Capítulo VII - A fama dói
Lawrence estava triste.
O detetive estava sentado em uma das macas do hospital segurando suas pantufas. Os calçados cor-de-rosa estavam completamente rasgados e cheios de furos, sem mais condições de usá-los. As pantufas rosas de gato estavam mortas. Knopp jogou-as na lixeira com lágrimas nos olhos. Eles haviam se divertido tanto juntos, tantas lembranças que compartilhavam...
Lawrence ainda se lembrava de quando as viu pela primeira vez à venda. Era janeiro do ano anterior e o detetive, que nem era detetive ainda, tinha acabado de sair do cinema. Ao atravessar a rua, viu com o canto do olho uma loja que tinha acabado de abrir. Resolveu entrar, pois estava com tempo de sobra naquele dia. Foi então que viu as pantufas, e foi amor à primeira vista.
Foram bons momentos.
O detetive suspirou e deitou-se. Estava cansado. Seu corpo estava em um estado deplorável, até precisou da ajuda de Josué para andar até o hospital. Passada a tensão e a adrenalina, as dores em seus braços e pernas começaram a se mostrar mais fortes do que ele imaginava. Sobreviver era doloroso.
O hospital onde Lawrence se encontrava era basicamente um cômodo de tamanho razoável com capacidade para oito leitos, e no momento apenas o seu estava ocupado. O tamanho do local e sua aparência faziam parecer que era bastante precário, mas, na verdade, era até bem equipado, considerando o pequeno número de habitantes de Dancourt. Não havia equipamento para curar doenças sérias, apenas ataduras, curativos e alguns anestésicos para machucados mais graves, o que bastava na maior parte do tempo. Havia apenas uma única mulher cuidando de tudo e, no momento, ela se mantinha ocupada enfaixando o braço de Lawrence.
Ele pensou em pegar sua filmadora ao seu lado e ver a gravação, mas não queria reviver tudo o que passara. Além disso, ainda tinha todos os detalhes guardados em sua mente. Já fazia duas horas que ele havia deixado a floresta, mas continuava apavorado. O que aconteceu lá dentro? Lawrence não conseguia explicar. Será que os boatos eram verdadeiros? Será que Abelone realmente estava assombrando aquela floresta? Lawrence nunca acreditou em maldições antes, sempre pensava nelas como simples desventuras. Até então, ele se recusava a aceitar qualquer explicação sobrenatural, mas, depois de passar por aquilo tudo, estava aberto a qualquer coisa que ajudasse a solucionar aquele mistério.
— Eu já tive medo da floresta. — Foi a enfermeira quem disse, quebrando o silêncio e surpreendendo o detetive.
A jovem, também ruiva, colocou um curativo sobre o machucado em sua cabeça e puxou um banco para se sentar. Não havia ninguém mais para ser atendido, portanto ela tinha alguns minutos de descanso até mais alguém da cidade resolver se machucar. Talvez horas. Aquele não era um trabalho dos mais requisitados.
Lawrence, ainda surpreso pelo que pensou ser uma tentativa de puxar assunto, sentou-se novamente, gemendo, e indagou:
— Como é?
A enfermeira balançou os pés. Trabalhar naquele lugar era cansativo. Não por estar sempre ocupada, justamente pelo contrário. A maior parte do tempo ela passava esperando chegar algum paciente para atender, e normalmente era um problema simples, resolvido em poucos minutos. Na verdade, Dancourt não precisava de um hospital, dizia ela, qualquer um poderia fazer uma atadura em sua própria casa ou pedir ajuda para alguém quando se machucasse. Ou talvez aquela fosse apenas uma desculpa da moça para não ter que ir para lá todos os dias.
— Desde que eu era criança — disse ela —, havia boatos e lendas a respeito da floresta. Falavam sobre espíritos e coisas assim, e eu acreditava. Sempre que saía da escola eu contornava a cidade só para não ter que me aproximar. — Ela sorriu. — Puxa, estou falando como uma velha. Sou Janine Dutoit, muito prazer.
— Sou Lawrence Knopp. — Ele estendeu o braço que não estava enfaixado e a cumprimentou, mas sentiu uma pontada de dor e logo o retraiu. — Esses boatos existem há muito tempo, então?
Janine fez que sim com a cabeça,
— Não sei o ano exato... — disse Janine. — Não estava viva naquela época, mas meus pais me disseram que tudo começou há quase trinta anos.
Ao ouvir o número, o detetive se lembrou da sua conversa com Giselle.
— Não foi mais ou menos nesse tempo que Abelone fugiu para lá?
A enfermeira levantou as sobrancelhas.
— Você sabe sobre Abelone?
— Não muito. — Lawrence tentou se aproximar um pouco mais, mas um alerta vermelho de sua perna o fez parar. — Só sei que ele era um ladrão e que fugiu pra floresta.
Ela assentiu. Era basicamente isso que havia de importante sobre ele.
— Seu nome completo era Cédric Abelone Manoury. — Lawrence reconheceu o sobrenome, e a mulher percebeu. — Sim, a floresta tem esse nome por causa dele. O bosque já era assustador por si só, mas depois de Abelone morrer lá dentro tudo ficou pior.
— Mas vocês têm certeza de que ele morreu na floresta? — perguntou o detetive. — Nunca acharam o corpo, suponho.
— Sim, isso é verdade — ela admitiu. — Mas a polícia confirmou a sua morte alguns meses depois. — Os dois ficaram em silêncio por algum tempo. — Depois disso, começaram a correr boatos sobre maldição e essas coisas, e meus pais acreditaram. Por isso, desde que eu nasci fui instruída a não me aproximar da floresta, e segui essa regra cegamente a minha vida toda, apesar de terem se passado duas décadas e nenhuma outra morte ter sido confirmada. Por muito tempo, Abelone foi a primeira e a única pessoa a falecer lá dentro. Eu tinha onze anos quando veio a segunda.
Lawrence abriu sua maleta que estava ao lado da cama e pegou seu estimado bloquinho de notas e uma caneta. Aquela conversa estava sendo mais interessante para o detetive do que para a enfermeira.
Com ligeira surpresa ao perceber que havia sido jogada em um interrogatório, ela continuou:
— Há nove anos, eu me lembro perfeitamente, apareceu um homem aqui em Dancourt. — Knopp anotou o que Janine dizia, surpreso ao constatar que a garota possuía apenas vinte anos. — Ele visivelmente não era daqui, pois ninguém o havia visto antes. Além disso, parecia ansioso com alguma coisa. Chegou aqui e não falou com ninguém, apenas trocou algumas palavras com uma mulher que estava próxima e simplesmente entrou na floresta.
Lawrence franziu a testa, intrigado. Janine imitou sua expressão.
— O homem não voltou — concluiu. — Eu estava observando tudo da janela de minha casa quando aconteceu. Foi a primeira vez que alguém desobedeceu as regras que meus pais me ensinaram.
— Que estranho — disse Lawrence, girando a caneta na mão. — Vocês não sabiam nada sobre ele?
— Nada. — Aquele caso estava cada vez mais misterioso. — Nem mesmo seu nome. E a mulher, que foi a única pessoa que falou com ele, já deixou a vila faz algum tempo, então não temos nenhuma pista de quem pudesse ser.
O detetive se calou. A enfermeira continuou a história.
— Nos meses seguintes, mais pessoas entraram na floresta. Parece que ele deu motivos para outras pessoas fazerem o mesmo, sabe-se lá os seus motivos. Curiosidade, acredito eu. E, de algum jeito, todos os que entraram conseguiram sair.
— Conseguiram sair? — Lawrence não estava entendendo. — Pensei que ninguém sobrevivia uma vez que estivesse lá dentro.
O olhar da enfermeira sobre ele foi mais claro que qualquer palavra. Ele havia sobrevivido à maldição, afinal de contas.
— Não era assim no início — ela contou. — A floresta, apesar de assustadora, não oferecia perigo. Ainda não sabemos o que aconteceu com aquele primeiro homem, mas, o que quer que tenha ocorrido, não se repetiu com os próximos a entrar lá. — Ela fez uma pausa. — Até que veio a terceira morte.
O detetive fez mais algumas anotações, bastante interessado.
— Um tal de Leon Courbet, não sei se alguém já comentou sobre ele com você. — Ao receber um "não" como resposta, ela explicou. — Ele trabalhava em construções às vezes, ajudou a erguer algumas casas quando chegaram novos moradores. Até que, certo dia, ouvi boatos de que ele pretendia entrar na floresta. Ele era corajoso, dizia não acreditar em fantasma algum e entraria para provar que não passava de besteira. — Janine deu de ombros. — Dias depois ele entrou e nunca mais foi visto.
Lawrence não se surpreendeu. Era de se esperar.
— Depois disso, todos que entravam passaram a morrer — ela comentou. — Foram tempos assustadores aqueles, a cada mês ocorria uma nova morte. Quase sempre, eram visitantes curiosos que ficaram sabendo sobre esta vila, mas, de vez em quando, eram moradores estúpidos o bastante para entrar na floresta. — Ela então pôs seus olhos detetive no detetive, repetindo o seu olhar que não necessitava de tradução. Desta vez, no entanto, ela fez questão de traduzir: — Você não deveria estar vivo.
Ele não sabia se o que a garota sentia era surpresa, raiva ou admiração. Torcia para ser o último caso.
— Depois de alguns meses, quando essas mortes se tornaram insuportáveis, o padre começou a pregar na igreja, alertando à população para que não tentasse se aventurar lá dentro. Ele mesmo já cometeu o erro de entrar lá, mas, por algum milagre, conseguiu sair. Depois que isso aconteceu, a população pareceu finalmente entender que deveria ficar longe de lá e alertava aos visitantes que chegavam sobre esse risco. O número de mortes caiu bastante desde então.
Lawrence franziu a testa. Já esperava que Leon acabasse morto de qualquer forma, mas o intrigava o fato de que várias pessoas conseguiram sobreviver antes dele. O feito do padre não era tão grandioso assim, e tampouco o seu, mas, pensando bem, Kevin Grandis havia lhe dito algo sobre aquilo. Quais foram suas palavras mesmo?
"Depois que Abelone, ou o que quer que haja lá dentro, decidiu começar a matar, ninguém mais conseguiu sair vivo uma vez que já estava lá dentro."
Abelone, então, decidiu começar com Leon. O que este homem possuía de tão especial? Ele não sabia, e Janine parecia não saber também. Não adiantaria perguntar a ela, embora seu depoimento tivesse sido bastante interessante.
— Você ainda tem medo? — ele perguntou, de súbito.
Ela piscou.
— O quê?
— Você disse que já teve medo da floresta. — Lawrence se lembrou da primeira coisa que a moça falou para ele. — Ainda sente medo dela? O hospital fica bem próximo ao bosque.
Dutoit pensou um pouco antes de responder.
— Não... Hoje em dia não tenho mais medo. — Ela olhou através da janela atrás de si. — Estamos seguros, desde que não entremos no meio das árvores. Assim, o espírito de Abelone não nos perturbará mais.
Lawrence estava confuso.
— Não disse que não acreditava na maldição?
— Nunca disse que não acredito — ela rebateu. — Apenas não tenho mais medo.
Neste momento, uma mulher entrou no hospital, com um corte feio no ombro.
— Preciso ir. — Janine se levantou. — Seus machucados vão sarar em poucos dias e esse corte na sua testa não foi profundo, eu não me preocuparia com isso. Só tome cuidado com esse seu braço, pois está bastante lesionado, então tente não forçar muito por algumas semanas.
A enfermeira sorriu para ele e Lawrence sorriu de volta — mais ou menos. Aquilo não podia ser considerado um sorriso, parecia mais uma expressão de dor. Dor de estômago. Assim que Janine foi embora, Law se permitiu deitar mais uma vez. Encostou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos.
Contra sua vontade, seus pensamentos voltaram à floresta.
Não conseguia fechar os olhos sem se lembrar do que vivera lá dentro. O preto que ocupava sua visão o levava de volta àquele breu tenebroso, de volta ao medo e à morte. Às marcas de garras nas paredes. Aos sussurros dentro de sua cabeça. A Laura.
Laura...
O detetive se sentou mais uma vez, afastando aqueles pensamentos ruins, e pôs a mão no bolso de seu casaco, tirando de lá a sandália que encontrara na floresta. Tinha certeza de que pertencia a Laura, a trilha que vira era mesmo dela. Só de imaginar a garota caída no chão, sendo arrastada para trás... Aquilo lhe dava pânico, mais do que suas lembranças do terror que vivenciara. Saber que ele próprio havia sobrevivido à maldição e a menina não... aquilo o deixava mal, por algum motivo.
Não que ele desejasse ter morrido também, longe disso — "viver" ocupava a terceira posição em sua lista de coisas que mais gostava de fazer e ele não pretendia deixar de realizar sua terceira atividade favorita tão cedo —, mas, mesmo assim, se sentia mal pela menina. Se ao menos as coisas tivessem sido diferentes... Se ao menos ela não tivesse entrado na floresta...
O padre estava certo, no final das contas. Havia algo lá dentro, algo real. Lawrence vivera aquilo, ele conseguia sentir, e tinha a certeza de ter ouvido aquele galho se quebrar atrás de si.
Tinha?
Tirou de seu outro bolso o colar que encontrou junto do homem na floresta. Tentava não se culpar por tê-lo deixado para trás. O sujeito ainda estava vivo, ainda havia chance de salvá-lo... Lawrence queria se convencer de que aquela realmente fora a melhor alternativa, abandoná-lo para que ao menos ele pudesse sobreviver... Não gostava da ideia de ter abandonado uma pessoa à beira da morte apenas por causa de seu medo.
Talvez aquele galho se partindo tivesse sido apenas invenção de sua mente para justificar sua fuga sem que se sentisse culpado...
Era melhor não pensar naquilo.
Abriu o cordão para examiná-lo novamente. A fotografia o encarou de volta. O homem na floresta conhecia Giselle, provavelmente a amava, amor esse o bastante para levar uma foto sua para onde fosse, e não havia muitas pessoas que poderiam se encaixar nessa descrição. Pensando bem, ele não conhecera seu pai...
Como que por obra de um roteiro previamente escrito, Giselle entrou no hospital naquele mesmo instante.
Janine levantou seus olhos da mulher que estava atendendo. Havia acabado de aplicar um antisséptico em seu ferimento e estava prestes a cobri-lo com uma gaze quando desviou o olhar para sua possível nova paciente. Ao perceber que a menina não olhava em sua direção e estava lá com outro objetivo, deixou de dar-lhe atenção.
A jovem Gray caminhou a passos hesitantes até o ruivo. Não o olhava nos olhos, preferia fixá-los no chão, e foi desse jeito que ela caminhou os nove metros e meio de distância desde a porta do hospital até a maca onde Lawrence se encontrava deitado.
Ela apenas parou ao seu lado, em silêncio, quando finalmente ergueu seus olhos. Lawrence pôde ver que ela esteve chorando, mas não comentou nada. Ela visivelmente estava tentando disfarçar. Giselle olhou para o corpo machucado do detetive, detendo-se em seu braço enfaixado. Sua expressão ficou triste por um milissegundo.
Levou algum tempo até ela falar:
— Você está bem?
Lawrence assentiu, de maneira não muito convincente. A garota se sentou ao seu lado na cama, tomando cuidado para não encostar em seu corpo machucado.
— A vila inteira está comentando o que você fez. — Ela esfregou as mãos ansiosamente. Parecia ter receio de dizer-lhe algo. — Virou uma celebridade.
O detetive não conteve um sorriso.
— Não queria ficar famoso desse jeito — admitiu. — A fama dói.
Giselle riu sem humor. Lawrence também. Não estavam no clima para piadas.
— Me desculpe por não ter ido te ver — ela disse. — É que... Eu pensava...
— Está tudo bem. — Ele entendeu o que a menina quis dizer. — Eu também não esperava que fosse sobreviver.
A menina o abraçou, mas o detetive não retribuiu o gesto, em parte pelo seu braço enfaixado que o impedia de demonstrar afeto sem sofrer com isso, mas principalmente, por ter várias coisas para dizer a ela. Coisas não muito boas, mas que precisavam ser ditas.
Giselle se afastou dele, confusa. Lawrence, então, pôs a mão no bolso e tirou de lá a sandália que encontrou na floresta. A menina não reconheceu o objeto de imediato, mas não demorou para perceber que ele lhe era estranhamente familiar.
— Eu encontrei isso na floresta — o detetive comentou. — Imaginei que pertencesse a Laura...
Giselle, com surpresa, se lembrou de onde conhecia aquele calçado. Ela fechou os olhos e suspirou. Lawrence pensou que ela fosse chorar, mas ela conseguiu se conter.
— Sim — respondeu. — É de Laura.
Ela pegou a sandália das mãos de Lawrence e, talvez inconscientemente, acariciou-a com o polegar. Ela sentia falta, muita falta de sua amiga. Lawrence não sabia se deveria aproveitar para perguntar sobre a menina que pulara em cima dele antes que ele entrasse na floresta, mas optou por não fazê-lo. Talvez não fosse um bom momento.
Também não era um bom momento para lhe mostrar o cordão com sua foto. No entanto, Lawrence sentia que nunca haveria um momento bom para fazer isso e talvez, de todos os maus momentos, aquele fosse — com a devida licença poética para o uso da expressão — o menos ruim.
Knopp pôs a mão em seu outro bolso.
— Também encontrei outra coisa.
Ele mostrou o cordão para a menina, e, desta vez, no mesmo instante uma expressão de espanto tomou seu rosto.
— Estava no pescoço de um homem — contou ele. — Havia acabado de morrer quando eu o encontrei.
Ele se sentia mal por mentir assim para a menina, mas não tinha coragem para contar a verdade. Além disso, por mais individualista que parecesse, ele precisava de respostas de Giselle e não queria ter que responder às perguntas que ela com certeza faria.
— Era de seu pai, não era?
Lawrence não recebeu resposta, apenas assistiu enquanto a garota pegava o cordão em suas mãos, com cuidado. Ela passou os dedos pela superfície dourada, contornando o coração que era seu formato. Por fim, pressionou o botão lateral, fazendo o cordão se abrir em dois.
Lá estavam elas. Uma foto sua de anos atrás, tempo do qual ela sequer se lembrava, junta de seu nome. Escrito em letra cursiva, escrita com cuidado. Com amor. Giselle fechou o colar novamente, apertando-o com força em sua palma.
— Eu lamento muito, Giselle — disse Lawrence, e realmente sentia. — Lamento mesmo, mas senti que você precisava saber. Eu prometo, vou fazer o possível para descobrir quem...
Antes que o detetive pudesse mostrar seu pesar, a garota atirou o colar no chão com toda a força.
Esse gesto repentino fez Lawrence ter um sobressalto, assim como Janine e a outra paciente, que soltou um grito. O detetive, boquiaberto, levou algum tempo para entender o que havia acontecido. Olhou para a garota, que não mais mantinha seus olhos caídos, tristes. Não mais.
— O que ele estava fazendo aqui?
A sua voz saiu como um soluço. Ela não chorava, no entanto, parecia... raiva? O detetive franziu a testa. Não era a reação que ele esperava.
— Giselle... Sinto muito te dizer isso, mas...
— O que ele estava fazendo aqui?! — ela repetiu, com mais intensidade.
Lawrence não conseguia compreender a reação da menina. Imaginava que ela pudesse entrar em choque ao receber a notícia. Talvez chorar, gritar ou se recusar a acreditar que aquilo havia acontecido. O detetive estava preparado para qualquer uma dessas possibilidades, no entanto, Giselle não reagiu de nenhuma dessas formas. Em seu rosto havia apenas raiva e surpresa e o detetive não conseguia entender por quê.
Aparentemente, também não havia um momento menos ruim para lhe mostrar aquele cordão, que jazia no chão partido ao meio.
— O que aconteceu? — perguntou Knopp, intrigado, após algum tempo.
A menina de início apresentou certa resistência, não parecendo confortável em compartilhar seus conflitos internos com o detetive. Lawrence, no entanto, precisava de respostas e, conforme insistiu, ela acabou cedendo.
— Meu pai, Marcel — disse ela —, desapareceu quando eu tinha sete anos.
Knopp se sobressaltou. Ele realmente não esperava por essa.
— Nós morávamos na Inglaterra — continuou ela. — Eu e minha mãe tínhamos passado a semana no sítio de uma amiga dela enquanto ele ficou em casa. Mas, quando voltamos de viagem, ele não estava mais lá. Havia apenas uma carta sua prometendo voltar logo, mas meses se passaram e nada de ele voltar. Pensamos que pudesse ter morrido, ou sido sequestrado... e agora ele aparece aqui, depois de vários anos, sem sequer se importar em nos ver!
Lawrence pensou em falar algo para fazê-la se acalmar, mas ela prosseguiu antes que ele tentasse qualquer coisa.
— Quando meu pai nos deixou, tivemos dificuldade para nos sustentar. — Seu tom não era mais raivoso, embora hora ou outra o detetive percebesse sua expressão se fechando. — Não tínhamos condições de pagar as contas, pois ele era a única fonte de renda da nossa família. Por isso, tivemos de vender a casa meses depois, e com o dinheiro da venda compramos passagens de avião para cá, para a França. Mamãe tinha uma tia rica que morava em uma cidade por perto e que aceitou receber a gente em sua casa.
O detetive não fazia ideia do tanto pelo qual a garota havia passado. Giselle era uma garota forte, ele tinha que admitir. Não era fácil passar por tantas reviravoltas em sua vida com apenas sete anos de idade. O próprio Lawrence havia se mudado da Escócia para a França com essa mesma idade, mas sua ansiedade por morar em um país novo não chegava aos pés do sofrimento de Giselle.
Ainda havia mais, porém.
— E onde está essa tia agora? — perguntou Lawrence.
Giselle baixou os olhos.
— Ela morreu um ano depois. — A menina sorriu com tristeza ao se lembrar da senhora simpática que os acolheu. — Ela nos deixou parte de seu testamento e assim conseguimos nos sustentar por mais alguns anos. Nunca vou me esquecer do que fez por nós. Era uma pessoa muito boa.
Lawrence assentiu. Devia ser uma pessoa maravilhosa.
— Bem... — Giz enxugou uma lágrima que, enfim, caiu. — Viemos para cá alguns anos depois de ela morrer. Ela sempre nos contava sobre esse vilarejo e sua maldição, mas não acho que realmente acreditava nela. De toda forma, viemos para cá. Aqui dinheiro não é o problema, cada um contribui do jeito que pode. Mamãe ajudava na plantação e de vez em quando preparava refeições para eventos da igreja. Também vendia algumas peças que costurava para o mercado. Só agora percebo o quanto ela se esforçou para que eu pudesse crescer e viver bem. Não fosse pelas duas, não sei o que seria de mim.
Giselle então baixou seus olhos.
— Isso já faz quase quatro anos. — Seu rosto assumiu uma expressão séria. — E, desde que saí da Inglaterra, sempre esperei receber notícias de meu pai. Algumas vezes imaginei que seriam sobre sua morte. — Ela encarou o detetive. — Esperava que fosse me sentir mal com isso, mas não consigo... Não sinto nada.
Giselle encostou a cabeça no ombro do detetive, se permitindo, enfim, chorar. Não por seu pai — ao menos, não estas lágrimas de tristeza —, mas por todos. Pela sua tia-avó, que cuidou tão bem das duas. Por sua mãe, que sempre batalhou por ela. Por Laura, que agora jazia em algum lugar dentro daquela floresta maldita. E por Lawrence, que havia acabado de conhecer mas por quem já sentia profundo afeto. Ele lhe dera esperança de dias melhores e vê-lo se machucar no meio das árvores por sua causa partiu seu coração.
O detetive pôs a mão na cabeça da menina, absorto em seus pensamentos. Tinha os olhos no colar quebrado de Marcel Gray no chão. Uma das metades havia desaparecido, provavelmente mandada para longe com o impacto, deixando apenas o rosto de uma Giselle Gray criança, com seus olhos inocentes sem saber o que estava prestes a acontecer em sua curta vida.
Aquele caso estava ficando cada vez mais complicado. A cada minuto surgiam novos fatos, novas informações e eram poucas as evidências que tinha que pudesse conectá-las. As marcas de garras e as mortes. O desaparecimento de Laura. Abelone e o roubo da joia. Os dois sujeitos que morreram na floresta, segundo Janine. O desaparecimento de Marcel Gray. A garota estranha que pulara em cima dele. As histórias do padre. O fato de policiais não morrerem. O brilho sobre sua cabeça. Os sussurros da floresta...
Era muita coisa, muitos nós, dados que deveriam possuir alguma relação entre si, mas que o detetive não tinha ideia de qual poderia ser. Era muita coisa, ele não conseguiria dar conta de toda a investigação sozinho. Lawrence decidiu que precisava de ajuda.
E ele sabia exatamente quem chamar.
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