CAPÍTULO 25


A dor que sinto em meu punho após acertar um soco no rosto de César é ainda maior do que pensei que seria, mas não me arrependo nem por um segundo da decisão de bater nele. Para ser sincera, vê-lo tombar para trás tão facilmente com o meu golpe me provoca uma espécie vingativa de satisfação, e adiciono mentalmente um lembrete na minha lista de afazeres para falar com Sebastian mais tarde e lhe dizer que as suas dicas de defesa pessoal estavam sendo bastante úteis a longo prazo.

Encaro com firmeza o idiota parado à minha frente.

— Para a sua informação, eu tenho dinheiro o suficiente para ter tudo o que eu quero sem precisar que outra pessoa pague por mim, seu perdedor ridículo — esclareci incisivamente, ao passo em que César massageava o lado de seu rosto que havia sido atingido. — Se eu não quis sair com você, garanto que foi por não querer me associar com o tipo de cara que é invasivo e não respeita ninguém além de si mesmo, e não por causa da sua conta bancária. No mais, posso garantir que qualquer garota que se preze não gostaria de se envolver com gente da sua laia.

Dito isso, abro a bolsa que eu havia deixado em cima da cadeira e tiro a minha carteira de dentro, puxando um maço de notas de cem dólares de seu interior. Uma eu coloco sobre a mesa e o restante eu esfrego contra o peito de César.

— Pronto. Pode ficar pra você. Para mim não faz a menor diferença. Só pare de ficar atrás de mim — falei, antes de ultrapassá-lo e começar a caminhar em direção à saída do local. Sinto os olhares das pessoas pesando sobre mim a cada passo que dou, e sei que a maioria delas está me julgando culpada pela confusão. Raiva e vergonham se agitam em meu âmago.

— Espero que tudo tenha ficado claro pra você dessa vez — paro de andar e me viro para olhar para trás ao reconhecer o som da voz de Zaden. — Se voltar a persegui-la ou envergonhá-la desse jeito novamente, você e eu vamos bater um papinho bem diferente desse aqui — ele disse, pegando Loki no braço livre e medindo César com a expressão cheia de desprezo. — Ah, e no mais: vá se foder.

E então cruza em segundos a distância que há entre nós dois, de cabeça erguida e completamente alheio aos olhares direcionados a ele. Ser alienada dessa forma chega a ser surreal para mim. Eu conheço Zaden há muito tempo, mas ainda assim não posso evitar me surpreender com o quão confiante e seguro de si mesmo ele é: Zaden LeBlanc não se importa de arranjar confusão. E por que deveria? Ele tem tudo a seu favor. Foi criado em um lar onde podia ser e fazer o que quisesse que teria tudo a seus pés. Aonde quer que esteja, Zaden simplesmente pertence sem precisar de esforço algum. O nome de sua família é conhecido em tribunais, mas não há ninguém que ouse julgá-lo pelo que diz ou faz.

Não consigo deixar de me sentir mal por ter plena consciência de que as coisas nunca serão assim comigo.

Uma vez que Zaden me alcança, nós dois andamos juntos até atravessar as portas que dão passagem para o lado de fora do estabelecimento, a lufada de ar frio em nossos narizes saudando a nossa presença em boas vindas. Respiro fundo, resfriando a mim mesma por dentro.

— Alison? — ele me chama, franzindo a testa de preocupação. Loki está no chão outra vez, sentado aos pés de seu tutor. — Você está bem?

Respiro novamente, mais fundo que antes. Coloco as mãos na cintura, na intenção de secar discretamente o suor das palmas nos meus jeans. Ok, relaxa. Você está no controle agora. Já passou.

— É claro que estou — respondo bruscamente, como se o meu atual estado emocional estivesse mais do que óbvio para qualquer um. Levanto o olhar para o de Zaden, irritada e na defensiva, pronta para lhe dizer que ele não precisa se preocupar comigo, mas a compreensão que encontro em seus olhos me desarma.

Porque ele sabe. Ele sabe que não estou sendo sincera. Ele sabe que só estou tentando me convencer de que não preciso do apoio de nada nem de ninguém. E é nesse momento em que sou tomada pelo fato de que Zaden sempre conseguirá enxergar através de mim, não importa o quanto eu tente fingir que estou bem. E por que me dar ao trabalho? Posso ser boa em guardar segredos e manter distância, mas sou um fracasso completo em tentar esconder dele as minhas emoções. E a verdade é que estou cansada; estou cansada de carregar o fardo das minhas mágoas sozinha e excluir todo mundo que se importa comigo do lado de fora. Alguns hábitos são difíceis de deixar para trás, mas prometi a Charles que iria me esforçar para mudar.

E eu devia essa confiança a Zaden.

— Desculpa — eu recomeço, engolindo em seco na minha busca pelas palavras certas. Abro e fecho a boca algumas vezes, até me dar conta de que não há outro jeito de dizer o que quero dizer se não o fizer de uma vez por todas: — Eu não estou bem, Zaden. Sinceramente, eu não estou nada bem. Eu só... eu odeio ter que passar por esse tipo de situação. Odeio que aquele babaca pense que tem o direito de chegar na mesa do lugar onde eu estou e falar o que bem entender achando que não vai sofrer consequência nenhuma pelo que faz só porque tem dinheiro. Odeio me sentir afetada por isso. E odeio ter deixado que pessoas como ele fizessem com que eu me mantivesse afastada de você durante tanto tempo. Eu odeio tudo isso.

Baixo o olhar para os meus pés, me sentindo subitamente esgotada demais para manter a cabeça erguida. Sinto meus olhos arderem, e pisco para conter a umidade que começa a se acumular nas beiradas.

— Alis — Zaden sussurrou, se aproximando, com Loki abanando o rabo agitado enquanto caminhava de um lado para o outro entre nossas pernas. — Não é errado se permitir dar voz ao que você sente. Ignorar todas as coisas que te machucam e fingir que elas não te causam dor pode funcionar nas primeiras vezes, mas a longo prazo só serve para te deixar com uma coleção de feridas não cicatrizadas. E esses ferimentos corroem a gente por dentro, entende? Você tem que aprender a separar um tempo para cuidar deles. E lembrar que, se precisar de ajuda, eu vou estar aqui para cuidar de cada pequeno machucado que você tiver.

Assenti sem dizer nada, mordendo os lábios para não acabar soluçando. As lágrimas com as quais tanto me preocupei em segurar transbordam dos meus olhos e deslizam silenciosamente pelo meu rosto. O que Zaden diz não é o que quero ouvir, mas sei que é exatamente o que preciso escutar: não posso continuar a ignorar minhas mágoas e rancores e passar por cima deles como se não fossem nada. Porque eles são parte de quem eu sou. Quantas vezes não os usei como combustível para continuar treinando até me tornar a melhor? Quantas vezes não usei cada frase maldosa e ofensa como razão para me manter de pé mesmo quando estava acabada por dentro? Inúmeras. Quase todas as vezes. Porque essa é quem eu sou: a garota que pega suas dores e as lapida em sua armadura como se fossem diamantes.

Só que faz muito tempo que essa armadura vem se tornando cada vez mais pesada. Pesada demais para que eu possa permanecer usando-a. Era chegada a hora de me desfazer dos meus dolorosos diamantes. E eu sabia que o processo iria ser doloroso.

— Ei — Zaden disse, a consternação em seu tom fazendo com que eu o encarasse imediatamente. Seu rosto se franziu em angústia e seus olhos se turvaram de tristeza. — Não chora, meu bem. Nada nesse mundo inteiro vale uma lágrima sua, muito menos a escória humana que ficou lá dentro. Olha... quer saber de uma coisa? Pode segurar o Loki por um minuto? — perguntou, me passando a guia do cachorro sentado aos nossos pés sem esperar resposta. — Eu vou voltar e arrebentar a cara daquele cara. Sei que não precisa que eu te defenda, mas ninguém faz você chorar e sai por isso mesmo. Se você chora, então aquele desgraçado de merda tem que chorar também.

Zaden começa a dar meia volta em direção à entrada do café, mas eu troco a guia de Loki para a outra mão e enlaço a sua cintura com o braço livre, trazendo-o para a calçada novamente e não perdendo tempo em encaminhar todos nós para o outro lado da rua.

— Que tal se abster de brigas por enquanto, Rocky Balboa? Você está sob recuperação. Só quando for retirar o gesso e receber autorização do médico para voltar à ativa é que você vai estar livre para procurar o César e dar uma surra bem dada nele. E não precisa nem se preocupar, porque eu te apoio totalmente nessa — funguei, na tentativa de apagar quaisquer vestígios de choro do meu rosto. — Aquele soco que eu dei nele foi só a introdução do primeiro round.

Zaden não diz nada, apenas baixa o olhar embasbacado para minha mão ao redor de sua cintura e então o levanta de volta para o meu rosto, o sorriso mal contido em seus lábios realçando as covinhas de cada lado de sua boca. Reviro os olhos, sentindo um calor envergonhado subir pela minha garganta. Ele era muito besta.

— Pelo amor de Deus, pare de ficar me olhando com essa cara — eu resmungo, constrangida, começando a me afastar. Não chego a fazer um grande progresso, no entanto, porque antes que eu possa dar um passo para longe dele, Zaden passa o braço bom pelos meus ombros e me puxa para perto, inclinando a cabeça na minha direção e depositando um beijo na minha testa. Há tanto carinho em seu gesto que me sinto subitamente minúscula e vulnerável.

Não sou muito boa reagindo a demonstrações como essa.

— Estamos no meio da rua — murmurei, sem encará-lo.

— E qual o problema? Estávamos nos beijando no meio de uma cafeteria apenas alguns minutos atrás e você não pareceu se importar — provocou, cheio de orgulho de si mesmo e presunção.

— Caso não se lembre, foi você quem me beijou primeiro, Vossa Majestade Iludida. E para deixar bem claro, eu só não te dei um chega pra lá porque...

— Porque você gosta de mim e eu beijo bem pra caramba. Além de eu ser o maior gostosão — ele completou, como o convencido que era, sorrindo de orelha a orelha. — Que sorte a sua.

— Rá! Sorte a minha? Sorte a sua! — rebati, ultrajada.

— Sorte a minha que eu sou gostoso e beijo bem ou sorte a minha que você é gostosa, beija bem e gosta de mim?

— Sorte a sua que eu sou gostosa, beijo bem e gosto de você — digo sem pensar, mordendo a língua logo em seguida ao ouvir sua gargalhada. Era só o que me faltava: dar munição para Zaden ficar se achando pelo resto do caminho.

Para a minha surpresa, o rapaz ao meu lado não solta nenhuma das piadas guardadas em seu arsenal. Simplesmente respira fundo e me abraça com mais força por um segundo antes de dizer:

— Eu tenho muita sorte mesmo.

— Pfft — eu faço, completamente sem jeito e com mil malditas borboletas no estômago que insistiam em não me deixar em paz. — Para de falar essas coisas do nada.

— Por quê? — indagou, baixando o olhar para os meus lábios, os olhos cintilando de diversão e prazer irreprimido. — Você fica muito linda quando fica assim, toda desconcertada.

— Eu não estou desconcertada — eu disse, focando na pelugem branca do cachorro à minha frente. — Você que é emocionado.

— Ha-ha, como você é engraça...

O telefone de Zaden toca dentro do bolso de trás da sua calça, e eu me desvencilho de seu abraço para que ele possa pegá-lo.

Ele lê o nome brilhando na tela e atende logo em seguida. É Zara.

Salut, ma petite sorcière. Precisa de alguma coisa? — ele pergunta, todo feliz e francês. Até que algo o faz franzir a testa de repente, seu semblante alegre se tornando terrivelmente preocupado. — Por que você está com o celular dela? Como assim? Ela se machucou? Onde vocês estão? Ok. Espere por mim. Estou chegando.

E então desligou.

— O que há de errado com a Zara? — questiono, alarmada pela expressão transtornada no rosto de Zaden.

— Ela sofreu um acidente de carro. 

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