CAPÍTULO 35
— Não, Caitlin. Você ainda não entendeu — eu disse, pegando a borracha e apagando delicadamente metade do exercício que ela havia feito. Estávamos em uma das nossas monitorias particulares nas salas de estudo do Instituto, e ela, que já não era muito chegada aos números, parecia ligeiramente mais distraída que o normal. — Na função exponencial a base vai ser sempre maior que zero e diferente de um. Você está vendo? Se este aqui for um, qualquer número elevado a ele também será um e assim a função se tornará constante, não exponencial.
A garota emitiu um grunhido de frustração, batendo a testa contra o caderno aberto em cima da mesa em um claro ato de dramaticidade.
— Alison, eu desisto — anunciou. — Achei que melhoraria minhas notas de cálculo fazendo monitoria, mas já aceitei que sou um completo fracasso em matemática. Eu literalmente nem saberia a parte básica se você não tivesse feito um super-ultra-mega-power resumo nas nossas aulas passadas para eu poder chegar até aqui sem estar completamente perdida.
Suspirei, puxando a cadeira para sentar ao lado dela. O tempo da nossa aula já estava no fim, e logo eu teria que correr para ensaiar com a minha equipe no estúdio de dança do colégio, o que significava que eu tinha que identificar o que estava impedindo-a de prosseguir com o cálculo o mais rápido possível.
— Eu admito que no início você estava bem pior do que eu pensei que estaria — comecei, fazendo com que Caitlin virasse o rosto na minha direção para poder me olhar feio. — Mas como você mesma disse, agora você não está mais tão perdida, o que significa que já está perto de pegar o ritmo. Vamos lá, você não pode desistir agora, Rabo de Cavalo. Matemática é como a dança: você só fica boa praticando.
— Mas eu tenho praticado!
Ergui uma sobrancelha, duvidosa.
— Bem... talvez não tanto quanto deveria, mas ainda sim tenho! — Caitlin se justificou, baixando o olhar e soltando um suspiro de cansaço. — É que em casa as coisas andam meio estressantes com a minha mãe. Acabo levando a lição para o shopping, mas lá tem tantas coisas melhores para fazer que termino me distraindo e deixando tudo inacabado.
— Qual é o problema com a sua mãe? Não precisa responder se for algo pessoal — adicionei, deixando claro que não pretendia ser invasiva.
— Não, está tudo bem. É só que... — ela parou de falar enquanto tirava um pacote de chiclete do bolso do blazer e enfiava um na boca, me oferecendo outro logo em seguida. Minha garganta estava meio seca, então aceitei. — Eu já comentei com você que quero fazer moda na faculdade, certo?
Assenti.
— Pois é. O que acontece é que a minha mãe implica comigo por querer trabalhar na indústria da moda quando eu obviamente estou fora dos padrões das supermodelos que ela ficou acostumada a ver nas revistas de várias décadas atrás. Eu sempre digo que o mundo é outro e que agora existem modelos plus-size e tudo o mais, só que ela sempre diz que eu devo parar de sonhar e começar a fechar a boca — Caitlin fez um meneio com a cabeça, seu característico rabo de cavalo ruivo-dourado balançando com o movimento. — Eu não dou ouvidos, é claro. Mas ela sempre consegue me tirar do sério quando fala essas coisas. É como se... como se existisse um limite para o que posso usar ou para o que posso fazer só porque sou gorda.
— Desculpe a sinceridade, mas você sabe que a sua mãe está falando merda, não sabe? — indaguei, encarando-a. — Tudo o que ela disse para você não faz absolutamente o menor sentido.
— Pode apostar que eu sei. Eu sou gorda e não tem nada de errado nisso. Odeio quando estou em uma das festas sociais da minha mãe e ouço "nossa, mas você não deveria usar uma roupa que escondesse mais as gordurinhas?" ou então "você ficaria tão bonita se emagrecesse um pouco". Idiotas! — ela exclamou, seu sotaque britânico ficando mais forte a cada palavra que dizia. — Como se por estar acima do peso eu fosse feia ou tivesse que vestir o que não quero. Sabe, é justamente por isso que me empenho tanto em ganhar reconhecimento na internet e entrar para o mundo da moda. Para mostrar para garotas parecidas comigo que elas podem ser e usar o que quiserem, onde e quando quiserem.
Sorri em um reflexo de aprovação ao que tinha acabado de ouvir. Saber mais sobre as aspirações de Caitlin e seu modo de pensar haviam feito com que eu passasse a entendê-la e a gostar bem mais dela. No fim de tudo, ela era só mais uma garota lutando para chegar ao estrelato sem deixar de lado aquilo em que acreditava, e esta era uma realidade bem parecida com a minha.
— Sabe, eu acho que o seu sonho tem tudo para se realizar — falei, tocando seu ombro. — Como você mesma vive dizendo, há um público considerável nas suas redes sociais, pessoas que você conquistou por conta própria e que estão interessadas no que você tem a dizer. Você tem dinheiro para investir na sua carreira, o que já te abre várias portas, mas mais importante que isso, você tem confiança em si mesma. Isso já te dá vantagem para vencer qualquer um que venha se opor ao que você quer fazer.
Caitlin piscou, parecendo emocionada por um momento.
— Obrigada, Alison. Sei que não somos exatamente amigas, mas o seu apoio significa muito para mim — disse, fungando uma vez antes de erguer o rosto em uma afiada expressão de determinação. — Eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ser bem sucedida no mundo da moda. Não importa o que for preciso, eu vou conseguir.
Eu dei uma risadinha.
— Ok, então, Senhorita Sede de Poder. Agora que conversamos, pode voltar ao seu exercício e tentar resolvê-lo desde o começo. E se concentrando e dando tudo de si desta vez — acrescentei, empurrando a caneta na sua direção, que a agarrou e imediatamente voltou a focar no dever.
Ver Caitlin se esforçar para desenvolver a função exponencial depois de desabafar sobre o que a estava incomodando fez com o que o seguinte pensamento surgisse à minha mente: às vezes, as pessoas só precisavam de uma palavra de apoio e de um incentivo para superar as dificuldades. Acreditar em nosso próprio potencial era a parte principal no caminho para o sucesso, mas nos dias em que tudo parecia dar errado e o futuro se mostrava incerto, era bom saber que havia alguém que também acreditava.
🎸
Zaden
— Você sabe que há uma razão pela qual nossa família paga um motorista, certo? — Zara perguntou, quando eu expliquei que tinha vindo ao Instituto para pegar ela e Zoe ao invés de Steve. — É feio tentar roubar o emprego dos outros só pra ter algum pretexto para ficar encontrando a Alison.
Eu franzi a testa, me fazendo de desentendido.
— Emprego? Pretexto? Alison? — dei risada, passando o braço pelos ombros dela enquanto a acompanhava para a entrada do enorme prédio de pedra que era o colégio de elite onde eu costumava estudar. — Acho que você está entendendo tudo errado, irmãzinha. Se estou aparecendo para buscar você e a Zoe no Instituto mais vezes é porque passei muitos meses longe e agora que voltei quero compensar todo o tempo perdido. Não é adorável? Além do que, não há problema algum no fato de eu estar aqui. Nosso pai é um dos maiores investidores dessa escola. Só estou fazendo uma visitinha.
— Você abusa dos seus privilégios — Zara disse, se desvencilhando do meu abraço e me olhando torto enquanto nós dois atravessávamos as grandes portas de vidro que davam para o pátio principal. — Deveria se envergonhar disso.
— Eu deveria me envergonhar de não usar meus privilégios para conseguir fazer as coisas que quero, mas como este não é o caso, estou muito bem comigo mesmo, obrigado — pontuei, com sarcasmo. Ao passarmos pela sala do clube de debate, que antigamente era presidido por Charles, algo me ocorreu: — Sabe, você deveria começar a procurar alguma extracurricular para se inscrever. Tem muitas opções aqui. Deve ter alguma coisa pela qual você se interesse.
Zara acompanhou o meu olhar direcionado ao clube de debate e então soltou o ar pelo nariz, enfadada.
— Lembrando que foi apenas uma sugestão e eu não estou tentando te obrigar a fazer nada — esclareci.
— Eu sei — ela disse, apertando o nó da bandana preta estampada com caveiras minúsculas que usava sobre o cabelo loiro. — Só acho que não tem nada em que eu seja boa.
— Pfft. Como pode dizer uma coisa dessas? Você é boa em um montão de coisas — falei, olhando para ela com descrença.
— Pois eu não consigo pensar em nenhuma — minha irmã murmurou, quase tombando para frente ao tropeçar em seu cadarço desamarrado. — Droga.
Tranquilamente, me agachei aos seus pés para amarrar um laço no cadarço de seus coturnos. Refiz o do outro só por garantia, dando um último puxão para conferir se estavam mesmo firmes.
— Pronto. Agora você não vai mais tropeçar por aí — assegurei, dando um tapinha carinhoso em seu joelho enquanto me levantava. Ela me retribuiu com um singelo sorriso de canto de boca, e eu resolvi parar de fingir não estar notando a aura abatida em torno dela: — Tudo bem, Zara, esse é o momento em que você me diz o que é que está te incomodando e eu resolvo o problema pra você.
Ela suspirou.
— Não é nada de mais, é só que...
— Grande Zaden! — exclamou Gianluca, em um tom que beirava a ironia. Não contive o impulso de revirar os olhos ao vê-lo vindo até nós pelo corredor. Aquele pirralho era a pessoa mais sonsa que eu conhecia. — Ao que nós, meros estudantes, devemos a honra de sua presença? E oi, Zara. Já faz um tempinho desde que nos falamos pela última vez. Tudo certinho?
— Eu tenho que resolver uma coisa com a professora de inglês, então daqui a pouco a gente se encontra na saída — minha irmã disse para mim, ignorando por completo a presença de Gianluca e então se virando na direção contrária.
Ok. Algo definitivamente havia acontecido.
— O que foi que você fez pra ela ter saído desse jeito? — inquiri, olhando-o de cima. Pela idade que tinha, parecia que ele não iria crescer muito mais que 1.70.
Gianluca estalou a língua, dando de ombros de maneira zombeteira. E aqui estava a verdadeira face do garotinho fofo que todos conheciam.
— Você está sempre tentando colocar a culpa em mim, não é, Zaden? Sabe, ao contrário do que você pensa, eu não fiz nada de errado. Acho que a Zara deve estar chateada porque quando ela foi tentar falar com o Harvey depois do acidente eu disse que era melhor que parasse de persegui-lo e de se comportar de forma tão humilhante. Ela sabe muito bem que ele não gosta dela. Eu só quis evitar que houvesse mais constrangimento para os dois — disse, abrindo um sorriso falsamente despretensioso.
Eu deixei que suas palavras pairassem no ar por um segundo antes de sorrir em resposta.
— Escuta aqui — eu comecei, chegando mais perto dele. — Minha irmã pode ter te causado problemas ao bater o seu carro, mas ela já pediu desculpas e eu já paguei por ele. Se Zara for constranger a si mesma falando com o Harvey ou até mesmo com o presidente, a decisão é dela, não sua, então pare de agir como se fosse a porra do secretário do seu amigo e comece a cuidar da sua própria vida.
Minha resposta apaga o sorrisinho estúpido da cara dele, e já estou passando direto quando o ouço dizer:
— Você veio para assistir o ensaio da Alison, não foi? Não que eu te julgue. Eu também vou dar uma olhada nela sempre que posso. A garota é gostosa pra cacete. Aposto que você deve saber disso em primeira... — antes que ele consiga terminar, avanço em sua direção com o punho cerrado, mas sou impedido de atingi-lo por Bryan, que agarra meu braço com força o suficiente para imobilizá-lo.
— Não vamos perder a calma, branquelo — ele murmura, para então encarar Gianluca: — Você. Some da minha frente antes que eu me arrependa de ter te livrado de um nariz quebrado. Agora — ordenou, incisivamente. Com a ameaça, o garoto me dá um olhar venenoso antes de sair andando e desaparecer ao adentrar no corredor mais próximo.
Me desvencilho do aperto de Bryan, contrariado e furioso.
— Você ouviu o que aquele merdinha disse?
O rapaz de pele negra assentiu, respirando fundo.
— Precisamente. E fiquei com tanta vontade de quebrar a cara dele quanto você.
— Então por que me impediu? Ele merecia apanhar — apontei, ainda fervendo de raiva. O modo como Gianluca tinha falado de Alison... eu não conseguia engolir aquilo de jeito nenhum. "Eu também vou dar uma olhada nela sempre que posso." Cerrei os punhos mais uma vez, sentindo meu humor piorar conforme imaginava os olhos daquele garoto asqueroso sobre Alison. Ele pensava que podia fazer o que quisesse que iria se livrar de levar uma surra só porque era da família de um dos meus melhores amigos? Sem chance. Luca podia conseguir enganar muita gente com sua doçura fingida, mas não a mim e certamente não a Loren. Nós dois o conhecíamos bem demais para cair nesse teatro.
— Correção: ele merece apanhar — Bryan reiterou, cruzando os braços. Percebi que ele não usava o uniforme do colégio, mas sim uma roupa preta de ginástica. — No entanto, eu não podia deixar você bater em um menor de idade no meio de um corredor escolar cheio de alunos olhando. Fora o fato de que você é uma figura pública. Ser processado por bater no primo do seu colega de banda não ia ser uma boa publicidade para um guitarrista que até onde todos sabem, deveria estar se recuperando de uma lesão.
Soltei o ar pela boca, tentando me acalmar. Ele tinha toda a razão. Bater em Gianluca sob as circunstâncias nas quais nos encontrávamos seria uma atitude impensada que me traria muita dor de cabeça no futuro. E o próprio Luca sabia disso: não à toa ele havia tentado me fazer perder a cabeça quando não havia ninguém por perto para testemunhar a meu favor.
— Você está certo. Eu teria cometido um grande erro se não fosse por sua causa. Obrigado — agradeço, deixando escapar um suspiro consternado.
— De nada. Alison não iria querer que eu deixasse o branquelo dela se meter em encrenca — Bryan riu baixinho, balançando a cabeça. Abri a boca para perguntar o que exatamente ele queria insinuar com "o branquelo dela", mas ele não deu brecha para que eu trouxesse a questão à tona e logo prosseguiu: — Caso tenha vindo para encontrar com ela, sugiro que venha comigo, pois estou indo vê-la nesse exato segundo. E recomendo que apresse os passos, porque já estou meio atrasado para o ensaio da equipe e a minha capitã não é das mais flexíveis com horários.
Com isso, o rapaz sai caminhando apressadamente por entre o mar de alunos que também estão seguindo para seus próprios destinos. A maioria dos rostos são familiares e recebo acenos e cumprimentos de algumas pessoas enquanto vou acompanhando Bryan até o estúdio de dança do Instituto. Passar novamente por esses corredores e dar de cara com tanta gente vestindo os inconfundíveis blazers marsala com a insígnia do colégio me trazem uma enorme sensação de nostalgia. Não posso dizer que sinto falta da escola, mas eu gostava da rotina e dos momentos que ela proporcionava a mim e aos meus amigos: detalhes banais como sentarmos juntos na hora do almoço ou reclamarmos das provas enquanto ríamos de Sebastian por ele estar sempre distraído prestando atenção em Amélia.
Era incrível pensar em como as coisas podiam mudar radicalmente dentro de apenas um ano.
A melodia abafada da música "Crazy in Love", da Beyoncé, preenche os meus ouvidos assim que Bryan e eu nos aproximamos do estúdio onde Alison ensaiava com a equipe de dança oficial do Instituto. Inscrito na placa de metal informativa presa à porta da sala estava o nome Estúdio de Dança Golden Bees. Sorri comigo mesmo, orgulhoso. Alison tinha dado origem a tudo aquilo. Se não fosse pela iniciativa dela, o colégio nem teria uma equipe de dança.
— Graças a Deus o ensaio não começou — Bryan murmurou ao meu lado, depois de expiar pela janela de vidro e então entreabrir a porta. O som ficou mais alto. — Ainda estão só aquecendo.
Eu cheguei mais perto da entrada para poder ter uma visão melhor do que estava acontecendo dentro da sala.
Como nada do que fazia podia ser chamado de simplório, Alison também não pegava leve no aquecimento da sua equipe: ao que parecia, o pré-ensaio deles consistia em uma roda de dança na qual ela apontava para alguém e o dançarino escolhido tinha que assumir o centro do círculo para mostrar seus passos de dança no modo freestyle, no qual se podia fazer o que quisesse. Era o tipo de exercício que treinava a confiança para se estar no centro das atenções e despertava a adrenalina e a vontade de mostrar seus melhores movimentos diante de seus colegas e professora.
Uma das meninas para quem Alison havia me apresentado no parque, que reconheci como sendo Natalie, estava deixando o centro do círculo no minuto em que Peter entrou na berlinda, mal chegando e já conseguindo a atenção de todos ao abrir seus braços e movê-los como se ondas percorressem seus músculos. Não parando por aí, ele ainda mostrou toda a habilidade que tinha ao deslizar no piso e performar perfeitamente o Headspin, um passo de break no qual o corpo era lançado para cima e girava ao longo de seu eixo vertical enquanto era sustentado apenas pela cabeça.
— O Peter é mesmo uma fera nisso — eu disse, me inclinando na direção de Bryan para que ele pudesse me ouvir acima do volume da música. Não obtive nenhuma resposta além de um mecânico aceno de cabeça; Bryan estava completamente absorto pela apresentação de Peter, e o encarava cheio de admiração.
Balancei a cabeça com um sorriso. Era legal ver amigos que realmente apreciavam o trabalho um do outro.
— Agora é sua vez, Alison! — uma das garotas mais novas, cujo nome eu tinha quase certeza de ser Olivia, gritou. Seu pedido rapidamente se transformou num coro, e logo os demais dançarinos também estavam chamando Alison para entrar na roda.
Foi então que ela, que até então estava fora do meu campo de visão, atravessou desfilando o espaço que seus companheiros de equipe haviam aberto especialmente para sua entrada e se posicionou no ponto principal do círculo, se tornando instantaneamente o centro das atenções de todos. E foi então que eu vi: Alison não estava usando as braids de sempre no cabelo. Hoje suas madeixas estavam completamente soltas, os longos cachos escuros de seu cabelo se estendendo até a cintura. Perdi o ar por um momento que pareceu ser tão longo que até senti meus joelhos fraquejarem. Fazia tanto tempo que eu não a via com o cabelo em sua forma natural que quase tinha esquecido do quão lindo era.
— Pelo menos se esforça para não babar — Bryan alfinetou, me dando uma cotovelada tão forte que fez com que eu endireitasse as costas. Senti vontade de bater nele de volta, mas ver Alis com os cachos de novo tinha melhorado tanto o meu humor que nem me dei ao trabalho de devolver o golpe daquele magrelo.
Faltavam poucos segundos para que "Crazy in Love" chegasse ao fim, mas Alison conseguiu fazer deles o seu próprio show. Isso é algo que era unicamente dela: a capacidade de transformar qualquer coisa pequena em um grande espetáculo. A aura de Alison reluzia tanto que era impossível não contagiar as pessoas ao seu redor.
Não consegui desviar os olhos enquanto ela movia o quadril no ritmo da música, requebrando um pouco mais cada vez que a batida crescia. Em um passo tão rápido que mal pude tomar nota, Alison desceu com tudo e quicou duas vezes no trecho "got me looking, got me looking", arrancando assobios e gritos de todos nós. E como se ainda não tivesse se dado por satisfeita, ela deslizou para o chão abrindo escala e girou a cabeça, uma pesada onda de cachos acompanhando o seu movimento e selando a última linha da canção juntamente com uma salva de palmas enlouquecida.
Alison se pôs de pé em um salto gracioso, sorrindo e agradecendo pelos cumprimentos, elogiando o desempenho dos outros em resposta. Eu assobiei alto para ser ouvido sobre os aplausos, e ela imediatamente virou a cabeça na minha direção, seus olhos encontrando os meus por reflexo. O sorriso dela se alargou de tal forma ao me ver que foi impossível não sentir um frio na barriga. Era bom ser novamente aquele que a fazia sorrir daquele jeito.
— Então quer dizer que esse é o aquecimento de vocês? — indaguei, adentrando no estúdio de dança com Bryan logo atrás. — Porque eu achei muito eficiente. Depois dessa última performance, devo dizer que até eu que não estava participando fiquei aquecido.
Alison revirou os olhos, mas o sorriso ainda se mantinha em seus lábios.
— O que você está fazendo aqui? Por acaso te bateu saudade da escola? — ela perguntou, parando de frente pra mim, apoiando as mãos na cintura.
— Que bateu saudade é verdade. Mas da escola? Hmm... eu diria que é mais de um certo alguém que está nela — falei, fazendo questão de encará-la diretamente e dar uma piscadela logo em seguida – gesto que Alison elegantemente ignorou ao se virar na direção de Bryan. Tentei não ficar chateado por ter sido deixado de escanteio tão rápido, mas driblar o ciúme era uma tarefa terrivelmente difícil.
— E quanto a você? Qual é a sua desculpa para aparecer no ensaio 15 minutos atrasado? — ela inquiriu, dando um empurrão no ombro dele.
— Foi mal, Alison. Levei mais tempo do que deveria para terminar o exercício de álgebra e ainda tive que parar no meio do caminho para salvar o seu amigo loirinho de se meter em confusão — Bryan explicou, apontando para mim com o polegar.
Mas que puta dedo duro...
— Que confusão? — Alison franziu a testa, chegando mais perto de onde eu estava, me analisando dos pés à cabeça. — O que aconteceu?
Me adiantei, na intenção de assumir o controle da situação:
— Acho que agora talvez não seja o melhor momen...
— Gianluca Marccini fez um comentário de conotação sexual sobre você e o Zaden quis partir pra cima dele. Não que eu vá culpá-lo. Aquele pirralho fez com que até eu tivesse vontade de socar a cara dele — o rapaz de pele negra me cortou, sua expressão se tornando ligeiramente sombria ao narrar o ocorrido. Pelo que parecia, nós dois compartilhávamos do mesmo sentimento.
— Gianluca? O Luca da família do Loren? — ela perguntou, franzindo a testa. — O que exatamente ele disse?
Passei a mão pelo cabelo, tentando pensar na melhor forma de dizer. Eu não queria atrapalhar o ensaio da equipe de Alison tendo essa conversa, mas graças à intromissão de Bryan o assunto teria que ser abordado mais cedo do que o planejado. Suspirei, indo direto ao ponto:
— Ele falou que você era gostosa pra cacete e que sempre vinha dar uma conferida quando você estava dançando — murmurei, alto o bastante apenas para que ela ouvisse. O choque e a descrença em sua expressão facial eram óbvios, o que fez com que a minha raiva de Gianluca aumentasse consideravelmente. Ele tinha mesmo conseguido enganá-la com o teatro de bom moço. — Ele é um escroto, Alison. E eu não vou deixar isso passar batido.
— Sou eu quem não vai deixar passar batido. E você e eu já conversamos sobre isso, Zaden. Pare de querer comprar briga por minha causa — ela esclareceu, e eu logo em seguida abri a boca para retorquir, tentativa que foi silenciada por ela com apenas um olhar. — Eu ainda não consigo nem processar direito o fato de que ele foi capaz de falar algo assim de mim. Não que eu tenha lá muitas expectativas em relação ao sexo masculino, mas ainda assim... Que garoto nojento!
— Eu posso roubar as roupas dele do vestiário masculino, se você quiser — Bryan ofereceu, solícito.
Alison ergueu um dedo, calando-o.
— Você também fique fora disso. E já perdemos tempo demais. Pode se juntar aos outros que vamos dar continuidade ao ensaio. Nossa apresentação é bem mais importante do que qualquer merda que aquele fedelho fale — ela concluiu, batendo palmas para chamar a atenção dos demais dançarinos. — Pessoal, vamos começar. Assumam suas posições!
Alcançando o controle da caixa de som, ela olhou para mim por cima do ombro antes de dizer:
— Você pode ficar me esperando até o final, certo? Eu não tenho mais nenhuma aula depois.
Eu prontamente assenti.
— É claro que eu vou. Você não precisa ter pressa.
Com isso, ela me deu um aceno de cabeça e então ligou a música, mais do que pronta para assumir sua própria posição na frente dos espelhos do estúdio, onde podia ter um panorama melhor de todo mundo. Em questão de segundos, qualquer vestígio de inquietação havia desaparecido de sua face, e só havia a bailarina e capitã da equipe de dança em ação. Alison nunca deixava que nenhum problema atrasasse o trabalho que ela tinha que fazer, principalmente quando outras pessoas estavam envolvidas. A mulher era imparável.
E eu não poderia admirá-la mais.
🎸
Alison sai do banheiro feminino com sua bolsa de ginástica no ombro, seu traje de dança devidamente guardado e substituído pelo uniforme oficial do Instituto. Não posso evitar mais uma vez olhar fascinado para o seu cabelo, seus cachos definidos brilhando contra a luz do sol que atravessava o vidro das janelas do corredor.
— Quer que eu carregue pra você? — ofereci, indicando a bolsa que ela levava. Agora que o meu braço estava de volta à ativa, eu aproveitaria para usá-lo em função dela sempre que possível. Alison abriu um meio sorriso, me entregando sua bagagem sem cerimônia. Fiz o melhor para não parecer feliz além da conta por ser o encarregado de uma tarefa daquelas, mas não pude evitar: Alison não deixava que qualquer um carregasse as coisas dela. — Eu achei legal que você voltou com o seu cabelo natural. Quero dizer, as tranças eram lindas, claro, porque você fica linda de qualquer jeito, mas eu realmente amo os seus cachinhos. Senti falta deles.
Alison colocou a mão sobre a cabeça, me dando um olhar um tanto envergonhado. Ela não manteve o contato por muito tempo, mas foi o suficiente para que eu visse a vermelhidão em suas bochechas. Pigarreei, sentindo o meu próprio rosto esquentar. Era meio constrangedor como conversas que seriam puramente cotidianas com outras pessoas se tornavam momentos repletos de emoções com Alison. Eu deveria estar acostumado depois de tanto tempo apaixonado por ela, mas a sensação perturbadora nunca ia embora. Pelo contrário; crescia mais e mais com o passar dos anos.
— Obrigada. Dá bastante trabalho na hora de fazer a finalização, principalmente por causa do comprimento, mas eu também estava com saudades. Você pode tocar, se quiser — ela concedeu, e eu imediatamente levantei a mão para sentir a textura. No entanto, antes que eu chegasse a encostar, ela adicionou: — Mas do jeito que eu te ensinei, ok? Sem desmanchar nenhum.
Assenti solenemente, segurando um cacho entre os dedos com delicadeza. Ele era só um entre uma longa cascata de cachos firmes e macios, que terminavam um pouco acima da cintura de Alison. Decidi me permitir a ousadia de levá-lo ao nariz, sentindo o inconfundível aroma de morango que era só dela.
— Prontinho. Já deu, né? — Alison me interrompeu, jogando os cabelos por trás do ombro. — Vamos falar agora sobre o possível motivo pelo qual Gianluca fingiria ser um garoto doce e inocente só para depois falar daquele jeito pelas minhas costas e ainda por cima na sua frente.
— O motivo é muito simples: ele me odeia — eu falei sem rodeios.
Ela me olhou torto.
— Então quer dizer que ele te odeia e quem paga o pato sou eu?
Soltei o ar pelo nariz, tentando achar uma maneira de resumir a história toda.
— Você sabe que desde que os pais do Loren morreram ele veio morar com os tios e o Gianluca — ela balançou a cabeça afirmativamente, acompanhando o que eu dizia conforme íamos avançando pelo corredor. — Só que acontece que os dois nunca se deram exatamente bem. Sempre que eles pareciam se aproximar, Luca arranjava alguma confusão e acabava jogando toda a culpa no Loren. E nós dois sabemos que o nosso amigo não é lá dos mais obedientes, o que só tornava mais fácil de acreditar que ele tinha sido o responsável por causar problemas. No entanto, assim que Loren e eu nos tornamos amigos e eu percebi o que estava acontecendo, decidi que estava farto de vê-lo sendo punido por algo que não tinha feito e armei para que o Luca fosse pego no flagra roubando dinheiro do cofre dos pais dele.
Alison ergueu as sobrancelhas.
— Roubando? — ela ecoou, perplexa. — E quer dizer que ele fazia esse tipo de coisa e o Loren que era o culpado? Não é para menos que ele tem uma personalidade socialmente desagradável.
— É por aí mesmo — concordei em voz baixa, lembrando do quanto Loren havia evoluído desde que eu o conhecera. Ele podia não falar muito sobre si mesmo e usar o humor como muleta para mascarar as próprias emoções, mas era uma das pessoas mais leais que eu conhecia. — Em suma, o Gianluca guarda rancor de mim e faz de tudo para me irritar. Não sei o porquê tanto ressentimento. Eu só fiz com que ele levasse uma surra do pai e fosse passar uma temporada em um colégio interno — eu ri, dando de ombros. Não sentia um pingo de remorso por isso. — Não é por acaso que ele só começou a estudar aqui esse ano.
— Ok, a minha pergunta é a seguinte: onde eu estava que perdi toda essa fofoca? — Alison me encarou, totalmente incrédula. — Por que eu não fiquei sabendo disso antes? Eu até ajudei aquele garoto ridículo a se localizar na escola!
— Os tios do Loren insistiram para que ele achasse alguém de confiança para ficar de olho no primo dele, por isso ele pediu para que você acompanhasse o Luca durante o primeiro dia de aula. Mas eu bem que te avisei que ele era uma peste — eu alfinetei, lembrando de como ela menosprezou o meu conselho. — E você disse o quê? Ah, é. Que não tinha pedido a minha opinião. E sobre você não ter ficado sabendo de tudo antes, a razão é óbvia. Você mal ficava perto de mim o suficiente para que eu te dissesse um "oi", quanto mais para que eu te contasse uma fofoca.
— Se você especificasse que se tratava de uma fofoca, eu com certeza me disponibilizaria a te ouvir — resmungou, cruzando os braços.
— Fofoqueira sem vergonha — acusei.
— Melhor do que ser um fofoqueiro lesma incompetente que demora mil anos para compartilhar uma informação — ela rebateu.
Nesse momento, duas garotas passam por nós dois, acenando para Alison.
— Oi, Alison! — elas dizem em coro, e a garota ao meu lado acena em resposta.
Abro a boca para perguntar quem são, quando um grupo liderado por um rapaz moreno de óculos enche o corredor, e o da frente diz:
— Ei, Ali. Você está mais linda que de costume, hein?
— E isso é alguma surpresa? — Alison ri, e os garotos a acompanham na risada em meio a um tumulto animado e abobalhado. Nerds, penso, enquanto sou completamente ignorado.
— Alison, gata. Vê se não esquece da minha festa no sábado, ok? — uma garota diz, tocando o ombro dela antes de seguir seu caminho pelo corredor.
Depois que toda a Passeata dos Fãs da Alison vai embora e finalmente chegamos ao lado de fora do Instituto, eu comento:
— Não sei o porquê estou surpreso. Você se tornou a rainha da escola.
Alison estalou a língua, jogando uma onda de cachos negros por cima dos ombros. Céus, ela se achava tanto. E no fim quem levava a cama de exibido ainda era eu.
— Você não ficou sabendo? Sebastian Dubrov em pessoa passou a coroa para mim — e com isso, soprou um beijo na minha direção e saiu descendo as escadas que levavam até o estacionamento, no qual uma Zara impaciente ao lado de uma Zoe emburrada batiam o pé com a minha demora.
Fiz uma careta, já me preparando para as reclamações que ouviria durante a volta para casa. Talvez o meu destino fosse estar cercado de mulheres impacientes.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top