CAPÍTULO 42




Atravesso a passadas largas o hall de entrada da Mansão, fazendo o máximo possível para passar despercebido e não causar nenhum alarde com a minha chegada tardia. Pela mensagem que eu havia recebido mais cedo da minha mãe, a noite de hoje seria reservada para um típico jantar de família em comemoração ao retorno de Zaya, e os jantares da nossa família sempre exigiam a presença de todos os LeBlanc 's. Em outras circunstâncias, eu adoraria jantar com a família reunida, com cada uma das minhas irmãs ocupando seus respectivos lugares à mesa e meus pais sentados à cabeceira de cada ponta, compartilhando sorrisos e conversas em nosso mundinho particular esculpido à perfeição.

Hoje, no entanto, eu seria uma peça completamente fora do lugar no tabuleiro de mentiras regido pelo meu pai. Eu não tinha intenção alguma de estragar o clima do jantar de boas vindas da minha irmã, mas também não queria fazer parte se tivesse que sentar do lado do meu pai e forçar uma expressão plena de felicidade e admiração quando não era o caso. O meu plano para aquela noite era subir para o meu quarto discretamente e pedir para que Joseph avisasse a todos que eu estava indisposto.

Passo pela porta dos fundos do terraço e sigo silenciosamente em direção à escadaria lateral que dá para a varanda da sala de jogos. Com sorte, todos na casa estariam conversando na sala de estar principal e nem me notariam atravessando o corredor do andar de cima para chegar até o meu quarto. Aquela seria a minha melhor chance de entrar despercebido. Enquanto subo as escadas, solto um suspiro aliviado por não ter sido pego, e é nesse momento que as portas duplas da varanda da sala de jogos são subitamente abertas. Tento não entrar em pânico, mas a tarefa se torna impossível quando uma cabeça loira se torna duas, duas se tornam três e três se tornam quatro.

— Nem adianta fazer cara feia, Zaya — a voz de Zelina ecoou. — Você sempre foi terrible jogando ludo. Até a Zoe conseguiu vencer de você. E ela é doze anos mais nova.

— Ei! Só porque sou a mais nova, não quer dizer que sou a mais burra — Zoe protestou, se impondo como deveria.

— Não foi isso o que eu quis dizer, mon petit — Zelina se retratou. — É claro que você não é burra.

— E você está querendo insinuar que eu sou burra, então? — Zaya contra-atacou, com o seu familiar tom de sarcasmo. Minha segunda irmã mais velha era uma provocadora nata.

— Se a carapuça serviu...

— Ah, faça-me o favor! Eu sei muito bem que você viciou esses dados há anos atrás, Zelina. Você não é a vencedora por mérito próprio, sua trapaceirazinha de uma figa — ela alfinetou, o que me fez sufocar uma risada. (Eu provavelmente deveria estar dando meia volta, mas a conversa delas estava boa demais para que eu não continuasse escutando.) — Zara, diga o que você acha: Zelina trapaceia ou não trapaceia?

— Ninguém consegue tirar o número seis tantas vezes seguidas sem ser trapaceando — Zara diz, direta como sempre.

Zelina arfou, estupefata. Ela sempre foi muito dramática.

— Vocês são tão más perdedoras que precisam inventar um absurdo desses para se consolarem? Pois então que seja. No fim, eu continuo sendo vencedora — se gabou, jogando uma onda de cabelos loiros por cima do ombro.

— Você é insuportável, isso sim. É por essas e outras que eu deveria ter ficado em Paris com a tia Chloé comendo macarons — Zaya resmungou.

— Ah, pare — Zara interviu. — Você estava reclamando dela há meia hora atrás, dizendo que se jogaria no Sena se tivesse que ir à mais um dos encontros às cegas que ela te arranjava com aqueles franceses esnobes.

— É, nisso você tem razão — Zaya concordou. — Você acredita que um deles sugeriu que eu não pedisse uma segunda rodada de éclairs porque, segundo ele, eu já estava muito acima do meu peso? Como se por um acaso eu tivesse perguntado a ele uma opinião nutricional.

Babaca filho da puta, pensei.

— Idiota gordofóbico — Zelina xingou. — Eu espero que você o tenha mandado ir à merda. Zoe, não repita isso. Ao menos não na frente da mamãe.

— Só quando ela não estiver por perto — minha irmãzinha assentiu obedientemente.

— Boa menina — Zelina aprovou. — Agora alguma de vocês sabe me dizer o motivo de Zaden estar no meio da escadaria ouvindo toda a nossa conversa como se nenhuma de nós tivesse percebido?

Fiz uma careta.

— Talvez ficar longe da banda o tenha deixado entediado e ele esteja brincando de espião — Zoe sugeriu, olhando diretamente nos meus olhos, acenando na minha direção com um sorriso de orelha a orelha estampado em seu rosto. — Zaden, nós estamos vendo você, bobão!

— Esse daí já não bate bem da cabeça desde que era criança. Com a queda que levou, então, deve ter perdido os últimos parafusos que restavam — Zaya lamentou, cheia de ironia, cutucando Zara com o cotovelo para que ambas pudessem compartilhar a piada.

— Ha-ha. Muito engraçada, Zaya — comentei secamente, subindo os degraus que faltavam para chegar até a varanda onde elas estavam. — O que você estava dizendo mesmo sobre voltar à Paris?, próximo voo à meia noite, primeira classe das bruxas?

— Eu estava dizendo que não planejo voltar para lá nem tão cedo, seu filhote de lagartixa loira — retorquiu, se aproximando de braços abertos.

Eu retribuí o seu abraço no ato, esfregando suas costas por alguns segundos antes de soltá-la.

— Ainda bem que somos todos irmãos, então — zombei, me virando para encarar Zelina. — Mas olha só! Quem é vivo sempre aparece, hein? Finalmente decidiu sossegar o facho e parar de ficar viajando por aí com o engomadinho do seu marido?

— Não fale como se você mesmo não já tivesse sido o engomadinho da mamãe — ela revirou os olhos, colocando as mãos sobre meus ombros e me dando um beijo na bochecha. Depois de alguns tapinhas no meu braço direito, ela ergue o olhar para mim e diz: — Que bom que você já pôde tirar o gesso. Ainda dói quando você mexe?

— Um leve incômodo às vezes, mas a fisioterapeuta disse que era normal. Fora isso, está tudo bem. Já até voltei a tocar guitarra. Nenhuma música que exija muito esforço, obviamente — acrescentei, quando minha irmã mais velha franziu a testa e começou a abrir a boca de um jeito que não restava dúvidas de que era para me dar uma advertência. — Como eu disse, está tudo bem.

— Não sei, não... Você está com uma cara meio abatida. — Zelina ponderou, estreitando os olhos azuis. A mulher tinha um poder sobrenatural de observação. Não era à toa que era uma das advogadas mais procuradas da firma. — Foi aquela garota malvada de novo?

Foi minha vez de revirar os olhos.

— "Aquela garota" tem nome. E ela não é malvada. — Eu tentei convencê-la, sem muito sucesso. — Ok, talvez ela seja um pouquinho má, mas em uma quantidade saudável — esclareci.

— Em uma quantidade saudável? — Zelina ergueu uma sobrancelha descrente. — Quando ela parou de vir aqui em 2018, eu tive que te ver sofrendo pelos cantos durante meses. E não adianta fazer essa cara de desentendido e fingir que não é verdade, porque a Zaya pegou você chorando escondido no quarto um dia depois do seu aniversário.

— Isso é verdade, mas vamos combinar que o Zaden sempre teve uma leve inclinação para o drama — Zaya pontuou.

— Uma leve inclinação para o drama? — Zara questionou, em tom de zombaria. — Uma inclinação pesadíssima, eu diria.

Abri a boca para mandá-la ficar quieta, mas Zelina foi mais rápida:

— Que ele é dramático ou não, isso não importa. Nenhuma garota tem o direito de fazer o meu irmão mais novo chorar. Ele é um anjo, por que alguém o magoaria?

Passei a mão pelo rosto, exasperado.

Mon Dieu, como é que chegamos a esse assunto mesmo?

— Zara também estava chorando por um garoto! — Zoe exclamou, pegando a todos nós de surpresa. — Enquanto olhava fotos dele no celular dela!

Imediatamente desviamos nossa atenção para Zara, que estava boquiaberta e completamente ruborizada.

— Eu... eu... eu... — ela gaguejou, olhando do meu rosto para o de Zelina e do dela para o de Zaya até finalmente focar em Zoe. — Je vais te tuer, tu fille commère!

Antes que ela pudesse avançar na direção de Zoe, a porta de vidro da varanda da sala de jogos é aberta novamente, dessa vez por nossa mãe, que parece altamente satisfeita em nos encontrar todos reunidos. Quando éramos mais novos, ela sempre tinha que pedir ajuda aos funcionários da casa para conseguir colocar a todos nós em um lugar só.

— Ufa! Ainda bem que vocês estão todos aqui — disse ela, com um sorriso cheio de alegria. Tentei dar a ela o meu melhor sorriso em retribuição, mas tudo em que conseguia pensar era em como o meu pai teve a coragem de procurar outra mulher quando tinha alguém como a minha mãe ao lado dele. — Nossa, essa é uma visão que tem se tornado cada vez mais rara esses dias. Todos os meus cinco pedacinhos de ouro reunidos. Zara, querida, por que está tão vermelha? Parece à beira de um ataque. Zaden, meu amor, que bom que você chegou. O jantar já vai ser servido.

— Na verdade, eu...

— Nós já vamos descer com a senhora até a sala de jantar, mamãe — Zelina se adiantou, enlaçando meu braço no dela.

— E a síndrome da primogênita perfeita ataca novamente — Zaya murmurou em meu ouvido enquanto tomava o meu outro braço, o que me deixava oficialmente com zero opções de fuga.

— Mamãe, espere por mim! — Zoe exclamou, aproveitando a cobertura materna para passar correndo por Zara e agarrar a mão da nossa mãe, sabendo muito bem que fazer isso a deixaria temporariamente fora do alcance das garras vingativas de nossa irmã. Aquela espertinha audaciosa, pensei, com um sorriso de aprovação.

Saímos da sala de jogos e descemos a escadaria de mármore da sala de estar principal com mamãe liderando o caminho de mãos dadas com Zoe, sendo seguida de perto por uma Zara emburrada de braços cruzados e o trio formado por mim e minhas duas irmãs velhas por último. Por um momento, me sinto tão confortável que é quase como se nada tivesse mudado.

No entanto, a ilusão se desfaz quando vejo o meu pai conversando com o marido de Zelina na entrada da sala de jantar. O conforto anterior é logo substituído por um sentimento de traição e raiva, que vem acompanhado de um amargor que pesa uma tonelada em minha língua.

— Timmie — minha mãe o chamou, um sorriso radiante se abrindo em seu rosto ao olhar para o meu pai. — Você não vai acreditar: realizei a façanha impressionante de encontrar todos os nossos filhos de uma só vez.

— Você vive realizando coisas impossíveis, mon amour — foi o que ele disse, sorrindo de volta para ela de um jeito que faria qualquer um pensar que ele era o marido mais devoto de todo o mundo. Estalei a língua em desdém, sem me aguentar, o que atraiu a atenção não só dele como também de Zelina e Zaya, que estavam de pé ao meu lado. Ambas olharam para mim em completa confusão, ao passo que o sorriso do meu pai encolheu até se transformar em uma trêmula curvatura de lábios.

Ele estava morrendo de medo.

— Zaden, meu filho, nós podemos conversar um pouco no meu escritório antes do jantar? — perguntou, me dando um olhar suplicante.

— Pai, esse é o jantar de boas vindas da Zaya. Não temos nada para conversar que não possa ser deixado para depois — respondi, sabendo que seria imediatamente apoiado.

— Ele tem razão, querido — minha mãe disse, pousando uma mão sobre o ombro do meu pai. — Nada é mais sagrado do que uma refeição em família. Vamos, pessoal, vamos jantar. Zaya, meu amor, mal posso esperar para que conte cada detalhe da sua viagem à Paris!

— Pode deixar, mãe — ela assentiu, pelo bem das aparências. Baixando o tom de voz para que só eu escutasse, completou: — Ela não tinha acabado de dizer que não existia nada mais sagrado que uma refeição em família? Por que quer me tornar o entretenimento da noite ao invés de simplesmente comer em paz?

— Ah, pare de ser chata. A mamãe sentiu sua falta. Tudo o que ela quer é saber se você se divertiu com a tia Chloé, então faça o favor de tagarelar até não aguentar mais — Zelina murmurou, antes de nos deixar para trás e correr para os braços do babão do marido dela, também conhecido como Christian Hard, empresário especialista em gestão financeira e compra e venda de empresas. Minha irmã havia conhecido ele no tribunal, quando um dos clientes dela o processou. Apesar de ter lutado com unhas e dentes, aquele foi um dos poucos casos que ela perdeu. Verdade seja dita, eu não faço a menor ideia de como eles acabaram se casando.

— Zaden. Fico feliz de ver que o seu braço voltou para o lugar — ele disse, me cumprimentando.

— Obrigado, Christian. Também fico feliz de ver que você ainda não ficou calvo — respondi, ganhando um olhar enviesado dele e um suspiro contrariado de Zelina logo antes de eles se afastarem e começarem a sussurrar entre si compartilhando risadinhas abafadas.

Zaya e eu nos entreolhamos, revirando os olhos e fazendo caretas e gestos de descontentamento para as costas da nossa irmã e do marido chato dela.

Argh. Olha só para aqueles dois. Casais felizes são tão irritantes — Zara bufou, nos ultrapassando.

— Eu hein. O que foi que deu nela? — Zaya perguntou, apontando com o queixo para a marcha raivosa de Zara em direção à sala de jantar.

— Você nem vai querer saber — suspirei. — Ela está passando por uma fase meio rebelde punk inconsequente que conta com várias alterações de humor. Nada que eu já não tenha visto antes. O clima era muito pior quando acontecia de todas vocês ficarem de TPM ao mesmo tempo.

— Nem me fale — ela grunhiu.

— Pois é — concordei.

Seguimos o restante do nosso percurso até a sala de jantar em um silêncio confortável, cada um de nós seguindo até o seu assento de costume. A cadeira à direita do meu pai é onde me sento desde que me entendo por gente, mas não tenho estômago o suficiente para me obrigar a ir até lá. Tudo o que consigo pensar é no garotinho loiro que vi hoje mais cedo no escritório dele, o filho bastardo que meu pai escondeu por debaixo dos panos como se fosse uma mancha em uma de suas calças de alfaiataria. Em como ele pôde mentir para mamãe por todos esses anos e agir como se fosse o modelo perfeito de marido e pai de família.

— Zaden, você não vai sentar perto do papai? — Zelina tocou meu antebraço.

— Não. Pode sentar, se quiser — eu disse, oferecendo a cadeira para ela e contornando a mesa para me sentar na ponta, ao lado de Zoe.

Sinto o olhar do meu pai sobre mim o tempo todo, mas não dou a mínima. Quero mais é que se foda.

— Que bom que você se sentou do meu lado hoje! — minha irmã mais nova sorriu satisfeita, ajeitando um cacho dourado atrás da orelha. — Será que mais tarde nós podemos conversar sobre o meu joguinho? Eu passei para o próximo nível.

— Nós dois podemos conversar a hora que você quiser sobre qualquer coisa que quiser — respondi, erguendo a palma da minha mão para que ela a acertasse em um high five.

— Vocês não imaginam o quão feliz eu fico de ver toda a família reunida à mesa desse jeito — mamãe começou, no momento em que o jantar estava sendo servido. — Essa casa é muito grande, e se torna estranhamente gigantesca quando um de vocês não está. Pareceu aumentar um pouco depois que Zelina saiu e então se tornou um lugar labiríntico quando Zaden foi morar em Nova York. Eu acho que fiquei tão acostumada te ouvindo tocar guitarra e cantarolando pelos corredores que não tê-lo mais pertinho de mim deixou um vazio tremendo — disse ela, com a voz subitamente carregada de emoção.

Por favor, meu Deus, a última coisa de que preciso agora é que ela comece a chorar.

— Ah, mamãe... — Zelina começou, também emocionada.

— Tudo bem, querida. Enfim — prosseguiu, pigarreando. — A partida de Zaya para Paris deixou tudo ainda mais silencioso. Senti falta de ouvi-la reclamando sobre tudo e todos. O que me leva à pergunta de um milhão de dólares: como estava a sua tia Chloé?

— Minha irmã ficará lisonjeada de saber que as notícias a respeito da vida dela estão valendo um preço tão alto — meu pai brincou, o que gerou algumas risadas.

— Ah, vocês sabem. — Zaya deu de ombros, concentrada em partir seu pedaço de salmão. — A tia Chloé está como sempre foi. Mandona, excêntrica, tagarela e uma romântica incurável. Em menos de uma semana lá, ela já tinha me arranjado uma lista quilométrica de pretendentes com os quais eu deveria me encontrar.

— Pelo seu tom de voz, suponho que não tenha achado nenhum deles digno de seu interesse — papai adivinhou.

— Não mesmo. Todos eles eram arrogantes, chatos, donos de um intelecto medíocre e beleza mediana.

Zoe se engasgou com a risada enquanto bebia água, e eu bati suavemente em suas costas. Até mesmo o mau humor de Zara deixou uma brecha para que um meio sorriso nascesse em seu rosto.

— Talvez você devesse se interessar mais por esses encontros, Zaya. Nunca se sabe onde e quando podemos conhecer o amor das nossas vidas — mamãe aconselhou, com um sorriso gentil. Obviamente, não era só a tia Chloé que se enquadrava na categoria de romântica incurável.

— Mãe, pelo amor do meu bom Deus. Eu tenho só vinte e quatro anos. Ainda nem tive a chance de me conhecer por inteiro, quanto mais de conhecer o amor da minha vida! — Zaya balançou a cabeça, enfiando na boca uma garfada de peixe. — Faça-me o favor. Não estamos em um filme romântico dos anos dois mil.

— Mas...

— Eu gostaria de aproveitar esse momento em que estamos todos reunidos para agradecer ao papai e à mamãe por terem me proporcionado uma família tão grande e unida — Zelina se levantou de sua cadeira de supetão, erguendo sua taça de água para propor um brinde, chamando a atenção de todos nós. — É graças a vocês dois que pude crescer ao lado de um irmão e irmãs que tanto amo. A família sempre foi a base de tudo para mim, e é por isso que hoje fico tão feliz de compartilhar com vocês a notícia de que estou esperando o meu primeiro filho. Eu estou grávida. Hoje faço três meses de gestação.

Zaya para de mastigar, ao passo em que Zara e Zoe emitem sons de maravilhada surpresa e eu só consigo ficar boquiaberto. Zelina, grávida? Não dá para acreditar. Não faz tanto tempo assim que ela me pegou no colo e posicionou o violão em minhas mãos para me ensinar os primeiros acordes que toquei na minha vida. Quando foi que ficamos tão velhos?

— Meus parabéns, minha querida. Você será uma excelente mãe, eu não tenho dúvida alguma — mamãe a felicitou, abraçando-a em estado puro de alegria. — Que notícia maravilhosa, meu bem. Estou muito feliz por você. Não caiu a ficha de que finalmente serei avó!

— Obrigada, mamãe — Zelina disse, fungando, seus olhos cheios de lágrimas. — É muito importante ouvir isso da senhora.

— Sei que você já tem vinte e sete anos, mas de alguma maneira ainda parece que ficou grávida na adolescência. Alguns dias atrás nós tínhamos a idade de Zara e agora... você vai ser mãe. Parabéns, Lina — Zaya a abraçou, tentando e falhando miseravelmente em esconder a emoção.

Fiquei de pé, me esforçando o máximo possível para não parecer um maria-mole e começar a chorar também.

— Poxa, Zel. Acabei de fazer dezenove anos. Sou jovem demais para já ter alguém me chamando de tio — resmunguei, dando o meu melhor para não deixar transparecer a voz embargada quando ela me abraçou. — Você é a melhor e mais chata irmã mais velha que alguém poderia ter. Meu sobrinho ou sobrinha vai ser uma criança de muita sorte. Muita mesmo. Parabéns, soeur.

— Obrigada, mon cher frère. Je vous aime — ela disse, com um sorriso tão grande e sincero que faria com que o dia de qualquer um se enchesse de esperança.

— Eu também te amo.

Assim que desfizemos nosso abraço, demos de cara com o meu pai, que era o próximo na fila de felicitações. Abri espaço para os dois e Zelina o abraçou de imediato, sem nem esperar para ouvir o que ele tinha a dizer.

— Não há nada que você faça que não me encha de orgulho. Tenho certeza de que será uma mãe e tanto. A melhor mãe de todas. Depois da sua, é claro — ele brincou, soltando-a. Virando-se para o marido da minha irmã, acrescentou: — Você também será um pai maravilhoso, Christian. Estou certo disso.

— É uma honra ouvir isso, principalmente vindo do senhor. Eu prometo que vou dar o melhor de mim para a sua filha. Se eu conseguir ser metade do pai e marido que o senhor é, vou ter dado a minha missão como cumprida — ele disse, o que fez com uma risada irônica escapasse dos meus lábios sem a menor pretensão.

— Acho melhor você procurar outra pessoa para te servir de inspiração, meu amigo — murmurei, já me preparando para dar as costas quando sinto uma mão me segurar pelo ombro.

— Por que está agindo dessa maneira com o seu pai? — Mamãe indagou, franzindo a testa em aborrecimento. — Você mal olhou na cara dele desde o momento em que se encontraram e então escolheu se sentar o mais longe possível de onde ele estava. Foi o último a chegar para o jantar, e ainda entrou pelos fundos, como se não quisesse esbarrar em ninguém. E não olhe para mim desse jeito. Eu sei de tudo o que acontece nessa casa. A única coisa que eu não sei e espero que você me diga é o motivo de estar sendo tão desrespeitoso com alguém que sempre fez de tudo por essa família.

— Louise, querida, deixe isso pra lá. Vamos apenas focar em comemorar a boa notícia de Zelina, tudo bem? — o meu pai interviu, retirando a mão da minha mãe do meu ombro e então segurando-a entre as dele.

Isso. Vá em frente e aja como se eu fosse o filho ruim e você o pai compreensivo e marido perfeito.

— Não, Timothée. Eu não vou deixar pra lá justamente por estarmos comemorando a felicidade de Zelina. O mínimo que Zaden deveria fazer como irmão é deixar de lado quaisquer que sejam os motivos dessa briguinha idiota de vocês dois e prezar pelo momento da irmã dele.

— Mamãe, está tudo bem. Eu realmente... — Zelina interviu.

— Não, não. Sinto muito, mas não está. Ele pode ter uma casa em Nova York, ser parte de uma banda famosa e ter quantos fãs forem, mas debaixo do meu teto, ele vai se comportar direito. Zaden, peça desculpas à sua irmã e ao seu pai — mamãe ordenou, irredutível.

Reuni todo o autocontrole que me restava e me virei para Zelina, respirando fundo:

— Zelina, me desculpe. Eu não queria provocar essa confusão logo agora. Me desculpe mesmo. Christian, peço que me desculpe também — eu fiz contato visual com o marido da minha irmã, que assentiu em compreensão. — Se me dão licença, eu estou de saída.

— Zaden Philip Wright LeBlanc! — minha mãe exigiu. — Peça desculpas ao seu pai!

— Eu não vou pedir desculpas pra ele, está bem?! — explodi, sem aguentar aquela merda por nem mais um segundo. — É ele quem tem que se desculpar! Com a senhora, comigo e com as meninas! Por ser um covarde falso e mentiroso!

— Zaden, perdeu a cabeça? Como você pode dizer uma coisa dessas do papai? — Zara se intrometeu, cheia de indignação.

— Do que você está falando? Por que ele teria que se desculpar com a gente? — Zaya questionou.

— Isso não passa de um grande mal entendido. Primeiro vamos acalmar os ânimos, terminar de jantar e então...

— Um mal entendido? — vociferei, cerrando os punhos. — Eu vi uma mulher entrar no seu escritório com uma criança mais nova que Zoe, te pedindo dinheiro para criar o filho que vocês tiveram juntos e que você manteve escondido de todos nós por sabe-se lá Deus quantos anos e foi a porra de um mal entendido? Por quanto tempo vai continuar fingindo, pai? Agindo como se fosse o marido do ano e não um canalha traidor que não reconhece a existência do próprio filho bastardo?

— O quê? — Mamãe ecoou, em choque, seu rosto empalidecendo ligeiramente ao buscar o olhar do meu pai e encontrá-lo encarando o piso debaixo de seus sapatos. — Isso não... Isso não pode... É um mal entendido, não é, Timmie? Você não... você não teve um filho com outra mulher, teve?

— Pai? — Zoe o chamou, e o tremor na voz dela partiu meu coração em mil pedaços.

Isso não é culpa minha. Nada disso é culpa minha. Eu não tenho culpa pelos erros dele, tentei convencer a mim mesmo, me sentindo um lixo completo por estar fazendo com que minha mãe e minhas irmãs passassem por uma situação daquelas.

— Timothée? Você tem um filho com outra mulher, ou não? — minha mãe repetiu.

— Eu... Sim. Eu tenho. Me perdoe, Louise. É tudo verdade, mas eu juro que posso explicar. Eu juro pra você que eu nunca tive a intenção. Tudo não passou de um único deslize...

Ver minha mãe soltar a mão do meu pai como ela fez agora nunca teve um significado tão triste.

— Quantos anos ele tem?

— Louise...

— Um deslize, você disse? Todos os nossos filhos foram deslizes para você também? Seu desgraçado. Você não vale nada. Eu não posso acreditar nisso — ela diz, a frieza em sua voz sendo rachada pela mágoa.

Me virei, caminhando até Zoe e Zara, que assistiam toda a cena com rostos cheios de lágrimas e expressões arrasadas. Sinto raiva de mim mesmo por não ter engolido meu orgulho e simplesmente pedido desculpas. Se eu pudesse, nunca as teria submetido a uma situação dessas. Mas não há nada que eu possa fazer agora além de consolá-las.

— Venham meninas, vamos embora — eu digo em voz baixa, erguendo Zoe em um braço e tocando as costas de Zara com a outra mão. Troco olhares com Zaya, que imediatamente trata de enxugar as lágrimas em seu rosto, e vejo Zelina parada em um estado de choque imóvel. Há apenas alguns minutos atrás, ela havia abraçado nosso pai com força e declarado orgulhosamente que a família era a sua base para tudo. Minha irmã mais velha podia não estar chorando agora, mas eu sabia muito bem que uma grande parte do mundo dela tinha desabado.

Cuide bem dela, eu pedi a Christian, movimentando os lábios sem emitir som. Ele acenou com a cabeça em confirmação antes de se voltar para ela, amparando-a. Ouço Zoe soluçando baixinho contra o meu pescoço, e a seguro com mais firmeza. É injusto que nos sintamos culpados por erros que não cometemos. Não é nossa obrigação manter nossos pais juntos ou fazê-los serem fiéis. Nada disso depende de nós.

E ainda assim, a dor parece querer nos engolir.

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