Capítulo VI - A morte certa

Não levou dois segundos para Lawrence se arrepender daquela decisão.

Ele avançava devagar, com cuidado. Mesmo com a luz da lanterna para iluminar o caminho, era difícil de enxergar direito o que havia à sua frente. Ele conhecia o clichê de tropeçar em raízes de árvores quando começava a correr e estava determinado a impedir que isso acontecesse. O detetive nem tinha certeza se queria mesmo olhar para frente, talvez fosse melhor apenas manter o olhar no chão. Pelo menos, aquela planta era, de fato, uma planta.

Nenhum demônio, por enquanto.

Knopp odiava o escuro. Desde criança, evitava entrar em lugares com pouca luminosidade — o sótão de sua casa sempre foi motivo de pesadelos. Isso explicava o motivo de sempre dormir com um abajur ligado ao lado da cama, costume que abandonou somente após os quinze anos de idade. Alegrava-se ao pensar que não era um camponês nascido no século dezessete, pois não saberia como faria para viver sem a existência da energia elétrica.

O ruivo olhou para trás, pensando se deveria continuar. Ninguém iria julgá-lo por isso, e apenas teria de lidar com a vergonha de falar com o padre após ter ignorado todos os seus alarmes. Mas, ao virar-se para o caminho por onde veio, pôde ver o rosto dos cidadãos de Dancourt que aguardavam seu retorno.

Pôde ver medo em seus olhos.

Lawrence decidiu seguir em frente. Não podia desistir logo ali. O povo de Dancourt viveu apavorado durante anos, não poderia se entregar em menos de trinta segundos. Giselle confiava nele. Os outros não tinham tanta esperança, como o padre e Rebecca Gray, mas, se a menina acreditava que o detetive era capaz de solucionar aquele mistério, então aquilo era tudo que Lawrence precisava.

Ele ergueu a cabeça e a câmera, iluminando as árvores, e logo pôde perceber as marcas de garras sobre as quais o padre havia falado. Eram longas e finas, como se algum animal estivesse afiando suas unhas. Knopp passou o dedo pelo corte. Era profundo.

De repente, teve a sensação de ser observado e ouviu uma respiração em algum lugar próximo. Teve um alívio enorme ao perceber que era ele mesmo quem ofegava.

Após mover rapidamente a lanterna ao seu redor para se certificar que não havia ninguém por perto, Lawrence olhou o visor da câmera e se surpreendeu ao constatar que apenas dois minutos haviam se passado. Parecia que ele estava lá há, pelo menos, dez.

Knopp avançou mais um pouco. A cada passo que o detetive dava para dentro da floresta, mais tenso ele ficava. Sentia como se estivesse sendo atraído para uma armadilha. Lawrence olhou para trás novamente, e dessa vez não conseguiu ver os habitantes.

Ele engoliu em seco e seguiu seu caminho.

Conforme caminhava, o rolo de barbante em seu bolso se desenrolava, indicando o caminho percorrido. Não se perderia na floresta, ao menos, pensamento que o consolava e o fazia seguir em frente. Estava tudo bem, estaria tudo bem, ele voltaria a salvo.

Tentando manter acesa a chama de seu fraco otimismo, percebeu que havia algo à sua frente.

Lawrence não era perito em identificar pegadas. Não saberia determinar peso, altura, idade nem qualquer informação relevante a respeito de quem quer que as tivesse deixado ali. Seguir rastros não era seu ponto forte de investigação. No entanto, eram poucas as pessoas corajosas — ou imbecis, termo que o incluía na frase — o suficiente para entrar naquela floresta, portanto Lawrence podia afirmar, com razoável certeza, que aquelas pegadas pertenciam a Laura Grandis.

Abaixou-se para analisá-las melhor. Talvez elas não pertencessem à garota e ele apenas estivesse seguindo o que poderia não levar a lugar algum. No entanto, era a única pista que ele possuía no momento. Além do mais, os vestígios eram claramente femininos, pequenos e não muito largos, o que indicava que ou pertenciam a uma adolescente ou a uma senhora de pés muito pequenos.

Não imaginava o que uma mulher mais velha e possivelmente sensata faria em um lugar como aquele, portanto preferiu acreditar na sua primeira hipótese: Laura Grandis havia passado por ali.

Ao analisar o rastro, fez três constatações.

As pegadas seguiam no sentido oposto ao que Lawrence vinha percorrendo. Mirando a lanterna na direção por onde veio, pôde perceber que, de fato, Laura havia passado por ali. Não havia visto antes por causa da falta de contraste com a terra — e do medo inicial de ser possuído por algum demônio —, mas, agora que sabia o que procurar, ficou fácil perceber os rastros de seus pés no chão.

Knopp também pôde perceber que um dos pés da menina estava descalço. Para cada par de pegadas, a da esquerda era marcada com a sola de um calçado, mas, para o pé direito, era visível o contorno dos dedos no solo.

E ela estava correndo.

A sua terceira constatação o fez sentir um arrepio. O rastro era mais profundo na ponta de seus dedos do que onde seria o calcanhar, este quase imperceptível. Sim, ela estava obviamente correndo, mas de quê?

Mais uma vez, sentiu ser observado. Girou a lanterna em torno de si, mas não viu nada.

Decidiu seguir as pegadas. Poderia encontrar o corpo e assim descobrir o que aconteceu com a menina. Poderia ser importante para a investigação. Tinha quase certeza de que se tratava mesmo de Laura e, a menos que o corpo de outro alguém fosse encontrado, nada o faria pensar o contrário.

Só torcia para estar certo.

Ele fez o caminho de volta, acompanhando a trilha de barbante. Ainda que Laura não tivesse percorrido exatamente o mesmo trecho que o detetive, as trilhas eram bem próximas e o barbante o ajudava a se localizar. Aquela fora mesmo uma ótima ideia. Preferia mil vezes estar sozinho no meio de uma floresta amaldiçoada do que sozinho e perdido no meio de uma floresta amaldiçoada.

Se conferisse novamente o cronômetro de sua filmadora, veria que, quando finalmente chegou ao fim do rastro deixado pela menina, doze minutos haviam se passado desde que entrou na floresta. Mas ele não estava mais interessado em tempo: havia algo muito mais curioso à sua frente.

Sangue.

Uma das estratégias de sobrevivência mais comuns no reino animal é a paralisia. Uma presa, ao notar a presença de um predador, busca mover o seu corpo o mínimo possível, de forma a tentar se passar despercebida por ele, e utilizando-se da fuga apenas como último recurso. Esse instinto de sobrevivência, ironicamente, nem sempre garante a sobrevivência do animal — muitas vezes, faz o oposto. Um cervo, ao invadir uma estrada pela qual atravessa um carro, não realizará qualquer tentativa de desviar-se do veículo, o que pode vir a acarretar um acidente. A biologia não era capaz de prever que a intervenção humana no reino animal seria tamanha a ponto de esse instinto se transformar em algo ruim em vez de uma vantagem evolutiva, de forma que mesmo o homem pode entrar em choque e congelar nos momentos em que fugir é a melhor opção.

Não fosse por esse maldito instinto de sobrevivência, Lawrence Knopp teria deixado a floresta naquele mesmo instante.

Quando percebeu o que estava acontecendo ali, tudo se tornou real. As lendas, as supostas mortes, as garras, tudo o mais, ainda que aterrorizantes, até então lhe pareciam um sonho, como que fora da realidade. No entanto, vendo o que de fato acontecera ao corpo de Laura Grandis, aquele pesadelo se mostrou mais real do que nunca.

Apesar do sangue, não havia nenhum corpo ali, o que Lawrence não sabia dizer se era bom ou ruim. Um cadáver era tudo o que ele precisava para querer sair logo dali. No entanto, após alguns segundos de congelamento e pânico, percebeu que sua reação fora melhor do que caso tivesse fugido. Ele agora tinha uma pista.

Abaixou-se para ver melhor, com o coração palpitando. As pegadas davam lugar a uma enorme marca no chão, vestígio de algo grande arrastado com força. Ao que tudo indicava, Laura caíra no clichê de tropeçar enquanto corria. No entanto, mais que isso, fora subitamente puxada para trás, agarrando-se ao chão em uma tentativa desesperada de se salvar. Lawrence conseguia ver os traços profundos de seus dedos na terra, num vão esforço para tentar sobreviver.

Estremeceu.

Mais do que isso, percebeu outra coisa: o rastro também desaparecia subitamente, sem mais pegadas, vestígios ou qualquer indício de onde o corpo fora parar. A garota havia simplesmente sumido.

Engoliu em seco. Talvez fosse melhor voltar.

Retornou ao local onde havia visto as pegadas pela primeira vez e olhou no visor da filmadora pela segunda vez: dezessete minutos. Estava ali há mais tempo do que pensava — não pensara que fosse viver por tanto tempo.

Dando mais uma olhada nas árvores, percebeu mais riscos de garras. Só torcia para que o que quer que os tivesse feito estivesse bem longe dali naquele momento. Ele então se lembrou do que o padre havia falado sobre os tais sussurros, que não conseguira ouvir antes por causa dos murmúrios dos cidadãos, mas agora ali, estava sozinho. Fez silêncio e tentou ouvir.

Nada.

Não havia som algum além de sua própria respiração ofegante e as batidas de seu coração. Nem uma viva alma se encontrava presente naquela mata. Apenas ele.

Estava mais frio do que quando ele entrou na floresta e seu casaco já não era o suficiente para protegê-lo da baixa temperatura. Lawrence começou a tremer. Talvez ir embora não fosse má ideia. Já estava lá há bastante tempo e, ainda que não tivesse descoberto o que de fato aconteceu a Laura, havia encontrado uma pista. Era o bastante, não?

Ao iluminar o chão à sua frente, constatou que não, não era.

Em contraste com o marrom do chão de terra, o objeto amarelo lhe saltou aos olhos. Lawrence se abaixou e o pegou, intrigado. Era uma sandália feminina, rompida, que aparentava pertencer a alguém jovem.

O tal calçado perdido. O calçado de Laura.

Apertou-o firme entre os dedos e o guardou no bolso do casaco. Não, não iria embora agora. Ainda precisava desvendar o mistério.

Então, Lawrence pisou em falso e caiu.

Deixou escapar um grito quando foi de encontro ao chão, deixando cair sua filmadora e quase batendo sua cabeça. A lanterna se apagou ao tocar no solo. Sem a luz, a floresta se tornou um breu absoluto.

Knopp tateou o local e a encontrou, ligando-a de imediato. Ainda estava funcionando, que sorte! Ele conferiu a câmera para ver se estava quebrada, e, felizmente, não estava. O detetive se levantou e limpou a terra de sua calça. Não havia sofrido ferimentos graves, apenas alguns arranhões e um pequeno corte em sua mão direita, além, é claro, do susto.

Sentiu que sua boca estava seca. Tateou seus bolsos em busca de sua garrafa de água, mas sentiu apenas a sandália de Laura e o rolo de barbante. Ele pegou a garrafa do chão, assim que a encontrou, e a abriu. Levou-a até sua boca e sentiu o líquido descendo por sua garganta.

Lawrence ia dar mais um gole quando ouviu o som de passos.

Ficou em silêncio, sem saber se o que ouvira era real e não fruto de sua mente assustada, mas lá estava o som: alguém estava lá, estava correndo, ele tinha certeza disso. O som vinha de sua esquerda. No entanto, quando se virou para olhar, viu, bem ao longe, uma luz.

Parecia estar a mais de cem metros de distância, mas se aproximava, balançando de um lado para o outro em impressionante velocidade. O detetive estatizou. Mais uma vez, o seu instinto de sobrevivência lhe pregava uma peça. Ele queria fugir, queria se esconder, queria sair logo dali. Queria seu pai e sua mãe. No entanto, tudo o que pôde fazer foi erguer sua lanterna e encarar o demônio que estava à sua frente.

Uma forma humanoide corria em sua direção.

Suas pernas falharam, derrubando o detetive sobre seus joelhos. Não conseguia gritar ou respirar, som algum saía de sua boca. "Acabou". Era aquilo, era o fim. Lawrence não era capaz de fazer nada, apenas esperar pelo fim enquanto a morte vinha em sua direção.

Isso não aconteceu, porém. Knopp apenas ouviu um grito grave cortar a floresta quando a criatura caiu no chão.

O detetive piscou, sem entender. Piscou uma, duas, cinco vezes. Aquilo... aquilo foi real? Já não sabia distinguir. Perdera a conta de quantas vezes se fizera aquela pergunta nos últimos vinte minutos e não sabia dizer quantas vezes mais a faria. Esperava que muitas, esperava estar vivo para fazer todas elas. E, ao que tudo indicava, ele ainda estava vivo.

Cambaleante, ele se pôs de pé. Sentia-se tonto, desorientado, como que prestes a desmaiar. Mesmo assim, passo após passo, caminhou feito bêbado até a luz que ainda era emitida próxima à criatura.

Por que estava fazendo isso? Deveria correr, deveria tentar fugir dali, salvar a sua vida. Por que estava indo de encontro com a morte? Uma parte de sua mente o incentivava a ir embora, mas sabia que não conseguiria ir muito longe naquele estado. Precisava recuperar sua sanidade antes de tentar escapar, ou acabaria tropeçando e caindo assim como Laura. Além do mais, poderia ter sido apenas impressão sua, mas ele sentia que aquele grito não era de nenhuma criatura demoníaca.

Parecia mais um pedido de socorro.

Lutou para chegar até lá, cada vez mais fundo na floresta. Ao se aproximar, percebeu que a luz era proveniente de uma lanterna, semelhante à que carregava consigo. E, logo ao lado, havia um corpo.

Um homem alto estava caído de barriga para baixo ao lado de um tronco. Estava todo arranhado e cheio de machucados, e a terra ao seu redor tinha um pouco de sangue, que saía de um furo em seu braço. Lawrence tocou sua pele, com cautela. Ainda estava quente, como era de se esperar, mas, apesar de o homem não apresentar nenhuma reação ao toque, o detetive percebeu, através de seu pulso, que ele ainda estava vivo.

Lawrence, com esforço, virou-o de lado para poder ver seu rosto. Seus olhos estavam fechados e respirava fracamente, com alguma dificuldade. Era loiro, tinha cabelos curtos e a pele ligeiramente escura. Usava óculos, que tinham sido jogados para longe quando caiu. O queixo pontudo e a pinta ao lado do olho davam ao homem uma aparência peculiar.

— Ei, acorde — Lawrence conseguiu sussurrar. — Levante-se, precisamos sair daqui.

O homem não respondeu, sequer abriu os olhos. Não parecia capaz de fazer isso. Manter-se vivo já era tarefa complicada demais.

— Vamos lá, vamos lá... — murmurou Knopp, balançando o corpo com suavidade. — Preciso de você.

Foi então que o detetive percebeu que o homem levava consigo um colar em seu pescoço. Era pequeno e dourado, no formato de coração e havia uma fotografia em seu interior. Lawrence, apertando um botão, o abriu e iluminou o interior. De um dos lados do cordão havia uma imagem de uma menina, de não mais de seis anos, cujo rosto lhe parecia extremamente familiar. Mas foi somente ao ler o nome gravado na outra metade que pôde perceber quem era aquela garota da foto.

Era Giselle Gray.

De repente, ele percebeu que era hora de voltar, mas não poderia deixar aquele homem ali, à beira da morte. O levaria em suas costas, se necessário, mas eles precisavam sair dali. Lawrence pegou o rolo de barbante em seu bolso, pretendendo seguir o caminho de volta, mas logo viu que algo estava errado.

O rolo estava lá, mas não havia linha alguma atrás de si.

Lawrence entrou em pânico. O barbante devia ter se rompido quando ele pisou em falso. Sem a corda para guiá-lo, estava completamente perdido naquela floresta. Não conseguia distinguir por qual caminho viera, todas as trilhas eram exatamente iguais.

Então ele ouviu: os sussurros da floresta.

O padre Larousse não havia descrito a sensação quando conversaram na igreja, dizendo não ser capaz de expressá-la em palavras. Lawrence agora podia confirmar o que lhe foi dito: o que estava presenciando não era algo que a linguagem humana conseguia transmitir. O som vinha de todos os lugares ao mesmo tempo. Vinha de cima, de baixo, dos lados. De dentro de sua cabeça. De lugar nenhum. O fantasma de Abelone estava zombando dele. As vozes dos demônios lhe diziam coisas, coisas que o detetive não conseguia compreender. Estava ficando louco.

— Vamos, precisamos sair daqui! — Ele puxou o braço do homem ao seu lado, que ainda não havia se movido.

Em pânico, o detetive mirou a lanterna para os lados, buscando encontrar o caminho de volta, enquanto, pouco a pouco conseguia compreender o que estava sendo dito.

Corra.

Ele queria, tudo o que ele mais queria era correr. Mas para onde? Poderia acabar se perdendo ainda mais, aprofundando-se naquela floresta maldita para sempre. Estaria apostando sua vida em uma chance mínima de sucesso, no entanto essa chance seria maior que a de sobreviver se continuasse ali.

Estava pronto para escolher uma direção qualquer quando reparou, com o canto do olho, sua garrafa de água, que derrubou quando viu o sujeito correndo até ele.

Lá estava o caminho.

Lawrence tentou mais uma vez acordar o homem, que continuava de olhos fechados. Puxou-o, empurrou-o, gritou em seu ouvido e nada. Por fim, tentou erguê-lo, colocando o pesado corpo sobre suas costas.

Não aguentou dois segundos e ambos caíram.

Knopp saiu de baixo do homem, sem fôlego. Estava sem forças para levá-lo consigo. No entanto, não poderia simplesmente deixá-lo para trás. Ele ainda respirava, ele ainda poderia ser salvo. Lawrence não desistiria. Tentou colocar os braços do sujeito sobre seus ombros, tendo assim seus pés para lhe dar algum apoio. Tentaria de todo jeito salvar sua vida.

Então, ouviu um galho se partindo.

Teve certeza de que não foram seus pés. Não eram, com certeza não fora ele quem emitiu aquele som, mas sabia que havia escutado. Apavorado, se deu conta de que o som vinha de algum lugar atrás de si. Algum lugar próximo, muito próximo.

Olhou nos olhos do sujeito, ainda fechados. Ele sabia que não conseguiriam sair vivos dali, não se estivessem juntos. Em confronto com seus próprios ideais, decidiu optar pelo mais lógico, ainda que se sentisse uma pessoa horrível por fazer isso: largou o homem e fugiu, temendo por sua vida.

Lawrence Knopp corria sem olhar para trás.

O chão irregular e cheio de pedras o fazia tropeçar, uma pontada de dor a cada passo. As solas de seus pés gritavam em silêncio; havia rasgado suas pantufas enquanto corria. Fora uma péssima ideia entrar naquela vegetação usando esse tipo de calçado. Ele não se importava, no entanto.

Havia preocupações maiores naquele momento.

Em meio a respirações ofegantes, ele pensou. Pensou em todos que já sofreram com aquela maldição. No padre. Nos Grandis. Em Giselle.

Giselle...

"Eu estou indo", ele pensou. Desejava gritar para que a menina ouvisse, para que o mundo ouvisse. "Me espere!"

Ninguém viria buscá-lo, ele sabia. Ninguém tinha esperanças de que ele sobrevivesse. Não devia haver mais ninguém lhe esperando — e não poderiam fazer nada mesmo se estivessem. Onde estava com a cabeça quando decidiu entrar na floresta? Aquela havia sido, sem dúvidas, a pior decisão de sua vida.

"Idiota! Idiota! Idiota!"

Abelone ria do homem. Os sussurros pareciam mais altos que nunca, e Lawrence percebeu que estava errado. Não era "corra" que eles diziam.

Era morra.

O homem, por sua vez, estava em silêncio, a não ser por sua forte respiração e o som de seus doloridos passos. Mesmo apavorado, ele não gritou — precisava de fôlego se quisesse sair vivo dali. Ainda havia bastante chão pela frente.

A lanterna em sua mão começou a piscar, provavelmente por causa da queda anterior, o que o desorientou por alguns segundos, mas o detetive continuou. Já não se importava em capturar algo com a filmadora, em quanto tempo estivera ali dentro, só queria sair dali logo.

Lawrence tropeçou em uma raiz de árvore. "Não, não!". Ele se levantou. "Por favor, não".

Suas pernas estavam cheias de cortes, sua testa sangrava devido à queda e cambaleava, ainda desorientado, mas ele continuou. Quanto mais ele se afastasse daquelas árvores grossas e altas, mais seguro estaria. Havia presenciado em seu próprio corpo a maldição de Manoury, já sabia o que acontecia com as pessoas lá dentro e não queria ser mais uma das vítimas da vingança de Abelone.

O detetive conseguia ver apenas uma fonte de luz logo à frente. Um brilho fraco, porém presente: eram os postes de iluminação de Dancourt. Estava chegando ao vilarejo! Em alguns segundos, estaria a salvo.

Só mais alguns passos...

Lawrence então notou um brilho entre as folhas da árvore à sua direita. Mas, ao olhar para cima, tropeçou novamente, e sua testa foi de encontro ao chão no momento em que sua lanterna parou de funcionar de uma vez.

Sentiu seu rosto queimar. Ele tentou se levantar, mas não conseguiu. Seu pé estava preso. Pensou em desistir, em apenas largar tudo e morrer ali. Seria mais fácil, mais rápido, mais provável... mas não, não podia. Ergueu-se, gritando de dor, e tentou se livrar daquela raiz.

Não era uma raiz.

Ele foi subitamente puxado para trás, sendo lançado ao chão mais uma vez. Suas feridas doíam mais do que nunca e provavelmente havia torcido algum membro. Mesmo assim, ele lutou. Começou a se debater, mexendo desesperadamente as pernas enquanto tentava se soltar, até que, de alguma maneira, conseguiu.

Knopp se levantou num salto grogue e correu, com a câmera ainda em sua mão, cada vez mais rápido. Já estava ficando sem fôlego.

Ele viu a luz fraca do anoitecer logo à frente. Dancourt. Em um salto, jogou-se, pela última vez, no frio e duro chão de terra, mas conseguiu, finalmente, sair da floresta.

Lawrence ficou vários segundos deitado, de olhos fechados, tentando retornar sua respiração ao estado normal. Estava vivo, estava vivo! Não estava bem, definitivamente não, mas, tendo em vista as atuais circunstâncias, já estava satisfeito em não morrer.

Ele sentiu um cutucão no ombro e se sobressaltou, mas ouviu uma voz lhe dizendo algo:

— Está tudo bem?

O detetive abriu os olhos. Josué Larousse o olhava preocupado, agarrado ao seu crucifixo. Como Lawrence havia imaginado, todos da vila que estavam esperando-o já haviam ido embora para suas casas, com exceção do padre. Não esperavam que Lawrence fosse sobreviver. E, percebendo no visor da câmera que quase quarenta minutos haviam se passado, Knopp também se surpreendeu por ter sobrevivido por tanto tempo lá dentro.

Ele recuperou o fôlego antes de falar.

— Você tinha razão, padre. — Ele olhou para as árvores e sentiu um calafrio. — O que quer que exista ali dentro está fora dos domínios de Deus.

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