CAPÍTULO 3


Para a minha infelicidade, Zaden havia conseguido a façanha de quebrar o braço durante a queda que levara e agora estava impossibilitado de participar da turnê que a banda iria realizar pelo país na próxima semana. Vários jornais e revistas de fofocas tinham noticiado o total desastre que acontecera durante o último show da The Noisy, e eu perdera as contas de quantos vídeos dele caindo já tinham aparecido na minha timeline do Twitter.

Na escola, era praticamente impossível que eu andasse dez metros sem ser parada por alguém procurando saber como ele estava, o que iria fazer e se voltaria para casa.  Uma menina até tinha espalhado boatos de que Zaden entrara em depressão pós-acidente e estava se tratando em Nova York com uma terapeuta famosa, – fofoca essa que me rendera mais e mais perguntas inconvenientes sobre o estado de saúde daquele bobalhão.

Mal sabia eu que essa havia sido apenas uma prévia do que registraria oficialmente o fim dos meus dias de glória e paz sem a presença de Zaden, que com tanto dinheiro para contratar alguém para cuidar dele lá onde estava, obviamente havia resolvido voltar à cidade para passar os seus dois meses de repouso em casa.

Até aí tudo bem, eu não tinha nada a ver. Mas como se não bastasse isso, Zaden ainda tinha decidido dar uma de coitadinho e não avisar à família que estava voltando, o que fez com o meu irmão – pessoa de coração puro extremamente dedicada aos amigos, – ficasse preocupado com a possibilidade de algo acontecer com ele e me obrigasse a ir recebê-lo no aeroporto.

Então aqui estava eu, às dez horas da manhã de um sábado, gastando a sola dos meus sapatos Jimmy Choo no meio de uma área de desembarque abarrotada de gente. Conferindo o relógio e o horário previsto para a chegada do voo de Zaden mais uma vez, me perguntei por que diabos eu ainda estava esperando quando ele já deveria estar aqui há pelo menos quinze minutos. Respirei fundo, começando a ficar irritada com a demora.

E foi então que, como se invocado pelo menor dos meus sinais de impaciência, Zaden surgiu entre a multidão, todo de preto e com um dos seus muitos bonés de beisebol sobre a cabeça. E a tipoia no braço engessado, é claro.

Apesar de saber que ele já tinha me visto – e eu sabia disso com clareza mesmo seus olhos estando cobertos pelos óculos escuros que estava usando, – ergui a plaquinha de boas vindas que eu havia feito especialmente para ele com os seguintes dizeres:

ZADEN BRAÇO-DE-PAU

Sorri comigo mesma. Eu tinha um senso de humor admirável.

— Agora isso é uma surpresa — ele disse, enquanto caminhava na minha direção. — De todas as pessoas que eu achei que poderia encontrar aqui, nenhuma delas era você.

Revirei os olhos, baixando a plaquinha.

— Bem, minhas mais sinceras desculpas pela decepção.

— Não foi isso o que eu quis dizer — Zaden balançou a cabeça, dando uma risada fraca. — Eu estou feliz de ver você, Alison.

Pisco, estática por um momento. Eu não estava esperando por essa recepção, mas não me deixo abalar:

— É mesmo? Eu não — falei, lhe dando as costas rapidamente, no intuito de chegar à saída do aeroporto o mais rápido possível. Este lugar já tinha sido palco para tantas despedidas que eu não aguentava mais ficar aqui nem por um segundo: ver o meu irmão se mudando definitivamente para Nova York com os meninos tinha sido um golpe duro para mim, e dar adeus à Amélia poucas semanas depois não ajudara em nada para aplacar a solidão que senti vendo todos eles indo embora.

— Eu sei que você também está feliz em me ver, Alison — Zaden debochou, seguindo logo atrás de mim. — Sério, pra quê fingir? Você se deu até ao trabalho de fazer um cartaz com o meu nome! Plastificou ele e tudo. Achei um gesto adorável, de verdade. Deixou um pouco a desejar na criatividade, mas...

— Já que você gostou tanto, por que não me faz um favor e cala essa boca, hein? Que tal a gente fazer assim? — falei, enquanto nós dois caminhávamos pelo estacionamento até o meu mais novo e lindo carro prateado (um que era exclusivamente meu e nem um pouco do Charles, vale ressaltar). Clicando no botão que abria o porta-malas, me virei para Zaden.

Ele deu um passo para trás.

— Você quer que eu vá no porta-malas? — indagou, ultrajado. — Isso é uma carona ou uma tentativa de sequestro?

Tenha santa paciência, pensei, dando um passo à frente e arrancando a mala de bordo das mãos dele, tomando cuidado para não resvalar meus dedos nos dele.

— Entra no carro, Zaden. — eu disse, mas como o idiota que era, ele apenas continuou parado onde estava, me observando jogar a sua bagagem dentro do porta-malas do veículo.

— Eu conseguiria fazer isso sozinho, sabe?

— Claro que eu sei — falei, contornando o carro e assumindo o meu lugar como motorista, enquanto Zaden entrava do lado do passageiro. Ah, sentar de frente para o volante: que sensação de poder. — Encare somente como sendo uma boa ação minha. Ouvi falar que gestos solidários como esse estão na moda, e você sabe que eu estou sempre na moda.

— Com certeza — ele concordou, em tom de ironia, tirando o boné da cabeça. Mechas loiras se espalharam sobre sua testa com o movimento, e ele as penteou para trás com os dedos, tentando conter a bagunça. — Bom saber que não é porque você está com pena de mim.

Eu tive que rir.

— Eu? Pena? De você? Não mesmo.

— Caso não saiba, a minha queda foi bem séria. Tenho sorte de estar vivo.

— É, pode apostar que eu sei — assenti, com um sorrisinho carregado de cinismo, enquanto ligava o carro. — Eu assisti o vídeo que fizeram de você caindo, tipo, umas trezentas vezes. Foi muito útil; serviu de alívio cômico para mim em momentos de estresse. Na verdade, eu coloquei até uma música da Beyoncé de fundo para ficar mais legal — suspirei levemente, para demonstrar a ele a minha paz de espírito. — Devo dizer: foi quase como fazer terapia.

— Rá. Você consegue mentir melhor do que isso, Alison.

— Ah, é? — Ergui uma sobrancelha, manobrando o volante. — E quem disse que eu estou mentindo?

— Eu te conheço — Zaden começou, assumindo uma postura cheia de presunção. — Se fosse mesmo verdade, você teria enviado o tal vídeo para o Charles em primeira mão, porque aí teria certeza de que chegaria até mim — ele deu uma risadinha, tirando os óculos escuros do rosto. — Se divertir às minhas custas sozinha quando poderia fazer isso com outras pessoas? Não faz o seu estilo, Alis.

Viro a cabeça para encará-lo, calculando mentalmente quais são as chances que simplesmente xingá-lo têm de fazer com que ele confirme a sua teoria de que eu estava mesmo mentindo a respeito do vídeo. E, para a minha completa insatisfação, o idiota ao meu lado parece prever minha estratégia, porque está com uma familiar expressão de desafio no rosto, seus olhos azuis faiscando como cristáis em minha direção.

Por Deus, ele se achava tanto.

— Não me chame de Alis — eu disse, apenas, enquanto me endireitava no banco. 

Não daria a ele o gostinho de saber que estava certo sobre mim.

— Eu sabia que era invenção sua — cantarolou, tamborilando os dedos na coxa. — Mas vou dar alguns pontos pela tentativa.

— Pode pensar o que quiser. Eu não vou insistir nessa discussão ridícula — falei, dando de ombros. Regra número 1 dos Walters: se você não pode vencê-los, finja estar acima de uma competição. — Mas e os outros, como estão? Falei com Charlie por vídeo chamada hoje, mas ele não pôde ficar por muito tempo. Alguma coisa a ver com a banda.

— É. Eles têm uma reunião com o cara que vai ficar me substituindo durante a turnê — disse ele, encarando a paisagem do lado de fora da janela. Seu tom de voz teria soado puramente indiferente para qualquer outra pessoa, mas não para mim.

O que era uma droga.

— Você não precisa se preocupar — falei, sem olhar para ele. — Não é como se eles fossem colocar um guitarrista qualquer no seu lugar. No entanto, se quer saber minha opinião, eu se fosse você não faria mais essas idiotices de saltar de lugares altos durante os shows. Você é músico, não o homem-aranha.

Zaden inclinou a cabeça na minha direção, um sorriso crescendo em seu rosto.

— Bem, não custava tentar, não é mesmo?

— Você não precisa tentar ser idiota, Zaden — ironizei. — Por que perder tempo com isso quando já veio assim desde o berço?

— Sabe que eu não sei? — ele franziu a testa, assumindo uma expressão indagadora. — Por que você perde tanto tempo tentando ser chata quando já é assim naturalmente?

— Não é óbvio? — dei uma risadinha.  — Porque tenho que ser a melhor em tudo.

— E depois ainda tem a coragem de dizer que sou eu quem tem o ego inflado — falou, balançando a cabeça em descrença antes de dizer:  — Respondendo à sua pergunta, todos os outros estão muito bem. Loren está às mil maravilhas por ter o seu próprio fã clube, Charles continua o mesmo pé no chão de sempre, Sebastian divide o tempo dele entre focar na banda e sentir saudades de Amélia e a dita cuja, como você já deve saber, está adorando Cambridge.

— Está, não está? — sorri, com um suspiro satisfeito. — Ela parece estar flutuando de felicidade. Mesmo virtualmente, é nítido o quanto estar lá está fazendo bem para ela. Você sabia que ela é a co-presidente de um clube de escritores?

— Mas é claro que sim. Sebastian ficou se gabando dela durante uma semana inteira — ele sorriu junto, parecendo lembrar da cena. — “Tem certeza de que quer bater de frente comigo? A minha namorada é a co-presidente de um clube de escritores em Cambridge. Você não vai querer arranjar problemas com ela” — gargalhou. — Sinceramente, ele é tão besta. O que a co-presidente de um grupo de escritores pode fazer com alguém? Colocá-los como vilões da história dela?

Olhei com raiva para ele.

— Como você pode tirar sarro da felicidade dos outros dessa forma? Sebastian só está orgulhoso da namorada. O jeito como ele torce por ela é lindo — encolhi os ombros. — Não que você tenha alguma ideia do que é isso. Não gosta de ninguém além de si mesmo.

— Ah, claro. Com certeza — Zaden me deu um aceno de cabeça, transbordando de sarcasmo. — Eu não gosto de ninguém além de mim mesmo. Como eu sou insensível, não é? — bufou. — Dá um tempo, Alison. Foi só uma piada.

— Engraçada — comentei, seca.

Nenhum de nós disse mais nada durante todo o trajeto restante até a casa dele. Era incrível o quanto tudo não passava de uma grande brincadeira para Zaden. E eu não estava falando só dos sentimentos das pessoas, mas do modo como ele encarava a vida em geral: estava claro pelo jeito imprudente com o qual ele havia pulado do palco sem mais nem menos, só para poder chamar atenção. De verdade, chegava a ser inacreditável a maneira que ele encontrava de simplesmente fechar os olhos para todas as consequências que poderiam surgir caso ele tivesse se ferido seriamente. E quanto às pessoas que se importavam com ele? Nessas, ele nunca parava para pensar. Nunca.

A mansão LeBlanc foi surgindo acima das árvores, se erguendo sobre todas as outras casas que haviam próximas dali. Aquela era uma visão nostálgica: me trazia lembranças de um tempo no qual Zaden e eu conseguíamos nos entender. Um tempo no qual costumávamos ser amigos um do outro, e não apenas duas pessoas que se aturam por serem parte do mesmo círculo de amizades.

— Está entregue — eu disse, quando parei o carro na frente do enorme portão.

— Olha, Alison. Mais cedo, eu não quis…

— Eu estou atrasada para um compromisso com o Bryan — eu o cortei. — E eu já deveria estar chegando.

Não desvio nem por um momento o olhar da rua à minha frente, mesmo sentindo meu rosto queimar sob o escrutínio de Zaden.

— Claro — ele murmurou, abrindo a porta do seu lado do carro. Enquanto eu aciono o botão do porta-malas, um dos seguranças da entrada da casa vem em nossa direção, assentindo para Zaden em reconhecimento antes de ajudá-lo com a bagagem. Já do lado de fora do veículo, o guitarrista pergunta: — Se você tinha um compromisso tão perto do horário em que eu chegaria, por que se deu ao trabalho de vir me buscar?

Ergui o queixo.

— Porque o meu irmão pediu.

— Certo — disse ele, parecendo não se surpreender nem um pouco com a minha resposta. Um minuto inteiro de silêncio se passa entre nós, até que eu olhe para ele e pergunte:

— Mais alguma coisa?

— Sim — anuiu, olhos azuis gélidos perfurando os meus. — Da próxima vez, não venha.

E então bateu a porta.

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