CAPÍTULO 45


Saber que agora eu finalmente poderia sair por aí apresentando Alison como minha namorada para quem quer que fosse me deixava em um estado além da euforia. Eu não conseguia explicar muito bem a emoção; ao mesmo tempo que um peso parecia ter sido retirado do meu peito, uma felicidade esmagadora tomava conta de mim – era êxtase, em sua forma mais pura. Quando fiz o pedido, mal estava sendo capaz de controlar a tremedeira nos segundos de espera que se passaram enquanto eu torcia para que ela me dissesse "sim". E quando Alison não só aceitou como também me chamou para dançar com ela, a única coisa que se passava pela minha cabeça era o fato de eu ser literalmente o cara mais sortudo do mundo inteiro por tê-la em meus braços. Fiz o meu melhor para não deixar óbvio, mas minhas mãos ainda estavam tremendo quando a levei para dançar no terraço de vidro do restaurante.

A sensação de tocá-la livremente, de segurar sua mão e sentir sua pele contra a minha, com o privilégio de olhar em seus olhos e observar de perto aqueles lábios cheios se curvando em um sorriso que eu sabia que era só para mim... Aquilo simplesmente não tinha preço, porque a verdade é que eu nunca soube o que é ser apaixonado por outra pessoa que não ela. Nunca quis estar em um relacionamento com ninguém além dela. Nunca existiu sequer uma competição. No passado, em muitos momentos me vi sentindo vergonha e raiva de mim mesmo por continuar me importando com uma garota que havia me rejeitado e deixado de lado sem nem pensar duas vezes, mas o sentimento guardado em meu coração tornava impossível a tarefa de odiá-la. O tempo todo, a cada olhar, a cada palavra e a cada suspiro que compartilhamos um com o outro, eu estava apenas esperando por ela.

E como a espera tinha valido a pena.

Durante nosso percurso de volta para casa, os braços de Alison envolvem minha cintura em um aperto quente e firme, e seu corpo descansa contra minhas costas tão perfeitamente que é quase como se possuísse um encaixe feito sob medida. São quase seis horas da tarde quando paro a moto no meio-fio em frente a casa dos Walters, e quando Alison desfaz seu abraço em meu corpo e desce da minha garupa, sinto como se estivesse deixando ir embora uma parte fundamental de mim mesmo. Assisto atentamente ela retirar o capacete prateado da cabeça e passar a mão pelo cabelo para corrigir quaisquer fios que tenham escapado da sua trança, cada um desses movimentos seguido por uma mudez que eu conhecia muito bem.

Um sorriso involuntário nasce em meu rosto. Falar dos próprios sentimentos sempre requeria uma boa parcela de silêncio por parte de Alison, e eu duvidava muito de que ela tivesse consciência do quão adoravelmente linda ficava enquanto organizava seus pensamentos antes de expressá-los em voz alta.

— Sobre hoje, eu... — Alison começou, encarando determinadamente o capacete em suas mãos antes de erguer os olhos para os meus. — Eu só queria que você soubesse que foi o dia mais feliz que tive em muito tempo. E não foi por causa do parque ou do restaurante legal que você levou horas pesquisando para conseguir encontrar — provocou ela, a sombra de um sorriso brilhando brevemente em seu rosto antes que por fim dissesse: — Foi porque você estava lá, Zaden. Os meus dias são sempre melhores quando tenho você comigo. Como eu sou meio idiota, acabo não falando o suficiente o quão feliz você me faz, então queria me certificar de que você soubesse dessa vez.

Meu peito se aperta com o carinho das palavras dela, e sinto que posso derreter com o calor orgulhoso que se espalha dentro de mim. Posso não passar de um completo bobo apaixonado por dentro, mas por fora faço questão de não deixar escapar a oportunidade de irritá-la um pouquinho:

— O meu maior prazer é fazer você feliz, ma princesse — murmurei, trazendo-a para mais perto de mim até que nossos narizes se tocassem. — Me sinto o rei do mundo quando sei que sou o responsável pelo sorriso no seu rosto. A propósito, sei que você disse que seus dias são melhores quando estou do seu lado, mas devo avisar antes que se ajoelhe e me peça em casamento que só aceitarei quando você tiver concluído os estudos, está bem?

O rosto de Alison explode em uma risada incrédula, totalmente pega de surpresa pelo meu comentário engraçadinho. E sem precisar de mais, estou sorrindo também, porque adoro vê-la assim: despreocupada, alegre e simplesmente sendo ela mesma.

— Não fazem nem cinco horas desde que você me pediu em namoro e já está falando em casamento? Cuidado, Zay. Se isso se espalhar, você vai ganhar fama de ser mais desesperado que o Sebastian — ela caçoou, brincando distraidamente com o zíper da minha jaqueta de couro.

— Eu acho que vou correr o risco — murmurei, beijando o canto da boca de Alison uma vez antes de capturar os lábios dela com os meus em um beijo demorado, tocando a sua língua com a minha e aprofundado o contato, me afogando na sensação de querer mais, no desejo que nunca ia embora.

Um arrepio percorre minha espinha quando sinto os dedos gelados de Alison tocando meu pescoço, e estou a uma respiração de puxá-la novamente para cima da minha moto quando, cedo demais, ela me dá um último beijo suave e se afasta com um sorriso quase tímido.

— Acho melhor eu entrar agora. Pode ser final de semana, mas tem muita coisa que preciso fazer. Mesmo estando de fora da apresentação da equipe de dança, eu ainda devo cumprir com as obrigações finais da...

— Como assim, de fora? — passei a língua pelos lábios, atordoado. — Que história é essa? Por que você estaria de fora da apresentação sendo a fundadora da equipe e criadora de toda a coreografia?

Parecendo só agora se dar conta do que havia deixado sair de sua boca, Alison leva a mão até a própria testa, como se numa tentativa de limpar o que quer que estivesse em sua mente:

— E-eu não tive a chance de te contar mais cedo, mas... Bem, eu recebi o meu boletim de francês e minhas notas não melhoraram o suficiente. Patético, não é? Eu sei.

Franzi a testa em uma mistura de ceticismo e confusão.

— Suas notas não melhoraram o suficiente? — indaguei, duvidando daquela afirmação. — Sua gramática atingiu um nível de, no mínimo, 90% de concordância. Você mal cometia algum erro de escrita. Seu vocabulário aumentou consideravelmente e sua pronúncia se tornou exemplar, do tipo que até a minha tia que vive na França elogiaria. Passamos horas redigindo a sua última redação, revisando com o maior cuidado possível para que ficasse perfeita e agora você vem e me diz que tiveram a coragem de te dar uma nota ruim? Que palhaçada é essa?

— Pois é — ela disse calmamente, como se aquela situação toda não fosse um completo absurdo. — E como eu já havia sido alertada da possibilidade de ser suspensa do meu posto como capitã da equipe de dança caso não aumentasse a minha média, foi exatamente o que acabou acontecendo. Não vou poder participar do Festival de Arte Anual e nem me apresentar para os olheiros das academias de dança. Fazer o quê? Eu fiz tudo o que estava ao meu alcance — disse, dando de ombros em resignação absoluta. — Nem sempre as coisas saem como o esperado.

Estreitei os olhos, começando a ficar realmente chateado com toda aquela besteira.

— Isso não faz o menor sentido. É o seu último ano no Instituto e eles tiram de você o direito de se apresentar em um evento que pode te trazer um milhão de oportunidades só por causa de umas notinhas abaixo da média? E mais: quem essa professorinha de francês pensa que é pra te dar uma nota baixa mesmo depois de você ter entregue uma dissertação impecável daquelas? — questionei, indignado. — Era só um trabalho para complementar a nota e você virou a noite para não deixar passar nenhum errinho que fosse. Eu não aceito que tenha recebido uma suspensão. E nem você deveria aceitar.

— Então o que você sugere que eu faça? — Alison indagou, gesticulando para o espaço vazio entre nós dois. — Eu tentei falar com a diretora, mas a professora entregou para ela todos os meus testes, trabalhos e dissertações e, de algum jeito, fez com todos eles parecessem uma grande pilha de lixo. Até mesmo os que eu fiz depois que você começou a me ajudar estavam horríveis, Zaden, como se eu tivesse me empenhado em entregar o pior resultado possível. E eu nem tive como me defender. A Professora Brunet tinha feito a cabeça da diretora antes mesmo de eu pisar no escritório dela.

— Quer dizer que ela ainda teve a cara de pau de te difamar mesmo depois de ter dito aquele monte de merda sobre você não ter capacidade de melhorar ao invés de agir como uma professora decente e te oferecer orientação? Essa mulher não tem medo de perder o emprego? — questionei, exasperado. Era uma puta injustiça que Alison estivesse passando por uma situação como essa. Se um dos tutores de francês que tive na infância falasse comigo ou com uma das minhas irmãs do jeito que a tal professorinha ousou falar com Alison, eles teriam ganhado passagem direta para o índice de desempregados do país. Soltei o ar devagar, tentando acalmar meus pensamentos agitados e encontrar uma solução para o problema. — A única maneira dos seus trabalhos e dissertações terem chegado perto de parecer uma pilha de lixo é passando por algum tipo de adulteração, o que está bem claro para mim que foi o que aconteceu. Como Alina pode não ter percebido isso?

— Porque denunciar uma professora por adulterar os resultados de uma aluna é uma acusação gravíssima para ser aceita sem nenhuma prova. Além do mais, no ponto de vista dela como diretora, a Brunet não teria motivo algum para fazer isso comigo. Não que exista motivo cabível para uma atitude dessas, mas de qualquer forma, o fato é que eu fui deixada de fora da equipe e ainda por cima com meu histórico acadêmico manchado — ela deu uma risada desprovida de humor, analisando distraidamente a ponta de cabelo da sua trança. — Enquanto isso, aquela vaca continua bem empregada e muito ocupada infernizando a vida de outros alunos depois de já ter arruinado a minha.

— Mas isso não vai ficar assim.

Alison franziu as sobrancelhas, olhando para mim sem entender.

— O que você está tentando dizer com isso?

Desviei o olhar, sabendo muito bem que ela não gostaria nada do que eu diria em seguida:

— Você sabe que a minha família doa anualmente uma grande soma de dinheiro para o Instituto...

Ela ergueu uma mão para me interromper.

— Não. Pode parar por aí.

— Só pensa comigo, Alis. Você pode voltar para a equipe, para o lugar de direito do qual nunca deveria ter saído — insisti, tentando fazer com que ela entendesse. — E com uma pequena pressão por parte da minha mãe, aquela mulherzinha que se intitula professora leva um pé na bunda e vai direto para o olho da rua...

— Zaden, eu agradeço a ajuda, mas não posso aceitá-la. Eu não me sentiria bem fazendo isso e as coisas não são tão simples como você pensa que são — ela disse, com um suspiro cansado. — Meu histórico acadêmico continuaria manchado e Alina iria me ver para sempre como a garota que se escorou no namorado rico para burlar as regras do colégio. Eu sei que a sua intenção é boa, mas eu nunca precisei depender de ninguém para conquistar meu lugar e não é agora que vou começar. Posso não ter a chance de me apresentar com os outros no Festival de Arte, mas tenho um portfólio de apresentações de balé extenso o bastante para que eu consiga uma vaga em uma das academias de dança que quero entrar. Então, por favor, eu peço que me entenda.

Quase abri a boca para retrucar, mas no fim só assenti com a cabeça sem dizer mais nada. Eu entendia. Não concordava totalmente com ela, mas a entendia.

— Desculpe — pedi. — Eu não quis insinuar que o esforço que você teve estudando e ensaiando para conseguir se apresentar no Festival poderiam ser comprados com dinheiro — massageei as pálpebras sobre os olhos, uma ação inconsciente para tentar organizar as ideias. — Eu sei o quanto se dedicou. Só queria garantir que você tivesse todas as chances que merece.

Alison assentiu uma vez antes de cobrir a palma da minha mão com a dela, envolvendo seus dedos longos nos meus em um aperto suave.

— Eu sei disso, Zay. Você não precisa se desculpar — ela abriu um sorriso terno. — Nada disso é sua responsabilidade. Só acho uma pena que eu não tenha um boletim cheio de notas azuis em francês para te mostrar. Se eu tivesse, você poderia sair por aí esfregando na cara dos meninos os seus talentos como professor.

Eu ri, um pouco sem graça. Era difícil encontrar alguma fonte de humor em toda a situação pela qual ela estava passando.

— Você sabe bem que eu nunca dei a mínima para boletins. Meu objetivo principal na escola sempre foi ganhar a garota — murmurei, puxando-a para um abraço apertado de despedida. Fechei os olhos por um minuto, inspirando o aroma familiar de morango e protetor solar que emanava da pele de Alison. Os braços dela circundavam meus ombros em uma volta completa, o peito dela pressionado com força contra o meu. Sinto ondas de calor atravessarem cada parte do meu corpo quando Alison deposita um beijo em meu pescoço e a resposta involuntária das minhas mãos é segurar sua cintura com ainda mais firmeza. Sempre me policio para não apertá-la demais e acabar deixando alguma marca, mas é difícil soltá-la. Mesmo perto assim, nunca parece ser o suficiente.

— Me liga quando chegar em casa — ela disse, penteando o meu cabelo para trás com os dedos uma vez antes de se afastar e gesticular na direção da moto. — E tome cuidado, ok? Não corra muito.

— Eu não vou correr — falei, dando um tapinha no capacete apoiado no meu colo. — Não precisa se preocupar, ma princesse. Você tem um namorado que respeita as leis de trânsito.

Para meu deleite, Alison me presenteou com daqueles seus sorrisos brilhantes de orelha a orelha, do tipo que iluminava todo o semblante dela, como se uma aura especial cintilasse a sua volta. Meu coração deu uma cambalhota dentro do peito com a vista, totalmente pego de surpresa. Não deveria ser permitido que a mulher mais linda do mundo pudesse sorrir daquele jeito sem dar nenhum aviso prévio. Se eu soubesse que falar sobre responsabilidade no trânsito me daria uma recompensa dessas, com certeza teria abordado o tópico antes.

— Alis... Você não pode sorrir assim pra mim e querer que eu vá embora. Esse tipo de atitude é desumana — eu a repreendi enquanto discretamente tentava esticar a mão para puxá-la para perto de mim outra vez.

Para a minha tristeza, os reflexos de Alison eram bem melhores que os meus, porque quando meus dedos estavam a poucos centímetros de tocar seu braço, ela deu um passo para fora do meu alcance, batendo palmas para chamar minha atenção.

— Vamos, vamos, sem conversa fiada. Tenho muito o que fazer e se você continuar me olhando com essa cara de cachorro sem dono eu provavelmente vou acabar encontrando algum pretexto para te convidar para entrar e nós dois vamos passar horas fazendo várias coisas improdutivas.

— Eu não acho que dar beijos e abraços seja improdutivo. Ambos são pré-requisitos para... — Alison cobriu minha boca com a rapidez de uma verdadeira ninja, impedindo que eu terminasse a frase. Estreitei os olhos para ela em desafio, logo depois colocando a língua pra fora e lambendo toda a extensão da palma da mão dela. Com uma careta de desgosto, Alison destampou minha boca. — ... o aprofundamento do afeto entre dois indivíduos — concluí, com um sorriso orgulhoso.

Ela esfregou a mão úmida na minha bochecha.

— Você é muito idiota. Não acredito que passou a língua na minha mão.

Eu ergui uma sobrancelha, achando graça.

— E não acredita por quê? Já passei a língua na sua boca, por que não passaria em outros lugares?

Com o rosto completamente ruborizado, minha terrivelmente linda namorada respirou bem fundo (provavelmente tentando controlar algum impulso assassino) e apontou um dedo para o meu rosto.

— Eu vou me abster de discutir com você dessa vez — ela disse, me encarando com seriedade durante cinco segundos antes de se inclinar para frente e me roubar um beijo nos lábios. — Mas não se acostume! — declarou, antes de se virar e correr até a porta, acenando uma vez antes de finalmente sumir casa a dentro.

Levei a mão até a minha própria boca, atônito. E então, com determinação renovada, tirei o celular do bolso da jaqueta de couro, pesquisei por um nome específico e mandei mensagem para uma das últimas pessoas com as quais queria iniciar uma conversa, mas que ironicamente era a única capaz de me ajudar naquele momento.

Sem mais, prendi o capacete sobre a cabeça, dei partida na moto e fui embora.

🎸


— Olha, branquelo, eu já vou logo dizendo: para eu ter vindo te encontrar em pleno sábado, acho bom isso ser importante — disse Bryan, sentando em uma das cadeiras da parte externa do pub que eu havia escolhido como local de encontro. — Sem contar o trabalho adicional que foi ter que arrastar o Peter comigo.

O outro rapaz negro sentado ao lado dele bocejou, deixando a cabeça pender para o lado.

— Eu só pude dormir três das cinco horas de duração da minha soneca da tarde — Peter disse, fungando. — E são cinco horas realmente indispensáveis.

— Foi mal, cara. O meu melhor amigo também dorme em horários aleatórios assim como você — falei, lembrando como Loren costuma ficar mal humorado quando não consegue dormir à noite e alguém atrapalha o sono dele durante o dia.

— Não durmo em horários aleatórios. Durmo porque trabalho meio período no turno da noite — ele explicou.

Fiz uma careta, me sentindo um completo idiota.

— Desculpe. Eu não sabia. Mas juro que é importante. Eu não teria chamado vocês aqui se não fosse. Não sou tão sem noção assim.

— Tem certeza? — Bryan ergueu uma sobrancelha.

Ignorei a provocação e fui direto ao ponto:

— É sobre a Alison. Ela foi suspensa da equipe de dança. Não vai mais poder se apresentar com vocês no Festival de Arte do Instituto.

Os bailarinos se entreolharam, confusos.

— O quê? Como assim? — Peter ecoou, descrente.

— Ela não me disse nada disso — Bryan balbuciou, em choque. — Como isso pode ter acontecido? A Alison é uma aluna exemplar.

— Aparentemente ela estava com um desempenho ruim em francês e foi humilhada verbalmente pela professora. Vocês sabem que Alison é do tipo que resolve tudo sozinha, então ao invés de levar o caso diretamente para a diretora, ela decidiu continuar estudando sozinha para tirar notas melhores. Como eu estou familiarizado com o idioma, me ofereci para ajudá-la no que fosse preciso e em pouco tempo ela obteve ótimos resultados, mas ao que parece, isso não estava nos planos da professora Brunet.

— O que você quer dizer com "não estava nos planos dela"?

— Ela não me contou os detalhes, mas pelo que entendi Alison foi chamada para o escritório da diretora e recebeu uma pasta repleta de atividades e exames de francês feitas de qualquer jeito, com péssimas avaliações da professora. Todas estavam no nome dela e com a letra dela, mas não haviam sido feitas por ela. A Brunet já tinha dado a entender antes que faria de tudo para tirá-la da equipe de dança — suspirei, passando a mão pelo cabelo. — Eu não sei qual o motivo de toda essa perseguição, mas preciso descobrir, porque é o único jeito de conseguir que Alison se apresente com vocês no Festival.

Bryan expirou, balançando a cabeça uma vez antes de erguê-la para mim.

— Ela sabe que você está fazendo isso?

— Não — engoli em seco. — Ela não sabe. Na verdade, nesse exato momento ela está em casa finalizando os últimos detalhes da apresentação para que tudo esteja pronto quando ela der a notícia de que não vai estar no palco com vocês. E é por isso que estou aqui. Porque Alison está sempre dando o máximo de si mesma para ajudar os outros e acaba não percebendo quando também está precisando de ajuda — falei, olhando diretamente nos olhos de Peter e Bryan. — Mas não tenho como descobrir muita coisa estando fora do Instituto. E é por isso que estou pedindo a colaboração de vocês dois.

— Alison deu duro o ano inteiro por essa apresentação. Não vou deixar que aquela quarentona francesa invejosa tire isso dela — Bryan declarou, estufando o peito.

— Você sabe que usar a palavra "quarentona" para descrever a idade de alguém de forma pejorativa é age shaming, né? — Peter questionou, cruzando as mãos sobre o colo. Ao perceber que tanto Bryan quanto eu continuamos a encará-lo sem dizer nada, ele acrescentou: — Não estou tentando defender a Brunet nem nada, só estou dizendo isso porque a minha mãe tem quarenta e dois anos e nem por isso ela é uma brux...

— Peter, docinho, ninguém aqui está falando da sua mãe — Bryan esclareceu, antes de se voltar para mim. — Ok, é óbvio que nós vamos ajudar. Você já tem algum plano em mente?

— Eu não tive muito tempo para pensar sobre o assunto, mas acho que uma boa maneira de descobrirmos algo é fuçando a caixa de entrada do e-mail da Brunet na sala dos professores. Só que teríamos que saber a senha do user dela para fazer isso, o que não acho que vá ser particularmente fácil.

— Do que você está falando? Vai ser moleza — Bryan disse, dando um tapinha no ombro do companheiro de equipe do seu lado. — O nosso Peter aqui além de bailarino e ginasta, também manja muito de TI. Ele consegue invadir o e-mail da Brunet sem problema algum.

— Essa é a parte fácil, Bry. A parte complicada é não sermos pegos. E é aí que você entra — Peter disse, inclinando o queixo na minha direção. — Eu vi o sobrenome da sua família gravado naquela placa de prata pendurada do lado do escritório da diretoria, onde estão os nomes dos patrocinadores do Instituto. Vamos ter bem menos chances de sermos descobertos se usarmos você como distração. Ninguém vai poder te dispensar sem mais nem menos.

— Você tem razão — assenti, pensando que poderia usar qualquer coisa como desculpa para ganhar tempo com a professora de francês de Alison. — Vou pensar em algo para servir de pretexto para segurá-la. Mas vocês têm certeza de que está tudo bem correr esse risco? Não quero que nenhum de vocês acabe prejudicado por minha causa. Talvez tenha um jeito menos arriscado de descobrir o que aconteceu.

— Como o quê? Seguir a Brunet pelos corredores e observar alguma movimentação suspeita? — Bryan sugeriu, com uma pitada de humor na voz.

— É um começo. Pode ser que ela esteja aprontando algo bem debaixo do nosso nariz e não tenhamos notado. Quanto tempo falta para o Festival de Arte? — perguntei.

— É daqui a um mês e meio. Já terminamos toda a coreografia, só falta alguns pormenores — Peter respondeu.

— Muito bem. Nós vamos apenas observá-la ao longo dessa semana e se nada acontecer, vamos partir para o plano de hackear o e-mail dela. Vocês ficam de olho na Brunet dentro da escola e eu dou um jeito de segui-la depois que o horário das aulas terminar. Se ela tiver mesmo falsificado os trabalhos de Alison, nós vamos descobrir.

E com um determinado assentir de cabeça de cada um de nós, nossa aliança com o propósito de devolver Alison ao seu lugar de direito foi selada.

🎸

— Você finalmente chegou — uma voz familiar me saudou assim que pus os pés no hall de entrada de casa.

Olhei para minha irmã mais velha, surpreso por encontrá-la sentada no antigo banco estofado de três lugares localizado na lateral da escadaria, tão discreto em meio a toda aquela decoração luxuosa que passava despercebido pelos desatentos. Zelina estava usando uma de suas inúmeras calças de alfaiataria e uma blusa de seda branca com um laço enorme no pescoço que pareceria ridículo em qualquer outra pessoa que não fosse ela. Seu cabelo loiro estava preso em um penteado apertado e olheiras de uma noite mal dormida formavam bolsas escuras abaixo de seus olhos azuis.

— Me desculpe por toda a cena que causei ontem — eu pedi, apesar de já ter me desculpado. — Eu sinto muito por ter estragado a notícia da sua gravidez. Era para ser um momento em família e todo mundo estava muito feliz até eu me descontrolar e vomitar um monte de merda sobre o papai em cima de vocês.

Minha irmã balançou a cabeça em negação.

— Você não tem que se desculpar, Zaden. Eu te conheço desde antes de você começar a dizer suas primeiras palavras; sei muito bem que não foi sua intenção magoar a nenhuma de nós. Agora venha — ela me estendeu a mão, todos os seus dedos adornados por finos anéis dourados. — Fomos convocados para uma reunião familiar. Parece que nosso pai quer uma oportunidade de explicar para gente como ele "sem querer" acabou traindo nossa mãe e tendo um filho com outra mulher.

Fechei os olhos, já sentindo o início de uma enxaqueca.

— Todas as meninas estão aqui?

— Sim. Estão todos reunidos na sala de estar da família — disse ela, me guiando pela mão até o cômodo onde estava nossos pais e o restante de nossas irmãs. Adentrando na sala sem nenhuma cerimônia, Zelina me puxou para sentar ao lado dela no sofá já ocupado por uma Zara extremamente retraída. — Muito bem. Estamos todos presentes.

Mamãe estava sentada em sua poltrona de costume, com Zoe acomodada em um puff bem ao seu lado, ao passo em que Zaya apresentava uma expressão de pura zombaria no rosto enquanto sentava de qualquer jeito em um cadeira vintage posicionada à direita da poltrona onde nosso pai estava.

Com um suspiro pesado, ele ergueu os olhos para nos contemplar, pousando seu olhar sobre cada um de nós durante alguns segundos. Mamãe claramente se recusou a olhar para ele, mas eu o encarei de frente. Se mesmo depois de tudo o que havia feito, ele ainda tinha coragem de nos olhar nos olhos, então não seria eu a desviar primeiro.

— Sete anos atrás, durante uma viagem de negócios na qual tive que ir de última hora, acabei ficando preso em uma pós-recepção da empresa que a nossa firma de advocacia estava representando. Eu estava tendo uma noite péssima; eu estava estressado com o trabalho, no dia seguinte seria o aniversário de oito anos da Zara e eu havia acabado de receber uma ligação dela chorando para que eu voltasse para casa. Tentei buscar todos os voos possíveis que me fizessem estar de volta a tempo, mas não consegui encontrar nenhum. Toda essa frustração somada àquela falação sem fim das reuniões empresariais me fez beber muito além da conta e sentada do meu lado no balcão do bar estava uma mulher que havia tido um dia tão ruim quanto o meu.

Cerrei os punhos. Então ele tinha ficado estressado por não poder voltar para casa a tempo do aniversário da filha e simplesmente decidiu se embebedar e trair a esposa?

Percebendo a crescente agitação de Zara, estendi a mão para alcançar a dela, apertando sua palma contra a minha numa tentativa de tranquilizá-la. O gesto acabou surtindo mais efeito em mim do que em nela, me acalmando instantaneamente e me dando a determinação da qual precisava para não me deixar levar pela raiva outra vez. Manteria a calma pelo bem de Zara, da minha mãe e das minhas outras irmãs.

— Bebemos juntos e reclamamos sobre a vida. Ela estava hospedada no mesmo hotel que eu e pegamos o mesmo elevador para voltarmos para os nossos quartos — ele disse, passando a mão pelo rosto. — No dia seguinte, eu não me lembrava de nada da noite anterior. Uma estranha estava dormindo ao meu lado na cama. Minha cabeça doía e eu não fazia a menor ideia de como tudo aquilo tinha acontecido. Expliquei desesperado para aquela mulher que além de não lembrar de nada que pudesse ter acontecido entre nós dois, também era casado e pai de cinco filhos. Falei que tinha cometido um grave erro e que não tinha interesse em manter nenhuma relação com ela.

— E por que você não me contou nada disso? — Mamãe indagou, falando pela primeira vez desde o jantar de ontem.

— Eu entrei em pânico. Não sabia o que fazer. Não suportava nem pensar na possibilidade de machucar você e as crianças ou pior, de acabar perdendo todos vocês por um único erro estúpido — meu pai se explicou, olhando de um rosto para o outro, parecendo atormentado pelo nosso silêncio. — E a mulher que eu havia conhecido naquela noite tampouco se lembrava dos detalhes. Eu sei que deveria ter contado, mas pensei que seria melhor fingir que nada daquilo tinha acontecido. Contudo, quando recebi um telefonema da tal mulher dizendo que estava grávida, achei que deveria resolver tudo por conta própria para não causar sofrimento à nossa família. Eu sei que errei e que agi errado. Me perdoem por favor.

Engoli o bolo que se formava em minha garganta, enquanto Zara se desmanchava em lágrimas silenciosas ao meu lado. Zelina fungou, ao passo em que Zaya dava o seu melhor para continuar empertigada apesar dos olhos cheios de lágrimas. Zoe se aconchegou para mais perto da nossa mãe, incerta do que fazer. Mamãe, por último, enxugou rapidamente o canto dos olhos, soltando o ar pela boca em um longo sopro.

— Qual o nome da criança? — ela perguntou, mantendo o tom neutro e impessoal.

— Gabriel. O nome dele é Gabriel. Ele tem seis anos — papai disse, hesitando por um segundo antes de acrescentar: — A mãe se chama Johanna. Ela trabalha como auxiliar administrativa. Vivia em Boston, mas se mudou para a cidade vizinha à nossa no ano passado. Zaden a viu em meu escritório ontem porque ela tinha vindo para me pedir dinheiro — concluiu, olhando de esguelha para mim.

— Que cativante — Zaya comentou, secamente.

— Quanto você dá a ela por mês? — Zelina questionou. — Ela entrou com uma ação para que o juiz determinasse a pensão alimentícia ou vocês entraram em um acordo?

— Quando Johanna soube quem eu era, entramos em um consenso de que ela receberia quinze mil dólares por mês. Com a condição de que nunca viesse me procurar na empresa e nem tentasse procurar nenhum de vocês para contar a verdade — ele abaixou a cabeça, parecendo humilhado. — Mas ela não está mais satisfeita com esse acordo, então frequentemente tenta me chantagear.

— Ora, Timothée. Isso é muito simples de resolver: vá ao tribunal e espere que o juiz delibere a respeito do valor da pensão que você deve pagar a ela. Já estamos cientes de tudo mesmo. Não há mais razão para continuar sendo chantageado. — Mamãe declarou, acariciando distraidamente os cabelos de Zoe antes de ficar de pé. — Bom, acho que já escutamos tudo o que você tinha para dizer. Não sei quanto aos nossos filhos, mas espero que compreenda minha decisão de não querer falar com você no momento. Boa noite, crianças. — E sem mais, ela deixou a sala.

O olhar do meu pai acompanhou fixamente cada passo dado por ela até que minha mãe saísse e fechasse a porta atrás de si, fazendo com que ele voltasse sua atenção para minhas irmãs e eu.

— Nunca foi minha intenção fazer vocês passarem por nada disso. Como pai, sei que os decepcionei e peço mil desculpas, mesmo sabendo que não é o bastante. Vou entender caso se ressintam de mim e não queiram mais falar comigo. Não posso e nem vou tentar forçá-los a me perdoarem. Mas continuarei pedindo perdão mesmo assim, porque os amo do fundo do meu coração.

Subitamente, Zoe se levanta de seu lugar com uma profunda careta de choro e corre até onde nosso pai está, jogando seus bracinhos em volta do pescoço dele no segundo em que um soluço deixa o seu peito, abrindo espaço para um rompante de lágrimas. Zelina é a segunda a ir até ele e isso não me surpreende; ela sempre foi muito apegada ao papai. Zaya parece dividida entre o perdão e o ressentimento, e isso a paralisa no mesmo lugar. Me viro para olhar para Zara, mas ela já está saindo da sala, batendo a porta com força atrás de si.

Não gosto da ideia de guardar rancor do meu pai para sempre, mas não consigo simplesmente perdoá-lo. Ao menos não por um bom tempo. Independentemente de como as coisas aconteceram, ele ainda havia mentido para todos nós e escondido a existência de um outro filho. A decepção que tive com ele foi um tremendo soco na barriga, um nocaute desnorteador. A imagem que eu tinha dele estava tão distorcida que eu não conseguia distinguir o positivo do negativo. Eu precisava de espaço.

E é por isso que deixo a sala logo depois de Zara, fechando a porta sem emitir nenhum ruído, a quietude se sobressaindo sobre tudo e qualquer coisa por pelo menos uma vez.

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