INTERLÚDIO
10 de Agosto de 2018, Mansão LeBlanc
Zaden ergueu discretamente o olhar das cordas da guitarra em seu colo para fitar o rosto de sua melhor amiga, que parecia absorta em pensamentos enquanto folheava uma de suas muitas revistas de moda – ela sempre carregava uma dessas consigo, não importava qual fosse o lugar onde estivesse. Era seu material de leitura favorito.
— Preciso da sua opinião — ela disse, de repente, se levantando da cadeira onde estava sentada à escrivaninha dele. — Você acha que eu ficaria bonita com um penteado desses? — indagou, virando a revista para que ele pudesse ver uma modelo negra com o cabelo todo dividido em longas e finas tranças.
O rapaz percorreu com os olhos o cabelo de sua amiga, todo preto e comprido, descendo em longos e definidos cachos até um pouco mais da metade de suas costas.
Ele adorava o cabelo dela.
— Acho que você sabe a resposta, Alis — sorriu de lado, antes de voltar sua atenção ao instrumento em suas mãos. — Você fica bonita de qualquer jeito.
— Eu fico, não é? — ela disse, satisfeita, mais para si mesma do que para ele, apertando a revista contra o peito enquanto girava pelo quarto. — Você tem toda a razão, Zay. Está decidido: eu vou fazer tranças! Talvez até mude a cor do cabelo. São tantas possibilidades!
Zaden riu baixinho, inebriado por toda a eletricidade que emanava da aura ao redor dela; uma das coisas que mais admirava em Alison era o fato de que ela sempre parecia estar pronta para tudo, sem nunca considerar que nada pudesse ser capaz de atrapalhar seus objetivos – se ela queria, ela conseguia e era simples assim. Era muito determinada.
E ele completamente apaixonado.
Fazia tempo que sabia que gostava dela: ele havia se dado conta disso em um dia como outro qualquer, quando estavam ouvindo música em seu quarto e ela o puxou pela mão para que dançassem juntos. Aquilo não deveria ter sido nada demais: eles sempre tinham sido parceiros de dança. Alison montava a coreografia, ele tendia a adicionar alguns passos novos e os dois se divertiam horrores enquanto executavam sua performance.
Mas aquela vez havia sido diferente das outras. Nunca antes eles tinham dançado um de frente para o outro, uma das mãos dele na cintura de sua amiga enquanto a outra se mantinha entrelaçada aos dedos dela, compartilhando a mesma respiração e sem quebrar o contato visual.
E foi então que, ao estar tão próximo de Alison, Zaden finalmente passou a notar pequenos e adoráveis detalhes a respeito dela que sempre haviam lhe passado despercebidos: o rosto em formato de coração, os olhos castanho-escuros cheios de vida, a textura e tonalidade perfeita da pele dela, tão marrom quanto chocolate quente, e o quão belos e bem desenhados eram os seus lábios.
Àquele ponto de sua vida, Zaden já tinha achado muitas garotas bonitas antes, mas aquela era a primeira vez que uma o fizera ter arrepios.
Ele queria tanto beijá-la que chegava a doer.
No entanto, não podia simplesmente agir por impulso e encostar a boca na dela: ele tinha que ter certeza de que seria mútuo. Mesmo que no fundo tivesse suspeitas de que seus sentimentos fossem recíprocos, não podia arriscar nenhum mal entendido; além de ser a irmã de um dos seus melhores amigos, Alison era a única pessoa que o entedia por completo. Ele não podia pisar na bola com ela.
Mas isso não significava que também não podia flertar e jogar verde o quanto quisesse.
Discretamente, é claro.
— Ei, Alis — o loiro começou, enquanto dedilhava o início de uma nova melodia em sua guitarra.
— Hmm? — ela murmurou, de volta à atividade minuciosa de examinar as páginas de sua revista.
— Você alguma vez já... sei lá, parou para pensar em como seria se nós fôssemos um casal?
— De novo com essa pergunta? — a garota ergueu uma sobrancelha na direção dele, fechando a revista lentamente. — Você anda meio obcecado com isso ultimamente.
Ok, talvez ele não fosse tão discreto quanto pensava.
— Não é obsessão — desconversou. — É só curiosidade. Já que você nunca me responde.
Alison cruzou o braços.
— Eu não respondo porque não sei aonde você quer chegar com isso.
— E se soubesse?
— Daí ficaria muito mais fácil te dar um retorno — foi a resposta dela, acompanhada de um sorriso inocente.
Espertinha, Zaden pensou, com um sorriso astuto. Eram essas e outras evasivas que alimentavam a teoria dele de que Alison sabia precisamente o que ele sentia por ela – e que se fazia de desentendida de propósito para que ele admitisse de uma vez.
Só que, quando as coisas eram postas daquele jeito, parecia que tudo se tratava de uma competição para ver quem cederia primeiro. E por Deus, Zaden não queria perder a chance de ouvir uma declaração direta dela.
Ele contava nos dedos de uma mão as vezes em que tinha visto Alison agir pelo emocional ao invés de seguir a razão. Raramente Zaden conseguia arrancar dela alguma demonstração de afeto; na maioria das vezes tinha que ler nas entrelinhas para perceber que ela estava sendo carinhosa – e estava tudo bem. Era o jeito dela, e ele respeitava.
Só que às vezes ouvir uma palavra de afirmação da pessoa que gostávamos para saber que também éramos importantes para ela se tornava necessário.
— Vamos, Alison — disse ele, com sua melhor expressão de súplica. — Você não vai morrer se me der uma resposta, vai?
A garota deixou a pergunta dele em suspenso por um momento antes de finalmente se dar por vencida:
— Que seja — ela suspirou, revirando os olhos. — Eu acho que, se fôssemos um casal, seria...
— Seria...? — ele incitou, ansioso.
— Essa pergunta é um tanto capciosa, você não acha?
Zaden bufou, incrédulo.
— Desisto. Você não tem jeito.
— Você não tem jeito — Alison riu, se levantando. — Ei, o que você me diz de irmos ao parque no domingo? Sei que você disse que não iria fazer nada pro seu aniversário, mas poderíamos ao menos nos divertir um pouquinho juntos.
O garoto também se levantou, apoiando a guitarra em um dos suportes que tinha na parede. Ele sabia que ela estava mudando de assunto, mas resolveu não insistir. Além do mais, se não estivesse sofrendo de alucinações, tinha acabado de receber um convite para sair da menina por quem estava apaixonado. Talvez pudesse tirar alguma vantagem disso. Parques de diversões tendiam a ser cenários bem românticos.
— Eu iria gostar muito. Mas... — Zaden tossiu, fingindo uma coceira na garganta. — Nesse passeio seríamos só você e eu ou teria mais alguém com a gente? Só estou perguntando para o caso de...
— Seríamos só você e eu, Zay — ela disse, estreitando os olhos com divertimento: — A não ser que você queira chamar mais alguém...
— Só nós dois está bom — ele se apressou em dizer.
— Ainda bem, porque ter que te aguentar já acaba com toda a minha capacidade de socializar com outros seres humanos. Deus me livre se você quisesse chamar um grupo grande de amigos — falou, colocando uma mão dentro do bolso do casaco azul que estava usando e retirando de lá uma caixinha retangular presa por um laço branco. — Mas eu provavelmente faria um esforcinho por você, já que é o seu aniversário.
— O que é isso? — Zaden perguntou, mal contendo o sorriso enquanto sentia os dedos de Alison tomarem os seus e depositarem o pequeno embrulho no centro da palma da mão dele.
— É o seu presente, bobinho — a morena riu, revirando os olhos. — Quer dizer, eu sei que o seu aniversário é só daqui a dois dias, mas a minha encomenda chegou hoje, então... Eu não preciso nem dizer que morreria de ansiedade se tivesse que esperar até lá para te mostrar.
— Isso quer dizer que já posso abrir?
— Dã. É claro que pode! Vai, vai, abre logo.
Desfazendo o laço da caixa cuidadosamente, o rapaz mal acreditou quando a abriu e pôs os olhos em seu conteúdo. Ali dentro, descansando sobre um forro preto de veludo, havia uma corrente prateada com um pingente na forma de uma palheta de guitarra dividida pela metade. Retirando-a da caixa e girando-a entre os dedos, ele notou as pequenas letras que estavam inscritas na prata:
A+Z
— Alis, você não... — Zaden deixou um riso perplexo escapar. — Mas quando eu falei a respeito você disse que era a ideia mais brega que já tinha ouvido em toda a sua vida!
— Eu sei, mas... — sua amiga hesitou, corando levemente, e uma sensação borbulhante de triunfo se agitou no peito dele por ter tido esse efeito sobre ela. — Você acha que é legal. E é o seu aniversário, então eu resolvi que valia a pena fazer o sacrifício — ela empurrou o ombro dele de brincadeira. — E então? Você gostou? Ou agora que tem um também concorda comigo sobre ser a maior breguice?
— Se eu gostei? — Zaden indagou, descrente. — Eu amei, Alison. Foi o presente perfeito. Onde está o seu? Eu posso ver?
A garota colocou as mãos sob a gola da blusa que estava usando, revelando uma fina corrente prateada idêntica a que ele tinha nas mãos, com a metade que faltava da palheta.
— Você ainda está duvidando que eu... Ai! — ela soltou um gritinho de surpresa quando ele a ergueu nos braços, girando-a no alto. — Zaden! Você vai derrubar a nós dois, seu desastrado! Zadeeeen!
Ele a colocou no chão, não sem antes abraçá-la apertado contra si. Os abraços que dava em Alison sempre eram demorados, porque ela levava algum tempo para relaxar e abraçar de volta. Quando ele sentiu as mãos dela em suas costas, respirou fundo de satisfação.
— Você gostou mesmo, não foi? — ela riu baixinho, a voz soando abafada por estar com o rosto encostado no peito dele.
— Tá brincando? Ninguém nunca me deu nada assim — ele sorriu, mal se aguentando de felicidade. — E "A + Z"? Somos a primeira e última letra do alfabeto. Você não acha que há alguma poesia nisso?
Alison se desvencilhou dos braços dele, ajeitando um amassado invisível em sua roupa. Ela e o irmão tinham a mesma necessidade de estarem sempre impecáveis quando se tratava do que estavam vestindo.
— É, talvez haja mesmo alguma poesia — ela suspirou. — Fico feliz por você ter gostado. Quer dizer, eu sabia que você provavelmente gostaria, mas não sabia que seria tanto assim. E pensar que desisti da ideia várias vezes antes de finalmente me decidir.
O rapaz franziu a testa, confuso por um instante.
— E por que pensou em desistir? Eu já teria te dado um desses há séculos se você não vivesse dizendo que achava ultrapassado.
— É que... quando você falou que deveríamos ter alguma coisa assim eu só supus que estivesse tirando sarro. Você sabe o que as pessoas ficam dizendo na escola... — ela desviou o olhar, interrompendo a si mesma no meio da frase.
— Não. Eu não sei. O que as pessoas dizem na escola?
— Quer saber? Não é nada.
— Alison. O que as pessoas dizem na escola?
— Não é nada de importante, Zay. Eu nem sei porque toquei no assunto — Alison abriu um sorriso, tocando o braço dele — Mas então... você não vai colocar a sua corrente?
Zaden sabia que havia alguma coisa que ela não estava lhe dizendo. E ele poderia ter insistido ou a persuadido a dizer a verdade, mas resolveu simplesmente deixar para lá; aquela era Alison, afinal. Sua melhor amiga. Contaria a ele quando estivesse pronta para dividir o que quer que a estivesse preocupando. Não havia nada que não fizesse por ela.
Ele passou a corrente com as iniciais deles pelo pescoço.
— O que você acha, Alis? Agora que temos um desses, nada vai nos separar, não é mesmo?
Ou ao menos foi o que ele pensou.
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