CAPÍTULO 49


Fico presa em um engarrafamento no meio do meu trajeto até o estúdio fotográfico e chego lá com pouco mais de uma hora de atraso, coisa que definitivamente não estava nos meus planos. Quando estou atravessando as portas giratórias do prédio gigantesco no qual o estúdio estava endereçado, digito nervosamente uma mensagem para Charles avisando que já estou subindo até o andar da nossa sessão de fotos. Eu deveria ser mais corajosa e informar diretamente para minha mãe, mas estou apreensiva; em ocasiões normais, ela já teria me ligado umas oitenta vezes perguntando o motivo de eu ainda não ter chegado, mas até agora eu não havia recebido nada além de seu silêncio – o que me deixava ansiosa e sem saber qual reação esperar.

Levo minha mão até o pingente da palheta de guitarra em meu pescoço, a inscrição das iniciais "A+Z" sob a pele dos meus dedos me trazendo um conforto que é mais do que bem vindo nesse momento. Ergo o olhar da tela do telefone para procurar pelo elevador e quase me assusto ao ver Zaden de pé ao lado das portas duplas de metal, parado enquanto checa o relógio em seu pulso. Quando estou abrindo a boca para chamá-lo, ele levanta a cabeça e seus olhos encontram os meus tão rapidamente que é quase como se fôssemos ímãs inevitavelmente atraídos um pelo outro. Apesar de estar uma pilha de nervos, o sorriso que se abre em meu rosto ao caminhar na direção dele é involuntário.

— Mas que sorrisão é esse aí? — ele perguntou, vindo ao meu encontro com os cantos da boca se erguendo para moldar seu próprio sorriso. — Por acaso tem alguma fofoca quente para me contar?

Eu ri, balançando a cabeça negativamente, ainda sorrindo quando Zaden envolveu meu rosto com as duas mãos e me cumprimentou com um beijo suave nos lábios. Fiquei um pouco chateada por ter descoberto através de Bryan e Peter que ele estava organizando um plano mirabolante para me colocar de volta na apresentação do Festival de Arte do Instituto – ainda mais depois de eu ter pedido para que não se envolvesse, – mas a verdade era que eu não tinha a força de vontade necessária para ficar brava com Zaden. Em outro momento eu conversaria com ele. Agora, no entanto, eu preferia continuar beijando-o.

— Hmmm — ele murmurou, erguendo meu queixo para que pudesse me beijar outra vez. — Eu simplesmente adoro quando você está de bom humor. Algum motivo especial para essa recepção tão calorosa? Não que eu esteja reclamando, é claro. Só não estou acostumado.

— Nenhum motivo. Só estou feliz de te ver — admiti, quando ele pegou a bolsa que eu estava segurando e estendeu a mão para que eu entrelaçasse meus dedos nos dele. Apoiei minha cabeça em seu ombro, deixando que meu corpo pendesse para o seu lado. — Você estava me esperando aqui embaixo? — pergunto, e Zaden balança a cabeça afirmativamente, esticando o braço para apertar o botão do elevador. — Desculpa por demorar tanto. Eu peguei um tremendo engarrafamento pra chegar aqui. Mamãe deve estar subindo pelas paredes por causa do meu atraso.

Ma belle, você não precisa se desculpar. Não é sua culpa que o trânsito esteja uma merda. Se eu soubesse, teria ido buscar você para que não tivesse vindo sozinha — ele disse, no instante em que as portas do elevador se abriram para que nós entrássemos. Já dentro da cabine, Zaden apertou o botão da cobertura, o andar no qual o estúdio se localizava. — E sobre a sua mãe, bem... Digamos que ela ainda não começou a subir pelas paredes, mas está bem perto disso.

Fiz uma careta.

— Ai, Deus. Parece infantil que eu esteja com medo dela?

— Não mesmo. Ela é sua mãe. E no geral, é meio assustadora — Zaden respondeu, acariciando o dorso da minha mão com o polegar. — Mas você não precisa ficar com medo, mon amour. Eu estou aqui. O seu irmão também está aqui. Se a sua mãe ficar brava, vai ficar brava com todos nós. Você não vai estar sozinha, hm?

— Mas eu fui a única a chegar atrasada. Você chegou primeiro que eu e nem vai fazer parte do ensaio fotográfico — balbuciei, inquieta, encarando os andares mudando diante dos meus olhos. — Eu deveria ter saído mais cedo. É a primeira vez que a minha mãe pede para eu fazer parte de algo importante relacionado à grife e eu chego uma hora atrasada. Se as coisas derem errado vai ser claramente culpa minha.

— Alis, vamos lá. Pare com isso — Zaden disse, me virando de frente para ele, de modo que pudesse falar olhando nos meus olhos. — Você sempre dá o seu melhor em tudo e dessa vez não foi diferente. O que te atrasou foi um imprevisto, e imprevistos acontecem e fazem parte da vida. E você está aqui agora. Vai dar tudo certo. Confie em mim.

— Mas eu nunca fiz uma sessão de fotos antes. E se eu estragar tudo por ser inexperiente? — indaguei, sentindo o pânico crescer dentro de mim.

Zaden me encarou em silêncio, abrindo um sorriso tão pequeno e adorável que provavelmente teria passado despercebido por qualquer outra pessoa que não fosse eu.

— Alison, quando eu tinha 15 anos e a banda ainda não tinha sido chamada nem para fazer um show num barzinho de esquina, você já estava se apresentando como bailarina principal no palco do maior teatro da nossa cidade. Você saltava e girava e fazia coisas que a maioria das pessoas não conseguiria fazer nem se tentasse muito. Posar para algumas fotos? Isso é moleza para alguém que nasceu para ser a protagonista — ele falou, não como alguém que tentava consolar outra pessoa, mas sim como quem constata um fato. — Agora vamos lá: cadê aquele sorriso lindo que você me deu quando chegou? Aquele que eu amo e que é só meu?

Desviei o olhar, sentindo minhas bochechas queimarem com uma súbita onda de timidez. Às vezes eu me sentia tão frágil diante de Zaden. Como se apenas um toque dele fosse capaz de me desmontar inteira em um milhão de pedacinhos.

Era meio assustador porque do lado de fora eu podia ser uma bailarina que saltava e fazia piruetas sem cometer nenhum deslize, mas o coração dentro do meu peito era uma coisinha atrapalhada que errava as batidas só de ouvir aquelas palavras saindo da boca de Zaden. Num passado não muito distante, eu usava todas as minhas forças para manter meu coração teimoso na linha, batendo calma e indiferentemente a um sentimento que vivia tentando despertar dentro de mim a todo o custo enquanto eu o sufocava até que perdesse a consciência e adormecesse outra vez. Eu não podia estar mais feliz por ter desistido de controlá-lo. Por ter finalmente me rendido a um sentimento do qual eu sentia tanto medo, mas que só estava ali para me fazer bem.

— Zaden, eu... — engoli em seco, tentando segurar as palavras que subitamente lutavam para escapar dos meus lábios. — Eu nunca fui boa em falar sobre essas coisas, mas... Você sabe que eu...

O ruído da abertura das portas do elevador preenche a cabine de metal onde Zaden e eu estamos, e meu raciocínio é interrompido quando vejo o conhecido rosto de pele negra emoldurado por um corte de cabelo chanel da estagiária-assistente da minha mãe, Melissa Lawal.

— Alison, finalmente você chegou. Preciso que você venha comigo para o camarim agora mesmo, porque precisamos fazer seu cabelo e maquiagem com urgência. A senhora Walters disse que não podemos atrasar a sessão de fotos nem um minuto a mais. Senhor LeBlanc, com licença — e sem mais, Melissa me puxa pelo braço e sai me guiando tão rápido pelo corredor que não tenho tempo nem sequer para pegar a bolsa que Zaden ficou carregando para mim.

Só consigo balbuciar para ele um "te vejo depois" antes de ser arrastada para dentro de uma sala repleta de maquiadores, cabeleireiros e estilistas, todos eles vindo para cima de mim como formigas em direção a uma migalha de bolo que caiu no chão. Eles não param nem mesmo para perguntar se estou bem: só me sentam em uma cadeira e começam a pincelar meu rosto e puxar meu cabelo para cima e para baixo no que acredito ser um penteado já decidido. Com a quantidade de gente e a velocidade com a qual eles trabalhavam, não demora muito até que eu esteja de pé no meio do camarim apenas usando minhas roupas de baixo, de braços erguidos enquanto um suéter de caxemira branco é ajustado ao meu corpo e um colete de alfaiataria azul é passado pelos meus ombros, ao mesmo tempo em que uma saia é aberta para que eu coloque meus pés dentro. Uma meia calça preta e um par de botas de vinil de cano longo também são acrescentadas ao look, assim como um casaco pesado do mesmo tom de azul do colete que eu estava vestindo por cima do suéter.

Quando finalmente sou liberada para o estúdio fotográfico – que possuía cinco vezes o tamanho do camarim – me vejo cercada de câmeras, computadores, refletores, ventiladores e todo tipo de parafernália utilizada em sessões de fotos. Apesar de haver uma grande parte do pessoal responsável pela produção e da equipe de fotografia, não demoro a encontrar Charles parado em uma extremidade do salão do estúdio ao lado de mamãe e de Melissa, sua estagiária-assistente. O meu irmão estava com o braço esticado enquanto mamãe ajeitava uma abotoadura na manga de seu sobretudo e Melissa dobrava a barra das suas calças.

Respiro fundo enquanto abro caminho até eles.

— Oi. Está tudo bem? — pergunto, olhando de Melissa agachada no chão aos pés de Charles para o rosto do meu irmão e então para o de nossa mãe. — Precisam de alguma ajuda?

— Não se incomode, Alison — mamãe respondeu, sem se importar em olhar para mim, dando um ajuste final na manga de Charles antes de se afastar e avaliar seu trabalho, aparentemente satisfeita com o resultado. — O que eu precisava era que você chegasse na hora, mas como você não foi capaz de honrar com um simples horário, não se incomode em oferecer ajuda em outras áreas que não lhe dizem respeito. E Melissa, levante-se e pare de mexer na barra dessa calça, pelo amor de Deus! — ralhou, antes de dar as costas e sair gritando ordens para um homem que estava levando uma arara de bolsas para a direção errada.

Encolhi os ombros, constrangida por ter sido repreendida daquela maneira na frente de outras pessoas.

— Não se deixe abalar por causa desses comentários infelizes. Ela está azeda com todo mundo — Charles disse, tirando um fiapo invisível de seu sobretudo azul na mesma paleta de cor daquele que eu estava usando. — E você está linda.

— Obrigada — falei, tentando seguir o conselho dele e não demonstrar meu desconforto, ainda mais diante de Melissa. — Você também está uma graça com esse cabelo — eu disse, indicando os cachos de Charles, que haviam sido todos penteados para trás com algum tipo de creme que os deixavam com a aparência de molhados e enroladinhos apenas na base do seu pescoço.

— Não é? Charles parece ter nascido para usar o cabelo assim — Melissa respondeu, deixando de mexer na barra da calça do meu irmão para ficar de pé ao lado dele com um sorriso orgulhoso. — Os cabeleireiros também elogiaram muito o resultado. Ele foi a escolha perfeita para o anúncio promocional da coleção de bolsas da Walters Grife. Tenho certeza de que vai ser um sucesso. Ah, olhem! O fotógrafo já está chamando vocês. Boa sorte, Charles. Você vai arrasar — concluiu, dando um toque no ombro do meu irmão antes de se juntar ao restante da equipe nos bastidores.

Olhei torto para as costas dela, antes de me virar para Charles e dizer:

— Eu não engulo essa garota. Ela é abusada, dá em cima de você descaradamente e finge que eu nem existo. E esse estágio dela não já está durando mais de um ano? Quando ela vai dar o fora da empresa? A mamãe nem gosta dela — sussurrei, enquanto nós dois andávamos na direção que o fotógrafo tinha acabado de indicar. — Você precisava ter visto: quando eu cheguei com Zaden, ela me arrancou para fora do elevador como se eu fosse a funcionária da mãe dela e não o contrário. Se eu não tivesse chegado tão atrasada, teria colocado ela no lugarzinho dela bem rapidinho.

— Eu não sei por qual razão você se dá ao trabalho de se irritar. Melissa é bonita, mas a personalidade dela é cansativa. E não é só porque ela dá em cima de mim que eu vou magicamente namorar com ela — Charles deu um sorriso divertido, cutucando minhas costas. — Até porque, se eu entrasse em um relacionamento com cada garota que já se interessou por mim, você teria uma coleção de ex-cunhadas. Então faça um favor a si mesma e não se desgaste sentindo ciúmes do seu velho e pobre irmão. De agora em diante, concentre-se apenas no seu namorado bem ali — ele disse, apontando para Zaden com o queixo, que estava mais ao fundo perto das paredes do estúdio, cercado de umas cinco mulheres da produção que só faltavam babar em cima dele.

Revirei os olhos diante da cena.

— Você é péssimo, Charles — eu o informei.

— Sou irmão de quem? — ele devolveu, sarcástico.

— Muito bem, pessoal, vamos começar! — o fotógrafo bateu palmas, chamando a atenção de todos. — O conceito que Lucy pediu foi algo que remetesse diretamente às estações, para mostrar que a nova coleção de bolsas Walters é uma opção para todos os períodos do ano. Vamos começar com o inverno. Podem trazer as bolsas escolhidas.

A bolsa de Charles era um modelo na cor preta cuja alça passava pelo ombro, com acabamento em veludo e zíper e puxadores prateados. A insígnia do "W" de Walters estava costurada em relevo na frente da bolsa, em elegância destacada. O modelo que havia sido escolhido para mim foi uma bolsa de mão toda de couro e em formato baguete, com minúsculos pingentes com a letra "W" nos puxadores do zíper, o que adicionava um toque moderno e jovial à peça.

Charles e eu posamos sentados, em pé, andando, pulando e até mesmo em queda livre, com um colchão de amortecedor para nos proteger do impacto. No fim, Zaden tinha razão: a troca de roupas, de maquiagem e de cabelo foi trabalhosa e cansativa, mas posar foi fácil. O fotógrafo responsável pelo ensaio até comentou que era difícil de acreditar que meu irmão e eu já não tínhamos posado antes, dada à nossa naturalidade e desenvoltura em frente às câmeras. Mamãe, que observava todo o processo com olhos de águia, também parecia pensar o mesmo, ainda que de braços cruzados e rosto inexpressivo. Não criticar era o jeito dela de mostrar aprovação.

A última foto do ensaio foi tirada quando Charles e eu estávamos usando nossas roupas da coleção de primavera, ele usando uma roupa em tons pastéis de verde e branco e eu usando um vestido rodado estampado de flores nas cores rosa e vermelho.

— E terminamos por aqui, pessoal! É isso que eu chamo de trabalho concluído com sucesso. Já temos as fotos da nossa campanha! — o fotógrafo e diretor de imagem anunciou, o que gerou uma grande salva de palmas de todos os trabalhadores e assistentes ao redor. — Podemos começar a guardar os equipamentos e recolher os figurinos.

Bati palmas em conjunto com a equipe, sorrindo abertamente para cada um deles. Eu já tinha sido responsável por atrasar o trabalho deles, então o mínimo que podia fazer era me certificar de demonstrar o quanto eu havia apreciado toda a sua dedicação.

Mon étoile. Aí está minha estrela — me virei ao som da voz de Zaden, que estava atrás de mim segurando um copo de matcha latte cheio de gelo. Em algum momento ele devia ter saído do estúdio e eu nem percebi. — Eu imaginei que você estaria com sede quando tudo acabasse — ele disse, indicando a bebida em sua mão.

— Imaginou certo — eu sorri, indo ao seu encontro e envolvendo sua cintura em um abraço enquanto ele erguia o copo até que meus lábios conseguissem alcançar o canudo para um gole. — Hmm, bem geladinho! Obrigada. Está uma delícia.

— Você também está deliciosa nesse vestido — Zaden murmurou, com a boca próxima do meu ouvido.

— Só a Alison sente sede agora? — Charles ergueu uma sobrancelha escura em zombaria. — Você podia ter pelo menos fingido se importar comigo e me trazido, sei lá, uma garrafa de água mineral.

— Foi mal, Chuck, mas eu só tenho duas mãos — Zaden disse, com um quê de desculpas. — Uma para segurar a bebida da minha garota e a outra para segurar garota — declarou, deslizando a mão pela minha cintura lentamente, seu toque deixando um rastro de calor através do tecido do vestido que eu estava usando. — E tem um frigobar bem ali. É só ir buscar.

— Seu espertinho de merda. Fica aí com essa cara de idiota e peito estufado igual a um pavão só porque sabe que a Alison vai te defender — Charles deu uma risadinha, antes de ficar subitamente sério: — Mas lembre-se de que a minha irmã não vai estar do seu lado o tempo todo. Se eu fosse você, dormiria de olho aberto na nossa próxima turnê — alertou, passando por nós dois em direção ao frigobar no canto do estúdio.

Eu ri, achando toda aquela troca de farpas hilária, ao passo em que Zaden discretamente chegou para mais perto de mim.

— Acho que o seu pai é literalmente o único integrante da família Walters do qual eu não sinto medo — disse, inclinando o rosto na direção da minha bebida e tomando um pequeno gole. Ele ergueu as sobrancelhas, parecendo surpreso. — Até que esse negócio aqui não é tão ruim quanto parece.

— Pode tomar mais, se quiser. Você tem que começar a beber outras coisas que não sejam álcool e chocolate quente.

— Pfft. Eu também bebo água — resmungou, antes de dar mais um gole na minha bebida. — Mas você tem razão. Tenho mesmo que me alimentar melhor. Já quebrei o braço, não posso me dar ao luxo de ficar doente também. E como fui oficialmente liberado para voltar a fazer musculação, vou voltar para academia. Acho que isso quer dizer que seremos parceiros de treino... — Zaden disse, enrolando um cacho do meu cabelo em seu dedo indicador. — Mal posso esperar.

— Eu também mal posso esperar para ver você choramingando pelos cantos da academia depois de ter passado dois meses sem levantar um haltere sequer — provoquei, tocando a ponta do nariz dele.

Zaden aproximou o rosto do meu, parando a uma distância tão pequena que eu conseguia sentir cócegas com a respiração dele na minha pele.

— Eu aguento o tranco se a recompensa for ter você como personal trainer — devolveu, beijando o cantinho dos meus lábios.

— Eu já falei que te odeio hoje? — sussurrei, com os olhos fixos nos dele, que brilhavam como dois diamantes azuis. Seu sorriso malicioso estava ali, pronto para me desarmar com a aparição daquelas covinhas infames. Ele estava tão lindo. Parecia mais lindo ainda agora que era meu. — Porque eu odeio. Muito mesmo.

— Eu também te odeio. Numa escala enlouquecedora. Tanto que dói — ele respondeu, tão baixo que sua voz saiu quase como um sopro. — Vai demorar muito para que a gente possa ir embora daqui?

— Eu não sei. Acho que eu teria que perguntar a...

— Alison. Preciso ter uma palavrinha com você — minha mãe anunciou, tão alto que mesmo estando do outro lado do estúdio, fez com que todas as cabeças do recinto se virassem na direção dela.

Olhei para Zaden numa mistura de pânico com uma pitada de humor e pessimismo:

— É. Apesar da sua personalidade e ego inflado insuportáveis, foi bom te conhecer — me despedi, dando alguns tapinhas em seu ombro. 

— Aguenta firme. Ela provavelmente só vai encher o saco por causa do seu atraso e vamos estar livres. Abriu uma sorveteria nova perto daqui, sabia? Podemos ir lá depois para eu te comprar todos os sabores que você quiser em uma casquinha gigante. Então pensa no sorvete — ele disse, com aperto em minha mão.

Assenti, retribuindo o aperto na mão dele antes de cruzar o estúdio até a porta da salinha do escritório adjacente ao estúdio, onde mamãe me esperava segurando a maçaneta para que eu entrasse logo atrás dela.

Uma vez lá dentro, ela assumiu seu lugar na poltrona atrás da mesa de madeira que ocupava quase metade do escritório – que era minúsculo se comparado ao que ela possuía tanto em casa quanto na empresa. Minha mãe era alta e espaçosa. E ainda que fosse uma mulher pequena, sua personalidade por si só era capaz de preencher qualquer espaço. Assim que se acomodou, foi direto ao ponto sem rodeios:

— Estou decepcionada com você. Falei com antecedência que queria você e o seu irmão para estampar o rosto da nova campanha da Walters Grife e deixei mais do que claro o quão importante para mim era ter vocês dois nisso. Você é sempre tão pontual e organizada em relação aos seus projetos pessoais e na única vez em que preciso que você chegue na hora... — ela se interrompeu, cruzando os dedos sobre a mesa antes de erguer os olhos para que pudesse me encarar diretamente. — Sinceramente, Alison. Você acha que o que eu faço é uma brincadeira? Como o que você faz no Instituto, perdendo uma parte preciosa do seu tempo dando aulas de dança para um bando de adolescentes como se já tivesse a vida ganha?

Franzi a testa, não entendendo a razão daquele ataque repentino.

— Eu não acho que o seu trabalho seja uma brincadeira, assim como o que eu faço no Instituto também não é . E eu tentei chegar na hora para a sessão de fotos, mas tive que resolver uma pendência da equipe de dança e depois acabei ficando presa no trânsito...

— Mentira! — Mamãe acusou, dando um tapa na mesa que fez com que as palavras em minha garganta morressem com o susto. — Você acha que eu não sei que você foi suspensa da equipe de dança? Que suas notas em francês estão péssimas e o seu desempenho beira a mediocridade? Você pode até achar que é independente, mas ainda é menor de idade. Eu sou avisada de tudo o que acontece com você no colégio. Não ouse ficar bancando a garota madura e superior enquanto conta mentiras olhando nos meus olhos!

Fico sem palavras. Eu não estava mentindo; enquanto buscava provas da armação da Professora Brunet contra mim na sala dos professores, eu realmente estava resolvendo uma pendência da equipe de dança. Aquela era a única chance que eu ainda tinha de conseguir me apresentar no Festival de Arte Anual, então não podia desperdiçá-la. Contudo, eu não podia contar aquilo para a minha mãe. Era óbvio que ela não aprovaria.

— É verdade que fui suspensa da equipe de dança do Instituto, mas não estou mentindo quanto a ter me atrasado por causa disso — explico, falando com calma, tentando manter minhas emoções sob controle. A súbita explosão da minha mãe me desestabilizou. Ela não tinha um ataque desse tipo desde que eu era criança. — Eu tive que ajudar os outros com os últimos detalhes da apresentação. Posso ter sido suspensa, mas ainda fui a responsável pela coreografia. Era meu dever auxiliá-los até o fim.

— Dever? Ah, pelo amor de Deus — ela bufou, cheia de desdém. — Alison, você quer ser tratada como adulta? Ótimo, vamos bater um papo de gente grande agora. A maioria das meninas querem ser bailarinas quando crianças. Com você não foi diferente. Eu te apoiei porque teria alguma serventia. Te ensinaria sobre disciplina, postura e te faria adquirir elegância natural. Mas os anos se passaram e, quando todas as outras meninas já tinham largado o balé e seguido em frente, você quis continuar. Se apresentou em teatros, teve ótimos professores, entrou para o Instituto com uma bolsa de estudos espetacular por causa dessas habilidades e iniciou por lá o projeto de uma equipe de dança. Eu deixei você livre para se dedicar ao balé o quanto você quisesse. Mas agora vou ser sincera: cresça e esqueça isso de uma vez.

Eu abracei a mim mesma, numa tentativa de me manter firme diante daquele monte de palavras que, apesar de não serem mais do que enunciações de diferentes fonemas – palavras pequenas, descuidadas e cruéis, – me fizeram sentir como se eu encolhesse um centímetro ao ouvir cada uma delas.

— Na vida, é muito importante que saibamos reconhecer os sinais. Já faz tempo que você se dedica à dança e ainda não recebeu nenhuma oferta para estudar em uma das grandes academias de balé ou até mesmo o convite de um olheiro para fazer uma audição para algum espetáculo renomado. E agora essa suspensão. Logo no seu último ano, a menos de dois meses antes da formatura. Você não entende, minha filha? Isso é um sinal de que você precisa encerrar esse ciclo. E que precisa fazer isso o quanto antes.

— Mamãe, as coisas não são assim. Seguir carreira como bailarina sempre foi o meu sonho. A senhora sabe disso. Não pode pedir para que eu... para que eu simplesmente... — não consegui sequer finalizar aquela frase. A possibilidade de dizer adeus a um sonho que carreguei comigo por tanto tempo era dolorosa demais.

— Olha pra você, Alison. — Minha mãe continuou, gesticulando na minha direção. — Você é linda, é alta, criativa e tem um olho afiado para roupas. Seu pai é empresário no mundo da moda, sua mãe é estilista e dona de uma grife que cresce mais e mais a cada ano. Você não vê? O seu lugar é conosco, na indústria da moda. Você pode ser modelo. Você pode cursar moda. Se seguir os meus passos, pode dar continuidade à marca Walters depois de mim. Você pode ser igual a sua mãe.

Você pode ser igual a sua mãe.

A frase ecoou em minha mente, ressoando mais alto a cada repetição.

Ser igual a minha mãe. Bonita, respeitada, bem sucedida. Ausente, fria, controladora, dura, calculista, egoísta, insensível.

— E por que eu iria querer ser igual a senhora? — indaguei, sentindo o queixo tremer.

— Como é? — ela estreitou os olhos, como se duvidasse do que tinha ouvido.

— Quem disse que quero ser igual a senhora? — repeti, o nó na minha garganta crescendo mais e mais conforme eu deixava minhas emoções virem à tona. — "Eu te apoiei porque teria alguma serventia", foi o que você disse. Quer dizer que se eu quisesse fazer algo que a senhora não considerasse útil, a minha vontade teria sido simplesmente ignorada? Eu sou um ser humano. Não sou um robô. Não fui configurada para satisfazer seus desejos, suas ambições — falei, me sentindo patética por conta do tom embargado da minha voz. — E como pode dizer que me apoiou no balé só porque pagou pelas minhas aulas? A senhora nunca foi me ver no palco. Os pais de todas as minhas colegas estavam lá, mas a senhora nunca estava. Todas recebiam enormes buquês de flores no camarim, mesmo que fossem só parte do corpo do balé. Eu era a prima ballerina em quase todas as minhas apresentações e o máximo que recebi foi uma rosa solitária ou o cumprimento do pai ou da mãe de uma amiga. Porque a minha própria mãe nunca estava lá! — gritei.

— Eu estava cuidando da minha carreira! A vida não é um conto de fadas, Alison! Adultos têm obrigações! — ela gritou de volta.

— Os seus filhos deveriam ser a sua maior obrigação! Mas Charles e eu nunca viemos em primeiro lugar, nem para a senhora e nem para o papai. Foi por causa de vocês dois que amadurecemos rápido demais e aprendemos a não dar trabalho, a não choramingar, a nunca questionar. Tudo por uma gota da sua aprovação. Por uma migalha da sua atenção. E tudo o que recebemos foram cobranças. "Sejam os melhores na escola, os mais bem vestidos, os mais comportados, os mais elogiados, os mais perfeitos." Eu nunca fui boa o suficiente aos seus olhos, por mais que me esforçasse — balancei a cabeça, deixando as lágrimas que pendiam dos meus olhos pingarem no chão. — Achei que algum dia conseguiria te fazer sentir orgulhosa, mas se para isso tenho que desistir da única coisa na vida que faço por mim mesma, a resposta é não. Para mim já chega.

Minha mãe me fitou, com o rosto vermelho de raiva e a respiração entrecortada de quem estava se contendo muito para não gritar.

— Achei que você pudesse ser como eu, mas você é uma fracote. Uma chorona iludida por sonhos de criança — disse, soltando o ar controladamente. — Já que "para você já chega," peço encarecidamente que deixe a chave do carro que os seus terríveis pais lhe deram e bloqueie seus cartões de crédito para que eu não tenha que me dar ao trabalho de pedir para a minha secretária fazer isso. Seu aniversário de dezoito anos é em algumas semanas mesmo. Sinta-se livre para correr atrás do seu sonho por conta própria. Longe de mim pensar em interferir — concluiu, com um sorriso sereno.

Eu assenti, nem um pouco surpresa. Era a cara dela achar que conseguiria me manipular a fazer o que ela queria me deixando sem dinheiro. Grande erro.

— Eu tenho muita pena de você — falei, já me direcionando para a saída do escritório. — Espero que use meus cartões de crédito ou venda o meu carro e pegue o dinheiro para começar a se tratar — completei, sem esperar por sua resposta e batendo a porta estrondosamente atrás de mim.

Atravesso o estúdio como um furacão, a passos tão largos que não vejo nada além do caminho à minha frente. Vou direto na direção do camarim, onde deixei meu uniforme e os sapatos que estava usando antes de me trocar para a sessão de fotos. Quando abro a porta, me deparo com três dos figurinistas e duas maquiadoras, mas tudo o que quero é ficar sozinha.

— Vocês podem me dar licença por um minuto? — pedi, me esforçando para não alterar a voz e acabar sendo grosseira com quem não tinha nada a ver com o meu drama familiar.

— É que nós temos que...

— É só um minuto. Só enquanto eu me troco. Por favor — pedi novamente.

As maquiadoras se entreolham e saem em silêncio, mas um dos figurinistas ainda me lança um olhar torto antes de ir embora. Quando começo a puxar o zíper lateral do vestido, a porta do camarim se abre novamente e estou pronta para mandar todo meu autocontrole para os ares e gritar para me deixarem em paz quando escuto a voz de Zaden:

— Alis, está tudo bem? Chamei seu nome lá fora, mas você passou tão rápido que acho que não deve ter ouvido... — ele começa, deixando a frase em suspenso por um segundo ao notar que estou me despindo. — Perdão, eu não tinha visto que você estava se trocando. Eu volto outra hora...

— Não. Pode ficar aí. Eu não vou demorar — digo, me esforçando para não encontrar os olhos dele e acabar deixando-o perceber o quão desestabilizada eu estou. Termino de tirar o vestido e tento não focar no fato de que estou só de calcinha e sutiã na frente de Zaden enquanto pego a pilha com o meu uniforme dobrado e passo a saia quadriculada pelas minhas pernas, seguida da camisa e então do blazer.

Quando vou me abaixar para soltar as tiras dos sapatos de salto que eu estava usando, Zaden vem rapidamente na minha direção e se agacha diante de mim para afrouxar os nós ao redor dos meus tornozelos, segurando minha panturrilha com delicadeza enquanto desfaz os laços com muito mais habilidade do que eu esperava.

— Obrigada, Zay — murmuro, quando ele massageia meus pés levemente antes de vesti-los com as meias e colocá-los dentro dos mocassins que eu estava usando antes.

— Para que mais um homem serve, senão para servir sua mulher? — ele brincou, afastando o cabelo loiro dos olhos antes de olhar para mim com um sorriso tão lindo que me deu vontade de chorar. Zaden franziu a testa, ficando de pé no mesmo instante. — O que aconteceu?

— Basicamente? Eu meio que fui expulsa de casa. Mamãe disse para eu devolver meus cartões de crédito, meu carro e não contar mais com ela para nada — eu ri entre lágrimas, tamanho o absurdo daquela afirmação. A vida era mesmo imprevisível. — Você pode me dar a minha bolsa, por favor? — pedi, ao passo em que Zaden apenas a entregou para mim, completamente perplexo. Não que eu estivesse muito diferente dele. — Aqui estão as chaves do carro e todos os cartões de crédito que eu tenho — falei, abrindo a carteira e retirando todos eles. — Você pode entregar ao Charles por mim? Se ele me ver assim, vai querer fazer uma cena e discutir com a mamãe por minha causa e eu não estou com cabeça para isso. Só quero ir embora pra bem longe daqui.

Zaden assentiu, tirando do bolso traseiro da calça uma outra chave de carro e colocando-a na palma da minha mão.

— Eu não vim de moto hoje. Me espera no carro. É uma BMW cinza chumbo, estacionada bem na frente do prédio — ele diz, segurando a base do meu pescoço e depositando um beijo na minha testa. — Você não tá sozinha, ok? Eu já tô indo te encontrar.

Não consigo emitir nem uma palavra, só faço que sim com a cabeça, pego a minha bolsa e saio pela porta do fundos do camarim, que dá para o corredor com os elevadores. Entro na cabine e seleciono o andar do térreo no automático, totalmente aérea. Assim que deixo o edifício para trás, felizmente não demoro a encontrar o carro de Zaden. Destravo as portas do veículo, deslizo pelo banco e fico em silêncio, me concentrando apenas na minha respiração. Me sinto tão enjoada. Como se eu tivesse embarcado sem trava de segurança num daqueles brinquedos dos parques de diversões em que você senta em uma cadeira e de repente é catapultado para cima, tão alto que tudo lá embaixo parece um conjunto disforme de figuras.

Só consigo sair desse estado de inércia quando ouço a porta do lado do motorista batendo e vejo Zaden sentado ao meu lado e sinto seus dedos envolvendo a minha mão. Olho para ele por um momento, sem conseguir esboçar nenhuma reação durante um minuto inteiro antes de finalmente deixar uma respiração dolorosa escapar pela minha garganta, acompanhada de um soluço alto.

— Shh, ma princesse — ele disse, me puxando para que eu descansasse a cabeça em seu peito. — Pode chorar agora. Eu estou aqui com você.

E eu choro. Por tantas razões. Mas principalmente porque sinto que perdi de vez qualquer resquício de conexão que pudesse ter com a minha mãe. E isso dói. Como dói.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top