CAPÍTULO 33
Pouco antes das nove da manhã, como já era tradição, me sentei de frente para o computador e esperei que os rapazes atendessem à nossa chamada de vídeo matinal. Nos falávamos praticamente todos os dias, sempre no mesmo horário, que era depois do café da manhã e cerca de uma hora antes de eles terem que visitar o local do show da vez, onde teriam que treinar a organização no palco, testar som, equipamento e tudo mais. Eu sentia falta de todo aquele alvoroço pré-show. Era um estilo de vida corrido e bem agitado, mas ainda assim eu adorava. Às vezes batia um cansaço, é claro, mas até na exaustão estávamos sempre nos divertindo e cuidando uns dos outros.
A aba de vídeo encheu a tela do computador.
— Fala, Zaden! E aí? Como você está sabendo que hoje é seu último dia com esse gesso no braço? — Sebastian perguntou pela webcam, ao passo em que Charles assumiu a cadeira ao lado dele e Loren apareceu de fundo passando uma camisa pela cabeça cheia de cachos pingando do banho.
— Ansioso e aliviado — respondi, soltando o ar enquanto dava algumas batidinhas no braço engessado. — Foram dois meses que mais pareceram ser dois anos. Desde que aprendi a tocar guitarra, não consigo me lembrar de ter passado tanto tempo sem encostar em uma quanto passei agora. Não vejo a hora de voltar à ativa. Mas e vocês? Essa é a última semana de turnê da banda. Como estão as coisas por aí?
— Cara, por aqui está uma loucura — Sebastian disse, se ajeitando para abrir espaço para a cadeira que Loren tinha acabado de puxar para o lado dele. — Eu sabia que a turnê seria bem sucedida e que a maioria dos ingressos seria vendida, mas eu não esperava que seria preciso fazer mudanças de locais nesses últimos shows por causa da superlotação.
— Como assim, superlotação? — perguntei, a empolgação crescendo em meu estômago. — Estamos falando de quantas pessoas a mais? Cinco mil?
— Cinco mil? — Loren riu, penteando o cabelo. — Fratello mio, está mais para quinze mil pessoas.
Arregalei os olhos.
— Quinze mil? Como... Mon Dieu. Isso é tipo... o dobro do público que costumávamos ter antes do início da turnê. Você está me dizendo que trinta mil pessoas estão indo para o show da nossa banda essa noite?
— Devo dizer que estou orgulhoso, Zaden — Charles falou, com um sorriso de canto de boca. — Dessa vez você fez as contas direitinho.
Sebastian e Loren riram, e a euforia em meu peito não me deixou outra alternativa a não ser rir junto.
— Trinta mil pessoas — repeti, abismado. — Isso é gente pra caralho.
— Pra caralho mesmo. — Loren concordou, penteando o cabelo para trás. — Lotamos a capacidade da casa de show dessa cidade. Zaden, você precisava ver: quando o Seb disse que as coisas estão uma loucura, você não faz ideia do que ele está falando. Todas as noites, quando saímos do palco, um bando de pessoas ficam esperando pela gente do lado de fora, cercando o nosso carro e gritando com cartazes na mão. O dia mais doido de todos foi ontem, quando fizemos uma curta sessão de autógrafos após um dos shows e uma garota levantou a blusa para o Sebastian assinar nos peitos dela.
— Agora você está inventando — eu estreitei os olhos, descrente.
— O quê? Não estou, não! Não é verdade que isso aconteceu, Seb? — Loren perguntou.
Sebastian assentiu, parecendo um tanto constrangido. Charles tossiu para limpar a garganta. Eu ainda estava meio perplexo.
— Para o meu total desconforto, ele está dizendo a verdade. A garota quase enfiou os peitos na minha cara. Literalmente — Sebastian disse, coçando a nuca. Essa não era a primeira vez que ele era assediado desse jeito, mas provavelmente tinha sido a situação mais absurda de todas. Sebastian recebia mensagens com fotos íntimas, ligações de desconhecidos fazendo propostas indecentes e mais uma porrada de inconvenientes. Outros caras talvez não se importassem, mas o Seb não era do tipo que se sentia bem com aquilo. Nem eu, na verdade. Para mim, havia um limite bem demarcado para os fãs que abusavam e desrespeitavam o meu espaço pessoal ou o dos meus amigos. E a minha tolerância para esse tipo de comportamento era zero. — Ainda bem que, além dos seguranças, o Loren estava lá para assumir a dianteira das coisas. Charles e eu ficamos completamente sem saber como reagir.
— Ah, mas o Loren ficou mais do que feliz em assinar no lugar do Sebastian — Chuck adicionou, dando um tapinha nas costas de Lorenzo. — Esse tarado sem noção.
— Andiamo, não foi bem assim — o italiano se defendeu, com a maior cara de pau. — Eu não podia deixar a coitada sem autógrafo, podia? Além do mais, o Sebastian é um homem comprometido. Amélia pode ser tranquila e do tipo "good vibes", mas não acho que ela iria gostar do namorado dela metendo a mão nos peitos de outra mulher. Então eu, como o amigo leal e perfeito cavalheiro que sou, assumi a missão.
Ergui uma sobrancelha.
— Nossa, Loren. Esse foi realmente um gesto muito nobre da sua parte — comentei, ironicamente.
— Eu sabia que o meu melhor amigo reconheceria a bondade em minhas intenções — Lorenzo disse, colocando a mão sobre o peito em sinal de falsa honraria e logo em seguida gesticulando na direção de Sebastian e Charles. — Tento fazer uma boa ação e esses puritanos aqui só ficam me julgando. Parecem até duas virgens.
— Vai se ferrar — Sebastian ralhou, empurrando a cadeira giratória de Loren, as rodinhas do suporte de ferro do assento deslizando pelo piso e levando-o para longe da câmera. — Quem parece ser virgem é você, que fica todo animado por causa de um par de seios qualquer como se nunca tivesse visto nenhum na sua vida — o baque abafado da cadeira de Loren se chocando contra alguma coisa preenche o áudio da chamada. — Pronto, fica aí mesmo. Assim passa menos vergonha.
Chuck e eu sufocamos uma risada, ao passo em que Loren xinga em italiano ao fundo. É quase como estar reunido com eles de novo.
— E como andam as coisas por aí, Zaden? Alguma novidade sobre a qual devamos saber? — Charles indaga, minimizando seu riso em um discreto inclinar de lábios. — Faz um tempinho que não ouço nada de Alison. Está tudo bem?
— Ah, não se preocupe. A sua irmã está como sempre foi: maldosa e atarefada. Eu tenho que ficar indo de um lado para o outro para acompanhar o ritmo da rotina dela. Não que eu esteja reclamando — sorri, visualizando Alison dando aula para sua turma de balé, toda atenciosa com as crianças e devastadoramente elegante em seu traje de bailarina. — Eu gosto de vê-la em ação.
Uma tosse que mais parece um latido ecoa pela saída de som do meu computador, e ouço Loren gritar:
— Desculpe, Zaden, dá pra repetir? É que de repente você começou a latir igual a um cachorro.
— Ah, vai se foder — eu disse, bem alto para que ele pudesse escutar.
— Igualmente — ele devolveu, esticando o braço para que pudesse aparecer na câmera e então erguendo o dedo do meio. Aquele idiota sacana.
— Piadas do Loren à parte, quando você e a Alison vão finalmente se acertar? — Sebastian questionou, franzindo a testa. — Esse romance de vocês dois já está pra acontecer há uns quatro anos. Ou cinco. Sei lá — ele deu de ombros. — Vocês dois já deviam estar juntos há muito tempo.
— E quem é você pra falar? Levou dez anos para você tomar coragem de trocar uma palavrinha com a Ames. E ela nem sequer bota medo — apontei, muito satisfeito ao ver Sebastian contorcer o rosto em uma careta por não ter argumento para se defender. — Você por acaso já foi alvo do ressentimento da Alison? Não? Então você não tem local de fala. Além do mais, Alis quer ir devagar. Eu não queria que fosse assim, mas o que posso fazer? É ela que eu quero, e se ela disse que não quer apressar as coisas, então só me resta apertar o freio e esperar.
— Você respeita a minha irmã, Zaden. E eu admiro o modo como você está sempre disposto a fazer de tudo por ela — Charles disse, balançando a cabeça em aprovação. — No entanto, não deixe que Alison assuma o controle de tudo. Você sabe que ela tem mania de guardar o que sente só para si mesma, então não tenha medo de pressioná-la quando for preciso.
Eu assenti.
— É, eu conheço a peça. E pode ficar tranquilo que estou cuidando muito bem dela — assegurei, e realmente estava.
Anos atrás, quando Alison passou meses a fio sendo alvo de piadas e boatos cruéis a respeito da condição financeira da sua família e acabou acreditando na mentira de que eu fingia gostar dela por pena, eu percebi os sinais. O modo como ela começava a falar sobre certas coisas e sempre acabava hesitando e mudando de assunto; o jeito como parecia se sentir desconfortável perto de todos que estudavam na St. Davencrown exceto quando estava comigo ou com um dos meninos – eu percebi tudo aquilo e pensei que estava tomando a decisão certa ao aceitar suas respostas evasivas e acreditar que ela viria falar comigo caso algo estivesse errado. E errei feio.
Às vezes, nós achamos que estamos sendo bons amigos ao aceitarmos o silêncio do outro em relação a alguns temas, mas muitas vezes só precisamos ser mais insistentes e demonstrarmos um pouco mais de interesse pelo bem estar daqueles que amamos para conseguirmos de fato ajudá-los. Afinal, quantas coisas já não deixamos de falar por pensar que estávamos incomodando? Quantas coisas já não aguentamos em silêncio por pensarmos que ninguém se importava quando na verdade as pessoas ao nosso redor só achavam que estavam respeitando nossa vontade de não compartilhar aquilo pelo que estávamos passando? Inúmeras. Incontáveis vezes.
Mas aprendi da pior maneira o que o orgulho e a falta de comunicação eram capazes de fazer com o relacionamento de alguém, e não estava disposto a cometer o mesmo erro. Alison não tinha o hábito de falar quando precisava de algo ou sobre as coisas que a deixavam mal, então eu estava fazendo questão de acompanhá-la de perto para poder estar lá caso ela precisasse da minha ajuda, porque tudo o que eu mais queria era cuidar dela. Provocá-la e fazê-la rir, mas também ser seu porto seguro quando necessário. Queria me fazer presente. Fazê-la enxergar que para qualquer coisa que fosse, eu sempre estaria ali por ela. Sempre.
— Jonas está mandando uma mensagem avisando que temos que estar no saguão do hotel daqui a dez minutos — Loren avisou, entrando novamente em meu campo de visão. — Que saco. Nem deu pra tirar onda da cara do Cadelo Fruta Podre do Zaden direito.
Eu ri, sombriamente.
— Lorenzo Andreas Marccini Ferrara. Quando eu ver essa sua fuça cabeluda pessoalmente de novo, eu vou te quebrar no soco. Tchau, rapazes — me despedi, Charles e Sebastian acenando em resposta.
Loren emitiu um pfft de zombaria.
— Tá, mas antes de me quebrar no soco não esqueça de pedir permissão pra Alison primeiro, ok? Eu odiaria que ela acabasse reclamando com você por minha c...
Encerrei a transmissão de vídeo, muito satisfeito por ter desligado na cara dele.
Tendo terminado a reunião com os meus amigos, me levantei da cadeira onde estava sentado e me encaminhei diretamente para fora do meu quarto. Minha consulta com o doutor ortopedista que iria examinar meu braço seria daqui a menos de uma hora, e Deus era testemunha do quanto eu não queria me atrasar para o momento em que finalmente retiraria aquele gesso de uma vez por todas.
🎸
— Bem, senhor LeBlanc, vamos ver o resultado da sua radiografia — disse o médico, exibindo as imagens do raio-x que eu havia feito alguns minutos atrás. O gesso já tinha sido cortado e removido do meu braço, e a sensação de alívio que tomou parte de mim ao me livrar da grossa cobertura que havia sido responsável por imobilizar o meu membro durante tanto tempo foi absurda. Meu braço estava meio ressecado e parecia ter afinado um pouco em comparação ao outro, mas fora isso parecia perfeitamente bem.
— E então? — perguntei, nervoso para saber do veredito.
— Pelo que pude observar nos exames que você fez no consultório de Nova York, no dia em que fraturou o úmero, não foi uma lesão muito grave. O tempo de recuperação foi um tanto extenso por se tratar de um local delicado, mas ao que parece você tomou as precauções necessárias para não forçar o membro. Veja — ele apontou para a tela com o raio-x do meu braço. — O osso já está quase totalmente consolidado. Não houve nenhuma sequela de fratura. Dentro de algumas semanas seu braço estará novinho em folha.
— Sério mesmo? Isso quer dizer que já estou autorizado a voltar a tocar? — questionei, me levantando da maca, mal me aguentando de ansiedade.
— Eu diria que sim. Mas no máximo por dez minutos ao dia e de preferência em uma posição na qual não force muito o seu braço. E evite fazer atividades bruscas nos primeiros dias, ok? Comece pegando leve. Vai sentir pequenos desconfortos no início, mas é normal — disse o doutor, pegando uma prancheta de cima de sua mesa e escrevendo algo na minha folha de atendimento. — Terá que fazer algumas sessões de fisioterapia ao longo do mês para garantir o retorno seguro e gradual dos movimentos, mas no que diz respeito ao geral, eu diria que a sua recuperação foi um sucesso.
Tive que me conter para não socar o ar de tanta felicidade que estava sentindo.
Depois de meses tendo que depender de outras pessoas para realizar tarefas antes tão simples e cotidianas como carregar objetos de um lugar para outro ou mesmo vestir uma calça – a lembrança de Alison subindo o jeans apertado pelas minhas coxas marcava presença constante em minha memória, – saber que eu estava finalmente livre para voltar a fazer as coisas por minha conta era motivo de grande comemoração.
E eu já sabia quem seria a primeira pessoa que eu gostaria que me visse sem o braço engessado.
Me despeço do médico agradecendo-o pelo atendimento prestado e saio da sala do consultório com o celular em mãos, digitando uma mensagem para saber o que Alison estava fazendo naquele momento. Pelo horário, ela provavelmente ainda deveria estar no Instituto, mas talvez pudéssemos fazer alguma coisa divertida depois que ela saísse do colégio.
Você está ocupada hoje? Quer sair comigo mais tarde?
Não espero que ela vá me responder no momento em que envio a mensagem, então guardo o telefone no bolso da calça. Movo meu braço algumas vezes, testando os movimentos que posso fazer sem sentir nenhum desconforto no ombro. É ao mesmo tempo estranho e libertador voltar a movê-lo depois de ter tido que me acostumar a mantê-lo sempre imóvel, mas mal posso esperar para tocar guitarra novamente.
Já estou do lado de fora da clínica quando sinto a vibração de uma nova notificação chegando e a checo de imediato:
Estou meio cansada
Ah.
Digo a mim mesmo que está tudo bem, mas a verdade é que tenho que engolir um bolo gigante de decepção. Estava esperando que ela aceitasse.
Começo a digitar um desanimado "tudo bem" em resposta, mas Alison envia outra mensagem antes que eu termine de escrever:
Tem problema se só ficarmos na sua casa ao invés de sair?
Abro um sorriso de surpresa, apagando o rascunho do que tinha escrito antes.
E você ainda pergunta??? É claro que não tem problema
Eu disse "sair", mas na verdade só queria te ver
De que horas você vem?
Ela responde rápido dessa vez:
Daqui umas duas horas mais ou menos eu estou chegando por aí
E quanto ao que você disse sobre "só querer me ver"... sério, Zaden, cadê a sua dignidade??? Às vezes não faz mal fingir que tem, sabia?
Fica falando essas coisas do nada
Gargalhei, balançando a cabeça em descrença. Isso era tão típico de Alis: vir com um discurso a respeito de eu precisar manter minha dignidade só para não demonstrar que havia ficado encabulada. E talvez ela tivesse razão e eu parecesse bobo por falar tão abertamente dos meus sentimentos por ela, mas eu fazia isso porque queria dar o exemplo. Afinal, se eu não contasse sobre como me sentia, por que alguém tão desconfiada como Alison o faria? Além do mais, eu tinha um prazer especial em deixá-la desconcertada. Poucas coisas eram mais satisfatórias que vê-la toda coradinha, desviando o olhar para não ser pega sorrindo por causa de algo que eu havia dito.
Fingir que tenho dignidade? Eu super tentaria, mas preciso de um incentivo primeiro, porque não faço nada de graça
Pra sua sorte, hoje estou bondoso e só vou cobrar um beijo seu
Ou quem sabe cinco ;)
Já estou segurando o riso de antemão pela réplica que ela vai me enviar, e não sou desapontado:
Pensando bem, é melhor encarar logo de uma vez o fato de que você não tem dignidade, né?
Afinal, eu sempre fui a favor de aceitar as pessoas como elas são 🙏🏽
— Espertinha — murmurei, antes de avistar a lustrosa e conhecida Land Rover preta dirigida pelo motorista da minha família vindo em minha direção. Guardo o telefone de volta no bolso e estico o braço para puxar a maçaneta da porta, adentrando no veículo logo em seguida.
— E então, senhor LeBlanc? Se livrou do gesso? — Steve perguntou, olhando para mim pelo retrovisor.
Eu ergui o braço para mostrar que o gesso tinha ido embora.
— Você sabe que eu sou duro na queda, Steve — falei, colocando o cinto de segurança. — Agora já estou pronto pra outra.
Ele deu uma risada, assentindo.
— Para onde vamos agora? Tem mais algum compromisso marcado para hoje?
— Na verdade, sim. Estamos indo para casa — respondi, descansando a cabeça no encosto de couro do banco. Recordações do que Alison e eu costumávamos fazer durante as tardes de dias como esse encheram a minha mente, e senti um sorriso involuntário se formar em meus lábios. — Hoje é terça-feira. E às terças, eu e a minha garota temos um compromisso marcado com o karaokê.
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