CAPÍTULO 19
AVISO: esse capítulo contém partes que talvez venham a ser gatilhos de transtorno alimentar. se você sofre ou conhece alguém que passa por isso, não deixe de procurar ajuda. ficar sem comer de propósito ou forçar o vômito depois que come NÃO É NORMAL NEM SAUDÁVEL E PRECISA SER TRATADO.
Eu estava dançando a ópera de "O Lago dos Cisnes", de Tchaikovsky. O enredo gira em torno da história de Odette, uma princesa aprisionada no corpo de um cisne por um feiticeiro maligno. Em sua solidão, ela passa todos os seus dias vivendo no entorno de um lago formado pelas lágrimas de sua mãe, e só durante à noite tem a chance de assumir sua verdadeira forma. Na minha interpretação, o balé dos cisnes era tristeza pura entrelaçada à esperança: tristeza por não conseguir se libertar das amarras de uma maldição e esperança de um dia poder encontrar a plenitude da liberdade por meio do amor.
O amor sempre parecia ser a chave para tudo, não é mesmo?
Contudo, o príncipe Siegfried, homem por quem Odette se apaixona e deposita sua fé, a decepciona ao ser enganado e jurar fidelidade a sua gêmea má, Odile. "O Lago dos Cisnes" uma peça de balé sobre desespero, amor e tragédia e, a cada movimento, danço como se estivesse lutando para me libertar. Todo salto e giro e até mesmo o mais minimalista dos passos é executado com dor e tristeza e uma vontade excruciante de abandonar as amarras que impedem Odette de ser feliz. As amarras que a impedem de ser quem realmente é.
Me movo pelo salão de olhos fechados, completamente imersa na sinfonia crescente da música. A ópera de Tchaikovsky é pesada e trágica e possui uma carga dramática e emocional enorme que pulsa em meu corpo por meio da dança. Lágrimas se acumulam sob minhas pálpebras conforme vou atravessando o clímax final da peça, abandonando parcialmente a coreografia para adicionar toques pessoais ao balé dos cisnes. Finalizo com um fouetté que é executado com nada menos que perfeição, posicionando meus pés a distância ideal um do outro após tomar o impulso da última rotação da pirueta.
Com a respiração levemente acelerada, encaro a mim mesma no espelho, avaliando minha aparência: as tranças do meu cabelo estavam presas em um coque firme no alto da minha cabeça, o collant branco que eu vestia possuía finas mangas esvoaçantes sobre meus ombros e o caimento perfeito da saia violeta que eu estava usando somado a meia calça sem uma dobra sequer e às sapatilhas de ponta proporcionavam a mim a exata sensação de leveza e segurança da qual eu precisava.
Era bom me sentir assim. Me lembrava do fato de que ser bailarina era delicadeza e graciosidade, mas também autocontrole e imponência.
Ouço uma salva de palmas atrás de mim e me viro no ato, me deparando com Bryan e Caitlin parados à porta do estúdio de dança do Instituto, ele segurando o telefone com um sorriso de orelha a orelha e ela aplaudindo boquiaberta.
— Agora eu meio que entendo o porquê você é metida — a ruiva disse, dando uma boa olhada ao redor antes de adentrar no enorme salão espelhado onde eu liderava os ensaios de dança do grupo de bailarinos que eu havia fundado alguns anos atrás, o Golden Bees. — Você parece uma fada quando está dançando. E eu simplesmente a-do-rei esse collant. Onde você comprou?
— Minha mãe desenhou para mim — falei, indo ao encontro dela e de Bryan. — E, antes que pergunte, desculpe desapontar, mas só há um modelo dele no mundo todo.
— Ugh. A cada minuto que passa fica mais difícil de te julgar por se achar tanto — Caitlin resmungou, ajeitando uma mecha de cabelo acobreado com uma mão repleta de anéis. — Afinal de contas, você é bonita, estilosa, uma bailarina excelente, tem pais que trabalham com moda, um irmão maravilhoso e ainda é boa em matemática! To-tal-men-te injusto!
Cruzei os braços, dando uma risadinha.
— Essa é a sua maneira de pedir para que eu te aceite como parte da minha turma de monitoria de matemática avançada? — indaguei, erguendo uma sobrancelha.
— Por favor, Alison, me deixe fazer monitoria com você! — implorou, juntando as mãos em súplica. — O outro monitor, aquele tal de Hector Bexter, é um nerdola esquisitão que fica dando em cima de todo mundo que precisa de reforço. A turma dele tem vagas de sobra por causa disso e eu vi que na sua só tem mais um lugar disponível, então me escolha, por favor, por favor!
Tentei não achar graça da situação, mas a expressão de Caitlin estava tão desesperada que foi praticamente impossível.
Para ajudar os estudantes com notas abaixo da média na matéria, o Professor Owen tinha pedido para os dois melhores alunos da classe formarem turmas de monitoria para auxiliar aqueles que estavam com dificuldades. Em troca, ele daria pontos extras e um certificado novinho em folha de mais uma extracurricular para abrilhantar nosso histórico.
Em circunstâncias normais eu teria recusado a proposta por já ter muita coisa para fazer, mas era o meu último ano na escola e eu realmente gostava de matemática, então acabei aceitando ser monitora. O segundo encarregado, Hector Bexter, era um sabe-tudo esnobe que usava sua inteligência como moeda de troca para marcar encontros – ele não era bem um pervertido, mas ainda assim conseguia ser altamente sem noção e insistente.
— Calma, Caitlin, não precisa se descontrolar. Você pode ficar com a última vaga da minha turma — eu disse, dando-lhe um tapinha no ombro. A garota suspirou aliviada, começando a abrir a boca para me agradecer quando dei seguimento ao meu discurso: — Para início de conversa, já vou avisando que não tolero atrasos, muito menos atividades incompletas. Todos os alunos que fazem monitoria comigo se esforçam muito e com você não vai ser diferente. Dito isso, deixo o alerta prévio de que se faltar a uma reunião sequer sem apresentar uma justificativa plausível para sua ausência, eu pedirei para o Professor Owen te transferir direto para a turma do Hector. Estamos entendidas?
— Bem vinda à vida daqueles que são subordinados de Alison Walters — Bryan sorriu para ela em solidariedade, abraçando-a brevemente. — Espero que sobreviva.
Revirei os olhos.
— Poupe o teatro, Bry. Todo mundo sabe que você é o meu fã número 1 nessa escola — falei, gesticulando para o celular na mão dele. — Você me gravou dançando, não foi?
— E você ainda pergunta?! Claro que gravei. Caitlin pode ter dado uma incrementada no texto para poder puxar um pouco o seu saco, mas não disse nada mais que a verdade no que teve relação à dança. Você estava belíssima — meu amigo disse, me olhando com admiração. — Já até te enviei o vídeo. Depois dê uma olhada, ok?
— Claro que darei. E obrigada. À vocês dois — falei, fazendo questão de incluir Caitlin no meu agradecimento. Ela podia gostar de fazer o tipo patricinha superficial, mas eu sabia muito bem que estava sendo sincera. — Meu Deus, que horas são?
Bryan ergueu uma sobrancelha escura.
— Se está perguntando por causa do almoço, você o perdeu. Eu te liguei para saber por onde você andava, mas ninguém atendeu.
— Meu telefone ficou dentro do carro — expliquei, em um quê de desculpas. — Nossa. Estava tão focada na dança que nem vi o tempo passar!
— É, você está mesmo parecendo bem doidona — Caitlin comentou, tirando um pacote de chiclete do bolso do blazer do uniforme e oferecendo a Bryan e a mim antes de enfiá-lo na boca. — Está toda elétrica, como quem passa a noite toda em claro e toma litros de café para se manter de pé no outro dia.
— Precisamente o meu caso — assenti, impressionada por ela ter dado um palpite tão certeiro. — Fiquei a madrugada inteira animada por causa de uma coreografia nova que estava montando e não parei até agora.
— E veio dirigindo? — Bryan questionou, com a testa franzida. — Alison, ficou louca? Isso é um perigo! Imagina se você dorme no volante?
— Relaxa, Bry, não é nada demais. Eu tomo conta de mim mesma muito bem, mas obrigada pela preocupação, tá? — sorri para tranquilizá-lo, caminhando até o banco na extremidade do estúdio de dança para pegar a bolsa com as minhas coisas.
— Os seus pais devem ser muito liberais para não implicarem com você acordada até tão tarde. Os meus ficam querendo controlar cada passo que eu dou — Caitlin bufou logo atrás de mim.
O sorriso em meu rosto fraquejou por um segundo enquanto eu tirava as sapatilhas dos pés e as trocava por tênis esportivos. Quando ergui o rosto e me voltei para meus amigos, no entanto, já estava totalmente recomposta.
— Ah, os meus pais... eles não se importam — falei, indo em direção à saída do estúdio. — Tipo, nem um pouco. É quase como se eles nem estivessem lá.
Bryan me deu um olhar estranho, ao passo que Caitlin seguiu logo atrás de mim, estourando uma bola de chiclete antes de dizer:
— Se sentir vontade, qualquer dia que você quiser eu posso ir na sua casa. Já fui ao shopping tantas vezes que acho que conheço pelo menos três funcionários de cada loja — ela suspirou, como se entediada. — Seria um máximo poder falar com alguém que realmente entende algo de moda para variar.
Olhei para Caitlin, surpresa. Ainda ontem eu não pretendia fazer a mesma coisa com a minha mãe e conversar com ela sobre os sapatos novos quando chegasse em casa? Mamãe não tinha tempo para mim, então nada me impedia de discutir moda com outra pessoa.
— É, seria legal mesmo. Vamos marcar — sorri, animada.
Caitlin abriu um sorriso ainda maior, super entusiasmada.
— Vai ser demais! Vamos tirar fotos, testar combinações... ah, que tal você fazer uma participação especial no meu canal? Podemos fazer um vídeo com competições de looks e deixar meus seguidores decidirem qual o melhor!
Eu ri, inclinando a cabeça para o lado.
— Ai, Caitlin, você não desiste mesmo, não é? — perguntei, cruzando os braços. — Bem, que seja. Vai acabar perdendo seguidores para mim.
— Ah, cale a boca, Walters.
— Ei, não me excluam! — Bryan protestou, abrindo espaço entre nós duas. — Eu também gosto de moda, sabia?
— Ótimo, Bry. Você vai ser o nosso jurado — decretei.
— Assim não vale! — Caitlin exclamou, aborrecida. — Ele não vai ser imparcial na hora de decidir quem se vestiu melhor porque gosta mais de você do que de mim!
— Bem, e quem pode culpá-lo? Fica de lição para você tentar ser mais legal — impliquei, trocando um olhar divertido com Bryan, que estava segurando o riso.
— É uma oportunidade de aprendizado — ele concordou, fingindo considerar a ideia a sério. — Quem sabe sendo mais simpática você não consegue mais seguidores?
Ela arfou, ultrajada, e nós dois caímos na gargalhada.
— Ah, tchau pra vocês. Me procurem quando estiverem cansados de rir às minhas custas. Humpf! — resmungou, antes de jogar o cabelo por cima do ombro e sair desfilando na direção contrária à nossa.
Observando-a desaparecer entre os outros alunos no corredor, eu me virei para Bryan, ainda divertida:
— A Caitlin é uma peça, você não acha?
— Ela realmente é dona de uma personalidade notável — o bailarino riu, sua expressão se tornando ligeiramente mais sóbria ao ficar de frente para mim. — Sério, Alison. Você não parece muito bem hoje — abro a boca para discordar, mas ele se adianta. — E, antes que diga alguma coisa, sei que consegue dar conta de si mesma, mas queria deixar você saber também que pode contar comigo. Você é importante para mim, ok? Se precisar de alguém, eu vou estar aqui para você.
Olhei para o rapaz diante de mim, vendo preocupação genuína brilhar em seus olhos castanhos. Senti meu coração doer por um segundo, comovida. Desde o primeiro momento em que coloquei meus olhos nele, quando era apenas um aluno novo estrangeiro e deslocado, soube que seríamos amigos. Bryan possuía uma aura especial; iluminava o dia de todos ao redor dele só por estar presente. Comigo não era diferente, e eu era muito grata por tê-lo.
— Bry — comecei, pigarreando para manter a voz firme. — Eu sei que não sou de dizer essas coisas, mas... obrigada por ficar do meu lado. Com a ida do meu irmão para Nova York eu ando me sentindo meio solitária, mas seria infinitamente pior se eu não tivesse você comigo. Mais do que um membro da minha equipe de dança, você é meu amigo e me apoia e cuida de mim, e quero que saiba que significa muito. Eu sou um tanto fechada para falar de certas coisas, mas sei que se precisar tenho em quem confiar. Assim como você também tem a mim, está bem?
— Nossa, Ali, pega leve. Você sabe como tenho o coração mole e vem me dizer essas coisas assim, sem nem avisar? Quer me fazer chorar na frente de toda essa gente, é isso mesmo? — ele indagou, fungando disfarçadamente e me puxando para um abraço. Bryan era magrinho, e eu podia contar com os dedos as elevações da musculatura das suas costas. Anos de treinamento e exercícios pesavam sobre elas. Ele era muito comprometido com a dança. Eu o apertei com mais força. — Um pouco mais leve que isso, garota.
Dei risada, soltando-o de vez. Não era muito chegada a ficar abraçada por muito tempo.
— Bem, a gente se vê amanhã. Eu vou ao banheiro trocar de roupa antes de ir para casa — avisei, dando umas batidinhas na bolsa que carregava com o meu uniforme. — Caso surja algo, é só me ligar. Vou estar em casa trabalhando na coreografia para o nosso Flash Mob.
— Então quer dizer que vamos fazer mesmo? — ele arregalou os olhos, dividido entre animação e descrença. — Meu Deus, vai ser incrível! A galera vai ficar louca quando souber!
— Você é o primeiro a saber, então te deixo encarregado da responsabilidade de contar. Assim todo mundo já pode ir considerando alguns lugares legais como possibilidades para a nossa apresentação.
— Mestra, considere feito — ele disse, acenando em despedida.
— Bom trabalho, servo. É assim que eu gosto — brinquei, lhe dando uma piscadela antes de me encaminhar para o banheiro feminino.
🎸
Estou terminando de fechar os botões do pulso da minha camisa quando ouço passos entrando no banheiro e andando tranquilamente em direção à cabine ao lado da minha. Fora eu e a garota que acabou de chegar, o local está vazio: após o almoço, a maioria dos alunos do último ano era liberada, enquanto os demais continuavam assistindo aula ou comparecendo à alguma extracurricular por mais algumas horas antes de finalmente irem para casa. A menina provavelmente devia ser mais nova.
Passando a segunda manga do blazer pelo braço, ajusto com precisão a peça de roupa no corpo e abro a porta para me olhar no espelho do lavabo. Tiro o meu gloss labial da bolsa para adicionar outra camada nos lábios quando escuto alguém tossindo. O som cessa logo em seguida, então concluo a minha tarefa e fecho o tubo de maquiagem, já me preparando para ir embora quando a tosse retorna, dessa vez mais forte. Me aproximo da cabine de onde o barulho vem, visualizando os pés da menina em seu interior. Hesito uma vez antes de erguer a mão para bater na porta, e quando vou perguntar se está tudo bem, o ruído inconfundível de vômito preenche todo o ambiente.
Preocupada, bato na porta.
— Com licença, você precisa de ajuda aí dentro? Quer que eu chame alguém? — pergunto, à espera de uma resposta.
Um momento de silêncio se passa até a descarga ser acionada e a porta da cabine ser aberta, uma figura conhecida atravessando-a e se revelando diante de mim com a cabeça baixa.
— Genevieve? — Encarei descrente a doce patinadora que era parceira de Harvey e uma das melhores amigas de Gianluca. — Você... está tudo bem com você?
A menina faz que sim silenciosamente, ainda sem erguer os olhos. Indo até a pia, ela lava o rosto com pressa antes de finalmente dizer alguma coisa.
— Desculpe, Alison. Sei que devo estar parecendo estranha, mas ainda estou com o estômago um pouco embrulhado — falou, enxugando o rosto com uma toalha de papel. Sua pele negra parecia acinzentada, e seu rosto redondo estava mais magro do que aparentava duas semanas atrás. Ela abriu um sorriso, provavelmente pretendo ser simpática, mas só o que conseguiu foi evidenciar a culpa em seu semblante. — Acho... acho que devo ter comido alguma coisa no almoço que não caiu bem.
Assenti lentamente, tentando não deixar na cara o fato de que não acreditava em uma palavra sequer. Genevieve não parecia estar passando mal; o modo como entrara no banheiro havia sido calmo demais para alguém prestes a perder o controle e vomitar. Seus passos tinham sido muito cuidadosos e até mesmo o clique da tranca da sua cabine foi abafado. E as tosses sucessivas que eu tinha escutado antes estavam mais para um vômito forçado do que natural.
Resquícios da conversa que havíamos tido quando fomos apresentadas vieram imediatamente à minha memória: a maneira como ela disse não ter patinado rápido o suficiente por estar acima do peso e do que falou sobre precisar começar uma dieta de nova. No entanto, para não fazer com que ela se sentisse acuada, eu não podia mencionar nada disso agora.
— Ah, eu te entendo. Às vezes algumas coisas que eu como também não me caem bem — menti, com um sorriso compreensivo, ao passo em que Genevieve subitamente relaxou a postura. Eu acho que infelizmente devo estar certa na minha suposição sobre ela, pensei, com tristeza, antes de continuar: — Mas ei, ainda bem que te encontrei aqui no banheiro, porque era com você mesma que eu queria falar.
Genevieve ergueu as sobrancelhas, surpresa.
— Sério? Sobre o quê?
— É que eu fiquei de te dizer que achei um máximo te ver patinando daquela vez — falei, o que era verdade. — Você e Harvey fazem uma dupla e tanto. São um casal muito bonito.
— Poxa, muito obrigada, Alison — ela abriu um sorriso tímido, lisonjeada. — Quanto ao Harv, não somos um casal fora das pistas de patinação. Eu... ele é só um amigo. Meu melhor amigo, na verdade.
— Jura? Pois do jeito que ele olha pra você parece que quer subir de posição — eu provoquei, lhe cutucando com o cotovelo. — Dê uma chance ao coitado!
Ela deu risada, toda sem jeito.
— Ah, pare. Harvey tem um monte de admiradoras, e todas elas são pra lá de bonitas — encolheu os ombros, desanimada. — Por que iria querer ficar comigo?
Ah, Genevieve, pensei, com uma pontada de angústia. Quanto da autoconfiança daquela menina já não havia sido destruída para que ela pensasse não ser nem ao menos uma opção para o garoto de quem gostava?
— Acho que o certo seria se perguntar o porquê ele não iria querer ficar com você, né? Porque fala sério: você é talentosa, gentil e melhor amiga dele. Além do mais, é super linda. Tão linda quanto qualquer uma das admiradoras que ele possa ter.
— Você acha mesmo? — indagou, com um sorriso esperançoso crescendo no rosto. Luzes pareciam ter sido acesas em seus olhos
Sorri em reflexo, feliz por ver a cor retornar à face dela.
— É claro que sim. Você é lindíssima, e ficaria ainda mais se começasse a priorizar os elogios que recebe ao invés dos comentários maldosos. Eu elogio a mim mesma em frente ao espelho todos os dias, sabia? — revelei minha arma secreta da autoestima. — Se eu acredito em tudo o que falo, tudo o que falo se torna realidade. No final do dia, nenhuma opinião além da minha importa.
— E as outras pessoas não ficam pensando mal de você por isso?
— Só as que são invejosas.
Genevieve gargalhou, me olhando com admiração.
— Você é muito engraçada, Alison.
— Nesse caso em especial eu diria sincera, mas que sou engraçada também é verdade — concordei, pegando a bolsa que havia deixado em cima da pia. — Eu tenho que ir pra casa agora, mas queria deixar bem claro que Gianluca e Harvey não são os únicos amigos que você tem aqui, ok? Pode me incluir nessa lista.
— M-mas é claro que sim! — ela se apressou em dizer, afobada. — Pode me incluir na sua lista também! Mesmo que meu nome provavelmente vá ficar lá embaixo com a quantidade de amigos que você deve ter.
Dei uma risadinha. A minha "enorme" lista da amizade não devia completar nem dez nomes direito.
— Eu conheço muita gente, Genevieve, mas nem de longe posso chamar a todos de amigos — respondi, caminhando em direção à saída do banheiro. — E não esqueça do que eu disse, hein? Quando precisar de uma amiga, não hesite em falar comigo. Estou sempre à disposição — falei, me despedindo dela com um aceno, torcendo para ter lhe inspirado ao menos um pouco de confiança para que numa próxima vez pudesse pensar em se abrir comigo sobre o que estava passando.
🎸
Enquanto digitava a combinação da porta de casa, estava considerando o tipo de salada que pediria para comer quando fui envolvida pelo aroma familiar do molho caseiro de tomate com pimenta e manjericão do meu pai. Desacreditada, atravessei a distância do vestíbulo da sala até a cozinha quase correndo, dando de cara com mamãe servindo a mesa e papai adicionando meticulosamente uma concha de molho quente sobre cada prato de massa que havia na bancada.
— Mas olha só se não é minha pequena grande bailarina chegando! — ele disse, deixando as panelas de lado e limpando as mãos em um pano antes de vir ao meu encontro.
Como mágica, as últimas semanas de ausência e solidão desapareceram por completo com a expressão sorridente do meu pai. Benjamin Walters tinha o melhor sorriso do mundo: do tipo largo e acolhedor que fazia com que qualquer pessoa se sentisse melhor só de vê-lo. Charles tinha herdado a mesma característica – só não sorria tanto quanto deveria.
— Papai! — eu o abracei apertado, enterrando o rosto em seu peito, inalando o cheiro de sândalo e roupa limpa. — Obrigada.
Ele riu, esfregando minhas costas carinhosamente. Não sabia o quanto precisava daquilo até sentir um bolo se formar em minha garganta.
— Obrigada? Pelo quê, minha filha?
— Por estar em casa — murmurei, respirando fundo e prolongando nosso abraço por mais alguns segundos antes de me afastar e ir até a mesa de jantar, onde mamãe estava parada olhando para mim de braços abertos.
— Venha cá, querida. Não gaste toda a sua rara vontade de abraçar só no seu pai — ela falou, dando uma piscadela para o homem atrás de mim enquanto me envolvia em um abraço quentinho e totalmente patrocinado pelo seu perfume Chanel n°5. — Que ótimo que nossos horários colidiram. Sei que passou um pouco da hora do almoço, mas ainda assim é bom comermos em família. Como está sendo a sua semana? Alguma novidade?
— Ah, nada demais. Aula, ensaio, etc. A mesma rotina de sempre — resumi, sem querer perder tempo discorrendo sobre escola ou pessoas inconvenientes. — Mãe, comprei um par de sapatos lindo ontem pensando especialmente na senhora. Está lá no meu quarto. Depois nós duas podemos fazer uma análise do modelo mais tarde, como fazíamos nos velhos tem...
— Eu bem que gostaria, querida, mas não vai dar. A emergência no ateliê da qual te falei, lembra? Ao que parece a incompetente da minha secretária não conseguiu resolver, então assim que eu terminar aqui vou ter que pegar um voo direto para Califórnia para acertar as coisas na nossa filial de lá — ela me cortou, apontando para o armário de taças. Sua dispensa foi tão imediata que nem tive tempo para ficar desapontada. — Pode pegar mais uma por favor? Só peguei três.
Franzi a testa, alcançando mais uma taça e estendendo-a para ela.
— Mas somos só nós três...
— Muito bem notado, Alison — papai assentiu, posicionando os pratos em cima da mesa simetricamente, ajeitando os lenços ao lado. — Temos um convidado para o almoço.
— Inclusive é até falta de educação da sua parte não tê-lo citado até agora, visto que vocês dois tinham um compromisso marcado — mamãe ralhou, em reprovação. — Você já foi mais responsável que isso, Alison.
Antes que eu abrisse a boca para perguntar de quem diabos eles estavam falando, uma voz vinda às minhas costas se antecipou, fazendo com que eu congelasse no lugar:
— A culpa é minha, senhora Walters. Na verdade, a nossa aula de francês deveria ter sido ontem, mas eu não estava muito bem de saúde, por isso tivemos de remarcar. Alis não só foi compreensiva como também teve a gentileza de passar lá em casa para ver como eu estava.
— Está vendo, Lucy? — papai disse, acrescentando os outros dois pratos que faltavam à mesa. — Você deveria dar mais crédito à nossa filha.
— Você tem razão — mamãe concordou, me dando um olhar de desculpas. — Mil perdões, meu bem. Ando meio tensa ultimamente. Zaden, querido, venha se sentar. Coloquei um lugar para você bem do lado da Alison.
Imersa em perplexidade pelo desenrolar dos últimos dois minutos, só fui ter uma reação quando o braço de Zaden esbarrou levemente no meu enquanto ele passava por mim para assumir a cadeira que minha mãe havia lhe indicado.
— Dá para me explicar o que você está fazendo aqui? — sussurrei, entredentes.
— Almoçando com os seus pais — ele respondeu, com um sorriso cheio de inocência fingida. — Mas não se preocupe: você e eu ainda vamos terminar a conversinha que começamos ontem.
— No inferno que eu vou falar com você.
— Pois então é lá mesmo que vamos conversar — devolveu, chegando um passo mais perto do que deveria, seus olhos azuis faiscando como cristais ao sol. — E para o seu bem, eu espero que goste de calor, porque a nossa conversa vai ser longa.
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