do relato, Giselle deu um soco no braço de Lillie.

— Ai! — esta exclamou. — Por que fez isso?

Giz, então, sorriu. Sorriu, riu e gargalhou — mas sem muito barulho, para não chamar atenção. Ainda estavam em uma missão de captura, afinal de contas.

— Então é isso? — perguntou, quando parou de rir. — Era só isso? Estava com medo de me contar sobre seu avô?

Lillie não se sentiu confortável com aquilo.

— Bem... sim... — Ela batia seus dedos uns nos outros, envergonhada. — Eu sou neta do ladrão que nos colocou nesse pesadelo. A maldição e tudo o mais...

Giselle, enfim, a interrompeu, ficando de frente para ela.

— Lillie, não existe maldição alguma — disse. — Você sabe disso. Não pode ficar procurando motivos para se culpar. Além do mais, mesmo que a maldição fosse real, o que você tem a ver com o que seu avô fez? Você não é ele, você é você. Lillie Baudet, uma das pessoas mais incríveis que eu já conheci... Por isso você é minha amiga.

As duas deram as mãos.

— Você não pode continuar fazendo isso consigo mesma — aconselhou. — Não pode se fechar e se afastar das pessoas que ama e que te amam. Isso inclui a mim... e incluía a Laura.

Saindo lágrimas dos olhos, Lillie a abraçou. Um abraço forte e gostoso, longo e, ao mesmo tempo, curto demais para que fosse demonstrado todo o amor que sentiam uma pela outra. O melhor abraço que havia no mundo.

— Por que acha que Laura entrou na floresta? — a menor das duas perguntou, após se desvencilharem e secarem suas lágrimas.

— Não sei... — Foi a resposta. — E não sei se um dia vamos saber. Mas, pelo menos, nós vamos pegar o culpado e vingar a morte dela.

Lillie fungou. As duas se sentaram lado a lado, voltando a olhar para onde a Agência LED e o Jefferson estava — ao menos, tentando encontrá-los naquela escuridão.

— Obrigado por ter ligado para a polícia — Lillie agradeceu. — Nada disso aconteceria se não fosse por você.

As duas se abraçaram mais uma vez, aguardando o que quer que estivesse para acontecer.

• • •

Nenhum dos detetives testemunhou a cena entre as duas garotas. Também pudera: havia questões mais importantes para se preocupar.

O relógio em seus pulsos simultaneamente alterou o número mostrado no visor. Nove e meia — estava na hora! Não precisaram se comunicar ou fazer qualquer sinal para que todos se preparassem: haviam combinado que, exatamente àquele horário, os policiais invadiriam a floresta pela parte da frente. E, ainda que não pudessem ouvir nada àquela distância, eles sabiam que a operação havia iniciado.

Os policiais percorreriam toda a extensão da floresta, forçando o assassino a fugir pela direção oposta — diretamente para onde eles estavam. Agora era só esperar.

Não foi preciso esperar muito.

Apenas alguns minutos após o início da invasão, Dawil e Elsie, os mais próximos, puderam ver um brilho no meio das árvores. Não se mostrava tão forte, visto que as folhas dos pinheiros atrapalhavam a chegada da maior parte da luz. No entanto, como tudo ao redor era um breu absoluto, era impossível não reparar na presença da lanterna acesa que era levada em sua direção.

Os dois detetives nada fizeram.

Esperaram a pessoa subir a encosta com a habilidade de quem já o havia feito várias vezes antes. Nessa hora, Jefferson e Lawrence conseguiram enxergá-la, mesmo que não pudessem ver seu rosto. A silhueta vestia uma capa longa que chegava aos seus pés, juntamente de um capuz que cobria seus olhos. Ela corria, com a lanterna em sua mão, fugindo da polícia, para o mais longe possível.

Lillie e Giselle soltaram uma exclamação ao ver a silhueta. A escuridão do local não permitia uma boa visão e, de onde estavam, ela não passava de um pontinho brilhante ao longe. Elas não conseguiam saber o que estava acontecendo ali, mas torciam para que os detetives estivessem bem.

Eles estavam bem.

O vulto estava quase no centro do quadrado imaginário formado pelos detetives. Não havia policial algum por perto, tampouco um matemático, então continuou a sua corrida. No entanto, havia, sim, alguém ali, e descobriu isso apenas quando era tarde demais.

— AGORA! — gritou Elsie.

Todos se levantaram e correram na direção da figura, que olhou na direção de onde ouvira a voz. Iluminou o local, mas, à distância, nada pôde ver. Havia alguém ali, ele sabia! Mas, ao voltar suas atenções para a frente, percebeu a presença de Lawrence Knopp atrapalhando seu caminho.

Correu para a esquerda, fugindo do ruivo, mas encontrou-se com Jefferson Gusev. A silhueta, então, deu meia volta e acelerou o passo, buscando retornar à floresta. Precisava fugir. Já havia lutado tanto para chegar até lá e não podia deixar tudo ir pelos ares. Encontraria algum lugar para se esconder, escalaria alguma árvore se preciso... mas não podia ser pego.

Uma mulher loira e uma menina de cabelo rosa se puseram em seu caminho.

Estava cercado. A Agência LED e o Jefferson o havia pego. O quadrado se fechava cada vez mais, até que, em uma tentativa desesperada, a figura desligou sua lanterna, deixando todos no mais absoluto breu.

De início, os detetives ficaram perdidos. Não conseguiam mais ver nada. No entanto, Dawil ouviu passos da pessoa passando ao seu lado e se jogou contra ela, que caiu. Elsie também, e Jefferson, e por fim Lawrence. Os quatro detetives estavam em cima da silhueta que agora lutava para respirar debaixo de duzentos e sessenta quilos de carne humana.

Não era o jeito mais bonito de se capturar um criminoso, mas havia funcionado.

Giselle e Lillie se entreolharam, com os olhos arregalados. Elas não conseguiram acompanhar o que acabara de acontecer. Assim que a luz da lanterna se apagou, não puderam ver mais nada. Havia dado certo? Capturaram o assassino ou ele havia fugido? Decidiram esperar, até que alguém ligou a lanterna novamente e balançou-a sobre sua cabeça. Ouviram a voz de Elsie gritando, chamando-as para perto. Aparentemente, o plano havia funcionado.

As meninas se aproximaram da luz, devagar. Elas viram os detetives segurarem o vulto no chão, prendendo seus membros. Ele se debatia enquanto Dawil, de pé, batia palmas e gargalhava.

Giz olhou para a figura. Ela não conseguia reconhecê-la vestindo aquelas roupas, ainda mais com o capuz cobrindo seu rosto. Dawil fez um gesto, convidando a menina fazer as honras. Ela engoliu em seco, pegou a lanterna das mãos de Jefferson e, com a outra mão, puxou o capuz.

Mini sabia que era cruel forçar a garota a fazer aquilo, mas não havia outro jeito de contar a ela. Giz não acreditaria se alguém lhe dissesse. Ela teria que ver com seus próprios olhos.

A menina puxou o capuz da figura e iluminou seu rosto. O homem fechou os olhos por causa da luz, então não conseguiu ver quem era a pessoa que segurava a lanterna. Se ele visse, teria uma enorme surpresa, mas foi Giselle quem desejou ter fechado seus olhos.

— Pai?

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