CAPÍTULO 44



Num primeiro momento, andar de moto com Zaden me trouxe uma sensação tão nova quanto aterrorizante: as ruas pelas quais passávamos não eram nada além de construções borradas pela velocidade e todo veículo que se aproximava de nós me dava a impressão de ser tão grande que poderia nos engolir a qualquer segundo – e não estou orgulhosa de mim mesma por ter ficado tão apreensiva ao ponto de agarrar a cintura de Zaden como se minha vida dependesse daquilo. O meu ato desesperado com certeza se voltaria contra mim mais tarde, na forma de uma das muitas provocações do meu insolente parceiro de viagem.

Apesar da minha tortuosa experiência inicial, conforme fomos saindo da parte mais movimentada do trânsito para a rodovia praticamente deserta que levava para fora da cidade, minha preocupação foi se dispersando pouco a pouco até se tornar nada além de pura apreciação pelo vento gelado em meu corpo e pelo cheiro das árvores e do ar fresco ao meu redor. Enquanto eu erguia a cabeça brevemente para contemplar o céu, de repente me ocorreu que, diferente de estar confinada dentro de um carro, onde eu poderia admirar apenas a paisagem limitada através de um vidro, viajar de moto era como acompanhar a mesma rota do vento, em liberdade para sentir o calor suave do sol e observar o voo lindamente coreografado dos pássaros desbravando as nuvens.

Me aconcheguei mais um pouco em Zaden, abraçando-o sob a jaqueta e sentindo o ritmo tranquilo das batidas do seu coração. Eu estava muito grata a ele por ter inventado todo esse passeio maluco de última hora e me chamado para ir junto. Às vezes eu ficava tão presa à minha rotina de obrigações que esquecia de sair por aí experimentando coisas diferentes só por diversão, sem ter como propósito atingir um objetivo ou meta. Somente para criar boas memórias. Só porque eu podia.

Depois de cerca de mais dez minutos de viagem, passamos pela placa de boas vindas da entrada da cidade vizinha, e não demorou muito para que finalmente chegássemos ao nosso destino: uma construção gigantesca que parecia uma espécie de parque para skatistas e patinadores. Uma olhada mais atenta fez com que eu avistasse até mesmo uma recriação incrivelmente realista de um monte para escaladas e uma série de tirolesas. Era quase como um parque de diversões com tema de esportes radicais!

— Zaden, esse lugar é incrível! — exclamei, olhando maravilhada para todas as direções possíveis em busca de descobrir novas atrações. — Como você o descobriu? Eu literalmente nunca tinha ouvido falar daqui!

— Bem legal, né? — ele olhou para mim, abrindo um sorriso satisfeito. — Foi inaugurado no final do ano passado, bem na época em que eu e a banda fomos participar daquele programa em Nova York. Um amigo que veio no dia da abertura me recomendou bastante, mas as coisas estavam bem agitadas para mim; eu tinha acabado de me mudar, a agenda estava lotada e eu estava a poucas semanas de entrar em turnê, então não tive tempo de vir.

— Então quer dizer que também é a sua primeira vez aqui? — perguntei, surpresa. Mesmo com a rotina apertada, era difícil acreditar que um aventureiro como Zaden não tinha dado um jeito de escapar das obrigações para visitar esse lugar incrível.

— Sim — Zaden assentiu, de uma maneira que me pareceu estranhamente tímida. — Para dizer a verdade, quis vir com você aqui desde o momento que soube que iriam abrir um parque como esse perto da nossa cidade. Nunca criei coragem para te convidar porque sabia muito bem que você diria não... — deu uma risada sem graça, coçando a nuca. — Enfim. Achei que seria bom para nós dois fazermos algo novo juntos. Temos várias tradições: as terças de karaokê, os sábados nadando na piscina... Eu amo cada momento que dividimos quando éramos crianças, mas acho que está na hora de criar novas memórias — ele disse, com um sorriso repleto de ternura. — Agora que estamos juntos de novo, eu só quero recuperar o tempo perdido e te acompanhar por aí sem rumo, visitando lugares novos, provando comidas diferentes... Vivendo uma série de primeiras vezes com você do meu lado.

Eu o encarei, completamente sem palavras. Zaden passava tanto tempo usando a máscara de cara convencido e piadista que às vezes se tornava fácil esquecer que por dentro ele ia muito além disso. O homem diante de mim possuía uma alma tão sensível e cheia de amor para dar que era capaz de me entregar sem reservas um pedaço do seu coração no meio de uma conversa banal. Ele nunca me pareceu ser tão bonito quanto agora.

— Por que está me olhando assim, toda misteriosa? — Zaden perguntou, erguendo uma sobrancelha clara. — Você não vai zombar de mim e dizer que eu sou brega e piegas demais, vai?

Balancei a cabeça.

— Não. Eu só queria... — engoli em seco, sentindo o rosto esquentar. — Eu só queria dizer que também amo tudo o que fazemos juntos. Cada pequena coisinha. Sei que não demonstro como deveria, mas só queria deixar claro que me sinto da mesma maneira. E só para constar, eu não acho que você é brega — falei, baixando o olhar para o cadarço dos meus coturnos.

Passaram-se alguns segundos de silêncio durante os quais eu pedi aos céus com todas as minhas forças para que meu rosto não estivesse tão vermelho a ponto de parecer óbvio quando a risada grave de Zaden ecoou no ar entre nós, fazendo com que eu erguesse a cabeça quase que imediatamente.

— Obrigado por não me achar brega. E, só para constar, você fica muito meiga quando está se declarando — ele murmurou em meu ouvido, depositando na minha bochecha um beijo tão suave quanto um suspiro. Entrelaçando os dedos nos meus, ele colocou nossas mãos unidas delicadamente dentro do bolso da sua jaqueta de couro para então perguntar: — Você quer entrar agora?

Assenti de imediato, aproveitando a súbita mudança de tópico para acalmar as borboletas enlouquecidas em meu estômago.

— Claro que quero! E é melhor a gente correr pra fila, porque ela só está crescendo — eu alertei, puxando-o em direção às pessoas paradas em linha reta na frente da bilheteria de ingressos.

— Não precisamos esperar na fila, Alis. Eu paguei mais caro para que tivéssemos passe livre especial — Zaden afirmou, parecendo completa e absolutamente satisfeito enquanto me guiava para uma entrada diferente, na qual haviam dois seguranças com tablets e canetas em punhos. — Podemos ir em qualquer atração que quisermos sem ter que esperar na fila. Toda vez será a nossa vez.

— Como assim... — comecei a questionar, incrédula, quando o segurança deu um passo à frente:

— Bom dia. Essa entrada é apenas para o recebimento de ingressos reservados. Nomes, por favor.

— Bom dia. Os nomes são Zaden LeBlanc e Alison Walters — Zaden respondeu.

— Reserva confirmada — o segurança riscou algo no tablet que segurava, assentindo para o parceiro ao lado dele, que imediatamente nos entregou dois crachás de identificação nas cores dourado e lilás. — Aproveitem o Golden Violet Park.

— Obrigada — agradeci, sufocando um grito de entusiasmo ao me virar para Zaden, que me olhava com um sorriso que não parava de crescer. As belas covinhas em seu rosto se encontravam em extrema evidência. — Ter passe especial é tão legal! Sabe, quando eu te conheci, achava muito irritante o fato de você ser rico. Você estava sempre chegando na nossa casa de motorista, tinha tudo de última geração e era tão engomado que parecia o modelo de uma loja infantil de artigos de luxo...

— A minha mãe me fazia usar mocassins e gravata borboleta com treze anos de idade — ele fez uma careta. — Acho que não é necessário trazer à tona essa fase traumática da minha vida.

Eu contive a risada, lembrando nitidamente do cabelo loiro penteado para trás com o qual Zaden costumava chegar nos primeiros ensaios da banda.

— Acho que a sua mãe pensava que conseguiria conter o seu espírito rebelde com gel de cabelo e coletes de alfaiataria sob medida — sorri, empurrando meu ombro contra o dele. — Naquela época parecia que você estava sempre se gabando de tudo o que tinha, e isso me fazia querer revirar os olhos até a morte. Hoje, no entanto, eu estou amando tudo isso, porque o seu dinheiro vai evitar que eu gaste a sola dos meus sapatos novos esperando em uma fila gigante.

Ele me deu um olhar enviesado conforme nós dois passamos pela roleta de segurança da entrada do parque.

— Você fala isso, mas nós dois sabemos que o valor do passe especial de um parque de diversões é algo que você pode pagar tranquilamente.

— Isso é verdade. O que acontece é que, mesmo agora, quando meus pais já se estabilizaram e garantiram que eu pudesse esbanjar o quanto quisesse, ainda parece super anormal não precisar esperar na fila — suspirei, dando de ombros. — Não espero que você entenda. Aposto que você nunca teve que ir ao mercado e esperar a sua vez de ser atendido pelo caixa. O máximo que pode ter chegado perto dessa experiência deve ter sido esperar pela conta em um pub chique.

— Pega leve, Alis. Assim você faz com que eu pareça um idiota rico e sem noção.

— Você já foi a um mercado esperar na fila do caixa? — perguntei, cética.

— Não exatamente, mas...

— Vamos simplesmente nos poupar de ter essa conversa — eu o interrompo, mas sou eu quem perde a fala no instante em que vejo uma pista de skate colossal, com rampas coloridas de diversos tamanhos, corrimões e outros obstáculos. Há cerca de quinze pessoas espalhadas pela pista, todas deslizando sobre a prancha ou se divertindo enquanto assistem às manobras dos outros skatistas. — Ah. Meu. Deus. Aqui é enorme. Eu nunca tinha visto uma pista tão grande assim.

Zaden assobiou.

— É grande mesmo — ele concordou, dando uma boa olhada ao redor antes de se voltar para mim. — E, aí? Você se garante?

Ergui as sobrancelhas, surpresa.

— Se eu me garanto? No skate, você quer dizer?

Zaden assentiu.

— Mas é claro que me garanto! — exclamei, ultrajada. — Você já se esqueceu de como eu era boa? Eu peguei o jeito em menos de duas horas! Na mesma semana em que você me ensinou nós dois já estávamos praticamente no mesmo nível.

— Espere um pouco. Que você era habilidosa, é inegável — ele consentiu, sem objeções. — Mas dizer que estávamos no mesmo nível com apenas uma semana de treino?, aí já é exagero.

— Exagero? — repeti, ofendida. — Se eu estivesse com o meu skate aqui, eu te surraria naquela pista agora mesmo.

— Isso é um desafio? — Zaden indagou, seus olhos azuis se estreitando sob a luz do sol e cintilando com um brilho de pura malícia.

— Se é assim que você quer interpretar, então sim — respondi, fazendo pouco caso do seu súbito ar de espertalhão. — Assim que voltarmos para casa, vou mostrar a você como é que se anda de skate. — Isto é, se eu mesma ainda me lembrar de como se anda.

— Ora, Alis, você não precisa esperar até que voltemos para casa — ele respondeu, apontando com o queixo para uma loja com toldo lilás e portas de vidro que havia passado despercebida por mim. — O parque tem um estabelecimento especialmente para o aluguel de skates. Vamos até lá escolher os nossos. Depois é só irmos para a pista e vermos quem é o melhor. Nous pouvons aller?

— É claro que podemos ir. Se quiser, pode até ir na minha frente — sugeri, soltando a minha mão da dele e retirando-a do bolso da sua jaqueta. — Eu te deixo escolher o seu primeiro. Não preciso do melhor skate para vencer.

— Como você quiser — ele disse, erguendo um lado dos lábios em um sorriso maroto. — Mas lembre-se: é um desafio. E como em todo bom desafio, aquele que perder terá que aceitar qualquer que seja o preço definido pelo vencedor — concluiu, passando por mim tranquilamente em direção à loja de aluguel de skates.

Apressei o passo para acompanhá-lo.

— Ei, espere aí! Você não tinha dito nada sobre ter que pagar um preço! — argumentei.

— E por que você se importaria com isso? Eu não me importo, e até onde eu sei, daqui a alguns minutos vou estar sendo publicamente surrado na pista de skatismo — Zaden se lamentou, todo piadista, deixando uma risada escapar ao perceber minha expressão irritada. — Vamos, Alis, não seja tão competitiva. Eu estou só brincando — ele disse, estendendo a mão para que eu a segurasse novamente. — Venha, chegue mais perto. Não gostei que você se soltou de mim.

Revirei os olhos, me aproximando dele a contragosto, mas sem segurar sua mão de volta.

— Não que tenha muita importância, mas você pode deixar que eu escolha o meu skate primeiro? — perguntei, como quem não queria nada, tentando voltar atrás no que eu dissera antes.

— Pfft. Mas é óbvio que sim. Eu ia deixar você escolher primeiro de qualquer jeito — Zaden falou, tocando a ponta da minha trança. — Eu te conheço bem, sabe. Além do mais, eu não me importo com isso. Vou vencer de qualquer jeito mesmo.

Dei uma gargalhada, sentindo minhas bochechas se aquecerem.

— Você é absolutamente ridículo.

— E ainda assim você aceitou passar o dia inteiro comigo. Você deve ser muito apaixonada por mim.

— O motivo principal para eu ter aceitado foi dó, mas a outra parte também é verdade — admiti, entrelaçando meus dedos nos dele. — Eu sou muito apaixonada por você.

🎸

— Você tem certeza de que quer fazer disso uma competição? — indaguei, observando Zaden posicionar seu skate no chão, pegar impulso e sair deslizando levemente pela pista, apenas testando a prancha sob seus pés. Ele havia escolhido um modelo tradicional, preto com contornos em vermelho. O meu era idêntico, mas num tom claro de rosa, muito parecido com o modelo aposentado que eu mantinha em casa. — Não fazem nem duas semanas desde que você tirou o gesso. Se você cair e se machucar de novo...

— Relaxa, Alis. É bem mais fácil eu cair andando com os meus próprios pés do que com o skate — o loiro argumentou, dando de ombros ainda de pé sobre o skate, cujas rodinhas seguiam deslizando lentamente pela lista. Sem aviso algum, Zaden pressionou a parte de trás da prancha com um dos pés e a redirecionou para frente, saltando enquanto o objeto girava sob seus tênis e pousando em perfeito equilíbrio ao fim da sua manobra.

Alguns skatistas por perto assobiaram e acenaram com a cabeça para ele em um gesto de apreciação, e eu me contentei em apenas revirar os olhos para o seu exibicionismo descarado, cruzando os braços para não correr o risco de começar a bater palmas como os outros. Zaden era excepcional e sabia muito bem disso.

— Então... ver você pulando em cima de uma prancha deveria me confortar de alguma maneira?

— Eu estou usando o equipamento de proteção que você pediu — ele relembrou, erguendo os antebraços para mostrar as cotoveleiras e apontando para o capacete em sua cabeça. — Eu não vou cair. Agora venha. Dê uma volta para testar o seu skate.

Dei um suspiro resignado, tentando não deixar na cara que estava me sentindo meio insegura, isso para dizer o mínimo – havia mais de dois anos e meio que eu não andava de skate. Eu tinha aprendido todo o básico e as manobras mais simples com Zaden, então depois da nossa briga o hobby só servia para me lembrar dele e do quanto eu sentia saudades. Já era uma vitória que eu lembrasse ao menos de como fazer para pegar o impulso certo e manter o equilíbrio enquanto estivesse em movimento.

Sem me demorar mais, posicionei um pé na dianteira da prancha e impulsionei com a perna que ainda estava em contato com o chão, deslizando pela pista até o ponto onde Zaden me esperava, posicionando os pés de lado no shape para não pesar mais em uma ponta do que na outra. Eu estava indo inacreditavelmente bem para alguém que não praticava o esporte há tanto tempo, até que a minha recém obtida onda de confiança me traiu e me fez pender parte do corpo para o lado, balançando os braços avidamente para me apoiar em alguma coisa que não fosse o vazio.

Braços me ampararam antes que eu caísse do skate, me mantendo de pé sobre a superfície de madeira.

— Parece que alguém aqui não continuou praticando na ausência do professor — Zaden murmurou, sem me soltar. — Pelo visto eu vou ter que te ensinar tudo de novo, afinal, se eu não fizer isso, como é que você vai me dar aquela tal surra da qual tanto se gabou?

— Ah, Zay, como assim? Você sabe que eu só estava brincando. Como é que eu te surraria em algo que foi você que me ensinou? — perguntei, abrindo um sorriso inocente e cheio de humildade.

Zaden me lançou um olhar repleto de ceticismo, mas um dos cantos da sua boca estava lutando para não se erguer em um sorriso de puro divertimento.

— Não sei, não. A aluna sempre pode superar seu mestre.

— Eu acho que prefiro respeitar a hierarquia — repliquei, arrancando uma risada de seus lábios.

— Você é uma espertinha insuportável — disse, o que interpretei como sendo um ótimo elogio. Dando um tapinha na base das minhas costas, ele prosseguiu: — Assim como você mantém a postura quando está dançando balé, também precisa fazer o mesmo quando estiver sobre o skate. Seu corpo tem que estar alinhado com o movimento e a direção da prancha, e seus pés precisam estar bem posicionados no shape. É isso aí, só que um pouco mais afastado — ele aprovou, tocando minha coxa para indicar a distância entre um pé e outro. — Pronto. Pode pegar impulso agora, só lembra de manter o alinhamento do corpo.

Seguindo suas instruções, me impulsionei para frente e subi no skate, ajeitando os pés sobre a base para que ficassem em perfeito equilíbrio e endireitando a postura para acompanhar o movimento da prancha. Dessa vez mantive o ritmo por mais tempo e até mesmo consegui desviar de dois cones que serviam de obstáculo para quem andava pela pista.

Desci do skate ainda em movimento e me virei para Zaden, sorrindo vitoriosa:

— Você viu como eu consegui desviar? Eu não perdi o jeito totalmente! — exclamei, sacudindo os braços e mexendo o quadril em passos de dança loucos de comemoração.

Ele balançou a cabeça, rindo da minha empolgação fora do normal enquanto andava até mim.

— É claro que não perdeu o jeito. Você teve um ótimo professor.

— Eu tive mesmo — falei, jogando meus braços ao redor do pescoço dele em um abraço apertado. — Estou tão feliz de ter conseguido. Bem que você disse que eu era habilidosa!

Zaden me ergueu pela cintura, tirando meus pés do chão e me girando no ar uma vez antes de me abraçar com força contra seu peito. Eu sorria tanto que meu rosto já estava começando a doer. Não me lembrava da última vez em que tinha ficado tão feliz com algo tão pequeno quanto dar uma volta de skate sem perder o equilíbrio. A energia de alguém realmente tinha o poder de fazer toda a diferença no nosso dia a dia.

— Vamos ver quem chega primeiro naquela rampa e depois ir para a tirolesa? — propus, dando tapinhas carinhosos na bunda de Zaden.

— Agora mesmo — ele disse, me soltando na velocidade da luz e não perdendo tempo em saltar sobre seu skate.

— Ei, desse jeito já é trapaça! — reclamei, correndo para pegar meu próprio skate e alcançá-lo a tempo de não chegar por último. — Eu voltei a praticar pela primeira vez hoje depois de quase três anos!

— E quem disse que isso é problema meu? — ele debochou, impulsionando seu skate para a frente e assumindo a dianteira.

— Seu branquelo ridículo... — resmunguei, seguindo logo atrás dele. — Você me paga! — fiz minha promessa de retaliação, apesar de continuar sorrindo feito idiota.

🎸

Saímos do parque depois de termos ido literalmente em todas as atrações disponíveis – e feito apostas em todas as ocasiões possíveis, porque aquele era o jeitinho Zaden e Alison de deixar as coisas mais divertidas. Fizemos escalada (eu cheguei ao topo primeiro), descemos lado a lado na tirolesa (chegamos ao outro lado ao mesmo tempo), patinamos no gelo (Zaden caiu de bunda no chão duas vezes e eu escorreguei somente uma) e tiramos várias fotos. Entre uma atividade e outra sempre havia um homem ou mulher com máquinas fotográficas instantâneas, prontos para tirar fotos de quem quer que pedisse. Ao fim do passeio, eu tinha nas mãos quatro polaroids.

A primeira mostrava Zaden e eu sorrindo em um meio abraço, ele segurando minha cintura com uma mão e mantendo o skate em pé no chão com a outra. Eu levava o capacete debaixo do braço e estava sorrindo tão abertamente que alguns poderiam até dizer que eu estava posando para estampar um dos folhetos de marketing do parque. A segunda era hilária, com Zaden sentado no gelo da pista de patinação logo após a queda e eu fazendo pose de desaprovação com um polegar virado para baixo. A terceira era uma de nós dois escalando e a última era a minha favorita: eu estava sentada em uma das mesas de descanso do lado de fora do ranking de patinação e achei que estava posando sozinha, porque Zaden tinha saído para comprar algo para bebermos. No entanto, quando recebi a foto, percebi que ele aparecia mais afastado, encostado no balcão da lanchonete que ficava a alguns metros de onde eu estava sentada.

Enquanto a minha pose tinha sido totalmente calculada, com a trança sobre o ombro, as pernas cruzadas e usando a mão para apoiar o meu queixo, a de Zaden não poderia ser mais espontânea. Ele só estava lá, apenas sendo ele mesmo, com o cabelo loiro bagunçado, a postura relaxada enquanto esperava nosso pedido ficar pronto e o olhar inteiramente voltado na minha direção, me observando de longe com um sorriso bobo nos lábios. Ele parecia estar tão feliz que fez meu coração se encher de ternura no momento que segurei a foto nas mãos.

— Dizem que a comida desse restaurante é muito boa — Zaden falou, abrindo a porta do estabelecimento e gesticulando para que eu passasse na frente. — Eles também são conhecidos por sempre terem música ao vivo.

O interior do restaurante era ainda mais atraente do que a fachada do lado de fora: possuíam lindas luminárias de cobre pendendo do teto no formato de flores e enormes vasos de plantas entre uma mesa e outra que deixavam o ar mais arejado e aconchegante. O lugar era extremamente espaçoso e delicados arranjos de jasmim estavam posicionados no centro de todas as mesas. Mais adiante havia um terraço lindo com teto de vidro, onde tinha uma mulher cantando um cover da música "Ocean Eyes", da Billie Eilish. Passava só um pouco das duas da tarde e tinham casais dançando lentamente no espaço livre diante do palco, como num filme antigo.

— Senhor LeBlanc? A sua mesa fica por aqui — disse uma mulher elegante de cabelo raspado e terninho branco. — Me sigam, por favor.

Ergui as sobrancelhas levemente, um pouco surpresa e até mesmo tocada por Zaden ter se dado ao trabalho de reservar uma mesa em um restaurante como aquele em tão pouco tempo. Se ele não tivesse me pedido para passar o dia com ele tão de repente, eu ousaria dizer até que ele já tinha planejado tudo aquilo pelo menos um dia antes de me fazer o convite.

Nos sentamos em uma mesa a poucos metros de distância do terraço, onde podemos ouvir a música de fundo confortavelmente e com visão parcial dos casais na pista de dança. Eu peguei a mim mesma sorrindo sem motivo enquanto admirava aqueles desconhecidos dançando juntos. Era tudo tão... romântico.

— Eu acho que nunca vim a um lugar assim — falei, quando a mulher já havia nos deixado após anotar nossos pedidos. — É tão bonito. Parece cenário de filme de romance. Aliás, como você conhece esse restaurante? Já veio aqui antes com alguém? — indaguei, tentando soar o mais desinteressada possível.

Zaden abriu um sorriso divertido.

— Também é minha primeira vez aqui. Encontrei ele por acaso, enquanto pesquisava por lugares legais nas redondezas — ele respondeu, bebendo um pouco de água da sua taça.

Franzi a testa.

— E por que você estava pesquisando por lugares legais? Por acaso estava tentando me impressionar? Porque conseguiu.

Zaden engasgou, tossindo baixinho, seu rosto se tingindo de vermelho instantaneamente. Abri um sorriso exultante, convencida de que tinha acertado em cheio, achando estranhamente fofo o fato de ele estar envergonhado por ter sido descoberto.

— Que bom que consegui — foi a resposta dele, sem acrescentar mais nada.

Estreitei os olhos, desconfiada. Um Zaden de poucas palavras era um Zaden que estava planejando alguma coisa.

— Hmm. Ok, então — dei de ombros, mantendo a pose despretensiosa. — Agora que a turnê foi encerrada, quando você e os meninos planejam voltar para Nova York? Vocês já conversaram sobre isso?

— Ainda não temos nada definido, mas por hora vamos só curtir um mês ou dois de férias e então iniciar a produção do próximo álbum. Eu vou aproveitar esse tempo para restabelecer a minha rotina tocando guitarra e me assegurar de que o meu braço esteja 100% pronto para aguentar o tranco quando eu sair da fisioterapia e voltar com os shows — ele disse, tamborilando os dedos sobre a mesa ansiosamente. — Quero dar o meu melhor para compensar minha ausência durante a primeira turnê da banda.

Estiquei o braço por cima da mesa, desaparecendo com a distância entre nós dois ao cobrir seus dedos com os meus.

— É ótimo que você esteja animado para voltar, mas lembre-se de respeitar os seus limites, ok? Nenhum dos meninos culpa você por ter se machucado, até porque todos eles sabem muito bem que você teria dado tudo para ter tido condições de ir. E você sempre deu o melhor de si, então não precisa se preocupar em fazer mais do que já fazia antes, está bem?

Oui, ma belle — ele assentiu, apertando minha mão contra a sua, seus olhos azuis escrutinando meu rosto com um brilho de admiração. — E eu espero de coração que você esteja tratando a si mesma com a exata gentileza que me pede para ter comigo mesmo, porque você sempre foi do tipo que se cobra além da conta. Nunca consegui apagar da minha mente a lembrança que tenho de você refazendo uma pirueta até desabar de exaustão só porque achava que não tinha praticado o suficiente. Você me preocupa, Alison.

— Eu... eu estou tentando — me forcei a erguer os lábios em uma tentativa lamentável de sorriso. — Não é fácil pegar leve, porque eu ainda tenho que melhorar muito. Tenho que fazer muito mais para chegar aonde eu quero. Não posso parar.

— Mas pode desacelerar — Zaden contrapôs, suavemente, acariciando os nós dos meus dedos. — E pode estender a mão para pedir minha ajuda quando precisar. Você sabe muito bem que não há nenhum fardo que eu não seja capaz de te ajudar a carregar. Isso aqui — ele disse, levando a mão livre até a gola da camisa e segurando a corrente prateada pelo pingente que compartilhávamos da palheta de guitarra dividida ao meio. — Carrega um significado grande demais para mim e eu nunca tive a chance de te dizer qual. Mas vou dizer agora.

— Zaden — eu sussurrei, sem saber ao certo se estava preparada emocionalmente para ouvir o que ele diria em seguida.

— Shh, não venha com essa de "Zaden" para cima de mim — ele ralhou, franzindo a testa em aborrecimento, o que fez uma risada borbulhar em meu peito. — Quando você me deu esse presente, eu fiquei tão feliz que nem soube me expressar como deveria. Agora, que estou mais velho e mais maduro, queria que você soubesse que sempre pensei nesses pingentes como uma representação de nós dois. Duas partes individuais que se completam quando estão juntas — respirou fundo, alinhando o azul de seus olhos ao castanho do meus ao dizer: — Você sempre foi a minha metade, Alison. Sou melhor e mais feliz quando estou com você e não quero nunca mais que fiquemos separados por brigas idiotas e mal entendidos. Quero que você se apoie em mim. Que me veja como seu único parceiro de dança, seu melhor amigo e seu namorado. Quero ser a metade da qual você nunca vai abrir mão. Eu só quero que você me diga que sim.

Pisquei, estática, tentando afastar a umidade que havia nublado minha visão repentinamente. Tentei ensaiar o que dizer algumas vezes, abrindo a boca e tropeçando nas palavras como uma boba, e antes que eu pudesse sequer formular uma resposta, o garçom chegou trazendo nossos pedidos, tomando um cuidado extra na hora de servi-los e pousando os pratos à nossa frente no que quase pareceu ser a simulação de uma câmera lenta. A expressão de Zaden era o retrato da frustração, e eu não contive a risada enquanto enxugava o canto dos olhos. Eu nem sabia o porquê, mas estava nervosa, com o coração batendo acelerado dentro do peito, como se numa espécie de ataque de euforia.

Quando o garçom finalmente terminou de servir a mesa e se retirou, eu enfim encontrei a minha voz:

— Então quer dizer que você organizou todo esse passeio só para me pedir em namoro?

— Alison — ele advertiu, quase suplicante. — Vamos lá, você já me fez esperar por muito tempo.

— Eu sei que fiz. E me desculpe por isso — murmurei, beijando gentilmente o dorso da mão dele, que estava trêmula. — É claro que a minha resposta é sim, Zaden. Quem mais vai compor um solo de guitarra em minha homenagem senão você? É óbvio que aceito ser sua namorada.

Assisti ao vivo o rosto de Zaden passar de tenso para absurdamente feliz, com direito a sobrancelhas arqueadas de surpresa e covinhas coroando um sorriso de pura incredulidade.

— Você está... você está falando sério mesmo, né? Porque você tem um senso de humor meio deturpado quando se trata de fazer pegadinhas.

— Sim, Zaden — eu revirei os olhos, me esforçando o máximo possível para não deixar que um sorriso gigantesco tomasse conta do meu rosto igual estava acontecendo com ele. — Por mais incrível que pareça, eu estou falando sério. Pode parar de tremer agora, seu bestão.

— Quem disse que eu estava tremendo? — o loiro desconversou, endireitando a postura e estufando o peito. — Eu estava super confiante. O máximo que fiz foi suar frio.

— Ha-ha, seu idiota... — zombei, no instante em que ele se levantou e contornou a mesa até parar ao meu lado. — O que você está...

Zaden abaixou o torso na minha direção, seus dedos erguendo meu queixo e sua boca indo ao encontro da minha em um beijo apaixonado. A pressão dos seus lábios contra os meus foi firme, intensa e cheia de devoção e promessas feitas em silêncio. Foi um beijo tão simples, e ainda assim me fez encolher os dedos dos pés dentro dos meus sapatos, provocando um frio gostoso na minha barriga.

O toque se desfaz, e Zaden encosta sua testa na minha, nossas respirações se misturando com a proximidade.

Deveria ser proibido que alguém tivesse o poder de provocar tantos sentimentos em uma outra pessoa. Sentir tudo o que eu sentia por Zaden era ilógico e trazia uma necessidade esmagadora de tê-lo sempre por perto. Era aterrorizante e ao mesmo tempo não me causava medo algum. Havia tantas coisas que eu queria dizer a ele, tanto para mostrar como eu me sentia e ainda assim, quando a conhecida melodia de "Halo", da Beyoncé, chegou aos meus ouvidos, só fui capaz de pronunciar três palavras:

— Vem dançar comigo.

E sem mais, ele veio.

A música estava sendo cantada pela mulher no palco em uma versão mais serena, como uma balada lenta. Faziam muitos anos desde que Zaden e eu tínhamos dançado juntos daquela maneira; no entanto, nossos corpos ainda possuíam o mesmo encaixe e intimidade de velhos parceiros de dança. Uma das mãos dele pesava na minha cintura e a outra segurava a minha, nossos dedos entrelaçados. Minha mão livre descansava sobre o peito dele,  acompanhando a pulsação harmoniosa dos seus batimentos cardíacos. E quando Zaden me fez girar suavemente pela pista de dança, pensei que a letra da canção não podia estar mais certa: os muros que eu havia construído em volta de mim tinham desmoronado sem emitir um ruído sequer. Apesar de todos os meus esforços, Zaden tinha conseguido atravessar todas as minhas defesas.

E ainda bem que tinha.

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