INTERLÚDIO

12 de Agosto de 2018, Dia do Aniversário de Zaden, Parque de Diversões

Alison escondeu o sorriso em seu rosto atrás do algodão doce gigante que estava segurando, enquanto assistia Zaden errar o alvo de todas as garrafas que tinha que acertar para que eles pudessem ganhar um prêmio na barraca de jogos em que estavam brincando. Ele tem uma pontaria péssima, ela pensou consigo mesma, quando o rapaz loiro a sua frente deixou passar outra garrafa sem chegar nem perto de acertá-la, e então se virou para olhar para ela com um tom leve de vermelho manchando as bochechas, coçando a nuca envergonhado. Bem, Alison se corrigiu mentalmente, ele podia ser péssimo, mas era tão fofo quando ficava sem jeito que compensava a falta de habilidade. 

— Acho que é melhor tentarmos outro jogo — Zaden falou, baixo o bastante para que só ela escutasse. — Já passei vergonha demais nesse aqui.

Alison gargalhou, entregando o algodão doce para que ele segurasse. 

— Chega pra lá. Você comprou fichas demais para sair daqui sem ganhar nenhum prêmio — ela disse, pegando a arma de brinquedo sobre o balcão e posicionando-a na direção da primeira garrafa. Dando um sinal para que o dono da barraca ligasse o mecanismo que fazia com que os alvos se movessem, Alison se endireitou e puxou o gatilho, acertando na primeira tentativa. E na segunda. E terceira.

E em todas as outras também.

Não foi preciso dizer que os dois saíram de lá com direito a escolher qualquer um dos prêmios da vitrine.

Zaden endireitou sobre sua cabeça a coroa de rei que havia pego como premiação, assobiando em elogio para a de Alison, que parecia ter sido feita sob medida para ela, se assentando perfeitamente acima dos cachos escuros do seu cabelo.

— Não era bem esse o conjunto que eu achei que iríamos pegar, mas acho que acabou sendo a escolha certa — ela disse, arrancando um pedaço do seu algodão doce.

— Foi a escolha a sua altura, isso sim — Zaden defendeu, abrindo a boca para receber a nuvem feita de açúcar que Alison lhe havia oferecido. — Você detonou tudo lá atrás. Ser coroada a rainha daquele jogo era um desfecho mais que merecido — ele sorriu, enlaçando o braço no dela. — Quanto a mim... bom, eu com certeza não vou reclamar por ter me tornado rei por associação. Não sei se você sabe, mas esse é o primeiro aniversário que passo usando uma coroa. Me sinto bastante digno. E você está pra lá de linda.

Alison o observou com o canto do olho, sentindo seu rosto esquentar ligeiramente. Diferente do esperado, ela não costumava corar com facilidade quando era elogiada, mas de alguma maneira sempre conseguia ser pega com a guarda baixa o suficiente para que tivesse o grande impulso de sorrir feito idiota diante dos elogios de Zaden. Levara um tempo para que Alison admitisse para si mesma o porquê de se sentir assim quando se tratava dele. E, se fosse sincera, no início havia sentido um pouco de vergonha de si mesma: o rapaz era o típico garoto branco, rico e popular do qual todas as meninas gostavam – estereótipo que ela particularmente detestava, – que ainda por cima era loiro e tocava guitarra. Pelo amor de Deus!

Contudo, apesar de todos os contras, ele havia se tornado seu melhor amigo.

Era engraçado pensar que os dois nunca teriam de fato conversado se por acaso Zaden não tivesse chegado cedo demais a um dos ensaios da banda na casa dela e acabasse por ter que lhe ficar fazendo companhia enquanto esperava Charles, que havia ido ao mercado pouco antes de ele chegar. O silêncio estranho inicial entre eles havia sido tão grande que Alison simplesmente cansara de ficar sentada olhando para a cara dele e ligara a TV, anunciando que faria uma sessão de karaokê para passar o tempo. Ela não esperava que Zaden fosse se sentir à vontade para participar, mas ele tinha adorado a ideia. E qual a sua surpresa quando ambos disseram ao mesmo tempo que iriam cantar Total Eclipse of the Heart!, lembrava vividamente de ter se virado e falado que não sabia que ele gostava do estilo musical dos anos oitenta. A resposta dele tinha sido imediata: e tem quem não goste?

Mais tarde, eles descobriram que aquela não era a única coisa que tinham em comum.

E de repente, Alison havia parado de enxergar Zaden como só mais um rostinho bonito; agora ela via como alguém divertido, justo, gentil e que sempre estava pronto para ouvi-la falar durante horas sobre qualquer que fosse o assunto sem nunca reclamar. Além de ser o tipo de pessoa que ensinava os outros sem nunca fazê-los se sentirem estúpidos por não saberem de algo, conseguia ser um professor excelente – ela tinha aprendido a andar de skate com ele em um dia, e em menos de uma semana já conseguia fazer as manobras básicas – e era um irmão e filho dedicado que fazia de tudo pela família. E o mais importante: no decorrer dos últimos três anos, tinha se transformado no maior confidente dela.

O que era um feito surpreendente, visto que, mesmo sendo naturalmente sociável, Alison levava muito tempo para de fato se abrir e confiar nas pessoas ao seu redor, principalmente as que pertenciam ao sexo masculino – apesar de ter crescido ao lado do melhor irmão do mundo, ela sabia bem que a maioria dos meninos não eram nem de longe parecidos com Charles.

Os do colégio onde estudava tendiam a ser metidos e arrogantes, agindo como se fossem os donos do mundo – e para a infelicidade dela, boa parte das meninas também. Alison não entendia o que os faziam pensar que eram melhores que os demais. Como se o dinheiro desse a eles o direito de tratar os outros da forma que quisessem.

Felizmente, ela não teve problemas para encontrar pessoas das quais gostasse: teve tanta afinidade com os amigos de Charles que acabou por também se tornar amiga deles – o que era ótimo, porque dessa forma não ficava de fora. Ou pelo menos não se sentia de fora.

Até os cochichos começarem.

Em todas as salas e corredores do Instituto por onde Alison passava, sempre havia alguém rindo e sussurrando sobre como a menina nova tinha sorte dos amigos do seu irmão serem legais o bastante para deixar que se sentasse com eles. E de como Zaden era especialmente caridoso por passar tanto tempo aturando a irmã mais nova do seu amigo como se realmente gostasse dela.

Por fora, Alison fingia não dar a mínima para o que diziam; o que pensavam não era problema dela. Contudo, quanto mais intensos seus sentimentos em relação a Zaden se tornavam, mais e mais ela se via questionando a si mesma se ele de fato gostava dela ou se era só pena.

Nunca perguntou, no entanto. No fundo sabia que não precisava: havia algo em Zaden… algo no modo como seus olhos azuis sempre pareciam brilhar como cristais quando olhavam para ela, ou em como cada sorriso seu era inegavelmente sincero que fazia com que ela simplesmente confiasse nele.  

— Alis, olha só aquilo — o protagonista dos seus pensamentos disse, chamando a atenção dela para um círculo de jovens que estavam dançando alguns metros mais à frente. — Parece que estão fazendo uma disputa de dança em frente a montanha-russa. O que você acha de nos divertimos um pouco mostrando a esses caras como se faz?

Alison abriu um sorriso interessado.

— Você sabe que eu não vou dizer não. Sou uma grande admiradora do improviso.

— Você nunca decepciona, Alis — ele falou, antes de puxá-la pela mão e correr até a roda de dança, onde Beat It, de Michael Jackson, estava sendo reproduzida por meio de uma caixinha de música cilíndrica sobre uma cadeira dobrável de plástico. A dupla no centro do círculo girava no chão em passos de break, seus movimentos rápidos finalizados com uma manobra em que se usava os braços como suporte para impulsionar as pernas para cima e então saltar diretamente sobre os pés, sendo aplaudidos pelo público ao redor.

Zaden tocou o ombro de um garoto que estava assistindo.

— Ei, você sabe me dizer se a roda é aberta para todo mundo ou se é algum tipo de apresentação específica?

— Não, qualquer um pode entrar e dançar. É só prestar atenção para ir no tempo certo em que a pessoa no centro esteja saindo, porque senão alguém pode acabar passando na sua frente — o menino respondeu, erguendo o queixo para indicar a dupla que começava a sair da roda.

— Acho que essa é a minha deixa, então — Zaden anunciou, olhando para Alison com um sorriso ansioso antes de soltar a mão dela e deslizar para dentro do círculo, no exato segundo em que o segundo refrão da música havia se iniciado.

Alison se aproximou para poder ter uma melhor visão de seu amigo, que já entrara dançando, seus passos tão sincronizados com a batida da canção que provocaram gritinhos de aprovação da plateia ao redor. Apesar de viver tropeçando, Zaden tinha uma coordenação motora admirável nos braços e pernas, e conseguia harmonizar o movimento de seus membros com uma facilidade acima da média. Ele fica muito bonito quando está dançando, Alison sorriu em fascinação silenciosa, não contendo a gargalhada de orgulho ao ver seu amigo dar uma reboladinha e performar a perfeição o lendário moonwalk, deslizando com os pés para trás enquanto parecia estar andando para frente. Os gritos ficaram mais fortes, unidos a palmas e assobios, e Alison se juntou a eles:

— Esse é o meu garoto! — ela exclamou, rindo. Zaden não brincava em serviço quando se tratava de ser o centro das atenções: ele havia sido incrível.

— Agora é a sua vez! — gritou, puxando-a para dentro da roda e saindo de cena para se tornar um mero expectador.

Àquela altura, a música estava entrando na reta final, o que significava que dali para frente Alison teria que dançar no instrumental, que era protagonizado por um eletrizante solo de guitarra. A bailarina conhecia a melodia como a palma de sua mão, e usou isso ao seu favor: mexeu o quadril na batida de fundo produzida pela bateria e moveu os braços no sentido contrário, levando-os primeiro ao pescoço e depois à cabeça, dando fluidez ao movimento com um giro simples antes de pegar impulso com as pernas e girar novamente sustentando todo o peso do corpo em apenas um pé, dessa vez executando uma série perfeita da pirueta a la seconde, pontuando com exatidão o fim do solo da música.

Alison foi ovacionada com uma intensa salva de palmas, todas as pessoas ali presentes distribuindo enxurradas de elogios para sua performance. Ela agradeceu a todos com um sorriso tão grande que chegava a doer, sentindo seu coração pulsar forte em seu peito.

A sensação de ser aplaudida por fazer o que amava não tinha preço.

Procurando Zaden entre a plateia que parecia ter crescido ligeiramente nos últimos minutos, Alison o encontrou olhando fixamente para ela, com uma expressão reverente no rosto, que se tornou cheia de ternura quando ele sorriu em resposta, suas covinhas coroando o gesto como a coisa mais linda que ela já tinha visto.

A imagem fez com que uma epifania se apossasse dela, e foi ali que Alison soube que simplesmente não havia como continuar adiando o momento e guardando seus sentimentos para si mesma; ela era uma garota corajosa. Sempre fora o tipo que corria atrás do que queria sem nem pestanejar, e não seria agora que se deixaria intimidar.

Sendo assim, respirou fundo e caminhou até seu melhor amigo, segurando-o pelo pulso e levando-o para um lugar mais afastado de todo o barulho e tumulto atrás deles.

Com um semblante franzido pela confusão, Zaden disse:

— Por um acaso você está me trazendo aqui para dar um feedback particular sobre os meus passos de dança?, porque se for isso, eu já vou logo avisando que acho que dei o maior show lá no meio do...

Alison trouxe o rosto dele para perto do seu e, com o coração latejando de ansiedade, o beijou.

Aquele era o seu primeiro beijo, e havia sido ela a tomar a iniciativa.

Estava tão orgulhosa de si mesma que mal teve consciência de estar sendo correspondida até sentir uma das mãos de Zaden apertando a sua cintura enquanto a outra segurava sua nuca, trazendo-a para dentro do abraço dele e fazendo borboletas alçarem voo em seu estômago.

A sensação dos lábios dele sobre os seus era tão nova e tão incrivelmente boa que parte dela ainda estava descrente.

Estava beijando Zaden LeBlanc.

Seu melhor amigo.

Era oficial: tinha se tornado um maldito clichê – e gostado. Gostado muito!

Alison interrompeu o beijo para que pudesse respirar, ao passo que Zaden suspirou, com um sorriso imenso estampando o rosto corado:

— Melhor aniversário de toda a minha vida.

— Não vá começar com piadinhas — ela pediu, rezando para não parecer tão tímida quanto estava se sentindo. Não gostava nada de estar numa situação vulnerável.

— Ei. Não é piada — o rapaz disse, traçando o dedo pela mão de sua amiga levemente, o toque fazendo com que ela erguesse o olhar para o dele. — Tem muito tempo que eu venho querendo te beijar, Alis. E não aja como se não soubesse disso. Eu nunca fiz o tipo sutil quando se trata de você.

Alison riu, sentindo arrepios no braço conforme o dedo dele deslizava por sua palma.

— Hmm, Zaden… você não faz o tipo sutil e ponto final — pontuou, lembrando vividamente das inúmeras vezes em que ele perguntou a ela como achava que seria se os dois namorassem.

— É… — ele riu junto, puxando-a para perto. — Acho que você tem razão. Mas é que eu já estava ficando meio desesperado. Você nunca me dava nenhuma pista. E fazia isso de propósito.

— Eu só estava tentando te dar um empurrãozinho — ela se justificou, com um sorriso, tirando o cabelo dele de sobre os olhos. — Mas você estava devagar demais.

— Vá em frente, pode tirar sarro. Passei tempo demais com medo de dar o primeiro passo e estragar tudo — Zaden admitiu, acariciando o rosto dela com carinho antes de desviar o olhar, envergonhado. — Mas foi porque gosto muito de você para arriscar te perder.

Ao ouvir aquelas palavras, Alison sentiu toda dúvida que tinha a respeito dele se transformar em nada além de questões sem fundamento e todo o seu medo de ser machucada se desmanchar em poeira carregada pelo ar. Ela soube que aquele sentimento era certo, e foi com aquela certeza que, com o coração batendo com força dentro do peito, finalmente se permitiu  dizer em voz alta o que sentia por ele:

— Eu também gosto de você, Zaden.  Gosto muito mesmo.

E, dessa vez, o rapaz não pensou duas vezes antes de beijá-la. 

🎸

— Bem que a gente podia pensar em fazer uma pegadinha com os meninos para quando formos contar a eles sobre nós dois — Zaden disse, animado, enquanto caminhava pelo imenso hall de entrada da Mansão LeBlanc.

Alison ergueu as sobrancelhas, rindo baixinho. Seu melhor amigo parecia ter recebido uma dose de energia extra desde o momento em que ela havia dito que gostava dele, quando coincidentemente também tinha começado a sugerir ideias loucas e a saltitar ao invés de andar.

— Que tipo de pegadinha? — ela perguntou, curiosa.

— Não sei ainda, mas tenho certeza de que vai surgir alguma coisa. Vamos manter segredo deles enquanto planejamos — o loiro sussurrou, acionando o interruptor que raramente ficava desligado.

— SURPRESA! — um coro de vozes exclamou, no segundo em que Alison e Zaden passaram pela porta da sala de estar da casa dele, dando de cara com Loren, Charles e Sebastian, que estavam bem à frente dos outros convidados.

O guitarrista soltou uma risada, um tanto abismado, se virando para olhar para a garota ao seu lado.

— Eu não acredito que você escondeu tudo isso de…

— Pois acredite — Lorenzo falou, tomando a dianteira como anfitrião (mesmo não sendo o dono da casa). — Você disse que não faria nada, mas não é todo dia que se completa dezesseis anos. A ocasião implorava por uma festa surpresa! — e continuou tagarelando, levando Zaden para cumprimentar todos aqueles que estavam presentes.

Como aniversariante, o coitado ainda parecia estar meio desnorteado com a situação, então Alison ergueu os polegares e lhe deu um sorriso encorajador antes de se juntar a Charles e Sebastian num canto.

— Achei que tivesse deixado claro que era pra ser uma coisa só para os íntimos — ela resmungou, aceitando o copo de suco que seu irmão havia lhe oferecido.

— Ao que parece, Loren se empolgou um pouco demais em relação à lista de convidados — Charles murmurou, olhando ao redor. — Eu não conheço metade dessa gente, mas pelo jeito Zaden deve conhecer. Ou pelo menos espero que conheça.

— E você, Seb? Que milagre é esse que aquela sua “namorada” decidiu não vir? — Alison indagou, tocando o braço do amigo de pé ao seu lado.

— Nós terminamos — ele disse, soando mais aliviado do que qualquer outra coisa. — Para ser sincero, não sei nem porque começamos. No fundo eu sabia que não ia durar.

— Todo mundo sabia. Você até gostava dela, mas não estava apaixonado. Que bom que parou de se enganar — falou, dando-lhe uns tapinhas no ombro.

— Até porque estava mais do que na hora — Charles comentou, fingindo olhar ao redor distraidamente.

Sebastian socou o braço do amigo, ao passo que Alison sorriu alegremente para o irmão mais velho, que não deixou o gesto passar despercebido:

— Você está bem feliz hoje. Algum motivo em especial? 

— Nada demais — ela desconversou rapidamente, na intenção de não deixar que imagens de si mesma aos beijos com Zaden tomassem conta da sua mente. — Fiz uma pequena apresentação no parque em uma roda de dança improvisada, e todos me aplaudiram loucamente.

— E você ficou surpresa? — ele questionou, admirado. — Claro que iriam te aplaudir, Ali. Não conheço ninguém que te supere quando se trata de dança. Ninguém mesmo.

— Te amo — falou, se esticando para dar um beijo na bochecha do irmão. — Vou ao banheiro e já volto. Cuidado para não deixar nenhum desastrado derramar nada na sua roupa.

— Pode deixar que eu assumo a posição de guarda-costas dele — Sebastian bateu continência de forma exagerada, arrancando dela uma risada e um divertido revirar de olhos de Charles.

Virando em direção à entrada lateral da escada que dava para o primeiro andar, Alison caminhou tranquilamente pelos corredores decorados com elegantes luminárias douradas e pinturas modernas abstratas de aparência ostensivas até chegar ao seu destino.

O banheiro do térreo da Mansão LeBlanc havia sido especificamente projetado para festas e reuniões como aquela, o que significava contar com um vestíbulo espaçoso e quatro cabines individuais.

Alison tinha acabado de entrar em uma quando ouviu a porta do cômodo se abrindo novamente, o som de passos e conversas ecoando alto no local.

Fala. Sério. Essa casa parece um castelo — uma das vozes disse, impressionada.

— Um castelo para um príncipe — outra falou, provocando risadas nas demais.

Dentro de sua cabine, Alison revirou os olhos. Que bobas.

— Eu não sabia que advogados ganhavam tanto assim — a primeira voltou a falar.

— Os pais de Zaden são donos de uma firma de advocacia de elite — uma terceira voz se juntou às outras duas. — Devem lucrar uma fortuna com cada caso que pegam.

— Não é à toa que aquela menina tem estado tão grudada nele. Vocês viram que eles chegaram juntos? E aquela coroa ridícula que ela estava usando? — a outra perguntou, dando uma risadinha. Alison endireitou os ombros, sabendo que era dela que estavam falando. — Além de iludida, deve ser uma interesseira.

— Coitado do Charles. Deve morrer de vergonha de ver a irmã se jogar para cima do amigo desse jeito.

— Ainda mais quando nem é dela que ele está a fim. Todo mundo sabe que Zaden está ficando com a Maggie, da turma de matemática. Ouvi ela contando para uma amiga que ele até foi à casa dela para estudar, se é que vocês me entendem — a primeira garota voltou a falar, em tom malicioso.

— É meio errado da parte dele ficar dando esperanças para a outra. Sei que ele tem que tratar ela bem por ser a irmã de um dos melhores amigos dele, mas está na cara que ele dá uma corda pra ela — a que tinha entrado na conversa por último estalou a língua. — Garotos bonitos sempre são sempre mulherengos. Coitada da Alesso. Ela é muito…

Naquele instante, Alison abriu a porta da sua cabine, silenciando as vozes no ato. Foi até a pia, lavou as mãos e fechou a torneira. Quando estava secando os dedos, disse, com tranquilidade:

— Quando for falar de mim pelas costas, ao menos tenha a decência de dizer o meu nome corretamente — sorriu, com ar de zombaria. — Gosto de saber que tenho fãs.

E então deixou o recinto, girando a maçaneta atrás de si com um clique suave.

Por dentro, no entanto, ela não se sentia nada suave.

Percorrendo todo o caminho de volta à sala de estar, ela tirou da cabeça a coroa que nem lembrava mais de estar usando e a deixou de escanteio em cima de um móvel qualquer. Bastava de ouvir todos aqueles boatos horríveis e guardar tudo para si mesma. Precisava tirar aquela história a limpo de uma vez com Zaden, ou iria se afundar em inseguranças e suspeitas.

Tendo-o localizado conversando com outros rapazes em uma das extremidades da sala, Alison foi andando até onde ele estava, prestes a chamar seu nome quando o entreouviu dizer:

— [...] tipo, mas ela é bonita. Também é muito legal. Eu gosto da Maggie.

Alison parou, estática, mal acreditando no que estava escutando. Não tinha sido há poucas horas atrás que ele havia dito exatamente as mesmas coisas sobre ela?

“Garotos bonitos sempre são mulherengos”, a garota do banheiro dissera. Será que Zaden era mesmo assim? Do tipo que saía repetindo uma ladainha sem nenhum fundo de verdade para todas as meninas com as quais queria ficar e depois que conseguia deixava por isso mesmo?

Não, não podia ser, repetia para si mesma. Não se deixava enganar sobre o caráter nem das pessoas que mal conhecia, – era impossível que pudesse ter se enganado tanto sobre o de alguém que passava todos os dias ao lado dela.

— E quem é aquela que estava com você quando chegou? — um dos meninos com quem Zaden falava perguntou.

— O nome dela é Alison — ele respondeu, com um sorriso na voz, e o ar subitamente se tornou mais fácil de respirar. Alison quase abriu um sorriso também, quando o loiro enfim completou: — Ela é a irmã do Charles.

Foi como levar um soco no estômago.

Não Alison, a minha melhor amiga, ou Alison, a garota que eu gosto, ou até mesmo, Alison, a minha colega.

Ela não era nada para ele. Não passava da irmã do amigo.

Tinha sido por consideração a Charles que ele a beijara? Que dissera que gostava demais dela para arriscar perdê-la? Para quantas outras tinha dito a mesma coisa?

Ela ia vomitar.

Se virando rápido demais, Alison mal conseguiu ter um vislumbre da outra pessoa que vinha em sua direção até que esta acabasse esbarrando nela, derramando em sua roupa todo o coquetel que estava bebendo.

— Caramba! — o garoto exclamou, chamando a atenção de um bom número de pessoas. — Nossa, foi mal m-mesmo…

Alison apenas assentiu com a cabeça, passando sem dizer nada em direção à porta dos fundos, saindo para a varanda que dava para o jardim.

Era tão burra. Tão, tão, tão, tão burra. Estava odiando tanto a si mesma que queria chorar. É isso o que você ganha por confiar. É isso o que você ganha por considerar por um minuto que ele gostava mesmo de você. Todo mundo ao seu redor dizendo apenas a verdade e você que nem uma idiota se recusando a ver o que estava bem na sua frente.

— Alis! — Zaden a chamou, vindo atrás dela.

Aquele maldito apelido.

— Por que é que você me chama assim? Ninguém mais chama, então por que você chama? — se virou para encará-lo de uma vez, não sabendo de onde havia tirado forças para suprimir as lágrimas.

Ele franziu o rosto, confuso com a acusação repentina.

— O que você está querendo dizer? Eu sempre te chamei assim. Achei que gostasse…

— É, mas é feio e eu não gosto. Então só pare.

O guitarrista assumiu uma posição cautelosa, como se estivesse lidando com um animal assustado.

— Alison… o que foi que aconteceu, ma princesse? Está tudo bem? Eu fiz ou disse alguma coisa que você não gostou?

Mais um apelido carinhoso ridículo, ela pensou, engolindo toda a raiva que estava sentindo. Não iria falar para ele que sabia que não passava de uma diversão, um joguete para passar o tempo. Não importava que seu coração doesse como se uma mão cheia de espinhos o apertasse. Alison não iria decair tanto ao ponto de deixar que Zaden soubesse o quanto a afetava, o quanto ela se importava com o que ele pensava dela.

— Na verdade, tem algo que eu quero conversar com você — disse, cuidadosamente para não deixar a voz embargar. — Sobre… sobre tudo o que aconteceu hoje quando estávamos no parque.

— Certo — ele assentiu, com uma calma controlada. — Pode falar.

— Finja que nunca aconteceu.

Choque tomou as feições dele.

O quê? Mas… por quê?

— Eu… eu pensei melhor e cheguei à conclusão de que não vai ser bom para nenhum dos nossos amigos se houver alguma coisa entre nós e no final não der certo.

— E quem foi que disse que não vai dar certo? — inquiriu, chegando tão perto dela que seus corpos quase se tocaram.

Alison recuou, seus joelhos fraquejando por um instante com toda aquela proximidade. Tudo o que conseguia enxergar à sua frente era Zaden e mais nada. Ela era uma garota alta, mas ele ainda conseguia ser muito maior.

— Não… — engoliu em seco. — Não é só isso.

— Então o que é, Alison? — ele exigiu, olhos azuis faiscando na escuridão. — O que é que te fez de uma hora para outra detestar um apelido que você sempre amou e me mandar esquecer do jeito como você me beijou naquele parque?

Pressionada, ela simplesmente disse a primeira coisa que veio à mente:

— Acontece que o meu irmão não gosta da ideia de você e eu juntos e, sinceramente, não acho que vale a pena arriscar a banda e a amizade de vocês dois só por causa de um beijo idiota que nem deveria ter acontecido.

Por uma fração de minuto, ela pôde jurar que viu um lampejo de dor e traição incrédula perpassar o rosto dele.

— O Charles te disse que não gostava de nós dois juntos — ele balbuciou, repetindo para si mesmo e então se voltando para ela: — Quando ele te disse isso?

Algo no modo como Zaden havia lhe perguntado aquilo, com a voz e o olhar tão repletos de decepção, fez com que ela se sentisse suja por envolver seu irmão naquela mentira.

Mas agora não podia mais voltar atrás.

— Não… não importa quando — Alison respirou fundo, sentindo a cabeça latejar. — Eu só não quero mais falar disso. E também acho que seria melhor para nós dois se você parasse um pouco de vir à minha casa.

Ele pressionou os lábios em uma linha fina.

— Ok, já entendi. Você não quer nem que eu pise na sua casa.

— É claro que você não precisa se preocupar comigo frequentando a sua casa também.

— Nossa. Que alívio.

Ela se encolheu, pensando em todas as vezes durante esses dois anos em que tinha ido à casa de Zaden. Em como tinha feito amizade com suas irmãs e se aproximado dos pais dele, em como com o passar do tempo aquela tinha virado uma espécie de segunda casa para ela. Tudo por causa de alguém que nem sequer a considerava sua amiga. Era tão humilhante que a deixava doente.

Quanta dó dela será que ele sentia para ter fingido gostar da sua companhia por tanto tempo?

Que se dane, Alison pensou, se obrigando a parar de sentir pena de si mesma. Agora está tudo acabado.

— Eu vou embora agora — disse a ele, andando em direção à porta.

— Você não precisa ir.

Ela parou, se virando para olhá-lo uma última vez, com o sorriso mais sereno que conseguiu simular.

— Não. Mas também não posso ficar.


🎸

A fachada de inexpressividade de Alison suportou todo o caminho de volta para casa, todas as perguntas de Charles sobre o porquê de ela estar tão estranha e até mesmo os minutos que passou debaixo do chuveiro.

Contudo, quando ela foi deitar para dormir e sentiu o frio do pingente da corrente da amizade que havia comprado para Zaden com suas próprias economias contra o peito, o choro entalado na sua garganta finalmente se deixou sair.

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