CAPÍTULO 21
— Você está me dizendo que... — balancei a cabeça, ainda desorientada. — Eu não acho que... — minha voz sumiu em um sussurro desconexo. Era inacreditável. Com apenas uma frase, Zaden havia conseguido abalar todas as coisas que eu achava que sabia. Num cenário onde eu estava acostumada a calcular todos os meus movimentos me baseando na ideia de que tinha total controle sobre o que estava ao meu redor, ser pega desprevenida daquela maneira fez com o piso sob meus pés repentinamente se assemelhasse à areia movediça.
Em silêncio, ele apenas olhou para mim, sua expressão serena servindo somente para me desestabilizar ainda mais: de nós dois, eu sempre fui aquela que sabia lidar melhor com imprevistos justamente pela habilidade de me manter fria diante deles, ao passo em que Zaden logo esquentava a cabeça. Vê-lo tão tranquilo e seguro, como se já soubesse o desfecho de um livro que eu ainda não tinha lido, fez com que eu me sentisse completamente perdida.
Zaden suspirou, por fim indicando a porta mais à frente no corredor.
— Você não acha melhor conversarmos no seu quarto? Ou em qualquer outro lugar no qual você se sinta mais confortável?
Eu ergui o olhar para o dele, surpresa e agradecida, o ato de respirar se tornando instantaneamente mais fácil ao poder assumir a dianteira de alguma coisa.
Tomando consciência do meu alívio, Zaden me dá um sorriso encorajador tão sincero que faz meu coração doer. No calor da emoção, ele poderia ter simplesmente passado por cima do meu momento de fragilidade e manuseado a nossa discussão do jeito que mais lhe fosse conveniente, mas não – sabia que eu precisava de ao menos um fiozinho de controle ao qual pudesse me agarrar, e não hesitou em oferecê-lo a mim.
Naquele instante podiam existir mil e uma palavras não ditas entre nós, mas aquele gesto... aquele pequeno gesto de cuidado em que Zaden havia priorizado a minha necessidade no lugar da dele... eu o reconhecia como o que era.
Você vai mesmo voltar a confiar tão rápido?, uma vozinha espinhosa e desconfiada sussurrou no fundo da minha mente. Não seja estúpida, Alison. Seja feita de boba uma vez e a culpa será da pessoa que te enganou, seja feita de boba duas vezes e a culpa será sua.
Enquanto abro caminho em direção ao meu quarto, respiro fundo, tentando clarear os pensamentos. Ok, estava tudo sob controle. Eu estava no comando dos meus sentimentos. Nada de me deixar levar sem ter certeza de nada, disse a mim mesma, indicando a poltrona ao lado do meu cesto de revistas para que Zaden se sentasse. Me acomodando numa cadeira localizada na ponta oposta do cômodo, eu começo:
— Lá no corredor... você disse que contou ao Charles sobre... sobre nós — pigarreei. — Por que eu só estou sabendo disso agora?
— Porque eu não queria que você soubesse — ele respondeu, com firmeza, ajustando a tipoia no braço. — Na época eu estava meio inseguro em relação ao que você sentia por mim, já que gostava de me fazer suar frio em todas as vezes que eu insinuava querer algo além da sua amizade — falou, semicerrando os olhos para mim em uma clara demonstração de que ainda estava aborrecido por isso. Dei de ombros, nem um pouco culpada. Uma garota precisava se divertir. — Você estava fazendo jogo duro e eu estava ficando impaciente, então decidi que teria que tomar coragem para me declarar. No entanto, antes de tomar uma decisão eu precisava saber se Charles levaria numa boa caso nós começássemos a namorar, e por isso fui falar com ele. Era uma conversa só entre nós dois. Você não tinha nada que saber para depois ficar se achando.
Assenti com a cabeça devagar, resolvendo dar algum crédito a ele. Seu argumento era válido: eu iria mesmo ficar me achando.
Cruzei os braços.
— Muito bem. Se o meu irmão sabia de tudo, por que logo que chegamos à sua casa depois do parque você me disse que deveríamos manter o nosso relacionamento em segredo? Aquele papo sobre querer pensar em uma pegadinha para pregar nos meninos não é uma desculpa muito boa.
Zaden estalou a língua, tamborilando os dedos na coxa.
— É por um motivo bobo, na verdade...
— Diga — eu o incitei.
Ele soltou o ar.
— Os meninos desconfiavam que havia alguma coisa acontecendo entre nós e viviam fazendo piada pelas nossas costas. Apostas sobre quanto tempo levaríamos para ficar juntos, quem seria o primeiro a admitir... — revirou os olhos, dando um sorrisinho irônico antes de completar: — E até desenhos onde eu era um cachorrinho e você me levava para passear.
Engasguei uma risada, incrédula.
— Isso é sério?
— Seríssimo — Zaden assentiu, erguendo o olhar para o meu, os traços do seu rosto perdendo repentinamente quaisquer vestígios de diversão. — A pegadinha era para ser somente uma maneira engraçada de darmos o troco. Não era uma desculpa para esconder dos nossos amigos que eu estava com você e sair ficando com outras garotas.
Engoli em seco, sentindo uma pedra pesar no estômago com cada vez mais força.
— E quanto ao que você... — pressionei os lábios, enxugando as mãos úmidas de suor no tecido da minha saia. — E quanto ao que você tinha com a Maggie?
O modo como Zaden havia ficado tenso ao ouvir o nome dela era toda a confirmação de que eu precisava.
Fechei os olhos, sem aguentar olhar para ele por nem mais um segundo.
— Então era verdade. Você ficou com ela.
— Fiquei — ele disse, em voz alta. — Só não entendo o que ela tem a ver com a gente.
— O que ela tem a ver com a gente, Zaden? — indago, cerrando os punhos tão intensamente que sinto minhas unhas pressionando a carne das minhas mãos. — Quer dizer que você ficava flertando comigo durante o dia e à tarde ia transar na casa dela? E depois o quê? Você passou para fazer uma visitinha e perguntar ao meu irmão se tudo bem por ele você me namorar também?
Zaden fica de pé, sua expressão torcida em confusão e perplexidade.
— O quê? Mas que... mas que merda é essa?
— Vai bancar o desentendido agora? — também me ponho de pé, dando alguns passos em sua direção. Lágrimas não derramadas ardem em meus olhos. — Você mesmo acabou de admitir que ficou com ela! — vociferei.
— Eu sei que fiquei com ela, mas foram seis meses antes de sequer me dar conta de estar apaixonado por você! — ele bradou. — E eu nunca transei com a Maggie. Foram só alguns beijos e olhe lá! Não tínhamos nada sério e mesmo assim encerrei as coisas com ela da maneira mais clara possível.
— Então por que tantos meses depois disso ter acontecido ainda havia gente falando que você estava com ela?! Um grupinho inteiro de meninas estava falando disso no banheiro da sua casa, na noite da sua festa de aniversário — a lembrança dos comentários maldosos cheios de desdém ainda estava vívida na minha mente, rebobinando sem parar como a fita de um filme arranhado. — Todas elas estavam falando sobre como você devia morrer de tanta pena da irmã pobre de um dos seus melhores amigos e de como eu era ridícula por acreditar que você realmente gostava de mim quando na verdade estava saindo com uma garota chamada Maggie — enxugo furiosamente as lágrimas que haviam saído de controle. — Você tem noção do quão patética eu me senti?
— Alison, eu não... — Zaden abriu e fechou a boca, parecendo completamente arrasado. — Eu não fazia a menor ideia do que você estava passando. Se eu soubesse, teria quebrado a cara de qualquer um que ousasse dizer uma palavra sequer que fosse te magoar — ele balançou a cabeça, seu cenho franzido de angústia. — Nada do que disseram é verdade, Alis. Por que você não... por que não se abriu comigo? Por que não me contou o que estava acontecendo?
— Porque aí sim você sentiria pena, Zaden — desabafei, derrotada, incapaz de encará-lo. Reviver aquela mágoa que há tanto havia sido enterrada estava consumindo tanto de mim que minha voz saía quase como um fiapo inaudível: — Você não entende? Eu nunca quis que você me visse como alguém que precisava ser defendida. Nunca quis me encaixar no papel de coitada. Eu tinha que lidar com aquilo sozinha, ou então me tornaria exatamente a fracote que achavam que eu era. Se eu demonstrasse o quanto me importava com o que diziam de mim na escola...
Zaden avançou na minha direção, seu rosto se acendendo como se tivesse ouvido o pedaço da resposta para uma dúvida que o atormentava há muito tempo.
— Alison. Não, nada disso. Olhe para mim — exigiu, sua palma larga e cálida envolvendo toda a lateral do meu rosto. — O que diziam de você na escola?
Tento desviar o olhar, me sentindo exposta demais com a intensidade dos seus olhos sobre mim, sua presença fazendo que o meu quarto antes tão espaçoso parecesse minúsculo de repente. Meus esforços são inúteis, no entanto, porque ele mantém meu rosto firmemente voltado para o seu.
— Diziam que você só me tratava bem por consideração a Charles. Que eu era a sua "boa ação" do ano — engoli em seco, tentando acalmar a minha respiração. — E quando nós nos aproximamos, eu passei da garota digna de pena a garota que não sabia qual era o seu lugar. Me chamaram de interesseira, Zaden. Me fizeram sentir como se eu fosse um lixo da pior espécie, mas eu confiava tanto em você que nunca achei que precisasse te perguntar a respeito desses boatos — dei um risinho, um som que saiu estrangulado por causa do choro entalado na garganta. — Mesmo que eu não acreditasse, ainda doía. E doeu ainda mais quando fui atrás de você tirar a limpo a fofoca que tinha ouvido no banheiro e te peguei falando com outros garotos sobre como gostava de uma Maggie e a achava bonita. Mas o pior de tudo foi quando um deles te perguntou a meu respeito e você disse que eu era só a irmã do Charles.
— Alis... — Zaden sussurrou, seu tom de voz soando trêmulo como uma vela ao vento.
Fechei os olhos, mais das malditas lágrimas escorrendo pela minha face.
— Me solte. Por favor — pedi. Hesitante, ele afastou a mão do meu rosto.
Recuei para longe quase que instantaneamente, dando as costas para o homem à minha frente. Era como se eu não conseguisse respirar se não deixasse o choro sair. Meu peito doía, meu coração pesado e apertado. Finalmente, um soluço solitário escapou dos meus lábios, e eu não consegui conter o resto. Cobri a boca com as mãos, me obrigando a parar de chorar.
— Naquela noite, o garoto com quem você me ouviu conversando... o nome dele é Peter Olsen. Ele era um colega de classe que tinha acabado de ser transferido e estava interessado na Maggie. Ao saber disso, um dos outros rapazes na conversa o constrangeu dizendo que ela era meio burra e eu a defendi; Maggie podia não ser das mais inteligentes, mas era uma garota legal e se esforçava muito para tirar notas boas. Tinha até um grupo de estudos — ainda virada de costas para Zaden, eu relaciono imediatamente o que ele havia acabado de dizer ao comentário que uma das meninas do banheiro havia feito sobre ele ter ido à casa da tal Maggie para "estudar". — Eu apareci em uma das reuniões uma vez. A turma era aplicada, mas como você sabe, estudar nunca foi meu forte — respirou fundo. — Enfim. Quando você me ouviu dizer que a achava bonita e que gostava dela, não foi em um sentido romântico, e sim para dar uma força a uma amiga. E para o caso de não acreditar em mim, pergunte ao Peter; ele namora com a Maggie hoje.
Por um minuto inteiro eu apenas fico parada, assimilando tudo o que tinha ouvido em silêncio. Então solto o ar devagar, levando a mão à testa, que latejava. Depois de quase três anos... Simplesmente não pode ser.
— E em relação ao fato de ter me referido a você como sendo a irmã de Charles... bem, não tenho nenhuma desculpa para isso. A pessoa que havia me perguntado sobre você só conhecia o seu irmão, por isso usei a associação entre vocês dois como forma de te apresentar. Não foi com a intenção de anular tudo o que você significa para mim. Receio que tenha parecido assim por causa de tudo o que você já vinha escutando de outras pessoas na escola — Zaden suspirou, seu cansaço ecoando em sua respiração. — Você pode olhar para mim quando estou falando com você? Acho que mereço ao menos isso, não é?
Estremeço, finalmente me virando para enfrentar a inquisição em seus olhos azuis de gelo. Não falo nada, no entanto.
Ainda estou criando coragem para falar.
— Então foi por esse motivo que você rompeu nossa amizade e me deu um fora no dia do meu aniversário? — ele questiona, sua expressão dura como pedra deixando-o muito mais do que apenas intimidador. — Por que por puro medo de parecer fraca você resolveu esconder de todo mundo que estava sendo alvo de comentários maldosos no colégio? Por causa de um bando de mentirosas invejosas a quem você escolheu dar mais crédito do que ao seu melhor amigo?
Suas palavras estão banhadas em descrença e traição, e acertam direto o alvo. Mal consigo andar em sua direção, sentindo minhas pernas vacilarem antes de completar um passo sequer.
— Zaden, eu...
— Eu não consigo. Eu simplesmente não consigo aceitar que por causa da porra de um mal entendido... — ele exalou, passando a mão pelo cabelo com força, puxando os fios dourados para trás. — Alison, você tem noção de quanto tempo eu passei pensando que você não gostava de mim? Pensando em todas as coisas que poderia ter feito de errado... me agarrando aos poucos momentos que passávamos juntos quando você sentava comigo e com os meninos no almoço e nas poucas vezes em que ia assistir aos ensaios da banda?
— Eu não sabia. Eu achava que você estava aliviado por não precisar mais fingir que gostava de mim — tentei explicar, minha voz tão inconsistente que eu mal podia reconhecê-la. — Eu achava que estava te fazendo um favor. Naquele dia, no parque... você nem conseguia me encarar quando disse que gostava de mim. Depois de todas as coisas horríveis que eu tinha ouvido, achei que aquela era mais uma prova de que você só tinha dito aquilo por pena. Afinal de contas, fui eu quem te beijei primeiro. Você podia muito bem ter se sentido obrigado a...
Em um movimento tão rápido que chega a me desequilibrar, Zaden me segura pelo pulso, me trazendo para tão perto de si que nossas respirações se misturam, o calor de seu corpo se espalhando sobre o meu. Ele se aproxima ainda mais, até sua testa estar encostada na minha, nossos olhos perfeitamente alinhados um ao outro. O azul de sua íris ainda é o mesmo tom frio de cristal, mas me queima como fogo. Meus joelhos falham pela segunda vez seguida, e eu agarro seu braço para me sustentar.
— Eu sou completamente louco por você, Alison Walters. Eu mataria e morreria por você. Dançaria com você um dia atrás do outro com um sorriso satisfeito só para vê-la feliz. Compraria ingressos para todos os shows da Beyoncé só para que você não tivesse que deixar de ir a nenhum deles. Daria bailes na minha casa todos os anos em que você quisesse fazer parte de uma festa de formatura. Comporia mil e um solos de guitarra todas as vezes em que pisasse na bola com você — ele sorriu ternamente, covinhas coroando os cantos de sua boca. Sinto meu coração saltar dentro do peito, respondendo intensamente a cada uma daquelas declarações. — Eu faria tudo isso por você, mas você duvidou de mim na primeira oportunidade.
Cambaleio para trás, como se tivesse levado um soco no estômago.
Os olhos de Zaden ainda estão presos aos meus, e vejo o brilho das lágrimas dentro deles um segundo antes que ele pisque.
— Eu vou embora agora. Preciso de um tempo sozinho — e com isso, ele passa por mim e deixa o cômodo, fechando a porta cuidadosamente atrás de si.
Seus passos ecoam pesados pelas escadas, e eu fico paralisada no meio do quarto durante minutos que parecem horas até enfim deslizar para o piso acarpetado encolhida em uma bola de tristeza, lágrimas, culpa e arrependimento.
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