CAPÍTULO 31


Como meus pais só estariam de volta da Califórnia no final de semana, não havia mais ninguém em casa além de Zaden e eu. Subimos silenciosamente as escadas na direção do meu quarto, nossos passos ecoando abafados contra o carpete. A conversa que tivemos mais cedo no estacionamento foi o diálogo mais descontraído que tivemos em anos – sincero e livre de qualquer ressentimento. Eu não fazia a menor ideia de que o ponto de vista de Zaden em relação à minha amizade com Bryan era o de que eu o havia substituído, mas o fato de ele ter concordado tão rápido em admitir a maneira como se sentia me fez perceber que, assim como eu, ele estava em busca de reconstruir a nossa confiança. Sem mais palavras não ditas ou ações com o significado perdido na tradução. De agora em diante, nós dois conversaríamos sobre tudo.

— No fim da entrevista, quando você e a Caitlin estavam se despedindo, vocês pareciam ser próximos um do outro. Vocês dois são amigos? — perguntei, olhando por cima do ombro enquanto girava a maçaneta da porta do meu quarto.

— Sim — Zaden respondeu, atravessando a entrada do cômodo quando eu abri espaço para que ele passasse. — Não amigos próximos do jeito que você está falando, mas sim, eu diria que somos amigos. Ela é uma garota divertida. Um pouquinho atrapalhada — ele deu uma risadinha. — O seu irmão que o diga.

Franzi a testa.

— O Charles?

O loiro assentiu, sentando na minha cama sem cerimônia alguma, como se estivesse na dele. Revirei os olhos. Algumas coisas não mudavam nunca.

— Ele mesmo. No ano passado, quando tocamos na festa de aniversário da Caitlin, ela subiu no palco para falar com a gente. Tirou até uma foto segurando uma das minhas guitarras — ele disse, e eu balancei a cabeça em reconhecimento à menção da foto. Caitlin aproveitava toda e qualquer ocasião possível para se gabar dela. — Inclusive, ela sempre comenta comigo sobre como aquele foi o post de maior sucesso do perfil dela. Só a minha guitarra já fez com que ela ganhasse vários seguidores.

Estalei a língua, começando a ficar impaciente.

— Particularmente, eu acharia triste se o post de maior sucesso do meu perfil fosse algo relacionado a outra pessoa, mas isso não vem ao caso no momento. O que eu quero saber é onde o meu irmão entra nessa história toda.

É a vez de Zaden de revirar os olhos.

— Quando estava no palco, a Caitlin pegou uma bebida para oferecer ao Chuck, mas acabou escorregando antes mesmo de conseguir perguntar se ele queria. Ela teria caído bem por cima do conjunto da bateria se ele não a tivesse segurado — Zaden fez uma careta, visualizando a cena. — Foi bebida para tudo quanto é lado. Não sei como você não viu. Respingou somente um pouco na roupa dele, mas a coitada quase chorou de tanto pedir desculpas. Charles disse que não tinha problema nenhum, mas já não estava mais usando aquele casaco quando saímos da festa. Você sabe como ele é criterioso com roupas — deu de ombros. — Enfim. Como eu disse, a Caitlin é meio atrapalhada.

Anuí, pensando no esforço monumental que o meu irmão deve ter feito para resistir ao seu TOC e não ter se livrado da peça manchada imediatamente. Sinto uma enorme pontada de orgulho por ele ter conseguido lutar contra sua compulsão, mesmo que por apenas alguns minutos. Charles já vinha fazendo um tratamento de psicoterapia cognitiva-comportamental há algum tempo, e era muito bom ficar sabendo de situações desconfortáveis que ele havia conseguido evitar por causa dos resultados positivos das sessões.

— Eu não fazia a menor ideia dessa história. Acho que eu estava procurando Amélia nessa hora.

— É, eu me lembro bem daquela noite — ele suspirou. — Toda a confusão que o Gregor arranjou com a Ames e a Astrid, o Sebastian surrando aquele filho da puta quase até a inconsciência e você gritando para que eu entrasse no meio e o segurasse.

— Se você não tivesse entrado no meio, Sebastian provavelmente teria saído de lá direto para a cadeia. Ele estava completamente cego pela raiva — eu disse, indo até a minha escrivaninha juntar os meus cadernos de matemática para liberar espaço para o material das aulas de francês. — Aliás, eu nunca fiquei sabendo o que aconteceu depois. O Gregor tentou prestar queixa por agressão?

Zaden se levantou da minha cama, começando a circular pelo meu quarto, dando atenção especial para as revistas de moda na minha mesa de cabeceira. 

— Ele não foi burro o suficiente para fazer isso. Se tivesse feito, teria lidado com acusações de abuso sexual, tentativa de estupro e agressão física. Sem contar que todos nós presenciamos o que ele fez. Haveriam testemunhas mais do que suficientes para depor contra ele — afirmou, assumindo aquele ar profissional involuntário que sempre adquiria quando começava a falar de questões jurídicas. Sorri comigo mesma. Ele realmente não negava que vinha de uma família de advogados. — E se tratando de Sebastian, minha mãe ou meu pai em pessoa iriam querer defendê-lo. O que significa que o Gregor-Bosta-West teria perdido de lavada para a família LeBlanc.

Dei uma risadinha. Ele era uma graça às vezes.

— Ok. Já comprovamos o talento da sua família nos tribunais. Podemos começar a nossa aula agora, s'il te plaît? — pedi, deixando cair por acidente as minhas lições de matemática junto com o livro vermelho de contos em francês que Zaden havia me emprestado. — Droga.

— Eu te ajudo — ele disse, vindo na minha direção.

Arregalei os olhos, lembrando de uma coisa que eu havia colocado dentro do livro de contos que causaria uma situação bem vergonhosa caso ele visse.

Não precisa. Você vai acabar forçando o seu ombro. Deixa que eu pego tudo sozinha — digo, me abaixando para alcançar a capa vermelha do livro, mas Zaden consegue ser irritantemente mais rápido. Me levanto para pegar o exemplar de volta, mas ele o segura no alto. Dou um risinho, na tentativa de não parecer tensa. — Hum, o que você está fazendo? Me devolve o livro.

— Calma, Alis. Eu vou devolver — ele diz, com um sorriso brincalhão, voltando a baixar o braço. — Eu só quero dar uma olhadinha nele antes. Só para confirmar se você ainda está usando a sua correntinha como marcador de página.

Fico boquiaberta por um instante, absolutamente perplexa e envergonhada.

— C-como você...? — A ficha cai logo depois. Deixo a perplexidade de lado, sentindo meu rosto arder de raiva. — Você mexeu nas minhas coisas?

— Ei, espera aí. Eu não mexi nas suas coisas. Eu só... Não, Alison, espera um pouco... Alison... — Eu tomo o livro da mão dele, acertando-o com o mesmo logo em seguida. É de capa dura, então é bastante resistente. Bato no braço bom de Zaden e então em seu peito, lhe atingindo com golpes firmes o suficiente para serem dolorosos. — Alison, pelo amor de Deus, isso dói!

— Não era você que vivia dizendo que morria de vontade de apanhar de mulher bonita? Agora aguenta!

— Não era isso que eu tinha em mente quando disse que... Ai! Merda, essa doeu!

— Cala essa boca! — Eu o acerto outra vez. — Quem mandou você ficar mexendo nas minhas coisas, seu stalker europeu ridículo?

— Mas não era a minha intenção! — ele exclamou, erguendo o braço livre da tipoia para bloquear o meu próximo golpe. — Naquele dia em que fomos ao centro comunitário, quando eu estava saindo do seu quarto depois de ter me livrado daquela barata no seu banheiro, eu fui colocar no porta-lápis uma caneta que estava caindo da sua escrivaninha e sem querer vi a corrente pendendo de dentro do livro. Eu não estava fuçando de propósito!

Paro de bater nele, analisando-o com desconfiança.

— Você jura?

— Mas é claro que eu juro! Eu nunca mexeria nas suas coisas sem permissão. Nunca mesmo — Zaden assegura, me olhando nos olhos.

Assenti, me virando de costas para ele para pôr o livro de volta sobre a escrivaninha. Eu o abro na página em que a correntinha prateada com o pingente da palheta de guitarra dividida ao meio está e a seguro cuidadosamente entre meus dedos, observando-a cintilar à luz.

Suspirei.

— Eu acredito em você. Desculpe por ter te batido.

— Ter me surrado, você quer dizer. E está tudo bem — ele disse, se aproximando por trás de mim. Sinto sua respiração quente em minha nuca. — Sabe, eu sempre me perguntei que fim você teria dado à sua metade. Eu mantive a minha no pescoço durante todos esses anos, mas nunca vi nem sequer um relance da sua — murmurou, tocando minha cintura. — Por muito tempo eu achei que você tinha jogado fora.

— É claro que não. Eu nunca jogaria fora. Até tentei uma vez, mas não consegui — respondi, em voz baixa, me obrigando a ignorar a súbita fraqueza em meus joelhos quando seus dedos acariciaram a pele por debaixo da minha blusa. — No início, eu só... a deixava guardada dentro da caixinha de veludo no fundo da minha gaveta e fingia que não sabia da existência. Mas algumas vezes, quando acontecia alguma coisa que me deixava balançada...

— Que tipo de coisas? — ele indagou, sua voz soando ligeiramente mais grave que o normal.

— Como no dia em que você... — engoli em seco, saindo do alcance de sua mão e me virando para encará-lo. — Como no dia em que você fez aquele solo de guitarra para mim. Pronto. Podemos começar a aula?

— O meu solo de guitarra te fez ficar balançada? — Zaden ergueu as sobrancelhas, parecendo genuinamente surpreso. — Mas você... você mal me disse uma palavra naquele dia. Achei que não tinha achado nada demais.

Pigarreei, colocando a minha correntinha em cima da mesa e juntando o restante dos cadernos que estavam no chão.

— Você sabe que eu adoro te ver tocando. Qualquer coisa que seja. E o fato de aquele solo ter sido escrito para mim fez com que tivesse um significado ainda mais especial — falei, endireitando os papéis e ajeitando-os em uma pilha ao lado dos outros livros. — Só não disse nada porque guardava mágoa de você e não sabia como me expressar sem parecer idiota. Foi por isso. 

— Alis.

Respirei fundo. Eu sabia que estávamos trabalhando em estabelecer uma comunicação melhor um com o outro, mas algumas coisas simplesmente precisavam de uma ocasião certa para serem ditas.

Ou ao menos era isso o que eu dizia a mim mesma para não admitir que Zaden estava fazendo um trabalho bem melhor que o meu em falar sobre como se sentia e expressar a si mesmo.

— Podemos conversar sobre isso em outro momento e focar somente na nossa aula por enquanto?

— Muito bem. Como quiser, então. Commençons — ele concordou, clareando a garganta e puxando uma cadeira para sentar.

— Obrigada — assenti, assumindo a cadeira ao seu lado. — Hoje eu estava pensando se nós dois poderíamos trabalhar mais na oratória. Preciso melhorar minha pronúncia.

— Pois bem. Vamos fazer um jogo então — Zaden propôs, gesticulando para que eu pegasse o livro vermelho de contos. — Eu vou escolher uma das histórias desse livro para que você leia e a cada palavra pronunciada incorretamente você vai ter que dizer algo de que gosta em mim. E se errar mais de três vezes, então vai ter que me dar um beijo. Fechado?

Semicerro os olhos para o homem sentado à minha direita, analisando seu sorriso inocente e sabendo muito bem que ele está tentando se aproveitar da situação de aluna e professor na qual estamos. Que se dane. Eu adoro desafios. Ainda mais quando eles são entre mim e Zaden.

— Fechado. Eu aceito esse seu joguinho — estalei a língua, segurando o livro de contos no colo. — Apesar de que vai ser bem difícil pensar em algo de que eu goste em você... — digo, ao passo em que Zaden assume uma expressão de pura zombaria. — Mas se eu falar tudo corretamente, o que vou ganhar em troca?

Ele leva uma caneta aos lábios, batendo com ela suavemente contra sua boca enquanto pensa no que responder. Meus olhos acompanham o movimento inconscientemente, e presencio com exatidão o segundo em que um sorriso malicioso coroado de covinhas se abre no rosto de Zaden no momento em que ele percebe para onde estou olhando.

— A ansiedade pra me beijar já tá batendo, né, Alis? — alfineta, e eu automaticamente lhe mostro o dedo do meio. Zaden cai na gargalhada. — Muito bem. Quando a sua pronúncia no francês estiver perfeita, eu vou compor outro solo de guitarra para você assim que tiver tirado o gesso.

— Sério mesmo?! — exclamei, me inclinando na direção dele, a empolgação elevando a minha voz em uma oitava. Me dando conta da minha total falta de compostura, eu tusso, tentando disfarçar um pouco da animação. — Quero dizer... Bem, se você quer compor outro solo para me recompensar, então por mim tudo bem.

— Ok. Estamos combinados, então — Zaden se aconchegou em sua cadeira, fazendo um sinal para que eu ficasse à vontade. — Pode começar. Página oitenta e três.

La ballerine de verre? — indaguei, compreendendo o título do conto como "A bailarina de vidro".

Oui. Commencer à lire.

Soltando o ar brevemente, dei início à leitura:

Dans une petite ville, il y avait une fille fragile qui rêvait d'être ballerine — "Numa cidade pequena, havia uma frágil menina que sonhava ser bailarina." Olhei para Zaden em busca de aprovação, e recebi um assentir de cabeça em resposta. Vá em frente, ele quis dizer.

Parce qu'elle était très fragile, les parents de la fille ne croyint pas...

Ne croyaient. Foi quase lá, mas a pronúncia tem que ser mais aberta, suave. Tenta não colocar tanta força na palavra, está bem? — ele sugeriu.

— Ok. Parce qu'elle était très fragile, les parents de la fille ne croyaient pas qu'elle avait assez de capacité physique pour être une bonne ballerine. — "Por ela ser tão frágil, os pais da menina não acreditavam que ela tinha capacidade física o suficiente para ser uma boa bailarina."

Excellent. Muito bom, Alis. — Zaden elogiou, seu tom orgulhoso e encorajador me fazendo ficar tão alegre que já estou começando a ler a frase seguinte quando ele diz: — Agora você tem que dizer algo de que gosta em mim.

Bufei, a contragosto.

— Aff, já tinha esquecido dessa parte. Deixa eu pensar... — murmurei comigo mesma. — Hmm. Eu gosto das suas covinhas — falei de uma vez, erguendo o livro novamente. — Pronto. Vou voltar a ler agora.

— Não sabia que você achava que as minhas covinhas eram legais — ele comentou, sorrindo de orelha a orelha, as minúsculas aspas de cada lado de seu sorriso se aprofundando com o movimento. Meu coração disparou mais rápido dentro do peito. — Eu acho que o seu sorriso é lindo.

— Hã... obrigada. — Eu ri, sentindo minhas bochechas esquentarem. Pensei que era só para eu dizer as coisas que gostava nele. Percebi que Zaden ainda não tinha parado de sorrir e ergui uma sobrancelha. — Ok, mas... você está sorrindo de propósito só para que eu possa ver as suas covinhas ou...?

Ele parou de sorrir, as maçãs de seu rosto levemente vermelhas.

— Err, não. Foi involuntário. Eu não tinha percebido. Peut continuer à lire — falou, meio sem jeito, e eu imediatamente voltei a ler do ponto de onde tinha parado. Tentei me concentrar mais do que a primeira vez, para não dar oportunidade para que nós dois pudéssemos ficar admirando o sorriso um do outro ou para que eu pensasse sobre como era possível um cara ser tão adorável e convencido ao mesmo tempo.

🎸


Felizmente para mim, o restante da minha leitura prosseguiu com apenas mais um erro de pronúncia, – o qual paguei tendo que elogiar a capacidade de Zaden de irritar pessoas (ele ficou realmente lisonjeado). Depois de tirar dúvidas e receber algumas dicas e conselhos para me ajudar a não cometer os mesmos erros, eu pergunto se Zaden está com fome (ao que ele responde com "pensei que você nunca iria perguntar") e nós dois vamos até a cozinha para tomar sorvete.

— Só tem água, um monte de sucos estranhos e sorvete na geladeira da sua casa. O que é que você come? — ele questiona, enfiando uma colher de sorvete de morango na boca.

— Primeiro de tudo, não são sucos estranhos. São detox — eu o corrijo, passando para o banco do seu lado do balcão de mármore da cozinha. — E eu costumo pedir comida num restaurante perto daqui ou comer uma fruta. Às vezes uma torrada, sei lá. Qualquer coisa. O que importa é que eu não fico sem comer, então não se preocupe.

— Espero que você não tenha voltado a pular refeições para poder passar mais tempo ensaiando — Zaden diz, me dirigindo um olhar reprovador. — Você prometeu que iria parar com isso.

— Isso só acontecia exclusivamente quando eu tinha alguma grande apresentação para fazer e precisava acertar os passos — esclareci, tirando um colherada do sorvete dele. — Mas eu já estou com uma rotina alimentar balanceada há mais de um ano. E eu ganhei um pouco de massa muscular, você não percebeu?

Ele assentiu.

— Claro que percebi. Você está me batendo com bem mais força do que antes — provocou, e eu ri, revirando os olhos, no instante em que o som da porta da frente sendo desbloqueada ecoa pela casa.

— Pai? — eu indago, e de repente o barulho das rodas das malas de viagem se torna audível.

— Alison? Filha, chegamos! — papai grita, e eu olho para Zaden, que sorri em reflexo.

— Eu estou na cozinha! — aviso.

Não demora muito para que papai e mamãe apareçam para nos encontrar, os dois elegantemente vestidos com trajes executivos carregando pesados sobretudos de viagem pendendo de seus braços.

— Alison, filha, voltamos — minha mãe diz, alargando seu sorriso ao ver Zaden do meu lado. — Ah, Zaden! Que bom te ver! É até uma coincidência: você estava aqui quando saímos e está aqui quando voltamos. É quase como se não tivesse passado um dia desde que fomos embora.

— É, mas já se passaram quatro dias — eu relembrei, sem fazer o menor esforço para soar animada ou receptiva. Não a perdoei pelas coisas que me disse antes de sair de viagem, e faço questão de que ela saiba disso.

— Sim, eu sei. Mas acabamos voltando mais cedo que o previsto, o que é bom — mamãe pontuou, me dando um olhar que claramente implorava para que eu não fizesse uma cena na frente de Zaden.

— Um milagre, para variar — resmunguei.

— Espero que a viagem de vocês tenha sido produtiva — Zaden disse, sendo a luz dos olhos da minha mãe.

— Com certeza que sim, querido. Por isso mesmo que Ben e eu conseguimos voltar mais cedo.

— Acabou que o problema na filial era menor do que Lucy e eu pensávamos — papai falou, passando o braço pelos ombros de mamãe. — E fico feliz de saber que vocês dois voltaram a se aproximar. Eu gosto de vê-los juntos.

— Ah, meu Deus, pai, também não é pra tanto — eu disse, morrendo de constrangimento. — Não é como se Zaden tivesse sumido e reaparecido do nada. Ele veio aqui várias vezes no ano passado.

— Sim, é verdade, mas você sempre estava de saída ou trancada no quarto — meu pai contra-argumentou, de maneira reprovadora. — Não pense que eu e sua mãe somos tão ocupados que não percebemos que vocês estavam brigados. Que bom que fizeram as pazes.

— Compartilho da mesma opinião — Zaden sorriu, enfiando a colher dele na minha taça de sorvete.

— Quem deixou você pegar do meu? — perguntei, dando um tapa na sua mão.

— Ué. Você pegou do meu, então por que eu não posso pegar do seu?

Meu pai soltou uma risada baixa, e mamãe aproveitou o momento para dizer:

— Nós dois vamos lá pra cima tomar um banho e desfazer as malas e logo voltamos. Zaden, você vai ficar para o jantar?

— Eu gostaria muito, mas tenho um compromisso em casa. Além do mais, vocês estão cansados da viagem, e eu não quero incomodar — se desculpou, todo polido.

— É uma pena. Mas da próxima você fica, está bem? — ela sorriu. — Mande lembranças à sua mãe.

— Mando sim — ele assentiu, e meus pais se despediram uma vez mais antes de sumirem escada acima.

Observo com o canto do olho Zaden tentar novamente roubar um pouco do meu sorvete e me vingo tirando uma colherada enorme do seu. Nos encaramos em silêncio por alguns segundo, até que ele finalmente declara:

— Agora é guerra — diz, e nós dois começamos um acirrado duelo de colheres. Tento atacá-lo, mas Zaden faz um ótimo trabalho na defesa. — A-rrá! Subestimando as habilidades de um homem com o braço quebrado, não é mesmo, Alison Reyna Walters?

Eu mordo os lábios, tentando não rir, mas é um ato que se mostra uma completa perda tempo, visto que a nossa guerra por sorvete é infantil e absolutamente ridícula. Zaden não fica para trás, e nós dois rimos muito lutando um contra o outro.

Algum tempo depois que o motorista dos LeBlanc chega para levar Zaden de volta para casa, eu subo para ficar no meu quarto enquanto meus pais ainda estão desfazendo as malas. Por alguns minutos, me sinto com treze anos de novo, e a sensação é boa.

Senti saudades disso, penso, segurando minha correntinha de prata entre os dedos com carinho.

— Alison — minha mãe me chama da porta do meu quarto, e eu me viro para encontrar sua silhueta curvilínea de pé ao lado da parede. — Você está ocupada?

— Não.

— Bem, eu só... eu só queria vir me desculpar com você pela discussão que tivemos alguns dias atrás. Eu estava estressada com o trabalho e acabei descontando tudo em você. Nada do que eu falei foi justo, e sei que muitas vezes estive ausente em partes importantes da sua vida e do seu irmão — ela admitiu, a resignação em seu tom de voz me fazendo perceber que já havia algum tempo que ela sabia disso. — Minhas intenções como mãe sempre foram as melhores, mas acabei cometendo alguns... alguns erros no caminho — ela fez uma pausa. — Espero que você possa me dar a chance de corrigi-los.

Fico sem palavras por um instante, só absorvendo tudo o que ouvi. Penso que meus pais devem ter realmente sentado para conversar sério sobre o que aconteceu para que minha mãe orgulhosa e super perfeccionista tenha chegado ao ponto de dizer que cometeu um erro.

Ainda estou meio ressentida pela briga, mas reconheço a atitude dela de vir me procurar para pedir perdão e também não quero prolongar o clima chato por mais tempo que o necessário.

— Tudo bem — digo.

Minha mãe abriu um sorriso tímido.

— Isso quer dizer que estou desculpada?

— Sim. A senhora está desculpada — balanço a cabeça.

— Então eu ainda posso ver aquele par de sapatos novos que você disse que queria avaliar comigo? — ela inquiriu, despretensiosamente.

Eu enfim consegui sorrir de volta.

— Óbvio que sim. Eu só tenho que fazer uma coisa antes.

— Ok, então eu te espero lá embaixo — disse, fechando a porta atrás de si.

Caminhei até o meu closet, parando em frente ao enorme espelho que havia ao lado da minha prateleira de sapatos. Encarando a mim mesma, passei a correntinha prateada pela cabeça, ajeitando o pingente com a palheta de guitarra dividida ao meio junto ao peito. Ela parece brilhar mais forte contra a minha pele, como se finalmente tivesse voltado ao seu lugar de direito.

Alcanço a caixa com os sapatos novos e então vou ao encontro da minha mãe, com o pressentimento de que as coisas estão prestes a se tornarem melhores.

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