Capítulo XVI - Um caso de família

Lillie Baudet era chata.

Não chata do tipo "essa pessoa me incomoda", "ela tem não tem assuntos interessantes" ou mesmo "ela gosta de jogar golfe", o que são definições ótimas para a palavra chato de acordo com o dicionário. Na verdade, a menina era chata no estilo "eu quero conversar com essa pessoa, mas ela se recusa a me responder ou manter o rumo da conversa".

Basicamente, Lillie era uma adolescente.

Talvez essa atitude não fosse sua culpa. Ainda que a presença de seus pais ao seu lado fosse reconfortante, não era todo dia que ela era visitada por dois detetives estranhos, com pelos corporais de cores diferentes e rosto de quem não dorme direito há alguns dias — respectivamente, Lawrence Knopp e Jefferson Gusev.

Os detetives haviam dormido antes de interrogar a família da garota, pois não seria muito prudente fazer isso à meia-noite, ainda que desejassem muito. Assim, decidiram esperar até a manhã seguinte. Os pais, Max e Simone, tiveram que buscar a garota na escola, situação que foi bastante desconfortante para a menina, apesar de necessária, mas, ao fim, lá estavam eles.

Eram nove horas da manhã. Dawil havia saído para acompanhar Elsie, Giselle e Rebecca no aeroporto, como haviam combinado, e disse que os encontraria depois. Pediu para que o mantivessem informado, mas que não demoraria muito.

Lillie encarava as mãos, nervosa e de cabeça baixa, como se tivesse cometido um crime e soubesse que pagaria por ele. Seus pais estavam sentados ao seu lado no sofá, igualmente ou até mais preocupados que sua filha, enquanto os detetives permaneciam de pé. A menina não parecia ter puxado a um mais que ao outro, ela era exatamente uma mistura dos dois. A pele escura e os cachos eram herdados da mãe, mas a cor dos olhos e cabelo vieram do pai. Alguns traços da personalidade também eram semelhantes, mas isso era algo que os detetives ainda não tinham como saber.

A quietude reinava na sala. Talvez os pais da garota devessem questionar o motivo da visita repentina. Os detetives haviam dito que precisavam conversar com sua filha, mas não explicaram qual era a urgência do verbo precisar, de modo tudo o que estava acontecendo ainda era uma incógnita.

Foi Lawrence quem rompeu o silêncio.

— Bom dia, Lillie — cumprimentou o ruivo, sem receber resposta. — Imagino que se lembre de mim.

Desta vez, recebeu uma resposta: um aceno positivo com a cabeça.

— Este é Jefferson Jittad. — Ele apresentou o russo à família, que grunhiu e o corrigiu. — Certo... Jefferson Gusev. Somos de uma agência de detetives e precisamos fazer algumas perguntas aos senhores.

Jefferson se adiantou. Interrogou os pais da mesma forma que havia interrogado todos os outros habitantes da cidade. Suas falas já estavam até decoradas.

— Desde que chegamos aqui, ouvimos muitas histórias sobre essa floresta e a suposta maldição — disse Jefferson, repetindo as mesmas palavras que usara dezenas de vezes antes, mudando apenas a conjugação dos verbos "chegar" e "precisar" para incluir Lawrence naquela conversa. — Do que se trata, afinal de contas?

Eles não achavam que era necessário fazer todas aquelas perguntas novamente. Não receberam nenhuma resposta relevante na maioria dos interrogatórios anteriores, assim como imaginavam não receber nos oito interrogatórios que ainda faltavam, mas Gusev optou por seguir a mesma sequência que havia usado antes.

Como esperado, responderam o mesmo que todos os outros: trinta anos atrás, um ladrão chamado Abelone fugiu para a floresta, onde acabou morrendo e, desde então, o vilarejo sofre com a maldição. Lawrence, no entanto, percebeu algo: à menção do nome do criminoso, Lillie se remexeu no sofá.

Talvez houvesse sido apenas coincidência, mas o escocês se deu liberdade para interromper Jefferson e perguntar:

— O que mais sabem sobre Abelone?

Sim, Lillie estava visivelmente incomodada com aquele assunto, por algum motivo. Gusev também percebeu, e isso foi a única coisa que o impediu de brigar com Lawrence por tê-lo interrompido.

A resposta não foi significativa.

— Não muita coisa — a mãe disse. — Não morávamos aqui quando aconteceu. Eu me mudei para cá alguns anos depois, havia acabado de fazer dezoito e Max chegou aqui quando eu tinha vinte e três. — O marido fez um aceno com a cabeça, concordando. — Então, tudo o que sabemos é pelo que as outras pessoas falam, mas lamentamos que as coisas tenham acontecido desse modo.

Os dois detetives se entreolharam. Não era o que esperavam, mas aceitaram a resposta.

— E vocês acreditam em todas essas histórias? — o russo prosseguiu.

A negativa veio do pai.

— Não, não. Não acreditamos. Não temos ideia do que pode estar por trás de tudo isso, mas a ideia de um fantasma matando pessoas não nos desce.

A afirmação pareceu verdadeira aos ouvidos dos detetives, no entanto nem todos ali naquela casa pareceram possuir a mesma opinião. Novamente, os dois perceberam que Lillie parecia deslocada naquela sala.

Decidiram que precisavam falar com ela a sós.

— Estamos curiosos a respeito dos dois primeiros a morrer naquela floresta — Jefferson continuou, pensando em como faria para tirar os pais daquela sala —, depois de Abelone, é claro. O que sabem sobre Leon Courbet e outro sujeito misterioso que apareceu por aqui, anos atrás?

— Já morávamos aqui quando eles entraram na floresta — foi Max quem disse. — Não sabemos nada sobre esse tal sujeito, mas o sr. Courbet era um grande amigo meu. Lillie era muito nova naquela época, não deve se lembrar dele. — Ele colocou a mão no ombro de Lillie, que se encolheu. — Um dia, ele cismou de entrar na floresta. Eu insisti para que ele desistisse dessa estupidez, mas você conhece esse pessoal com ideia fixa... Eu lamento muito por ele, mas não posso dizer que não foi avisado.

Aquela não era exatamente a melhor maneira de se referir à morte de um grande amigo, mas nenhum dos dois detetives podia dizer que discordava do homem. Não se importavam muito, para falar a verdade, tudo o que queriam eram ficar a sós com Lillie.

A garota exibira reações estranhas durante o interrogatório, em momentos específicos e curiosos. À menção do nome de Abelone, se remexeu em seu lugar, e o fez novamente quando os pais disseram que não acreditavam na maldição. Também se encolheu ao toque do pai, mas aquilo não necessariamente indicava algo contra Max Baudet. Precisavam saber o que estava acontecendo.

— Senhores — Lawrence tentou. — Gostaríamos de falar com sua filha em particular. Poderiam nos dar licença?

O casal Baudet se entreolhou, sem esperar por aquele pedido. A mãe pigarreou.

— Nossa filha não está se sentindo muito bem — disse, colocando a mão em seu outro ombro. — Mas o que quer que desejem perguntar a ela podem falar conosco.

Todos ali sabiam que aquilo não era exatamente verdade. O assunto que queriam tratar com a menina era algo que os pais poderiam não entender. Talvez eles nem soubessem do que estavam falando. Lillie poderia não se sentir muito bem falando sobre isso com seus pais, por isso os detetives queriam conversar com ela em particular. No entanto, o casal insistia em permanecer ao lado da filha, o que era um belo exemplo de paternidade, mas aquele não era o melhor momento para isso.

— Precisamos conversar com ela a sós — insistiu o ruivo. — Em breve os chamaremos de volta.

— Olha... — começou Max. — Já dissemos que nossa filha não está se sentindo muito bem...

— Bobagem. — Jefferson se levantou e puxou os dois pelo braço. — Sua filha está ótima. Passar um tempo sozinha com dois esquisitos vai ser muito bom para ela. — O detetive os arrastou até a cozinha. — Nossa, que cozinha bacana. Adorei o piso. E aquele forno, uau, deve ser bem quente. Enfim, adorei conhecer vocês. Até mais.

E bateu a porta, virando-se para Knopp. Apoiou-se na madeira, para impedir que os pais voltassem para a sala.

— Pronto. Me livrei eles.

Lillie assistia a tudo, em silêncio. Lawrence estava surpreso com a cara de pau do colega, embora não pudesse criticá-lo. Havia resolvido o problema, afinal de contas, embora as batidas na porta mostrassem que os pais não desistiriam de atrapalhar a investigação.

Agora que a menina estava sozinha, ela iria se abrir para os detetives, ou, pelo menos, foi o que pensaram. Na verdade, a adolescente estava mais quieta do que nunca. Era de se esperar, para falar a verdade.

— Lillie — disse Lawrence. — Você sabe por que estamos aqui?

Ela não respondeu com palavras, mas fez um não rápido com a cabeça.

— Recebemos uma ligação de uma menina pedindo que investigássemos a maldição dessa floresta. Falou que já ocorreram várias mortes dentro dela, e foi uma em particular que a fez fazer ligar para nós. A morte de Laura Grandis.

Ela se assustou ao ouvir o nome. Já sabia exatamente onde queriam chegar.

— A garota que nos ligou — continuou — se chama Giselle Gray. Você a conhece, não é?

Nem Dawil nem Lawrence comentou que, na verdade, não foram eles quem receberam a ligação, e sim a polícia. Também não comentaram que só estavam ali porque Lawrence pensou que seria divertido acompanhar Thomas Kitt na investigação. Estava errado, por fim — quase morrer não foi nada divertido e Thomas havia abandonado o caso —, mas ele estava ali e era isso que importava.

Lillie inspirou por alguns segundos antes de assentir.

— É sua amiga, não é?

Ela assentiu novamente.

Jefferson estava ciente de que os pais da menina estavam com o rosto colado na porta, tentando ouvir alguma coisa, mas Lawrence falava baixo e Lillie não falava nada, então aquela tarefa era inútil. O russo levantou a sobrancelha. Achava que tudo o que estava acontecendo ali não ia dar em nada. Mesmo assim, Lawrence parecia pensar que algo de bom sairia daquilo.

Eles continuaram o que chamavam de conversa.

— Ela está nos ajudando, sabia? — contou o detetive. Lillie o encarou, surpresa. — Deve ter percebido que Giselle não foi à aula ontem. Ela foi com uma colega nossa até a Inglaterra e neste momento já está voltando para cá. Giselle foi muito importante para a investigação.

Gusev entendeu o que o amigo queria fazer. O escocês sorriu.

— Ela iria querer que você ajudasse também — arriscou.

Ele não sabia se o que disse era verdade, mas valia a pena tentar. Lillie encarou a costura do sofá. Ela parecia travar uma batalha interna, um duelo entre sua afeição por Giselle e o que quer que estivesse escondendo. Mas Lawrence sabia quem iria ganhar.

— Tudo bem — cedeu a menina, em um sussurro. — O que querem saber?

O escocês olhou para o amigo, provocando-o. "Eu falei que ia funcionar", zombou telepaticamente. Gusev revirou os olhos. "Pergunte logo a ela", respondeu, também telepaticamente. Knopp entendeu o recado.

— Lillie, o que você sabe sobre a maldição de Abelone? — Pensou ter visto a menina estremecer de leve, mas não tinha certeza. — Percebi que você se sentiu incomodada quando tocamos nesse assunto, mas não disse nada perto dos seus pais. Pode se abrir conosco.

Jefferson encostou seu ouvido na porta. Ouviu os pais conversando sobre alguma coisa, algo que não conseguiu entender. Não importava: ele não os deixaria entrar. Seguiria firme em sua tarefa.

— Eu... — Lillie gaguejava um pouco. — ...só sei o que todos sabem. Um homem, ele... fugiu pra floresta. Roubou uma joia e fugiu pra floresta. E então... bom... ele morreu. E veio a maldição.

— Muito bem. — Lawrence não se deu ao trabalho de anotar o que ela disse. Já haviam ouvido uns cinquenta depoimentos exatamente iguais àquele. — Por favor continue.

A garota tentou se lembrar de mais alguma coisa para acrescentar.

— É só isso que eu sei. Um monte de gente veio pra explorar. Mais pessoas morreram, incluindo...

— Laura — completou Jefferson. Ele olhava em volta, tentando matar um mosquito que o perturbava. O russo encontrou o pernilongo e extinguiu sua breve existência com um tapa muito bem aplicado. — Ela era sua amiga, não era?

— Não.

Os dois detetives olharam para Lillie, confusos. Eles tinham certeza de que ela diria "sim".

— Giz é minha única amiga — concluiu. Não falou mais nada.

Jefferson e Lawrence também ficaram em silêncio, sem saber o que dizer sobre aquilo. Knopp não sabia no que acreditar. Havia visto uma foto de Lillie na casa dos Grandis, abraçada a Laura e Giselle. Ao que tudo indicava, eram grandes amigas, mas a garota à sua frente insistia que não. Não entendia o porquê disso.

— Não são amigas? — ele insistiu.

— Não, não somos — ela também insistiu, mais alto. — Somos só eu e Giselle.

Lawrence não se deu por vencido.

— Quando eu vim para este vilarejo — ele disse —, a primeira coisa que fiz foi visitar a família de Laura. Lá, eu vi um quadro com uma fotografia de vocês três, abraçadas. Pensei que fossem amigas. A foto parecia recente.

Lillie não aguentou mais.

— Sim, é recente, mas as coisas mudam de uma hora para outra. — Ela agora em nada se parecia com a menina retraída e tímida que haviam acabado de conhecer. Ela falava com raiva, com rancor. — Um dia, as pessoas são suas melhores amigas, dizem que nunca vão embora, e no outro elas simplesmente te abandonam.

Os detetives estatizaram. Aquela mudança abrupta de personalidade era ainda mais assustadora que ela ter pulado em cima do ruivo antes de ele entrar na floresta. Nunca lhes passaria pela cabeça que Lillie se sentisse dessa forma sobre Laura, ainda mais parecendo ser tão próximas.

Como Dawil sugerira, aquele assunto parecia se tratar apenas de questões da vida pessoal da garota. Não seria adequado interferir nas relações afetivas — ou o contrário disso — de ninguém, então decidiram não dizer mais nada sobre aquilo.

— Então, Lillie — Lawrence mudou de assunto. — Não sei se ficou sabendo disso, mas nós encontramos o corpo de Marcel Gray na floresta.

— Sim, eu sabia. Giz me contou. Afinal, somos amigas.

— Imaginamos... — Não, eles não tinham imaginado nada. — O que sabe sobre ele?

Lillie já estava mais calma. Ela fez um gesto vago com as mãos, que poderia significar tanto "nada" quanto "tem um cachorro mordendo meu pé". Pelo contexto, a primeira parecia a opção mais provável, mas não tinha como ter certeza.

— Ela não gosta muito de falar sobre isso.

— Entendo.

A sala ficou silenciosa. Não só a sala, mas do lado exterior também não se ouvia qualquer som. Em parte, por ser nove e meia da manhã, horário em que muitas pessoas ainda estavam dormindo e os estudantes se encontravam na escola. Porém, também havia silêncio porque, como Jefferson prudentemente havia comentado na noite anterior, Lillie morava "no quinto dos infernos", muito distante das demais casas do vilarejo. Talvez inconscientemente, aquela disposição de moradias era quase uma metáfora para a vida pessoal da menina.

— Lillie... — começou Lawrence, enfim fazendo a pergunta que há tanto inquietava sua mente. — Por que você pulou em mim naquele dia?

A garota enrubesceu.

Na verdade, nem ela sabia o que a havia levado a fazer aquilo. Não era de seu feitio demonstrar emoções assim. Mas, quando Giselle foi visitá-la naquele dia para lhe contar que Lawrence estava prestes a entrar na floresta, ela na mesma hora correu até ele, para tentar impedi-lo. Giselle não a seguiu, mas isso não a impediu de tentar. Não queria que aquilo acontecesse de novo...

— Eu não sei... — disse ela. — Eu só queria que tudo isso parasse. Não queria que ninguém mais morresse por minha causa.

Os dois detetives não sabiam se tinham ouvido direito.

— Como assim "por sua causa"?

Então, percebendo o que havia acabado de dizer, a menina se calou.

Lawrence e Jefferson se encararam, sem saber o que fazer. A despeito do que a menina havia acabado de dizer — tinham certeza de ter ouvido aquelas palavras —, não imaginavam de que maneira uma garota de apenas quinze anos poderia estar por trás das mortes que aconteciam na floresta.

Jefferson, vendo que não receberiam uma resposta, se aproximou da jovem Baudet e sentou-se ao seu lado no sofá.

— Lillie... — ele começou. — Ontem eu passei o dia todo interrogando os habitantes desse vilarejo, tanto que não aguento mais olhar para a cara das pessoas daqui.

Não era exatamente uma boa abordagem, mas ele não se importou.

— Já estávamos curiosos a respeito de você por causa do que aconteceu — revelou. — Por isso, durante os interrogatórios, perguntei a eles o que achavam de você. Sabe quais foram as respostas?

Lillie não se deu ao trabalho de responder. Ela sabia, claro que sabia. Uma garota estranha, isolada e sem amigas, não fosse pela piedade de Giselle. Talvez parte disso fosse verdade, mas as pessoas não entendiam. Giselle era sua amiga de verdade, tinha de ser. Não suportava a ideia de ser um fardo para a garota, muito menos o fato de aquele detetive ridículo jogar isso na cara dela.

— As pessoas se preocupam com você.

Tanto Lillie quanto Lawrence olharam confusos para o russo. Lillie, por não esperar receber preocupação de alguém que não fosse Giz, já Lawrence por não esperar que Gusev tentasse consolar a menina. No entanto, ele parecia sincero em suas palavras.

— Eles não entendem o motivo de você se fechar, de ficar sozinha. Existem, claro, aqueles que não gostam de você. Sempre haverão pessoas assim, eu mesmo já estou acostumado com isso. Mas o fato é que te consideram uma garota inteligente e esforçada, e algumas pessoas até me disseram que gostariam de fazer amizade com você, mas não sabem como.

Os detetives esperaram enquanto Lillie ponderava sobre o que havia acabado de ouvir. Estava surpresa, é claro. Não esperava que as pessoas pensassem aquilo a respeito dela. Na verdade, nenhum dos três presentes esperava por isso.

— Por isso, nós precisamos saber — ele concluiu. — Por que você se fecha tanto?

Não receberam resposta, no entanto, pois nesse momento tudo o que ouviram foi a porta da cozinha batendo enquanto Simone e Max Baudet invadiam sua própria sala de estar.

— Vocês são loucos? — exclamou o pai.

— Droga, Jefferson — Lawrence brigou. — Por que não segurou a porta?

— Eu ia saber que eles iam tentar entrar aqui? — ele tentou se defender. — Eu disse a eles para nos deixarem interrogar Lillie a sós.

A mãe tinha uma visão diferente do que havia acontecido.

— Dois homens adultos nos expulsam da nossa sala para ficar sozinhos com nossa filha de quinze anos e não nos deixam entrar. Qualquer mãe que se preze ficaria preocupada.

— Quando você coloca as coisas dessa forma, realmente fica um pouco errado — Lawrence admitiu. — Mas não acho prudente ter essa discussão na frente dela.

— Nós nem estamos na frente dela.

— Nós não... o quê?

Lawrence olhou para o canto do sofá onde até um segundo atrás estava Lillie. Ela havia desaparecido.

Os quatro adultos olharam em volta, tentando encontrar a garota, não estava em lugar nenhum. Não estava mais na sala. Não estava na cozinha, de onde seus pais haviam acabado de sair. Não havia se escondido em seu quarto. Poderia ter fugido da casa.

Os detetives se lançaram sobre a janela, onde puderam vê-la correndo pela vila. Eles se entreolharam, pularam pela abertura e correram atrás da menina.

Nenhum dos dois detetives — nenhum dos quatro, aliás — tinha experiência em perseguir criminosos. Lawrence só havia resolvido uns poucos casos; Jefferson se recusava a gastar energia dessa forma; Dawil era inteligente, não atlético; já Elsie, bem, ela era "bonita demais para ir atrás das pessoas, as pessoas é que iam atrás dela". No entanto, essa experiência não se fez necessária ao irem atrás de Lillie. Primeiro de tudo porque ela não era uma criminosa. Além do mais, não foi preciso correr muito: depois de apenas alguns minutos de corrida, eles viram a garota sentada no velho balanço do parquinho.

Eles chegaram na praça, ficando perto o bastante da menina para fazê-la notar sua presença e longe o suficiente para que ela não fugisse novamente. Mas ela não pretendia fugir. Estava se balançando no assento do meio, encarando o chão ir para frente e para trás debaixo dela. Lawrence e Jefferson se aproximaram lentamente e se sentaram nos outros assentos, tendo certeza de respeitar o espaço da menina. Eles ofegavam e podiam ouvir a respiração também ofegante da jovem.

A situação se manteve por alguns minutos. Nenhum deles queria fazer Lillie correr novamente, mas eles precisavam saber por que ela fugiu. Assim, ficaram ali por algum tempo, recuperando o fôlego, pensando na melhor abordagem para usar com a menina.

Não foi preciso fazer nada.

— Abelone.

Os detetives a encararam, surpresos com a quebra do silêncio.

— O quê? — perguntou Lawrence. Sua respiração já havia voltado ao normal, mas ainda estava cansado da corrida.

A menina precisou criar coragem para explicar:

— Eu sou neta de Abelone — revelou. — Durante anos, minha mãe escondeu isso de mim e de todos, porque não queria que eu soubesse da maldição que nosso nome carrega. Mas, um dia, eu descobri. Às vezes penso que seria melhor nunca ter descoberto sobre minha família, mas agora é tarde demais.

Então, eles entenderam.

Lawrence encarou a floresta à sua frente, imaginando-se no lugar de Cédric Abelone Manoury. O homem, o ladrão, o fantasma, o Mal. Imaginou-se entrando no meio das árvores, tal qual de fato fizera, correndo desesperadamente para fugir dos policiais que o perseguiam. Tentando fugir daquele lugar escuro e assustador que, até então, era inofensivo. E, por fim, morrendo, com seu corpo caído no chão, seu espírito enraivecido e ansiando por vingança. E sua joia valiosa, o motivo de tudo, perdida para sempre na floresta que mais tarde receberia seu nome.

É claro que eles não acreditavam em nada disso.

— É por isso que eu me fecho para todos — contou Lillie. — Por isso eu vivo isolada das outras pessoas. Por isso Giz é minha única amiga, mas eu sei que, assim que ela descobrir, vai se afastar de mim, como todo mundo.

Ela baixou os olhos, que estavam cheios de lágrimas, e encarou seus pés.

Lawrence colocou a mão no ombro da menina, que não reagiu.

— Não é verdade — tranquilizou ele. — Giselle gosta de você, não importa quem é seu avô. Ela é sua amiga.

— Laura também era! — exclamou, no que o escocês emudeceu. — Éramos melhores amigas, até que eu contei para ela sobre minha história. Depois disso ela se afastou, começou a me evitar e, por fim, fingiu que eu não existia mais. Eu fiquei com muita raiva dela, tanta que cheguei a desejar que ela morresse. E, bem... aconteceu.

Nenhum dos detetives conseguiu pensar em algo para falar, por isso Lillie continuou.

— Eu matei Laura, assim como fiz com Leon Courbet, anos atrás. Meu pai estava errado: eu me lembro dele sim, e lembro que não gostava dele, e ele morreu! Eu ia dizer isso à Giz. A convidei para dormir lá em casa e pretendia contar o que eu fiz, mas ela precisava ir para casa. Foi difícil sorrir naquele momento, mas eu consegui. Quando Giz descobriu que Laura havia desaparecido, não desconfiou de nada, mas isso não apaga o que eu fiz. Fui eu quem matou Laura, a raiva que eu sentia por ela a matou.

Ela enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar baixinho.

Gusev olhou para Knopp, como se perguntasse o que fazer naquela situação, e se agachou em frente à garota.

— Lillie... — chamou. A menina levantou a cabeça e encarou o detetive. — Você sabe que isso não faz sentido nenhum, não é?

Lawrence quase caiu do balanço.

— Jefferson!

Lillie Manoury fungou.

— Eu sei... — Ela esfregou o rosto, tentando secar os olhos, sem sucesso. — Eu sei, no fundo, eu sei. Mas, mesmo assim, eu sinto que sou culpada pelo que aconteceu.

— Não é nada. — Jefferson se levantou. — Não sei o que você fez ou acha que fez a Laura, mas não importa. Você está errada. Tudo isso aqui, tudo o que acontece aqui nessa floresta... — Ele apontou para as árvores assustadoras à frente deles. — Não passa de ação humana. Há alguém por trás de todas essas mortes, e esse alguém não é você.

A menina fungou.

— Quem é o culpado, então?

— Ainda não sabemos... — admitiu Lawrence, se levantando e ficando de frente para a menina também. — Mas prometo a você que faremos de tudo para descobrir.

— Isso eu posso garantir.

Os detetives olharam para trás, de onde a voz viera. Mini Dawil se encontrava atrás deles, com um sorriso. Não apenas ele: Elsie Harper, também estava lá, segurando sua mala com uma mão e Iguana na outra.

Lillie também viu Rebecca e Giselle e tentou disfarçar suas lágrimas. Giselle, no entanto, as viu, mas também disfarçou.

— Acredito que este não seja o clima adequado para nossa primeira reunião oficial — Dawil comentou. — Mas estou feliz por estarmos finalmente todos juntos.

Todos eles concordaram e deram um abraço — ainda que Jefferson fingisse estar incomodado com isso. A primeira reunião da Agência, aquilo era sensacional! Estavam oficialmente juntos e, juntos, estavam prontos para dar um fim àquele caso de uma vez por todas.

— Giselle — chamou Elsie. — Posso te pedir um favor? — Ela entregou uma sacola com ração nas mãos da menina. — Vou deixar Iguana em casa antes de sair. Pode ir lá daqui a pouco para colocar comida para ela? Não quero perder mais um animal de estimação.

A jovem Gray assentiu, de acordo.

— E então? — indagou Lawrence, assim que todas as não-detetives deixaram o lugar. — Descobriram algo com o livro dos Pascal?

Dawil e Elsie se entreolharam antes de negar com a cabeça.

— O estudo não nos revelou nada de interessante — disse a loira. — A história da Bíblia foi a única descoberta de verdade. De resto, Anthony só gastou seu tempo com depoimentos, fatos sobre Abelone que já conhecíamos e comentários tendenciosos sobre como a floresta é assustadora. E fotos. Muitas, muitas fotos.

Jefferson levantou as sobrancelhas, dizendo sem dizer "eu não falei?". Dawil deu de ombros, como que se desculpando.

— É uma pena que isso não tenha nos levado a nada — disse. — Mas há mais alguém com quem podemos falar.

— O padre? — apostou Knopp.

— Não, ainda não. — Lawrence revirou os olhos. — Podemos tentar algo com a polícia. Afinal, o livro não nos disse muito sobre a história de Abelone, mas talvez os policiais tenham alguma informação.

— Mas já faz trinta anos — rebateu Jefferson. — Os policiais que o perseguiram já devem ter falecido.

— É provável, mas não custa tentar. — O francês deu de ombros novamente. — Não sei se vamos achar alguma coisa, mas acredito que vai esclarecer alguns pontos da história. — Ele olhou para a floresta de pinheiros à sua frente. — E, assim, talvez Abelone possa descansar de uma vez por todas.

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