CAPÍTULO 47
Ainda bem que – ao contrário de Zaden, – eu não caçoei de Sebastian por se emocionar ao reencontrar Amélia depois dos dois terem passado meses morando em países diferentes, porque confesso que também deixei escapar algumas lágrimas de felicidade ao abraçar minha melhor amiga após tanto tempo sem vê-la. Parecia estranho ter tal percepção só agora, mas não tinha me dado conta do quanto o ar andava meio pesado até compartilhar uma respiração com Amélia e ele subitamente se tornar mais leve.
— Você está tão linda! Eu nunca tinha visto o seu cabelo sem as tranças antes! — ela exclamou, me analisando com aqueles grandes olhos cor de mel que estavam levemente avermelhados por causa do momento de choro compartilhado com Sebastian. — É impressão minha ou você ficou ainda mais alta do que antes? Está parecendo uma modelo!
Eu ri, segurando as mãos dela.
— Não, não, eu continuo do mesmo tamanho. Na verdade, acho que se alguma coisa cresceu aqui, foi o seu cabelo. Ele está batendo na cintura! — toquei uma de suas madeixas castanho-claro. — Esse comprimento te caiu igual uma luva. Melody vai dizer que você está igual uma boneca!
— Você jura? Não acha que ela vai dizer que estou magra demais? — Amélia perguntou, apertando meus dedos, um tanto ansiosa. — Você acha que eu engordei pelo menos um pouco? Não quero que vovó se preocupe achando que eu não estava comendo direito. Você sabe como ela é.
Eu balancei a cabeça, sem saber ao certo o que dizer.
Amélia havia sido diagnosticada com um quadro de anemia um tanto preocupante no final do ano passado, e desde então tem seguido uma dieta bem rígida em relação ao consumo de nutrientes e tomado vários suplementos para ajudar no processo. Ela havia se recuperado totalmente a poucos meses, mas por sofrer de um transtorno ansioso que tendia a se manifestar de maneira agressiva (causando vômitos, enxaquecas fortes e até dores musculares), todos nós estávamos sempre preocupados a respeito de como estava se dando a adaptação dela em outro país e se ela estava se alimentando adequadamente. Sebastian estava sempre lembrando-a de comer nos horários certos, mas Melody havia ficado realmente obcecada com a saúde dela – o que não era para menos, tendo em vista o período difícil pelo qual ela teve que passar com o marido diagnosticado com câncer pulmonar e a neta com anemia ao mesmo tempo.
— O rosto dela está bem mais redondinho, você não acha? — Sebastian comentou, tocando as costas de Amélia ao mesmo tempo em que encarava a mim e a Zaden em busca de apoio.
— Acho sim, inclusive ia comentar agora mesmo — concordo prontamente, apesar de Amélia não ter mudado absolutamente nada que não tenha sido o cabelo. Ainda assim, mesmo que ela não tenha conseguido engordar, aparentemente conseguiu manter o peso que estava, o que já podia ser considerado como uma grande vitória.
— Também acho. Diria até que você ganhou mais peso desde a última vez que nos vimos, quando eu quebrei o braço em Nova York — Zaden acrescentou, se aproximando de Amélia para lhe dar um abraço de boas vindas. — E aí, como vai a minha escritora favorita?
— Melhor agora que estou com vocês. E o meu guitarrista favorito, como está? — ela indagou, indicando com o queixo o braço de Zaden, agora livre de qualquer gesso.
— Ainda melhor do que sempre fui, já que agora sou um homem comprometido — disse meu terrivelmente lindo e idiota namorado, entrelaçando os dedos nos meus e erguendo nossas mãos unidas para que todos que tivessem olhos pudessem vê-las. — Cuidado, Ames. Agora que Alison e eu estamos namorando, vai se iniciar uma corrida acirrada para ver qual casal do nosso grupo de amigos vai subir no altar primeiro. Acho que o time Zalison vai ganhar, porque há pouquíssimos dias atrás a Alison já estava falando de casamento.
Apertei os dedos de Zaden com força entre os meus, sentindo meu rosto queimar de vergonha. Eu vou te matar, pensei, dando um olhar assassino para o seu rosto sorridente de covinhas adoráveis antes de encarar Amélia, que não conseguia esconder seu sorriso chocado e sobrancelhas arqueadas de puro êxtase.
— Só para constar: o motivo pelo qual eu ainda não te contei sobre isso é ter ficado tão atolada resolvendo uns problemas com a equipe de dança a ponto de não ter tido tempo para mais nada, mas sim; Zaden me pediu em namoro alguns dias atrás e eu, em um momento no qual não estava em total controle das minhas faculdades mentais, aceitei. E eu nunca disse nada sobre casamento — esclareci, tentando desvencilhar minha mão da Zaden e conseguindo apenas que ele me puxasse para mais perto de si. — E Zalison? Eu também nunca concordei com esse nome.
— Bem... eu não posso dizer que estou exatamente surpresa com o desenrolar das coisas entre vocês dois, mas realmente devo admitir que me abalou um pouco ser a última a saber — Amélia disse, erguendo o olhar para o homem de cabelos escuros ao seu lado, que tinha ficado repentinamente concentrado demais em cuidar da bagagem dela. — A Alison tem a desculpa da equipe de dança, mas o meu namorado está de férias do trabalho e não pensou nem por um minuto que eu talvez gostaria de ficar sabendo sobre a oficialização do relacionamento de dois dos meus melhores amigos? Sinceramente, Sebastian. Estou decepcionada.
— Meu amor, acredite em mim: eu quis. Não contei nada porque esse estúpido — Sebastian gesticulou na direção de Zaden, que ainda sorria, bastante satisfeito consigo mesmo — Me implorou para que eu o deixasse te dar a notícia em primeira mão. Ele disse que estava muito ansioso para ver a sua reação. O que eu podia fazer? Todo mundo sabe como Zaden consegue ser simplesmente insuportável.
— Eu que o diga — resmunguei, ainda irritada e constrangida com todo aquele exposed calculadamente organizado por Zaden.
— Amélia, eu realmente sou culpado pelo silêncio do seu namorado — disse a razão dos meus pensamentos homicidas, em um tom de voz muito solene. — Mas só pedi que Sebastian mantivesse segredo de você sobre Alison e eu porque sei que você sempre torceu muito para que nós dois ficássemos juntos e seria quem mais ficaria feliz com a notícia. Você me perdoa por ter sido a última a saber? — Zaden perguntou, com sua melhor interpretação de menino loiro, doce e arrependido.
Sebastian e eu encaramos Amélia com expectativa, à espera de que ela cortasse todo o barato de Zaden e desse uma dura nele.
Para nossa decepção, ela apenas sorriu e bagunçou de brincadeira o cabelo do meu namorado, parecendo subitamente contente com a situação.
— É claro que te perdoo. Estou feliz demais por você e pela minha melhor amiga para ficar zangada — ela disse, abrindo um sorriso ainda maior ao olhar para mim e me abraçar novamente aos pulinhos. — Meus parabéns! Eu disse que vocês iam ficar juntos! E você disse que não ficaria com o Zaden nem em um milhão de anos, mas aqui está você pagando essa língua afiada e sendo a namorada dele!
Sebastian sufocou uma risada, ao passo em que ouvi Zaden engasgar, ultrajado:
— Como assim, nem em um milhão de anos? Que história é essa aí...
— Ah! Então era esse o sentimento de reciprocidade do qual você tanto se gabou para a Melody que existia entre você e a Alison, mas não entre a Amélia e eu? — Sebastian bateu palma, divertido. — Que engraçado. Enquanto você choramingava de tristeza pelos cantos toda vez que a Ali te dava um gelo, ela estava falando para a minha namorada sobre como não ficaria com você nem em um milhão de anos. Obrigado, meu amigo. Por sua causa eu finalmente entendi o verdadeiro significado de reciprocidade.
Zaden bufou, revirando os olhos e fazendo pouco caso da provocação de Sebastian.
— Alison só fazia comentários desse tipo para fazer com que parecesse que ela não gostava de mim. E quanto a Amélia, que fez você choramingar de tristeza pelos cantos por não te dar bola durante dez anos? — rebateu meu namorado, me fazendo pressionar os lábios com força para não rir. Eu não deveria encorajá-lo a tirar sarro da antiga paixão não correspondida do nosso amigo, mas achava aquele senso de humor cruel simplesmente irresistível. — Eu que devo te agradecer. Por sua causa eu soube o real significado de "nunca desistir".
Trocando um olhar cúmplice com Amélia, eu peguei Zaden pela mão, trazendo-o para mais perto de mim e propositalmente afastando-o de Sebastian, que parecia estar prestes a cometer um crime de ódio contra ele. Já minha amiga, como a personalidade mais diplomática entre nós quatro, aproveitou para dizer o que pensava e aplicar uma lição de moral:
— Zaden, eu não achei nada legal da sua parte zombar dos sentimentos do meu namorado. Sou muito grata por ele nunca ter desistido de mim, porque isso fez com que eu me tornasse amiga de vocês — Amélia disse, serenamente, antes de dedicar um olhar cheio de adoração para Sebastian e completar: — E, acima de tudo, sou grata por ter tido a sorte de conhecer o amor da minha vida.
É. Essa era ela: alguém que lacrava as pessoas com tanta classe e delicadeza que as deixava sem palavras.
— Me desculpe — Zaden murmurou, vermelho como um tomate-cereja, ao passo em que Sebastian apenas assentiu sem nem mesmo prestar atenção, ocupado demais assimilando a repentina declaração de amor de Amélia para conseguir elaborar uma resposta.
— Bom, nós vamos indo na frente — eu falei, afinal, Zaden e eu tínhamos que fingir estarmos ocupados com alguma outra coisa enquanto íamos para a casa dos avós de Amélia esperar com os outros para surpreendê-la com a festa de boas-vindas. — Eu queria muito poder ficar mais com você, Ames, mas Zaden e eu temos um compromisso urgente para o qual não podemos faltar. Vejo vocês depois! — me despedi às pressas, acenando loucamente para o casal que ficava para trás antes de enlaçar meu braço no de Zaden (que ainda se encontrava um tanto atordoado pelo sermão de Amélia) e salvá-lo de passar mais uma vergonha.
🎸
— Não acredito que vocês me enganaram! — Amélia gargalhou, após ser pega totalmente desprevenida pelo enorme coro de "surpresa" que a recebeu assim que pôs os pés na casa dos avós. — Vovô! Vovó! — ela correu para abraçá-los, envolvendo os dois ao mesmo tempo em um abraço apertado. — Meu Deus, que saudade de vocês. Meu peito meio que parece que vai explodir de tanta felicidade! — exclamou, com a voz começando a parecer embargada. — Vocês estão bem?
— É claro que estamos bem. E você está tão linda, minha filha — Gerald disse, fungando ao se afastar do abraço da neta. — Está tão linda. Quase não consigo acreditar que estou vendo de novo esses queridos olhos de mel.
— Eu não via a hora de te poder te abraçar, querida — Melody falou, tocando o rosto de Amélia como se para confirmar que ela estava mesmo ali. — Você não imagina o quão felizes eu e o seu avô estamos em tê-la de volta com a gente. A saudade que sentimos não dá para mensurar em palavras. E olha que você sabe muito bem o quanto eu gosto de tagarelar.
— Eu sei — minha amiga sorriu enquanto assentia com a cabeça sem parar. — Ai, mas que saudade que eu estava de vocês! — exclamou, abraçando-os de novo.
— Tomara que ela mate logo de cara toda essa vontade de abraçar só com os avós dela — Loren murmurou ao meu lado, fingindo não estar sentindo nem um pouco de vontade de abraçá-la também.
— Infelizmente, Lorenzo, hoje não é o seu dia de sorte, porque o seu abraço já está reservado — Amélia respondeu, soltando seus avós e vindo até Loren de braços abertos, que apesar de encabulado, a retribuiu sem hesitar.
— È bello vederti — ele a saudou em italiano, como sempre acontecia nos momentos em que estava sendo mais sincero. — É muito bom ver você, Amélia.
— Também é bom te ver, Loren. Suas olheiras diminuíram — ela pontuou, com um sorriso. — Ainda toma chá para dormir?
— Quase tanto quanto bebe café pela manhã — Charles respondeu, com uns tapinhas no ombro do amigo. — Sebastian e eu brincamos o tempo todo sobre não sabermos se Loren é uma chaleira ou máquina de expresso.
— Com uma sofisticação como a minha, a escolha mais óbvia é máquina de expresso — disse o moreno, coçando levemente a sobrancelha onde se encontrava o piercing prateado com o qual tinha voltado da turnê. Combinava tanto com ele que quase passava despercebido em seu rosto.
— Uma chaleira também tem seu valor, Loren. E é ótimo ver você, Charles — Amélia cumprimentou meu irmão, abraçando-o de um jeito distante o suficiente para que não amassasse as roupas dele. Apesar de não saber do TOC de Charlie, ela já havia percebido o desconforto dele quando havia imperfeições nas peças de roupa que estava usando e fazia o possível para não invadir o seu espaço pessoal. — Você parece muito bem.
— Também é muito bom te ver, Amélia. Fico feliz que esteja de volta
— Ah, eu também. A verdade é que estou eufórica de felicidade em estar aqui, com todos vocês e com meus avós — ela disse, o sorriso em seus lábios parecendo ficar maior a cada segundo. — Estou tão contente que sinto vontade de saltitar de alegria até mesmo ao olhar para o rosto da minha melhor amiga que me abandonou sem mais nem menos no aeroporto para poder me pegar despreparada com uma festa surpresa.
— Sério mesmo? Então não seja tímida, Ames: pode começar a saltitar! — impliquei, recebendo em troca uma leve cotovelada da parte dela.
— Sua provocadorazinha espertalhona... — Amélia começou, sua sentença pairando incompleta no ar assim que viu Sebastian atravessar o hall de entrada da sala de estar trazendo consigo um enorme buquê de violetas e lírios roxos. O tom de pele dela foi de branco ao rosa em um piscar de olhos, atingindo o vermelho quando um coro de aprovação de todos os presentes tomou conta do recinto. Dividida entre nervosa e emocionada, Ames se inclinou na minha direção e murmurou: — Ai, Deus. Por que ele é assim? Faz com que eu queira agarrá-lo e me esconder em um buraco ao mesmo tempo.
— Ele escreveu uma música com o seu nome e a cantou para um público de quase vinte mil pessoas — murmurei de volta, empurrando seu quadril com o meu. — À essa altura, você já deveria estar acostumada com as declarações de amor públicas do seu futuro marido.
Ela retribuiu meu empurrão.
— Calada. Segundo o seu namorado, será você quem subirá no altar primeiro, lembra? — retorquiu, antes de ir ao encontro de Sebastian e receber seu imenso buquê, ato que fez com que Melody batesse uma salva de palmas emocionada acompanhada de um Loren divertidíssimo – ação que só serviu para deixar minha amiga ainda mais envergonhada, ralhando com a avó por conta dos aplausos e dizendo um tímido "obrigada amor, mas não precisava" enquanto abraçava Sebastian.
— Se a Amélia ficou toda desconcertada com um simples buquê de flores, imagina quando souber do carro de som anunciando a chegada dela que o Seb alugou para ficar passando pela vizinhança? — Zaden indagou, sussurrando em meu ouvido.
Me virei para encará-lo, incrédula.
— Por favor, me diga que acabou de inventar tudo isso.
— Pfft. Você acha mesmo que eu iria inventar uma coisa dessas? — ele abriu um sorriso maroto, suas covinhas piscando para mim. — Porque se acha, está certa. Mas convenhamos: essa breguice seria a cara dele.
Eu até tentei dar a Zaden um olhar de repreensão, mas o que fiz mesmo foi dar risada. Por que eu achava as piadas sem graça dele tão atraentes? Eu só podia ter pirado de vez.
— Cuidado, Zay. Mais uma palavra zombando do Sebastian e a Ames vai te desafiar para um duelo com o objetivo de defender a honra dele — tripudiei.
— Se isso acontecer, para quem você vai torcer? — Zaden perguntou, segurando um cacho do meu cabelo entre os dedos, aproximando seu rosto do meu. — Para mim, ou para a sua melhor amiga?
Me inclinei para mais perto dele, espalmando uma mão em seu peito.
— Se Amélia chegar ao extremo de propor um duelo por causa do namorado dela, o mínimo que posso fazer é torcer pelo meu, você não acha? — balbuciei, dando um passo à frente e roubando um beijo dos lábios de Zaden antes dar as costas e me afastar às pressas, quase em uma fuga após-furto.
Dou uma olhadela para trás a fim de conferir sua reação e o contato visual entre nós não dura mais que três segundos, mas a expressão que vejo no rosto dele é tão intensa e cheia de palavras não ditas que faz com que eu me volte para frente ainda mais rápido, torcendo para não estar com as bochechas tão vermelhas quanto as de Amélia.
Eu já havia quase cruzado a sala em direção ao lugar vazio ao lado de Melody no sofá quando o som inconfundível de um estômago roncando preencheu o ambiente e fez com que todos nós olhássemos na direção de seu autor:
— Bene... — Loren começou, soando tão inocentemente faminto que quase me comoveu. — Vai demorar muito para cortar o bolo?
Ele não precisou perguntar outra vez.
🎸
O restante da recepção de boas vindas de Amélia passa como um borrão: comemos bolo, bebemos os coquetéis de frutas caseiros feitos por Melody, provamos os cupcakes de Sebastian – que estavam tão deliciosos que fizeram com que Amélia discretamente guardasse cinco deles só para si mesma, – brincamos de mímica, tiramos fotos na câmera instantânea de Amélia e assistimos à Sebastian e Loren se revezarem tocando no piano de cauda de Gerald, que ministrava a orquestra sinfônica da nossa cidade. Zaden e Charles pairavam curiosos ao redor deles, assentindo a cada nova dica que o avô da minha amiga dizia ser essencial para pianistas iniciantes.
— Eu acho que o vovô está se divertindo horrores com os meninos — Ames murmurou para mim, nós duas assistindo concentradamente a cena caótica que se desenrolava à nossa frente, com cinco músicos tagarelando sem parar em volta de um piano.
— Você acha? Eu tenho certeza disso — comentou Melody, sorrindo atrás de nós enquanto fazia carinho em Nicola, a gata que se mantinha comportadamente aconchegada em seus braços. Estiquei a mão para fazer carinho em seu pelo sedoso, sorrindo silenciosamente em apreciação. Apesar de amar Loki, eu tinha que admitir que os felinos eram bem mais a minha praia. — Ele adorava quando o Sebastian vinha aqui no ano passado e os dois podiam ficar tocando juntos e conversando sobre instrumentos musicais. Com a turnê da banda dos garotos, o contato entre eles ficou mais escasso, mas Sebastian voltou a aparecer tão logo chegou de Nova York. Trouxe até a harpa dele para mostrar ao seu avô! Gerald ficou tão animado que falou disso por dias!
— Imagino. O Bash é um excelente harpista — Amélia assentiu, com um sorriso inconfundivelmente apaixonado. — Mal consigo acreditar que ele tenha trazido a harpa até aqui. Ela é tão pesada que quase caí para trás quando tentei levantá-la!
— Ames, por favor, né. Não vamos comparar o tamanho do Sebastian com o seu. Ele tem quase dois metros de altura, come igual um leão da montanha faminto e ainda por cima é um rato de academia — pontuei, ceticamente. — Com certeza ele consegue levantar uma harpa sozinho.
Ela riu, concordando.
— É, nisso você tem razão. Ele é tão grande que quase não...
Melody e eu trocamos um olhar malicioso e então encaramos Amélia com nossas sobrancelhas levantadas.
— ...passa pela por... Ah, por Deus! Vocês duas são péssimas! — ela se revoltou, apontando para nós duas com dedos acusadores. — Quem deixou o clube das pervertidas se juntar contra mim? Querem saber?, estou indo para o meu quarto, onde pelo menos tenho paz e posso desfazer as malas ao invés de ouvir essas besteiras — anunciou, pegando o vaso de cristal no qual seu buquê de flores estava descansando em uma mesinha de canto da sala e levando-o consigo escada acima.
— Calma, querida! Não fique envergonhada por comentar sobre a grandeza do seu namorado! — Melody tentou confortá-la, ao passo que Amélia soltou um grito sufocado de frustração que nos fez cair na gargalhada.
— Mexer com ela é tão engraçado — admiti, tentando recuperar o fôlego depois de rir às custas da minha melhor amiga.
— É tão bom tê-la de volta, né? — Melody me confidenciou, encarando as escadas pelas quais Amélia havia subido em direção ao quarto. — Você sabe, Gerald e eu a criamos desde criancinha. Apoiamos todos os sonhos dela e a encorajamos a ir para qualquer lugar que quiser, mas ainda assim... a casa parece vazia quando ela não está aqui — suspirou, passando uma mão afetuosa sobre a cabeça da gata em seus braços, que soltou um miado manhoso em agradecimento. — Vá lá para cima ficar com ela, querida. Sei que vocês têm muito o que pôr em dia. Logo mais chego por lá para ficar por dentro das fofocas.
Assenti, me despedindo rapidamente dela e de Nicola antes de me encaminhar para o quarto de Amélia.
🎸
— Meu Deus... Coitado do Zaden — Amélia murmurou, sentada entre a pilha de roupas que ela havia tirado da mala. As peças sujas já estavam dentro de um cesto para a lavanderia e as limpas estavam divididas em dois montes, que diminuía conforme íamos dobrando. — Descobrir uma traição do pai e ainda por cima que tem um irmão... Não deve ter sido fácil para ele. Não o culpo por ter contado tudo durante o jantar de família. Guardar aquelas coisas para si mesmo enquanto todos estavam felizes sem saber a verdade... seria uma tortura.
— Pois é — suspirei, alisando um suéter de caxemira azul felpudo. — Esse é lindo.
— Obrigada. Sabia que eu estava usando ele no dia em que falei com Sebastian pela primeira vez? Foi num pub a uns quarteirões daqui — ela disse, com um sorriso nostálgico. — Eu nem queria ir lá. Vovó e vovô que me obrigaram.
— E seus avós seguem fazendo tudo por você — provoquei, empurrando seu ombro de brincadeira. Ela finge estar gravemente ferida e nós duas gargalhamos por causa de sua atuação de mal feita. — Mas e a sua mãe? Você tem notícias dela?
Amélia balançou a cabeça, soltando o ar pela boca.
— Eu não falo muito com ela, mas sei que visita vovô e vovó ao menos uma vez no mês. É o mínimo de contato que ela deve manter com eles depois de ter morado aqui por quase três meses antes de conseguir arranjar um emprego decente — minha amiga disse, com o característico tom de desdém com o qual sempre se referia à mãe. — Que eu saiba, ela está bem. Vovó me disse que ela virá nos visitar amanhã. Mas chega de Eloise. Quero que você me conte sobre o pedido de namoro do Zaden — ela pediu, com um sorriso de pura expectativa se alargando em seu rosto.
Revirei os olhos, sem conter meu próprio sorriso.
— Ele veio me buscar de moto em casa, de manhã. Eu nunca tinha andado de moto antes, mas foi bem divertido. E ele tinha comprado um capacete só para mim. É lindo, todo prateado. Quando você for lá em casa eu te mostro — eu disse, enquanto Amélia assentiu energicamente, ansiosa para ouvir mais. — Fomos num parque de esportes na cidade vizinha, com escalada, tirolesa, pista de skate e rinque de patinação... e o melhor de tudo: nem tivemos que esperar na fila porque Zaden já tinha reservado passes especiais para nós dois.
— Que fofo. Olha como ele já tinha tudo planejado, Alison — minha amiga choramingou, me sacudindo pelos ombros. — Isso é tão romântico.
Eu ri, agarrando-a pelos ombros.
— Então por que você não reage assim quando o seu namorado super romântico te dá flores? — eu a sacudi de volta.
— Eu reajo assim. Só que por dentro — ela colocou as mãos sobre o coração. — E eu vou retribuí-lo muito bem. Agora me conta mais, vamos, vamos! Eu quero saber de tudo!
— Andamos de skate, escalamos e patinamos juntos. Zaden escorregou algumas vezes na pista de gelo e tiramos até uma foto dele no chão — eu ri, revisitando a memória. — Depois, fomos a um restaurante muito legal, no qual tinha até uma mesa reservada pra gente.
Amélia soltou um gritinho de empolgação que eu, muito indignamente, acompanhei com ainda mais intensidade.
— Meu Deus, o Zaden planejou tudo mesmo. E depois?
Suspirei.
— Daí começamos a conversar enquanto esperávamos nossos pedidos. Falamos sobre as cobranças que colocávamos em cima de nós mesmos. E quando eu falei como sentia que ainda tinha que me esforçar muito para conseguir ser profissionalmente bem sucedida no balé, Zaden disse que gostaria que eu dividisse o fardo de todas as minhas preocupações com ele e que queria... estar ao meu lado e me apoiar em tudo. Como melhor amigo e namorado — limpei a garganta, baixando o olhar para minhas unhas enquanto tentava comedir minhas emoções. — E como você já sabe, eu aceitei.
— Oh, Ali. Eu sei que eu já disse isso umas mil vezes, mas eu estou tão feliz por você — Amélia disse, alcançando a minha mão. — Poucas pessoas têm a sorte de compartilhar com alguém a conexão que você tem com o Zaden. Você é alguém que eu considero como irmã, e por isso eu sempre quis que abrisse o seu coração para receber o que estava bem diante de você. O Zaden te valoriza muito, bem mais do que você imagina. E você merece esse cuidado. Esse amor sem reservas. Você merece muito. Não deixe que nada nem ninguém tire essa felicidade de você outra vez, está bem? — ela sussurrou, erguendo o mindinho. — Promete?
— Eu prometo — assenti, entrelaçando o meu mindinho no seu para selar a promessa. Eu ri, emocionada. — Eu não sei porque meus olhos estão ardendo.
— Nem eu — Amélia disse, abanando o próprio rosto, que já estava ficando vermelho. — Eu senti tanto a sua falta. Sebastian é o primeiro amigo que fiz, mas você foi a primeira garota com quem pude conversar e ser eu mesma sem medo de ser julgada ou ridicularizada por causa dos meus traumas e da minha ansiedade idiota. Você me ensinou muito sobre amizade. Sobre ter alguém com quem dividir segredos e pedir conselhos — ela enxugou as lágrimas que já estavam escorrendo livremente pelas suas bochechas. — E apesar de sempre dizer que as coisas foram maravilhosas em Cambridge, também foi bem difícil e assustador. Mas lembrar de você me deu forças para continuar tentando fazer amizade com as pessoas. Tentar deixar o receio de lado e ser eu, sabe? Sempre que nos falávamos por chamada de vídeo eu ficava esperançosa e continuava tentando. Porque sabia que seria o que você faria. Nunca te agradeci por isso, mas agora... Eu só estou muito feliz de estar aqui de novo. Obrigada por continuar sendo minha melhor amiga, mesmo de longe.
— Sua boba. Você não tem que me agradecer — eu a abracei, piscando para afastar a umidade em meus olhos e só conseguindo fazer com que as lágrimas caíssem mais rápido. — Você não tem que me agradecer mesmo, Ames. Eu não estou fazendo nenhum favor sendo sua amiga. Sou sua amiga porque você é alguém que me entende, aceita minhas falhas e que me faz bem. Sou sua amiga porque você é você. Nada além disso.
Ela me abraçou com mais força e nós duas ficamos assim por cerca de cinco segundos antes de começarmos a fazer cócegas uma na outra e começar uma guerra com as roupas, desfazendo todo o progresso que havíamos feito dobrando e empilhando as peças.
— Ok, eu me rendo — Amélia declarou, sem fôlego depois de ter caído da cama com o travesseiro que atirei em seu rosto. — Eu me rendo!
— Sábia escolha — assenti, escorregando para deitar no chão ao lado dela, nós duas com os pés para cima apoiados no colchão sobre a cama. Franzi a testa, lembrando de algo. — Por falar em escolhas, você já respondeu aquela proposta que o seu professor te fez a respeito de ficar em Cambridge? Você disse na época que já sabia sobre onde era o seu lugar. Achei que estivesse decidida.
— E eu estou decidida — ela disse, tamborilando os dedos na barriga. — Não tem muito o que pensar. O meu lugar é aqui.
Ergui as sobrancelhas, virando o rosto para olhar para ela.
— É sério?
— Seríssimo — ela confirmou, com um sorriso de lado. — Eu amei o tempo que passei em Cambridge; pude crescer e aprender muito graças à oportunidade de intercâmbio que tive. Eu escrevi um livro inteiro enquanto estava lá e planejo publicá-lo em breve, mas percebi que o que quero mesmo é ser psicóloga. Quero poder retribuir toda a ajuda e apoio que recebi fazendo com que outras pessoas também consigam sair do fundo do poço emocional do qual me livrei graças à psicologia. É o que eu quero fazer. De verdade. — Seu olhar flutuou em direção ao vaso com o buquê de flores colossal em diferentes tons de roxo e lilás que Sebastian havia lhe dado. Amélia o tinha colocado em sua penteadeira, próximo de uma janela para receber luz do sol. — E eu não quero ter que me separar do Bash de novo.
Eu balancei a cabeça em silenciosa compreensão.
— Um brinde para a futura psicóloga brilhante que você será — ergui a mão como se segurasse uma taça imaginária, gesto que Amélia prontamente copiou antes de nossas mãos selarem o brinde. — Estou muito orgulhosa de você.
— Eu também estou orgulhosa de você — ela me cutucou na cintura. — Aliás, quando vai ser o FlashMob que você disse que faria com a sua equipe de dança? Estou louca para assistir vocês em ação de novo.
— Está marcado para o final dessa semana. Você vai adorar — falei.
— E o Festival de Arte do Instituto? Já está perto, não é? — ela perguntou.
— Na verdade, não estou mais participando do Festival — suspirei, sem me esforçar para tentar esconder a tristeza em meu tom de voz. — Fui suspensa do cargo de líder da equipe de dança por causa das minhas notas abaixo da média em francês. É uma história longa que já estou meio cansada de contar, mas o resumo é que tenho certeza que tive meus trabalhos adulterados. Contudo, não tenho provas. E sem provas, não tenho como manter meu argumento.
— Mas que absurdo, Alison. Você é literalmente a garota mais inteligente que eu conheço — Amélia se indignou, franzindo a testa de frustração. — Eu sei que você e a professora de francês não se dão bem, mas que tipo desonesto de educador sabotaria uma aluna desse jeito? Nós temos que encontrar uma maneira de pegá-la.
— E como possivelmente faríamos isso? — indaguei, descrente de ouvir uma sugestão que de fato pudesse dar certo. — É como eu estava dizendo ao Zaden, Ames. Com o meu histórico de apresentações, extracurriculares e...
— Se ela adulterou seus testes e trabalhos de francês, então provavelmente deve manter os originais em algum lugar. Só temos que descobrir onde — Amélia balbuciou, desenhando todas as linhas de um plano mental. — No armário pessoal dos professores. Na bolsa dela. No carro. Você pode observá-la e tentar estabelecer alguma lógica entre as pessoas com quem ela mais tem contato e quem poderia tê-la ajudado. Você tem alguma inimizade forte na equipe de dança ou no Instituto em geral? Alguém que estaria disposto a ajudar a sua professora a te prejudicar?
Sacudi a cabeça, surpresa pelo rumo dos pensamentos dela. Não era à toa que tinha escrito um livro.
— Não, eu sou bem querida pelo pessoal do colégio. E não consigo imaginar ninguém da equipe tendo parte nisso — respondi. — Eu praticamente ocupo a mesma posição social que o Sebastian ocupava quando estudava lá. Em termos de popularidade, sou a rainha do Instituto.
Minha amiga olhou para mim com afeto, balançando a cabeça como quem sabia de algo que eu ainda não havia me dado conta.
— Alison, esse é o X da questão, você não vê? Quanto mais conhecida e talentosa uma pessoa é, mais olhares de inveja ela coleciona — Amélia tirou os pés de cima da cama e se levantou do chão, apoiando as mãos na cintura em uma pose de poder. — Está na hora de você sair da bolha de alienação criada pela sua popularidade e descobrir quem são as pessoas que querem roubar o seu lugar. E esse é um trabalho perfeito para nós duas. Você tem sorte de eu ter voltado a tempo para te ajudar.
Ergui as sobrancelhas, sentindo o início de um sorriso se formar em meu rosto. Apesar de duvidar do sucesso daquela missão inacreditável, eu me sentia estranhamente empolgada. Talvez fosse por causa de Amélia e seu espírito corajoso e terrivelmente aventureiro alimentado com as inúmeras narrativas literárias que ela havia consumido ao longo da vida, mas pela primeira vez em muito tempo, tive esperanças de que desse certo – e que talvez, só talvez, eu tivesse uma chance de me apresentar no Festival de Arte.
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