CAPÍTULO 9
Surpreendentemente, o restante da minha aula com Zaden correu exatamente como era de se esperar de uma aula particular: sem a ocorrência de nenhuma piadinha inconveniente, nenhum tipo de distração ou interações envolvendo contato físico acidental, – apenas duas pessoas sérias e focadas em estudar francês, bem do jeito que eu queria. Estava crente de que Zaden não duraria cinco minutos no papel de ser meu professor, mas acabei por estar enganada; ao menos para o primeiro dia, não havia quaisquer reclamações que eu pudesse fazer a respeito dele.
O que de alguma forma conseguia ser ainda mais irritante do que se ele tivesse cometido algum erro de conduta.
Criticá-lo obviamente havia se tornado um hábito.
— Mãe! Pai! — exclamei, assim que entrei em casa, na intenção de avisá-los sobre a minha presença. — Já cheguei!
Sem esperar por uma resposta, sigo para o meu quarto. Mais cedo, quando saí de casa, os dois tinham acabado de entrar em uma reunião acalorada no escritório sobre a nova coleção de bolsas que está para ser lançada pela Walters Grife, e costuma levar horas até que eles entrem em consenso a respeito dos modelos e do material que será usado na confecção – papai e mamãe são ambos extremamente perfeccionistas, o que pode ser uma característica positiva em alguns aspectos, mas bem negativa em outros: eles são tão fixados na ideia de atingir a perfeição que acabam exigindo demais tanto de si mesmos, quanto de todos que estão ao redor. Eles são tão críticos sobre tudo que acabaram passando essa mania de perfeccionismo para Charles e eu, o que fez com nós dois crescêssemos com a ideia de que precisávamos ser impecáveis em qualquer coisa que nos dispuséssemos a fazer.
No meu caso, é mais uma pré-disposição a me esforçar para ser boa em tudo: preciso manter uma rotina de treino pesada, alimentação balanceada e meditar no mínimo duas vezes por semana para evitar que o estresse ou a ansiedade me impeçam de fazer as coisas que tenho que fazer da melhor forma possível. Eu tenho uma agenda e procuro segui-la à risca; não é algo que me prejudique, pelo contrário: me ajuda a manter o controle.
No entanto, quando se trata do meu irmão, a coisa muda bastante de figura.
Charles sofre de Transtorno Obsessivo Compulsivo – o popularmente conhecido como TOC, – desde muito cedo. Quando eu confiro a minha roupa, trata-se apenas de estética, mas quando Charlie o faz, é pura necessidade. Ele é obcecado por buscar imperfeições nas roupas que está usando: fiapos, amassados, quaisquer costuras se desfazendo... tudo isso precisa estar em ordem para que ele consiga sair de casa. Um dia, estávamos passeando no shopping e uma mulher usando um bracelete esbarrou nele por acidente; foi um desastre. A peça ficou presa no botão do blazer que ele estava usando e a senhora, na pressa de tirar, puxou com força demais e acabou abrindo um buraco na costura. O rasgo tinha sido mínimo, ninguém conseguiria ver a não ser que se aproximasse muito, mas Charlie sabia. A consciência de que tinha algo errado com o que ele estava vestindo literalmente lhe causava sofrimento, tudo por causa da sua compulsão.
Tivemos que voltar para casa logo em seguida, porque ele estava ficando muito incomodado com a situação e a reação só tendia a piorar; essas eram somente as consequências iniciais para alguém que sofria de TOC: se o objeto da obsessão da pessoa não se encontra do jeito que deveria estar, pensamentos negativos repetitivos invadem a mente dela e começam a provocar a falsa sensação de que alguma coisa ruim irá acontecer caso ela não corrija imediatamente aquilo que está errado. Assim que chegamos, Charles foi logo atrás do seu kit de costura consertar ele mesmo o botão rasgado.
Tirando nossos pais e eu, ninguém mais sabe sobre o TOC dele, nem mesmo Sebastian, Zaden ou Loren. Meu irmão esconde a todo custo essa parte de si mesmo dos outros porque odeia que saibam das fraquezas dele, – é por esse motivo que costuma ter um comportamento mais distante no quesito tanto emocional quanto social. Charlie é dolorosamente reservado, por isso foi uma sorte muito grande ele ter feito amigos tão leais e que realmente demonstram afeto entre si. Fico triste ao pensar que sua personalidade taciturna e silenciosa talvez dificulte para ele o ato de criar laços reais com outras pessoas, mas ao mesmo tempo também sei que, quando acontecer, será pra valer.
Deus, sinto tanta a falta dele, penso, com um suspiro melancólico, quando abro a porta do meu quarto.
De onde estou, de repente me pergunto o que Zaden diria se viesse aqui e visse o meu novo quarto; o dele não havia mudado nada, mas o meu era um completamente diferente do que eu tinha na casa onde costumava morar antes dos meus pais terem condições de comprar uma maior.
No lugar da minha antiga cômoda, havia uma enorme penteadeira de madeira reflorestada onde eu mantinha meu hidratante de morango, protetor solar e gloss labial (as três coisas sem as quais eu não vivia), e ao invés do velho conjunto de cama floral em tons de rosa, havia um edredom preto estrelado e cortinas brancas cobrindo as grandes janelas de vidro entre as quais havia uma linda poltrona estofada com apoio para os pés onde eu sempre me sentava para ler minhas revistas de moda favoritas – Vogue, W, ELLE, as coleções especiais da Dior e Chanel e etc. Haviam duas portas adjacentes no cômodo, uma para o banheiro e outra para o closet, que era uma sala com aproximadamente metade do tamanho do meu quarto, cheia de espelhos e barras. Era lá que eu mantinha a minha preciosa coleção de sapatilhas de balé, numa prateleira de vidro no alto, cada par guardado em uma caixa de madeira personalizada.
Sinto meu rosto queimar com a lembrança que surge em minha mente de quando contei a história de cada uma delas para Zaden. Sacudo a cabeça, querendo apagar a memória. Que vergonha colossal você passou, censuro a mim mesma, retirando o livro de contos infantis franceses que ele havia me emprestado da bolsa e o deixando na minha mesa de cabeceira.
Deito na cama, respirando fundo antes de checar as horas no celular. São cinco e meia da tarde, o que significava que eram dez e meia da noite na Inglaterra. Mando uma mensagem para Amélia perguntando se ela está acordada. Nem dois minutos se passam antes que meu telefone comece a vibrar com a ligação dela. Abro um sorriso, repentinamente animada.
— Como vai, Senhorita Co-presidente?
Ela riu.
— Sebastian não consegue ficar de boca fechada, consegue? Eu disse que não era grande coisa, mas aposto que ele contou para todo mundo.
Amélia e eu nos conhecemos no ano passado, quando Sebastian acabou ficando preso em uma discussão com o nosso professor de matemática e me pediu para apresentá-la aos nossos amigos no lugar dele. Quando eu a vi, ela estava com a maior cara de perdida enquanto escutava uma garota do fundamental discursar sobre como estava indignada por tê-la visto andando de mãos dadas com Sebastian, alegando que ele era o namorado dela. Tendo presenciado o suficiente de todo aquele teatro, resolvi entrar no meio para dar um basta na confusão e a coisa toda acabou sendo tão ridícula que nos rendeu boas risadas. Depois disso, a nossa amizade se desenvolveu naturalmente; em pouco tempo ela se tornou a minha amiga mais querida e sem dúvida uma das melhores pessoas que conheci na vida.
— Bem, se foi para todo mundo eu não sei, mas ele contou para o Zaden, o que é tecnicamente a mesma coisa — expliquei, antes de continuar, em tom acusatório: — O que piora ainda mais a sua traição! Como é que você entra para a presidência de um clube de escritores e Zaden fica sabendo primeiro que eu? Inaceitável e completamente ultrajante!
— Em minha defesa, era somente especulação quando o Zaden ficou sabendo. Além do mais, é temporário; só estou substituindo um colega que precisou tirar uma licença e me pediu para ficar no lugar dele. Foi um choque total quando ele disse que eu deveria assumir a co-presidência do clube durante o tempo em que ele estaria ausente! Quer dizer, fala sério. Eu ainda nem sou uma universitária — Amélia suspirou, e suspeitei que estava caminhando de um lado para o outro em seu dormitório. — Estou em Cambridge há menos de três meses e já fiz e aprendi tanta coisa! Pareceu bem assustador no começo, mas vou sentir saudades daqui quando tiver que ir embora.
— E... você já pensou na possibilidade de ficar? — indaguei, cautelosa.
— Para ser sincera? Sim. Tantas vezes que você não faz ideia — respirou fundo, o som abafado dos seus passos ao fundo parando repentinamente. — Eu me sinto tão bem aqui, Ali. Pela primeira vez na vida fiz amigos sozinha, assumi responsabilidades pondo minha própria conta em risco e fiquei vivendo sem depender de ninguém além de mim mesma. E devo dizer: é uma sensação libertadora, sabe? Porque agora tenho total consciência de que sou capaz de fazer qualquer coisa que eu quiser — ela riu, feliz. — Caramba, às vezes é difícil deixar cair a ficha de que vim para outro país sozinha!
— E pensar que você estava tremendo de nervoso no aeroporto — eu ri junto, cheia de orgulho. — Hoje em dia, se eu não te conhecesse e visse o jeito como você fala daí e as fotos que tira, não pensaria nem por um segundo que faz tão pouco tempo que está na Inglaterra! Já tinha começado a notar as mudanças em você antes mesmo da viagem, mas sinto que agora você realmente desabrochou. É tão bom saber que está se divertindo! Isso me conforta nos dias em que sinto muito a sua falta. — falei, me esforçando para não soar melancólica. — Mas então... isso quer dizer que você vai ficar, não é?
— Isso quer dizer que finalmente descobri o lugar onde quero estar.
Uau. O tom dela era definitivo: sua decisão já estava tomada.
— E você já conversou sobre isso com o Seb?
— Eu acho que agora não é o momento certo — Amélia disse, enquanto mexia em alguma coisa que eu chutei ser um livro. — Com a turnê e tudo mais, eu não quero ser uma distração. E por falar em turnê, como está o nosso guitarrista em recuperação? Ou deveria dizer... o seu professor de francês em recuperação?
Revirei os olhos, sem conter o suspiro de frustração que escapou da minha garganta.
— Meu Deus, Sebastian não consegue mesmo ficar de boca fechada, consegue? — eu resmunguei, ao passo que ela gargalhava. — O seu namorado é um tremendo fofoqueiro.
— Não posso reclamar disso. Ele me mantém informada sobre a vida de vocês — disse ela, parecendo bastante satisfeita. — Mas e aí, me conta: qual está sendo o método didático dele?
— Só se você me contar quando foi que se tornou tão baixa — repliquei, perplexa.
— Como assim? Ah, meu Deus, no que foi que você pensou?! — ela exclamou, ofendida. — Por que você e o Zaden sempre encontram maldade em tudo que os outros dizem? Nem todo mundo tem a mente suja de vocês dois!
— Ah, por favor! Você nem é mais virgem!
— Pode até ser, mas sou pura de coração — murmurou, tentando e falhando miseravelmente em manter a credibilidade. — Mas falando sério, como você acabou tendo aulas com o Zad? Porque, se me lembro bem, da última vez que conversamos sobre ele você o chamou de burro e imaturo.
— Só para deixar bem claro, não fui eu que pedi para receber aulas. Foi ele que se ofereceu por conta própria para me ajudar no francês.
Amélia deu um gritinho.
— Aposto que foi uma desculpa para passar mais tempo com você!
— Para de viajar, amiga — falei, massageando as têmporas. — Não tem nada disso. Ele só não tinha nada melhor para fazer.
— Pfft! Você é tão esperta, mas fica totalmente cega quando se trata do Zaden — ela ralhou. — Ele gosta de você, Alison. Qualquer um percebe. E digo mais: quando passei o final de semana em Nova York duas semanas atrás para assistir ao show da banda, vi ele olhando uma foto sua com a maior cara de tristeza. Estava morrendo de saudades de você!
Meu coração dispara dentro do peito, reação que eu sabiamente ignoro.
— Tudo imaginação sua. Quer dizer, pode até ser verdade que ele estava passando pelo Instagram e acabou vendo uma foto minha, mas a parte sobre estar morrendo de saudade? Faça-me o favor! Zaden deve ter olhado a minha foto e logo deslizado para ver a próxima garota que apareceria na timeline dele.
— Para de ser doida, Alison. Não há outra garota — Amélia inspirou. — Você vive dizendo que ele é o maior mulherengo, mas eu nunca o vi com ninguém. Sabe por quê? Porque ele gosta de você.
Revirei os olhos novamente.
— Amélia, Zaden não gosta de mim, tá legal? — eu disse, me ajeitando entre os travesseiros da minha cama. — Então você pode ir parando de bancar a cupido com a gente porque não vai ser dessa vez. Aliás, já que está tão empenhada nesse lance de encontrar almas gêmeas, por que você não tenta usar os seus poderes do amor com algum dos seus amigos aí do campus? Tenho certeza de que terá mais chances de ser bem sucedida arranjando alguém pra eles do que na missão de me juntar com o Zaden.
— Eu espero sinceramente que um dia você pare de ser tão cabeça dura — ela falou, finalmente aceitando a derrota. — E apesar da sua teimosia, estou morrendo de saudades suas. Queria tanto que você estivesse aqui! Espero que possamos nos ver em breve, para que eu te dê um super abraço e possa ir tomar sorvete com você naquele lugar que fomos logo antes de nos despedirmos no aeroporto. Hmm, quase posso sentir o gostinho de maracujá na boca.
— Aquele sorvete era mesmo de outro mundo — concordei, nostálgica de repente. — E a companhia era ainda melhor. Também sinto saudades suas, Ames. Sei que é legal aí na Inglaterra, mas você não pode sentir um pouco de dó da sua melhor amiga? Eu estou me sentindo meio solitária aqui.
— Talvez se você passasse mais tempo com o Zaden…
Bufei.
— É isso. Eu vou desligar.
— Por quê? Eu tenho certeza de que ele ficaria mais do que feliz em…
— Tchauzinho, Amélia.
Ela riu.
— Sério, Ali. Você não sente nada por ele?
Sinto um frio na barriga ao reviver a memória de quase tê-lo beijado hoje mais cedo. Aquilo não foi nada, digo a mim mesma. Foi no máximo um lapso de consciência momentâneo.
Isso. Não foi nada.
— De verdade, eu não sinto nada por ele. Satisfeita?
Ela suspirou.
— Se você está dizendo...
É, eu estava dizendo. E como dizia o ditado: “a boca fala daquilo que o coração está cheio.”
🎸
— Direita, esquerda, girou, alinhou o quadril e... — paro de falar e observo com atenção o meu grupo de dança concluir a parte final da coreografia. Assim que eles terminam, vou até a caixa de som e clico no botão para pausar. Respiro fundo, amarrando o meu cabelo: — Vocês estão ótimos, mas falta sincronizar o movimento da cintura com a batida da música, senão vai parecer que estamos atrasados. Vamos tentar de novo, ok? Dessa vez eu vou junto e vocês me seguem.
Volto a música alguns segundos antes do refrão e assumo meu lugar à frente do restante do pessoal, as paredes espelhadas do estúdio de dança do Instituto me dando total visão de como eles estão se saindo atrás de mim.
— Em cinco, quatro, três, dois e — deslizo para direita com um leve movimento do calcanhar e pego impulso para esquerda antes de girar e alinhar o quadril no tempo exato da batida, estalando os dedos antes de repetir a sequência mais uma vez. — Isso, Natalie! Bryan, solta um pouco mais essa cintura! Assim mesmo, vocês estão excelentes! — elogio, com um grande sorriso.
Liderar uma classe de dança é uma grande responsabilidade porque você não pode simplesmente esperar que as pessoas estejam sempre na sua melhor forma e energia; além de coreografar, é necessário ser alguém que motiva e entende as dificuldades do outro, fazendo por onde ele se sinta à vontade para pedir ajuda.
Sinto orgulho de mim mesma por saber que cada um dos integrantes da Golden Bees confia totalmente em mim para cumprir com essa missão. É uma honra ser aquela a quem procuram quando precisam desenvolver melhor uma técnica de salto ou para pegar uma parte específica da coreografia. Ensinar bem é fazer com que seus alunos se sintam confortáveis para falar com você quando necessitam de auxílio.
— Eu adorei a parte do giro, Alison — disse Olivia, uma garota que havia entrado há pouco mais de um mês no grupo, com a testa brilhando de suor. — A transição dele para o alinhamento do quadril ficou incrível!
— Obrigada. Você pegou os passos muito rápido. Continue assim — dei um tapinha no ombro dela, antes de me virar para Bryan e dizer em voz baixa: — Depois vou precisar da sua opinião com uma ideia que estou tendo para um Flash Mob.
— Vamos fazer um Flash Mob?! — ele exclamou, empolgado, atraindo a atenção de todos os outros.
— Ah, meu Deus, por favor! — Olivia imediatamente concordou.
— É sério?! Onde vai ser? — Peter indagou, curioso.
— Alison, diga que sim! — Natalie implorou.
Fuzilei o rapaz ao meu lado com um olhar e ele me deu um sorriso culpado.
— Calma, gente. Por enquanto é só uma ideia, mas acho que vai rolar — falei, numa tentativa de conter a ansiedade recém instalada. — Logo que estiver decidido, eu aviso a todo mundo, está bem?
— Eu já participei de um Flash Mob — Natalie disse, prendendo o cabelo afro em um coque alto com a maestria de uma cabeleireira de salão. — Foi muito divertido. E nem era com dançarinos profissionais. Tenho certeza de que se fizermos um, será viral. Bryan e Peter dão uns saltos que deixam qualquer um de boca aberta e você tem a mesma flexibilidade de uma ginasta. Iria ser lendário!
— Não se esqueça dos seus próprios atributos, Nat — eu lembrei, erguendo uma sobrancelha. — Você é uma bailarina nata e tem um equilíbrio corporal invejável. Merece se gabar um pouco de si mesma.
Ela sorriu, um tanto sem graça.
— Você tem razão.
— É claro que tenho — eu ri, lhe dando uma piscadela, um segundo antes de sentir um toque em meu ombro.
— Hmm, err… Alison?
Eu viro e me deparo com uma garota loira alguns centímetros mais baixa que eu, usando uma tiara preta sobre a cabeça e pequenos brincos prateados em forma de caveiras. Levo menos de um minuto para reconhecê-la; ela tem os mesmos olhos do irmão.
— Zara? — indaguei, abrindo um sorriso perplexo. — Meu Deus, é você mesmo? Está tão crescida!
— Sim, sou eu! — ela retribuiu o sorriso, parecendo aliviada. — Eu te vi saindo lá de casa ontem e quis te dar um oi, mas você parecia tão apressada que achei melhor não atrapalhar. Nossa, eu estava morrendo de medo de você não lembrar de mim!
— O quê? É claro que eu lembro de você! — falei, um pouco triste pelo fato de ela considerar a possibilidade de eu tê-la esquecido. — Na verdade, agora que estamos no mesmo bloco fica bem mais fácil de te encontrar. Mas então, como está sendo o primeiro ano? Está gostando?
Zara assentiu, com um suspiro.
— Até agora as coisas estão bem, mas eu meio que estava pensando se você não poderia me dar… alguns conselhos.
Franzi a testa, um tanto confusa.
— Claro que posso. Com o quê, exatamente? — perguntei, guiando-a até um dos bancos no fundo do estúdio de dança.
Ela baixou o olhar, o rosto repentinamente vermelho.
— É… bem, é sobre um garoto.
Ergui as sobrancelhas, surpresa com o teor da conversa. Se bem me lembrava, da última vez em que Zara e eu havíamos conversado ela tinha uma forte aversão a meninos.
— Não precisa ficar tão constrangida, sabe? Estar interessada em alguém não é grande coisa — eu a confortei, tocando sua mão. — Mas quem é o felizardo que capturou a sua atenção? Eu o conheço?
— Para ser sincera, sim — ela soltou o ar, antes de continuar: — Temos várias aulas juntos. Eu quis falar com ele desde o primeiro dia, mas ele parece ser tão fechado. Quer dizer, ele até tem um grupo de amigos, mas quando não está com eles, não fala com ninguém. Ou pelo menos eu achei que não falasse, até vê-lo conversando com você no rinque de patinação.
— Acho que já sei de quem você está falando — eu dei uma risadinha.
— Sim, é dele mesmo que estou falando — Zara assentiu, adotando ares sonhadores. — Fala sério, Alison, como ele pode ter a minha idade e ser tão lindo? Falar tão bem? Ser tão educado? Meu Deus, ele é perfeito.
— Também não é pra tanto — falei, achando graça da afobação dela. Gianluca era fofo e gentil, mas não era exatamente o garoto mais bonito e educado do mundo.
— Está vendo, é por isso que eu preciso da sua ajuda! — ela exclamou, com uma expressão de súplica. — Você é tão confiante e talentosa! Nenhum garoto consegue te deixar nervosa ou te fazer corar como uma boba. Eu quero ser igualzinha a você.
— Bem, eu…
— Ah, meu Deus, ele está aqui! — a irmã de Zaden apertou minha mão, entrando em pânico quando o primo de Loren e o amigo dele acenaram para mim da porta de entrada do estúdio de dança. — Ele está aqui e eu estou toda descabelada, sem uma gota de perfume ou maquiagem…
Coloquei as mãos sobre os ombros dela, endireitando sua postura.
— Me escuta: não é hora de surtar. Você disse que queria falar com ele, não foi? — eu questionei, ao passo que ela balançou a cabeça em confirmação. — Pois bem, essa é a sua chance. Eu vou te apresentar, você vai sorrir e vai dar tudo certo.
— Mas…
— Confie em mim, Zara. Eu não vou te deixar passar vergonha — eu assegurei, puxando-a pela mão e caminhando com ela até onde os garotos estavam.
— Viemos ver o seu ensaio, mas pelo visto chegamos atrasados — Gianluca disse, assim que nos aproximamos de onde ele estava de pé ao lado de Harvey, que parecia completamente distraído na tarefa de observar o corredor.
— Se você tivesse chegado só um pouquinho mais cedo, teria conseguido assistir — eu sorri, antes de olhar na direção de Zara, que estava quase cavando um buraco no chão onde pudesse se esconder. Eu clareei a garganta: — Ah, não sei se vocês já se conhecem, mas essa é a Zara. Ela está na mesma turma que vocês.
— Prazer te conhecer, Zara. Seu nome é bem legal — Gianluca disse, com um sorriso simpático, estendendo a mão na direção dela, que a aceitou no ato. A garota sabia mesmo como aproveitar uma oportunidade. — Me chamo Gianluca, mas pode me chamar de Luca.
— Prazer em te conhecer, Luca. Seu nome também é muito legal — ela sorriu. Sorri junto, satisfeita. Ela tinha conseguido disfarçar o nervosismo muito bem.
— Grazie. Privilégio italiano. Ah, deixa eu te apresentar — ele disse, gesticulando na direção do garoto mais alto ao seu lado. — Esse aqui é o meu melhor amigo, Harvey.
— É um prazer — ele murmurou.
— O p-prazer é t-todo meu — Zara respondeu, mal conseguindo elaborar a primeira frase. — Nós t-temos algumas aulas juntos — acrescentou, enquanto ficava vermelha como um tomate.
Ah, não, pensei, mortificada.
Não era do primo de Loren de quem ela gostava.
— Acho que lembro de você — Harvey disse, sem esboçar quase nenhuma reação. — Inglês, certo?
— S-sim! — Zara anuiu, sacudindo a cabeça como uma louca. — Isso, inglês! Aliás, eu adorei a poesia que você recitou na aula…
— Harv! — Genevieve veio correndo pelo corredor, sorrindo de orelha a orelha, os cachos do seu cabelo pulando ao redor dela. — Eu tirei a maior nota em cálculo!
E Harvey, que antes parecia uma escultura de gelo de tão sério, abriu um sorriso tão grande quanto o da amiga, agarrando-a no ar quando ela chegou até ele.
— Eu disse que você conseguiria, Gen! Parabéns, meu anjo! — ele disse, rindo, girando com ela nos braços.
Olhei para Zara de relance, sentindo meu coração se apertar ao vê-la fingir um sorriso diante da cena. Porque se já não estava antes, agora tinha ficado óbvio para qualquer um que tivesse olhos que o garoto era completamente apaixonado pela melhor amiga.
E a decepção de saber que você gosta de alguém que nem sequer te vê como uma opção é um dos sentimentos mais tristes que uma pessoa pode sentir.
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