CAPÍTULO 34
Caminho em direção à entrada da Mansão LeBlanc escondendo um bocejo na manga do meu suéter. Tentei caprichar e dar atenção extra à escolha das minhas roupas, porque o ato de combinar peças sempre me deixava muito desperta, mas o efeito energizante não foi duradouro – ao menos pude montar um look bem legal: suéter azul-claro de gola alta com caimento somente até um pouco abaixo da minha clavícula, top branco justo e uma saia tubo do mesmo tom de azul com uma pequena fenda na coxa. Para os pés, as minhas botas de couro branco de cano curto e salto fino. Por fim e não menos importante, os acessórios: meu colar de prata com o sobrenome Walters, alguns anéis e, é claro, a correntinha com o pingente da palheta de guitarra que eu dividia com Zaden.
Suspiro, tentando expulsar o cansaço. Enumerar as coisas que estou usando é uma distração bem vinda para a minha mente acelerada.
Nos últimos dias, tudo que tenho feito no meu tempo livre é dar aulas para a minha turma do centro comunitário infantil e ensaiar com a minha equipe de dança para corrigir possíveis falhas na nossa coreografia. Fora a execução do FlashMob que tínhamos planejado, eu ainda tinha que adiantar os passos finais da apresentação anual do Festival de Arte do St. Davencrown. Eu faria a abertura do evento com o grupo e encerraria com uma performance solo. Era de suma importância que tudo saísse perfeito: no Festival de Arte do Instituto sempre havia olheiros e professores das mais renomadas academias e companhias de dança de dentro e fora do país. Eu precisava estar impecável para me apresentar para eles.
Em um gesto inconsciente, levo a mão até o peito e seguro o pingente da palheta de guitarra entre os dedos, sentindo o traçado da gravação das iniciais A+Z por alguns segundos. Tenho me dado conta de que o simples ato de fazer isso tem sido capaz de me acalmar nos momentos em que me sinto mais ansiosa que o normal e a constatação desse fato me tranquiliza e deixa nervosa ao mesmo tempo. A cada dia que passo com Zaden meus sentimentos por ele parecem crescer descontroladamente, o que estava completamente em desacordo com o meu planejamento.
— Ei, Alis. Você devia ter me mandado uma mensagem dizendo que já tinha chegado. Eu estava te esperando — eu o ouço dizer, vindo de um ponto mais atrás de mim. Um assobio alto vem como acompanhamento da sua chegada, e ele completa: — Belle, belle. Se não quer que eu perca o pouco da dignidade que me resta, então não apareça tão linda desse jeito.
Me viro para encará-lo, abrindo um sorriso zombeteiro.
— Pardonne moi, monsieur, mas não posso evitar ser tão linda só para o seu próprio... — paro de falar, arregalando os olhos ao vê-lo parado de braços abertos. — Ah, meu Deus, Zaden! Você finalmente tirou o gesso! Quando?!
— Hoje de manhã. O médico disse que dentro de umas duas semanas o osso já estaria consolidado por completo, então eu só tenho que fazer algumas sessões de fisioterapia antes de ficar livre de vez do tratamento — o loiro abriu um sorriso de lado, aprofundando a covinha do lado direito de seu rosto. — Agora só uma perguntinha: em algum momento você planeja vir me dar um abraço ou vai me deixar aqui plantado de braços abertos?
Eu revirei os olhos, sem conseguir conter o sorriso enquanto caminhava na direção dele.
— Hmm... Acho que você merece ganhar um abraço — digo, adentrando em sua câmara de calor e fechando os olhos ao inspirar o cheiro da sua colônia francesa característica. Zaden tinha o mesmo aroma desde que eu o conhecera: amadeirado e levemente doce, como âmbar. E muito quentinho. Era uma verdadeira prova de fogo tentar não se aconchegar nele. — Já foi o suficiente? — murmurei, dando tapinhas em suas costas.
— Nem de longe — ele murmurou, puxando minha cintura de encontro a dele. Mordo os lábios quando sinto seu nariz resvalar em meu pescoço e sua boca depositar um beijo abaixo da minha orelha. — Essa é a primeira vez que estou te abraçando direito em quase três anos. Você vai ter que aguentar alguns minutos.
— Mas nós já nos abraçamos umas três vezes desde que você voltou de Nova York — apontei, encolhendo os ombros com os arrepios que o beijo de Zaden provocou em minha nuca.
— Sim, mas das outras vezes o meu gesso sempre impediu que ficássemos pertinho assim — ele explicou, me apertando um pouco mais. — Você é tão cheirosa. Dá vontade de não te soltar nunca mais.
— Ok, mas você está esmagando os meus peitos desse jeito. E o tamanho deles já não é lá essas coisas, então... — esfreguei suas omoplatas carinhosamente, um sinal já conhecido entre nós dois para que ele me deixasse respirar. Zaden era um grande representante da arte de dar abraços de urso.
Ele enfim me soltou, recuando apenas dois passos para trás, sem retirar as mãos da minha cintura. Uma brisa fria veio diretamente para o meu rosto, e senti um fio de arrependimento brotar em meu peito por ter me separado dele tão rápido.
— Ao meu ver, não tem absolutamente nada de errado com o tamanho dos seus peitos — falou, seus olhos descendo para o meu busto por exatos três segundos antes de voltar a me encarar. — Quer dizer, eles são pequenos mesmo, mas são lindos independente disso.
Eu fico boquiaberta, minhas bochechas ardendo como se eu tivesse levado um tapa.
— Por que diabos você está falando como se já tivesse visto?! — esbravejei, socando sua barriga dura. Zaden faz uma careta de dor, imediatamente tirando as mãos de mim. — E quem te deu autorização pra dar uma conferida neles como se eu tivesse pedido a sua opinião?!
— Alison, ma princesse — ele grunhiu, levantando os braços em rendição. — Eu posso ter olhado, mas foi com a mais inocente das intenções, eu juro. Não estava tentando espiar e nem insinuar nada. Foi sem querer.
Estreitei os olhos, terrivelmente aborrecida.
— Você é tão... tão... insuportável! — bufei, passando direto por ele, que logo começou a vir atrás de mim. — Nossa, mas se existisse um guia de instruções sobre como acabar com a minha paciência, você com certeza seria o autor!
— Só para constar, nem sempre é de propósito — Zaden alegou, me alcançando em duas passadas. Eu o ignorei, ainda chateada demais para lhe dirigir a palavra. — Vamos, Alis, não faça essa cara. Talvez eu tenha me expressado do jeito errado, mas o que eu realmente quis dizer foi que te acho perfeita dos pés à cabeça e não mudaria nem mesmo um único fio de cabelo seu. Ficou melhor assim?
— Humpf — resmunguei, cruzando os braços para não deixar tão na cara que a minha raiva já tinha passado e então olhando para ele de esguelha: — Achei meio brega, mas vou dar alguns pontos pela tentativa.
Ele deu uma risadinha.
— Justo. Além do mais, eu adoro receber pontos. Foi acumulando de um a um que consegui passar em matemática quando estava na escola — disse, gesticulando na direção da enorme construção de vidro em anexo à Mansão que era usada como estúdio de ensaio pela banda. — Vamos lá pra dentro. Pedi para organizarem tudo para uma tarde de karaokê como a gente costumava fazer nos velhos tempos.
— Sério?! — indaguei, totalmente pega de surpresa. Fazia muito tempo que eu não brincava de karaokê. Era uma das coisas que eu e Zaden sempre fazíamos juntos, por isso deixei de lado assim que decidi me afastar dele. Mais um dos muitos arrependimentos que eu carregava.
— Seríssimo. Venha — Zaden chamou, subindo os degraus na minha frente e então abrindo a porta para que eu passasse. — Acender luzes.
Ativadas pelo seu comando, as luzes do interior do cômodo se acenderam no mesmo instante, iluminando o longo sofá de couro em formato de L, as demais guitarras de Zaden erguidas por suportes presos ao piso, o enorme telão e as caixas de som com dois microfones que pareciam estranhamente familiares.
— Ah, não — balbuciei, indo diretamente até eles. — Esses não são...
— Os microfones que eu disse que mandaria personalizar para nós dois? — ele complementou, olhando para mim. — São eles, sim. Não pude te mostrar depois que ficaram prontos porque estávamos brigados, então não sei se ficou do jeito que você queria, mas qualquer coisa...
— Eu amei — falei, segurando o microfone azul metálico entre os dedos, as pedrinhas brilhantes em sua superfície criando reflexo no vidro. Tinha até um pequeno "A" em letra cursiva abaixo do botão de ligar e desligar. Lembro que tive a ideia só de brincadeira, mas Zaden concordou de imediato e fez com que eu desenhasse modelos de microfones exclusivos só para nós dois. Fiz a coisa mais extravagante que podia só pela piada, mas não sabia que ele tinha realmente levado a sério e mandado fazer. Pisco algumas vezes, meus olhos ardendo. — Ficou exatamente igual ao que eu imaginei que seria. Melhor, até. Eu mal consigo acreditar.
Zaden abriu um sorriso repleto de satisfação e coroado de covinhas, tão grande que chegou a refletir em seus olhos azuis, que pareciam cintilar de felicidade.
— Fico feliz que você gostou. Pensei que talvez não fizesse mais o seu estilo, mas acho que... — eu corri até ele, envolvendo seu pescoço com os braços.
— Eu amei. E isso é muito mais do que gostar. Obrigada, Zay — agradeci, beijando sua bochecha. — De verdade. Obrigada.
Zaden piscou, me encarando com uma expressão totalmente embasbacada.
— D-de nada. Você não tem que agradecer. Eles só existem por s-sua causa — falou, meio tropeçando nas palavras.
Eu gargalhei, achando graça.
— É, mas se você não tivesse comprado a minha ideia, eles também não existiriam. Você é a única pessoa que topa fazer qualquer coisa comigo — esclareci, penteando com os dedos as douradas mechas rebeldes de seu cabelo para trás. — Por isso, obrigada. Por pensar em mim.
Ele suspirou, a tensão em seus ombros se desmanchando de uma vez quando suas mãos tocaram o meu quadril.
— Eu estou sempre pensando em você, Alis. Sempre — murmurou, encostando a testa na minha. — Pensamentos intrusivos que vivem assombrando a minha mente com o som da sua risada e a curvatura do seu sorriso. Adoro ouvir você rindo assim. É a minha trilha sonora favorita.
— Zaden — sussurrei, baixando o olhar para sua boca. — Você é...
— Shh. Nós já falamos demais — ele diz, seus lábios mal resvalando nos meus quando alguém toca o interfone da porta, fazendo com que eu literalmente salte pra longe de Zaden por causa do susto.
— Senhor LeBlanc, a sua encomenda chegou — a voz de Joseph, o mordomo da casa, soa abafada do lado de fora.
Zaden solta o ar com força, indo até a entrada do estúdio para receber seja lá o que foi que ele pediu.
Salva de arruinar meus planos de ir com calma pelo mordomo. Quanto autocontrole, Alison.
— Obrigado, Joseph. Isso já é o suficiente. Caso qualquer outra coisa chegue pra mim, não precisa vir me avisar. Tchau — se despediu, voltando com um saco cheio de potes do que suspeitei ser sorvete.
— Você pediu sorvete? — perguntei a Zaden, me apressando em iniciar outro tópico para fazê-lo esquecer que alguns momentos atrás estávamos quase nos beijando. Eu observei atentamente enquanto ele retirava os potes da sacola e os colocava dentro do frigobar debaixo do balcão. — Tem sabor de creme de avelã com amendoim?
— Sei que é o seu favorito, então só comprei desses. Comprei calda também. Você gostou daquela sorveteria que a gente foi no mês passado, então pedi de lá — respondeu, fechando a porta do refrigerador. — Onde estávamos?
— Escolhendo a música de abertura da nossa tarde de karaokê — repliquei, alcançando o controle de comando do estúdio e clicando no modo discoteca, que diminuiu a luminosidade das lâmpadas e ativou o globo de luzes coloridas que ficava guardado em um compartimento do teto. — O que você acha de "Criminal", da Britney Spears?
— Alison — Zaden franziu a testa, frustrado. Eu desviei o olhar, escolhendo a sábia opção de ignorá-lo.
— "California Gurls", então — dei outra sugestão, pegando o microfone de Zaden e estendendo-o na direção dele, que ficou estático durante cinco segundos inteiros até que eu disse: — A minha mão está começando a cansar...
Ele enfim segurou o microfone, ainda emburrado.
— Vamos cantar "Shake it Off", da Taylor Swift — decidiu, a música sendo pesquisada por voz e um segundo depois já tendo a letra exibida no telão e pronta para ser emitida pelas caixas de som.
Fiquei de pé em um pulo, microfone na mão.
— Pode mandar ver — assenti, alongando o pescoço.
Zaden deu play, o ritmo da música envolvendo nós dois instantaneamente.
— I stay out too late — ele começou, assumindo sua melhor postura de recalque. — I got nothing on my brain / That's what people say, hmm, hmm — apontou para mim com o polegar, em um gesto de puro deboche.
Olhei para ele de cima para baixo, desfilando até parar bem na frente dele.
— I go on too many dates/ But I can't make them stay — movi o ombro no ritmo da música, colocando a mão na cintura e jogando o cabelo pra trás bem na cara de Zaden. — At least that's what people say, hmm, hmm
Ele me deu um leve empurrão para o lado, querendo que eu abrisse alas para que pudesse assumir a frente. Eu ri comigo mesma, balançando a cabeça enquanto assistia Zaden mexer o quadril de um lado para o outro. Branquelo abusado, pensei, pressionando os lábios. Pelo menos tinha um bumbum bonito.
Quando estávamos próximos do refrão, fui para o lado dele, chamando sua atenção com o cotovelo para que se atentasse à sua deixa. Ele assentiu em compreensão, sem parar de cantar um segundo. "Shake it Off" era uma música fixa na nossa lista de karaokê, tanto que já tínhamos até uma coreografia ensaiada para ela. Sendo assim, quando a canção atingiu a batida característica que precedia o refrão, Zaden e eu viramos um de frente para o outro e chocamos nossos sapatos para provocar um som semelhante. Na parte "Cause the players gonna play, play, play" cantamos em coro, com o braço estendido na direção da nossa plateia imaginária e movendo nossos quadris no ritmo da música, seguindo assim até o final do refrão.
Quando a parte do rap da canção chegou, Zaden me deu a mão para me ajudar a subir no sofá e eu iniciei o "Hey, hey, hey" com a minha melhor voz de sarcasmo e zombaria, o que fez com que ele emitisse um assobio de aprovação. Antes que o rap terminasse, pulei do sofá e me posicionei ao lado de Zaden para que fizéssemos o nosso "Shake, shake, shake", que consistia em uma rebolada para direita, outra para esquerda e pose final com nossas costas juntas e braços cruzados.
Sinceramente? Nós mandávamos muito bem nisso.
Ao fim da música, Zaden se jogou em uma poltrona, o peito subindo e descendo com a respiração acelerada.
— Caramba. Preciso voltar para academia — ele disse.
— Até que você não está nada mal para alguém que passou dois meses sedentário — falei, escolhendo a próxima música. — Hmm... que tal "Holding Out for a Hero" da Bonnie Tyler?
Zaden se pôs de pé no mesmo instante. Ele simplesmente amava interpretar aquela música; flexionava o bíceps no trecho he's gotta be strong e simulava uma corrida sem sair do lugar no and he's gotta be fast. Era meio vergonhoso, mas quem eu estava tentando enganar? Eu adorava vê-lo se divertindo daquele jeito besta.
— Solta o som, Alison — anunciou, endireitando a camisa. — O seu herói está pronto.
Revirei os olhos, engasgando uma risada antes de dar play.
Que o show começasse.
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