CAPÍTULO 37
Gostaria de poder me vangloriar a respeito de ter seguido firme e forte com o que havia dito algumas semanas atrás sobre ir devagar e manter as coisas na amizade com Zaden, mas ao que parece, isso não vai acontecer. Era oficial: eu tinha fracassado. E o mais chocante de tudo era o fato de não estar nem irritada por isso – para ser sincera, eu estava bem. Mais do que bem, até. Estava muito bem, pensei, enquanto passava meus braços ao redor do pescoço do homem diante de mim, na intenção de facilitar o meu acesso à boca dele.
Em um reflexo ao meu movimento, Zaden puxa minha cintura para mais perto, aproximando nossos corpos até que não haja mais espaço entre nós. Levei minhas mãos aos seus cabelos, afundando os dedos na maciez das madeixas douradas. Um frio prazeroso toma minha barriga no momento em que Zaden me agarra com mais força, meus pés deixando o chão quando sou colocada sentada em cima da escrivaninha e ele se acomoda entre minhas pernas, sem parar de me beijar nem mesmo um segundo. Quando sua língua encontra a minha, sinto como se pudesse me desmanchar de tanta satisfação.
A coisa mais louca sobre beijar Zaden era que nunca tinha sido estranho. O meu primeiro beijo de todos havia sido com ele, e mesmo naquela vez, nada parecia errado ou fora de lugar. Não éramos os melhores e nem os mais experientes, mas gostávamos tanto um do outro que nada disso tinha feito diferença. Até o sentimento de constrangimento que veio em seguida não durou por mais de cinco minutos, porque a nossa relação era tão íntima que não existia aquilo entre a gente. Éramos amigos e tão apaixonados um pelo outro que parecia não haver motivo para vergonha.
Eu sentia saudade da menina inocente que tinha sido no passado. Sempre fui meio travada para me abrir com as pessoas, mas não tanto como agora. Naquela época, eu não era tão dura comigo mesma. Não me afastava e nem desconfiava de quem era importante para mim. Não escolhia cuidadosamente as coisas que diria para não soar como alguém sensível demais ou engolia as lágrimas para não ser pega chorando. Em algum momento no meio do caminho, eu havia esquecido de que não precisava me forçar a fazer tudo isso.
E estar com Zaden novamente me lembrava que nenhum desses hábitos era natural; todos eles tinham sido praticados e desenvolvidos com o tempo. Natural mesmo era rir sem reservas, falar sobre as coisas das quais eu gostava sem medo de parecer idiota e beijar a pessoa por quem eu era apaixonada sem pensar que estava cometendo um erro terrível. Zaden nunca tinha traído a minha confiança, muito pelo contrário; eu que tinha deixado que a maldade e inveja daqueles ao nosso redor fossem maiores que a minha crença na sinceridade dele. Talvez aquilo de que nós dois precisávamos para seguir em frente não fosse ir devagar, mas sim que eu me permitisse vencer minhas próprias inseguranças e desse um salto de fé ao que sentíamos um pelo outro.
Toco o rosto de Zaden, separando meus lábios dos dele para poder tomar um pouco de ar. Ele está tão ofegante quanto eu, o peito subindo e descendo com a respiração pesada. Fios de cabelo bagunçados cobrem parte de seus olhos e sua boca está vermelha e inchada por conta do beijo. Não sei qual a minha aparência no momento, mas espero que não esteja tão descomposta, porque até onde meus pais sabem, Zaden está aqui para me ensinar francês, não a arte da pegação.
Apesar disso, quando ele se inclina para me beijar outra vez, eu o correspondo. É apenas um beijo simples nos lábios, demorado e tão carinhoso que me aquece de dentro para fora.
— Eu sabia que tocar para você te deixaria amolecida, mas não imaginei que seria tanto — murmurou, tão perto que o som de cada palavra pronunciada era uma carícia contra a minha pele. — Se eu soubesse que seria assim, teria encontrado um jeito de tocar ainda quando estava com o braço engessado.
Eu ri, baixando a cabeça.
— Quer dizer então que você planejou tudo isso de propósito só para fazer com que eu caísse na sua conversinha fiada, não foi? — perguntei, encarando suas mãos espalmadas sobre minhas coxas cobertas pela calça jeans.
— Sobre isso, bem... — Zaden começou, afastando de maneira cuidadosa uma onda de cachos para trás do meu ombro, de forma que o acesso ao meu pescoço estivesse totalmente livre. — Há pouco tempo atrás você admitiu que me ver tocando é algo que te deixa balançada, então não pode me culpar por aproveitar a informação e usar tudo aquilo que tenho a meu favor, pode? — indagou, depositando um beijo abaixo da minha orelha.
Pressionei os lábios, contendo um gemido conforme seus beijos iam descendo até o decote da minha blusa. Concentração, Alison. Concentração.
— Você é um tremendo... pervertido — murmurei, apoiando a mão no peito dele para impedi-lo de continuar sua indecente trilha de beijos pelo meu busto (a qual estava me fazendo pensar em coisas mais indecentes ainda). Aproveitando a abertura, desço da escrivaninha em um pulo e passo por debaixo do abraço de Zaden, tratando de abrir alguma distância entre nós antes que ele possa provocar qualquer outra distração que envolva carícias que seriam consideradas ligeiramente indecentes caso vistas pelos meus pais. Me olho de relance no espelho, conferindo se minha roupa não ficou amassada. Assim que faço isso, me viro para encarar o rapaz de braços cruzados atrás de mim. — Ok. Nós obviamente precisamos conversar sobre o que acabou de acontecer. Para começar, eu queria dizer...
Zaden se adianta:
— Desculpe interromper, Alison, mas antes de você tomar a frente de tudo e começar um discurso falando sobre como estamos cometendo um grande erro e como deveríamos esperar mais um pouco, tem algo que quero dizer primeiro.
Engoli em seco, sem saber ao certo como reagir à essa mudança de ordem.
— Hmm... você pode dizer...
Ele dá um passo à frente.
— Eu cansei de fingir que sou só seu amiguinho quando já deixei mais do que claro o que sinto por você. Apareço no Instituto quase todos os dias na intenção de conseguir te ver, me tornei voluntário no centro comunitário para poder te acompanhar e me ofereci para ser seu professor de francês para passar mais tempo do seu lado. Achei que fazer tudo isso seria o suficiente, mas acontece que não é. Quanto mais perto de você eu fico, mais ansioso me torno — ele disse, ainda imóvel na mesma posição de braços cruzados e maxilar cerrado. Seu olhar se encontrava fixo em algum ponto do piso, até que subitamente se ergueu para se prender ao meu. — Não consigo pensar em mais nada, só em você. E sinceramente, Alison, isso está me deixando louco. Não quero ser o cara que você beija durante lapsos de consciência e depois afasta como se não significasse nada. E talvez seja egoísta da minha parte dizer isso, mas preciso que você tome uma decisão sobre nós dois.
Respirei fundo, balançando a cabeça em concordância. Enquanto processava tudo o que tinha acabado de ouvir, senti inveja de Zaden por saber articular tão bem o que estava sentindo sem nem pestanejar. Ele fazia parecer tão fácil que me dava vontade de chorar de frustração não conseguir fazer o mesmo.
— Você não está sendo egoísta. Na verdade, se tem alguém que tem sido egoísta, esse alguém sou eu — respondi, cuidadosamente. — Eu te disse que queria ir com calma para não acabar estragando aquilo que tínhamos acabado de recuperar, mas percebi que essa havia sido só uma desculpa para mascarar o fato de que eu sentia tanto medo de começar algo novo e machucar a nós dois outra vez que preferi não começar nada — suspirei, passando as mãos pelo rosto. — O mal entendido de três anos atrás causou tanta mágoa... E nós nem sequer namorávamos, Zaden. Foram tantos sentimentos de uma vez que... que quase não conseguimos superar.
Ele assentiu em silêncio, desviando o olhar rapidamente.
Mas não o bastante para que eu não notasse seus olhos marejados.
— Eu acho que já entendi onde você quer chegar — falou, finalmente descruzando os braços. — Não precisa dizer mais nada. Eu sei muito bem como termina. — E antes que eu pudesse sequer me dar conta do que estava acontecendo, Zaden estava me dando as costas e indo embora.
Ele.
Estava.
Simplesmente.
Indo.
Embora.
— Zaden! Zaden, espera aí — eu o chamei, agarrando seu pulso no momento em que sua mão tinha tocado a maçaneta da porta do meu quarto. — Aonde você pensa que vai? Eu ainda tenho muito o que dizer e você precisa fazer o favor de escutar!
— Eu não tenho que...
— Pode ter sido doloroso superar o que aconteceu no passado, mas nós conseguimos passar por isso. O que sentimos um pelo outro pode não ter mudado, mas a verdade é que, seja para o bem ou para o mal, você e eu já não somos mais os mesmos.
— Alison, eu não quero...
— Você pode calar a boca e me deixar terminar? — perguntei, nervosa e dolorosamente tensa. Ugh. Estar apaixonada era uma merda. Vendo que Zaden parecia ter finalmente acatado a minha solicitação, tomei fôlego, me preparando para continuar:
“A Alison que eu era preferiu acreditar em um boato maldoso do que dar a cara a tapa e enfrentar seus medos. O Zaden do passado deixou que eu fosse embora sem relutar só para poder esconder seu orgulho ferido. Nós dois cometemos erros, eu sei. Mas no presente, perdi as contas de quantas vezes te mandei embora e você ainda assim ficou e insistiu até fazer com que eu me abrisse com você. Sempre tive o impulso de me afastar das pessoas e ninguém na minha vida inteira lutou mais para saber como eu me sentia do que você. Nunca conheci ninguém que se importou comigo tanto quanto você se importa, Zaden.”
— Mas a melhor coisa que você fez por mim foi me mostrar que está tudo bem ser do jeito que eu sou — prossegui, sentindo a ardência das lágrimas que se formavam no canto dos meus olhos. — Te ver sendo corajoso o bastante para se abrir sobre seus sentimentos e confiar em mim para se mostrar vulnerável mesmo depois de toda a mágoa que te causei... Isso fez com que eu entendesse que não preciso ter medo de ser eu mesma do seu lado. Que não preciso ter vergonha de sentir certas emoções. Que tudo bem ter me machucado e arriscar tentar outra vez... contanto que seja com você.
Assim que coloco para fora tudo o que estava em meu coração, sinto meu estômago embrulhar de ansiedade. Falei tão rápido que nem sei se disse tudo da melhor maneira. Não queria ter vomitado tantas palavras de uma vez, mas estava sob pressão. Com um súbito estalo de realidade, percebo que ainda estou segurando Zaden, então desfaço o aperto ao redor de seu pulso lentamente, com o sentimento irracional de que ele sairá correndo caso eu o solte rápido demais.
— Pronto — balbuciei, em um fiapo de voz. — Era só isso o que eu tinha para conversar com você.
Um longo momento de silêncio se estende. Estou cogitando a possibilidade de ter ficado nervosa demais e dito algo que não deveria quando o homem de pé ao meu lado enfim retira a mão da maçaneta, suspirando profundamente. Começo a ficar preocupada, porque se trata de Zaden, e o Zaden que conheço não consegue manter a boca fechada por um tempo superior a dois minutos.
— Eu sei que pedi que você calasse a boca, mas não precisava ser para s... — o restante da sentença fica suspenso no meio do caminho até meus lábios, porque sou surpreendida com um abraço tão apertado e carregado de afeto que faz com que um nó se forme na minha garganta. Os braços de Zaden são uma fortaleza de calor ao meu redor, e seu toque me traz uma segurança e conforto tão grandes que me sinto estúpida por todas as vezes anteriores em que o apressei para me soltar.
— Ma belle princesse ballerine — ele murmurou, a voz contendo um alívio tão pesado que fez com as lágrimas que eu havia contido retornassem com força total. — É melhor você manter sua palavra, porque não vou deixar que volte atrás no que disse pra mim, está ouvindo? Não vale desistir agora — disse, resvalando o nariz contra o meu pescoço, causando uma onda de arrepios por todo o meu corpo. — Me prometa que dessa vez, se alguma coisa estiver te incomodando, qualquer coisa que seja, você vai me dizer. Prometa pra mim.
Assenti, me aconchegando em seus braços.
— Eu prometo.
Zaden soltou a respiração que estava segurando em uma lufada de ar sobre meus cabelos, a tensão em seus ombros diminuindo ligeiramente.
— Obrigado. E, porra, Alison, você me assustou. Mais cedo, quando você começou a falar... achei que fosse me dar um fora como da última vez.
— É, isso ficou bem claro no momento em que você tentou sair correndo pela porta para fugir de mim — eu ri, esfregando suas costas carinhosamente. — Não foi minha intenção ter feito com que você pensasse que eu ia te dar um fora. É que eu sou péssima falando dessas coisas. Literalmente prefiro levar um tiro.
— Ei. Você não prefere levar um tiro coisa nenhuma — diz ele, em tom repreensivo. Ainda com o rosto enfiado em seu peito, reviro os olhos pela reclamação, mas não digo nada. — E se quer saber minha opinião, você falou muito bem. Gostei principalmente da parte em que disse que tudo bem fazer qualquer coisa desde que seja comigo. Foi a minha parte favorita.
Eu inclinei o corpo para trás para poder encará-lo, erguendo uma sobrancelha em divertimento.
— Hmm... acho que não foi bem isso aí o que eu disse — comentei, em tom de dúvida.
— Você tem certeza? Porque foi exatamente assim que soou pra mim — Zaden murmurou, com um sorriso besta que se estendia até os seus olhos, que brilhavam como dois cristais azuis. Quis manter a minha expressão duvidosa diante daquela afirmação, mas senti o mesmo sorriso idiota se abrir em meu rosto quando ele beijou a ponta do meu nariz. — E já que estamos falando sobre esse assunto, também teve uma hora que você disse que eu era tão lindo que te fazia sentir vontade de me beijar o tempo inteiro. Quanto a isso, devo dizer que não tenho nenhuma objeção — completou, elevando meu queixo em direção ao dele para depositar um beijo em meus lábios.
Eu o beijo de volta com mais intensidade, passando minhas mãos por debaixo de sua jaqueta, sentindo a firmeza dos músculos cobertos pela camisa.
— É bom mesmo que você não tenha nenhuma objeção — sussurrei, dando alguns tapinhas na bochecha dele antes de me afastar e me encaminhar para assumir o meu lugar na cadeira de frente para a escrivaninha. — Agora, de volta para o francês, monsieur. Minha mãe não pode descobrir que além de ser o tipo de professor que deixa que a aluna faça corpo mole, você também é do tipo que tenta seduzi-la.
— Mesmo que tenha sido a mademoiselle a me beijar primeiro — alfinetou.
— Sou apenas uma pobre aluna inconsequente. Você que como professor deveria ter controlado seus impulsos — rebati, abrindo o livro de francês na página em que tínhamos parado na aula passada. — Venha logo. Já perdemos tempo demais.
Com um murmúrio de decepção, o guitarrista se dá por vencido e obedientemente puxa a outra cadeira para se sentar do meu lado.
— Obrigada. Por tudo — acrescento, quando ele se junta a mim.
Me pegando totalmente desprevenida, Zaden entrelaça os dedos nos meus, roçando seus lábios na pele do dorso da minha mão com total adoração quando diz:
— Alis. Ma princesse. Não precisa agradecer.
🎸
Zaden
Faz dois dias desde que Alison finalmente decidiu dar uma segunda chance para o nosso relacionamento, e eu sinto como se tivesse atingido um nível de felicidade completamente inexplorado. Quando ela disse que estava pronta para tentar de novo – e confiando em mim para dividir quaisquer dúvidas que surgissem no percurso – , quase não acreditei. No instante em que resolvi me impor e pedir a ela para que tomasse uma decisão quanto a nós, imediatamente me arrependi e me preparei para ser rejeitado. No entanto, ao mesmo tempo que não queria forçá-la a fazer nada, também não suportava a perspectiva de tê-la beijado em meus braços só para depois vê-la se afastando e agindo como se nada tivesse acontecido. Eu queria estar com Alison, sim, mas queria que fosse por inteiro. Não me contentaria com fragmentos dela.
Por isso tomei coragem para dizer como realmente me sentia com toda aquela situação de não saber ao certo o que significava para ela e, por fim, consegui recuperar a minha garota de volta. Mesmo agora, dias depois, só de lembrar do sorriso que Alison havia aberto para mim quando eu a beijara... Aquele sorriso que era somente dela, a definição de prazer e alegria dentro de um pequeno repuxar de lábios...
Só pequena lembrança daquele sorriso era o bastante para que meu coração batesse como um louco dentro do peito.
No momento presente, eu havia acabado de sair de uma das minhas sessões de fisioterapia (das quais felizmente eu só vinha ganhando bons resultados quanto a recuperação do meu braço) e feito um desvio do meu trajeto em direção à casa de Alison para entregar uma pasta importante que meu pai tinha esquecido acidentalmente no escritório da mansão antes de ir para a firma. Steve, o motorista, havia sido o encarregado oficial da tarefa, mas como ultimamente meu pai mal estava saindo do trabalho, me ofereci para ir em seu lugar e aproveitar para fazer uma visita ao meu velho. Ele ia gostar de saber que as coisas tinham dado certo com Alison.
Paro a Ducati vermelha em frente ao edifício espelhado de trinta e dois andares que é a Wright & Leblanc Advogados. Tiro o capacete e entrego as chaves da moto para Victor, o manobrista, cumprimentando-o com um aperto de mãos cheio de companheirismo. Tanto ele quanto eu somos grandes admiradores do motociclismo, e por esse motivo sempre que venho aqui faço questão de deixar as minhas motos sob seus cuidados. A Ducati Desmosedici é uma extravagância que ganhei de presente do meu avô no ano passado, mas que quase nunca tenho tempo de usar. É um desperdício deixá-la acumulando poeira na garagem. Talvez eu a leve comigo quando voltar para Nova York.
— É toda sua, Victor. Cuide bem dela — digo, antes de seguir em direção à entrada do prédio.
Assim que passo pela segurança da recepção, pego o elevador principal e aperto o botão do último andar, que além do escritório dos meus pais, é ocupado somente pelas salas de alguns dos advogados mais renomados da empresa e pela imensa sala de reuniões. Com a pasta que vim devolver debaixo de um braço, me aproximo do espelho dentro da cabine do elevador e ajeito meus cabelos, passando a mão distraidamente por entre os fios. Já está mais do que na hora de renovar o corte.
No momento em que as portas se abrem para o andar do escritório do meu pai, abro um grande sorriso para cumprimentar Sônia, a mulher que é assistente da minha mãe desde antes mesmo de eu nascer. Ela parece surpresa e igualmente feliz em me ver, e logo vem me receber com um abraço maternal.
— Zaden! Quanto tempo que você não aparecia por aqui. E o braço? Se recuperou totalmente? — indagou, olhando para o membro livre do gesso e da tipoia. — Louise me contou que foi uma queda bem feia. Zara até se ofereceu para me mostrar o vídeo, mas acabei nem tendo tempo de ver.
Zara, sua pestinha, a critico mentalmente, mas sem parar de sorrir para Sônia. Sempre querendo promover a minha humilhação pública.
— Apesar do que minha mãe disse, não foi nada realmente sério. Doeu bastante, é verdade, mas estou novinho em folha. Daqui a pouco vou estar de volta com a banda — eu disse, apontando para ela um dedo acusatório. — E não pense que esqueci que a senhora falou que iria a um dos nossos shows, hein? Vou ficar cobrando até vê-la na plateia.
A mulher riu, ajeitando o botão no pulso do terninho rosa chá que estava usando.
— Pois continue cobrando. Quando você menos esperar, vai me ver gritando junto com os seus fãs para poder subir no palco e tirar uma foto com aquele seu amigo super alto e bonitão. Tenho uma queda enorme por homens altos — ela suspirou, abanando a si mesma com um ar sonhador. — Se fosse vinte anos mais nova, com certeza tentaria a sorte com ele.
Eu ri, balançando a cabeça.
— Eu pensaria duas vezes se fosse você. Só a namorada dele sabe como é ter que aguentar um grudento daqueles — comentei, lembrando de Sebastian contando os dias para a volta de Amélia sabendo até mesmo as horas exatas que faltavam até lá.
— Você fala isso, mas tem cara de que quando arranjar uma namorada vai ser do mesmo jeito — ela provoca, e eu apenas reviro os olhos, sem poder abrir a boca para dizer que não é verdade. — Mas o que você veio fazer por aqui? Sua mãe não veio para a empresa hoje.
— Eu sei que ela não veio. Zaya voltou de Paris hoje e mamãe foi encontrá-la no aeroporto. Meu pai esqueceu isso no escritório de casa e eu aproveitei a ocasião para vir fazer uma visita — expliquei, mostrando a pasta que carregava nas mãos e dando uma olhada rápida ao redor, franzindo a testa ao encontrar uma mesa vazia. — Parece que a secretária dele deu uma saída. Será que ele está livre para me receber agora?
Sônia olhou para o mostrador do relógio digital na parede.
— Acho que Jane deve estar voltando agora do almoço. Pelo horário, duvido muito que Timothée esteja ocupado no momento. Se eu fosse você, aproveitava enquanto era tempo, porque se tem um homem que é ocupado, esse homem é o seu pai — aconselhou, me dando um tapinha no ombro antes de caminhar até o elevador por onde eu tinha chegado. — Foi bom te ver, Zaden. Mande notícias de vez em quando, hein?
Assenti, acenando em despedida, e assim que ela vai embora, sigo direto para o escritório do meu pai. Olhando de relance para o relógio em meu pulso, confirmo que é mesmo hora do almoço. Dependendo da disponibilidade da agenda dele, talvez dê para nós dois almoçarmos juntos. Se bem que não fazia muita diferença: com a volta de Zaya, mamãe ia fazer questão de que hoje à noite houvesse um jantar com a família toda reunida.
Bato na porta do escritório, mas não ouço resposta. Resolvo abri-la, e encontro o lugar vazio. Esquisito.
Decido ir procurar meu pai na sala de reuniões, e me surpreendo ao ver a porta entreaberta. Me aproximo o suficiente para conferir se há alguém lá dentro e ouço a inconfundível voz carregada pelo sotaque francês do meu pai, junto de uma outra voz feminina desconhecida. Busco com os olhos a origem do som e encontro a silhueta de uma mulher virada de costas para mim.
— Você e eu temos um acordo, Timothée. E você sabe que, apesar de tudo, sempre mantive minha palavra — disse ela, seu tom se tornando cada vez mais incisivo. — Nunca fiz questão de muita coisa, então você deveria ter pelo menos um pingo de consciência e me dar o que estou te pedindo.
Franzi a testa, sem entender direito do que se tratava. Meu pai estava sendo chantageado? Era isso? Mas por qual motivo?
— Nunca fez questão de muita coisa? Poupe a atuação, Joanne. Eu já te dou uma quantia exorbitante de dinheiro. Você deveria se envergonhar de vir até aqui para pedir mais — meu pai respondeu, sem elevar a voz. Até mesmo numa situação como aquela ele mantinha o sangue frio.
A mulher riu, zombando.
— Me envergonhar? Você é quem deveria se envergonhar. O dinheiro que me dá não é nada se comparado ao que você gasta mimando seus filhos. Crianças que nasceram em berço de ouro, criadas numa mansão enorme. Crianças que frequentam a escola particular mais cara da cidade e passam as férias luxando fora do país. Basta olhar para o que seu filho se tornou: um playboyzinho idiota que sai por aí fazendo burradas nos shows da própria banda e se autoproclama um astro do rock...
— Lave a sua boca para falar do meu filho — meu pai alertou.
A advertência pareceu tirar a desconhecida do sério.
— Você não passa de um hipócrita! Eu, lavar a boca para falar do seu filho? — vociferou, apontando o dedo para o rosto impassível do meu pai. — Você também tem outro filho! Mas você ao menos se importa com ele? Não! Ele é só mais uma despesa para a qual você envia um cheque no final do mês!
Sinto o sangue gelar em minhas veias repentinamente. Tento tranquilizar a mim mesmo dizendo que deve haver algo errado, que só posso ter entendido errado, mas toda a minha certeza de um mal entendido cai por terra quando a mulher diante do meu pai se abaixa e se levanta novamente, desta vez com um menino de aproximadamente cinco anos no colo. Não posso ver seu rosto, mas sua cabeça é repleta de cabelos loiros como os do meu pai.
Deixo a pasta escorregar entre meus dedos, atingindo o piso com um baque que faz com que tanto a mulher quanto o meu pai se voltem na minha direção. A feição dela é de total surpresa, ao passo que a dele empalidece de perplexidade.
— Zaden... Filho, há quanto tempo está aí?
A insegurança em sua voz embrulha meu estômago, e sinto que vou vomitar.
— O suficiente — digo, antes de dar as costas e seguir a passos largos em direção às portas abertas do elevador, pelas quais a secretária do meu pai acabara de passar, de volta da sua pausa para o almoço.
Ainda consigo ouvir meu pai chamando o meu nome quando as portas do elevador se fecham.
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