CAPÍTULO 18



“Finja que nada aconteceu”, Alison dissera, antes de praticamente fugir correndo do meu quarto para não ter que me encarar por nem mais um segundo.

Era a segunda vez que eu escutava aquela ladainha. A primeira fora durante o meu aniversário de dezesseis anos, quando ela decidira repentinamente que, após ter me proporcionado o melhor dia da minha vida, seria melhor para nós dois se simplesmente nos esquecêssemos de tudo. Assim, sem mais nem menos, sem nem se dar ao trabalho de me dar uma explicação plausível do porquê estava agindo daquele jeito. Num minuto estávamos rindo enquanto planejávamos a maneira como contaríamos aos nossos amigos sobre o nosso relacionamento e no outro ela estava terminando comigo o que mal tínhamos começado.

Para deixar tudo ainda pior, Alison mentiu descaradamente quando lhe perguntei a respeito do motivo que fez com que ela mudasse de ideia quanto a nós, dizendo que Charles não se sentia confortável com a possibilidade de existir algo entre mim e a irmã dele. Eu sabia que não era verdade porque já tinha tomado o cuidado de procurar me informar sobre o que o meu amigo achava do fato de eu estar apaixonado pela sua irmã, – e recebido apoio incondicional da parte dele durante a conversa que tivemos. A realidade era que, mesmo se não estivesse de acordo, Chuck nunca seria o tipo de pessoa que interferiria na vida dos outros: se visse que estávamos felizes, então também ficaria feliz pela gente. 

Era por esse entre outros motivos que aquela mentira tinha sido tão feia e desonesta. Alison sabia disso tanto quanto eu; pude visualizar com clareza o arrependimento nos olhos dela assim que as palavras escaparam da sua boca.

Eu não conseguia entender o porquê aquilo estava acontecendo. Ela não queria mais ficar comigo? Achava que tinha cometido um erro tão enorme ao ter me beijado ao ponto de não poder nem mesmo continuar sendo minha amiga?

Fiquei sem chão. Ao mesmo tempo que sentia raiva dela por ser capaz de me dar as costas tão fácil, também queria implorar para que ficasse. Naquele dia, com o orgulho ferido, eu a deixei a ir. E no momento em que ela saiu com Charles pela porta da frente da minha casa, a festa tinha acabado: eu não estava mais no clima para sorrir, comer ou falar com ninguém. Pedi para Loren e Sebastian darem um jeito de mandar todo mundo embora e passei o resto da noite bebendo e tocando com os dois no meu estúdio de música. Eles não perguntaram nada. Sabiam que eu falaria a respeito se quisesse.

Nas semanas que se seguiram, estava claro tanto para eles quanto para Charles que havia acontecido alguma coisa entre Alison e eu, porque nosso afastamento foi drástico. Ela, que antes almoçava conosco todos os dias, de repente mal aparecia no refeitório, e quando o fazia, não trocava mais do que um “oi” e um “tchau” quando se dirigia a mim. A situação estava ficando tão constrangedora que eu comecei a soltar algumas piadas e provocações só para tentar aliviar a tensão. No começo, Alison costumava me ignorar, mas um dia, quando eu estava particularmente inspirado, ela se virou na minha direção e me respondeu com um “cale a boca, seu branquelo servo do capitalismo”.

Foi assim que uma nova dinâmica se instalou entre nós dois.

Não era bem o que eu queria, mas para mim, foi um alívio: era mil vezes melhor tê-la irritada comigo do que indiferente à minha presença, como se eu fosse um cara aleatório com quem ela esbarrava de vez em quando por ser amigo do irmão ou algum colega insignificante da escola. Como se eu fosse qualquer um, menos a pessoa que tinha segurado sua mão e a beijado feito louco em todos os brinquedos do parque de diversões ao qual ela tinha me levado no dia do meu aniversário. 

Como se tudo o que tinha acontecido entre nós tivesse sido esquecido, exatamente como ela desejava.

Só que Alison podia fingir e viver em negação o quanto quisesse, mas eu não tinha esquecido e nem iria esquecer de porra nenhuma. Nem de todos os beijos que tínhamos dado há quase três anos atrás e certamente não do que tinha acabado de acontecer em cima da minha cama. 

— Deixa eu adivinhar — Zara começou, aparecendo no vão da porta da sala e atravessando o cômodo na minha direção, indicando com o queixo o copo de conhaque que eu tinha na mão. — Você e a Alison se desentenderam de novo, acertei?

Balancei a cabeça, dando um gole na bebida.

— Novidade seria se a gente se entendesse.

Minha irmã suspirou, retirando uma almofada azul do enorme sofá branco em forma de L para esvaziar o espaço ao meu lado.

— Eu não sei qual é o problema de vocês dois — ela disse, sentando perto de mim. — Achei que estivessem se acertando.

— O problema, Zara, é que eu não sei qual é o problema. E não saber está me matando — eu disse, revivendo na mente o olhar magoado e ressentido que Alison tinha me dado ao sair. Meu estômago revirava só de lembrar. — Tentar conversar não adianta. Enquanto eu finjo não me importar com todas as coisas que deixamos mal resolvidas está tudo bem, mas se eu toco no assunto, Alison se recusa a falar a respeito, se fecha e vai embora. Antes eu ficava com raiva achando que era por puro capricho, mas hoje... — engoli em seco. — Sei lá. Ela parecia tão machucada. Foi como se falar sobre o assunto literalmente causasse dor física nela.

— Nossa — Zara ergueu as sobrancelhas, surpresa. — Eu nem consigo imaginar a Alison afetada a esse extremo. Ela é sempre tão... tão controlada. Como se pudesse enfrentar a pior das situações sem nem piscar.

— É, eu sei bem que ela pode dar essa impressão — falei, começando a sentir um gosto ruim na boca. Nada me tirava da cabeça o eco quebrado da risada que Alison tinha dado ao dizer que eu não precisava mais continuar agindo como se gostasse dela. O que diabos se passava na cabeça dela para dizer uma coisa daquelas? Como se eu gostasse dela por obrigação, e não pelo fato de que para mim não existia outra pessoa no mundo que não fosse ela. — Alison pode ser durona, mas não é um robô. Fingir que não se importa e guardar para si mesma tudo o que sente não é saudável. Eu queria que ela entendesse que se permitir sentir não faz de você alguém fraco, mas sim corajoso o suficiente para ser sincero consigo mesmo e buscar a felicidade.

Zara olhou para mim, parecendo estranhamente admirada.

— O que foi? — perguntei.

— Nada. É só que você fala muito bonito às vezes — minha irmã disse, abrindo um sorriso impressionado. — Não digo isso com frequência para não deixar você ainda mais convencido do que já é, mas aprendo muita coisa quando conversamos. Senti saudades desses momentos quando você foi embora.

— Sério mesmo? — sorri de volta, feliz por saber que ela havia sentido a minha falta. — Por que você não ligou para mim? Podíamos conversar pelo telefone.

— Eu sei, mas eu não quis ficar atrapalhando — Zara disse, com um dar de ombros. — A mamãe dizia que sempre que te ligava mal conseguia falar por cinco minutos antes que você precisasse correr para algum compromisso com a banda. Era meio óbvio que você estava ocupado.

— Nunca ocupado demais para não poder atender um telefonema da minha irmã — falei, me virando para encará-la. — La famille d'abord, Zara. Família em primeiro lugar, lembra? Não importa o lugar onde eu esteja, vou sempre ter tempo para você ou para qualquer uma das meninas. Pensei que soubesse disso.

— E eu sei — ela assentiu, cruzando as mãos sobre o colo. — É só que... bem, você também podia ter me ligado, Zaden. Mas não ligou. Está entendendo o que eu quero dizer?

Franzi a testa, deixando o conhaque na mesa de centro à minha frente.

— Pra ser sincero... não. Você está dizendo que só porque não te liguei significa que não senti sua falta?

Zara revirou os olhos.

— Não é isso, idiot — ela começou, respirando fundo. — É que você espera que as pessoas façam as coisas primeiro. Você espera que as pessoas te liguem. Espera que elas falem que estão com saudades para poder dizer que também está. Você sempre foi assim. Até mesmo com a Alison: foi ela quem deu o primeiro passo e mostrou como se sentia em relação a você.

Senti meu rosto queimar.

— Eu sabia que não devia ter te contado isso.

— Ah, pule o drama. Você nunca aguentou guardar as coisas para si mesmo. Já foi um milagre o fato de não ter contado toda a história para Loren, Charles ou Sebastian. Se não fosse para mim, para quem iria ser? Zelina e Zaya ririam da sua cara durante muito tempo antes de darem algum conselho que prestasse. E quanto a Zoe... bem, você não contaria uma coisa dessas para Zoe a não ser que quisesse que a casa inteira ficasse sabendo — Zara refletiu por um minuto. — Nossa irmã mais nova também não faz o tipo que guarda as coisas só pra ela.

— É uma fofoqueirinha de marca maior — concordei, achando graça.

— É mesmo, só precisa melhorar a qualidade das fofocas. Afinal, ninguém quer saber no que diabos ela deu descarga quando usou o banheiro — ela disse, com uma careta. — Mas de volta ao assunto, Zaden, se quer que a Alison se abra com você, tem que se esforçar mais. Você está fazendo muito corpo mole.

Corpo mole? — chiei, ofendido. — Eu praticamente implorei para que ela me deixasse ser o professor de francês dela. Eu me inscrevi para fazer trabalho voluntário só para poder passar um tempo com ela. Pelo amor de Deus, vou ao Instituto todos os dias buscar você e a Zoe só para ter algum pretexto quando esbarrar nela.

— Uau, Zaden! Obrigada pela parte que me toca — ela começou a bater palmas, toda sarcástica.

— Ah, pule você o drama. Eu faço de tudo por aquela mulher e você ainda vem dizer que estou de corpo mole? 

— O meu filho sofrendo na mão de uma garota? — o familiar sotaque francês do meu pai foi ganhando nitidez conforme ele adentrava no recinto. — Por acaso estamos falando da Alison?

— E de quem mais poderia ser, papa? — Zara prontamente respondeu, ao passo em que eu discretamente alcancei meu copo de conhaque e virei seu conteúdo de uma só vez, sentindo o líquido me esquentar por dentro. A garrafa da qual eu havia me servido era de uma safra de quase oitenta anos atrás e uma das favoritas do meu pai. Melhor que eu me livrasse logo dos rastros antes de poder ser incriminado. — Zaden está aqui choramingando sobre o quão difícil está sendo para ele conquistar a Alison.

— Obviamente deve ter alguma coisa que ele está fazendo errado — meu pai disse, assumindo sua poltrona de costume ao lado da estante de livros. — Porque ela certamente gosta dele. Dá para ver de longe.

— Hã... o senhor acha mesmo? — minha irmã indagou, duvidosa, e eu a fuzilei com os olhos. Não dava para saber se ela estava tentando me ajudar ou me humilhar.

Oui, mas é claro que sim! E digo mais: se o seu irmão não fosse tão tonto, já teria trazido ela para a nossa família há muito tempo.

— Pai, eu estou bem aqui — o lembrei.

— Eu sei disso, meu filho. Você é grande demais para que eu não note a sua presença — ele sorriu, acentuando as rugas que tinham começado a aparecer recentemente ao redor dos seus olhos azuis. — Afinal de contas, Zaden, o que aconteceu para vocês dois terem se distanciado? Nunca comprei nenhuma das desculpas que você me deu dizendo que foi por falta de tempo que ela parou de vir aqui. E um advogado precisa estar por dentro dos fatos para poder solucionar um caso.

— Se ao menos eu soubesse, pai — suspirei, cansado. — Foi de uma hora para outra. Alison simplesmente chegou para mim e disse que achava que seria melhor para nós dois se nos afastássemos e ponto final. Mesmo hoje, quando eu tento trazer o assunto à tona, ela fica tão desconfortável que dá um jeito de ir embora — balancei a cabeça, inconformado. — E aí eu vou fazer o quê? Nunca a obriguei a me dizer nada que não quisesse.

— Bem, sentar e esperar que ela venha te contar o que houve até agora não tem dado nenhum resultado, tem? — meu pai gesticulou na minha direção. — Se você quer mesmo respostas, tem que começar a ir atrás delas. Parar de ficar na reserva e partir para o ataque.

— Viu só? Exatamente o que eu disse! — Zara exclamou, vitoriosa. — Se você me ouvisse um pouquinho mais, não estaria aqui parecendo um perde...

— Zara, mon chéri — meu pai a interrompeu delicadamente, com um sorriso carinhoso. — Você não tem aula amanhã cedo? Já passou do horário de ir para a cama.

Contive o meu próprio sorriso ao visualizar o desapontamento estampado no rosto da minha irmã enquanto se levantava do sofá.

— Ugh. Justo quando as coisas estavam começando a ficar interessantes... — ela resmungou, me direcionando um olhar de esguelha ressentido antes de ir até a à cadeira de papai para dar a ele um beijo de boa noite. — Tchau, papa. Boa sorte aconselhando o bobalhão do Zaden.

— Obrigado, filha.

— Bons sonhos, Zarinha — eu zombei, acenando em despedida de um jeito que deixava explícito que eu estava mais do que satisfeito por vê-la indo embora.

— Bons sonhos para você também, Zaden — ela acenou de volta, se virando para mim e erguendo o dedo do meio rapidamente para que papai não pudesse ver, deixando a sala logo depois.

Pestinha.

 — Como eu estava dizendo — meu pai prosseguiu, se inclinando na minha direção. — Você não pode ficar parado esperando que Alison te diga o que está errado. Acho que faz mais de dois anos que essa briguinha de vocês está durando e só agora que te vejo tomar alguma atitude — ele estalou a língua em desaprovação, cruzando os braços. — Se eu fosse a Ali também não facilitaria. Você passou todo esse tempo fingindo não se importar e de repente começa a ficar atrás dela? Suspeito, não acha?

Ele tinha razão. Era mesmo suspeito. Não à toa Alison havia me acusado de só procurá-la quando não tinha mais ninguém. Apesar de saber que não era verdade, não podia deixar de tentar encarar a situação pelo lado dela.

— É, falando assim faz todo o sentido, mas a realidade é que só mantive distância porque achei que era o que ela queria — expliquei a minha versão dos fatos. — E, depois de um tempo, comecei a achar que talvez o sentimento não fosse...

— Zaden — meu pai me cortou com suavidade, me olhando nos olhos. — Às vezes, principalmente quando gostamos muito de alguém, nossa mente tende a nos pregar peças e fazer com que nos sintamos inseguros sobre como aquela pessoa se sente em relação a nós. Sei que Alison disse que seria melhor para vocês dois que se afastassem um do outro, mas sejam quais forem os motivos dela, não foi por não sentir o mesmo. Ela gosta de você, filho. E é uma garota incrível.

— Eu sei — respondi, sentindo o coração disparar ao pensar em Alison. Tanto que tiro sarro de Sebastian e aqui estava eu, tão bobo e apaixonado quanto ele.

E também é muito orgulhosa, o que significa que, seja lá o que ela não está contando para você, deve ser um ponto bastante sensível para que não queira falar a respeito — ele disse, se levantando de seu lugar e parando ao meu lado, pousando a mão sobre o meu ombro. — Sendo assim, tente sondar um pouco. Comece a jogar verde e veja o que consegue descobrir. E mais importante: da próxima vez que chegar perto de saber a verdade, não deixe que ela vá embora.

Como de costume, meu pai estava certo. A discussão que Alison e eu havíamos tido hoje não tinha sido a primeira, mas tinha terminado como todas as outras que vieram antes dela: com Alis encerrando o assunto pela metade e comigo engolindo calado a frustração de continuar no escuro. Bem, aquele ciclo não podia se repetir novamente. E, depois do beijo que eu dei nela, o meu plano de pagar de amiguinho para ficar por perto não funcionaria mais.

De agora em diante, eu teria que adotar outra abordagem; uma que fosse mais direta e persuasiva e que deixasse claro quais eram as minhas intenções. Porque, mesmo que negasse, Alison queria ficar comigo tanto quanto eu queria ficar com ela. E, no momento em que eu começasse a usar todo o meu charme contra ela, iria iniciar a contagem para marcar com exatidão quanto tempo ela dura até finalmente se render e colocar as cartas na mesa. 

Cartas estas que eu esperava com todas as forças que estivessem a meu favor.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top