CAPÍTULO 17

O interior da minha casa está vazio e escuro quando eu chego. Não há ninguém.

Como sempre.

Confiro o horário no meu telefone e vejo uma mensagem não lida da minha mãe:

Houve uma emergência no ateliê e seu pai e eu vamos nos atrasar para o jantar. Peça alguma coisa. Não espere acordada.

Olho para a sacola que estou segurando com o par de sapatos que comprei hoje mais cedo no shopping, especialmente na intenção de mostrar para mamãe quando ela chegasse. Queria que pudéssemos admirar e conversar sobre o modelo juntas como costumávamos fazer quando eu era mais nova, me ensinando detalhes secretos sobre como identificar calçados de qualidade. Balanço a cabeça, dando uma risadinha enquanto subo o lance de escadas até o meu quarto. Não sei porque ainda me permito ter esperanças no que diz respeito aos meus pais tendo tempo para mim. Já faz duas semanas que eu nem mesmo os vejo dentro de casa; eles já estavam de volta ao trabalho antes de eu acordar. Era como morar sozinha.

Nem me dou ao trabalho de responder a mensagem. "Peça alguma coisa. Não espere acordada". Até parece. Como se eles se importassem se como ou se passo a noite em claro.

Fecho a porta do quarto atrás de mim e respiro fundo uma vez, só então finalmente me permitindo desabar; minhas costas deslizam pela parede até o chão, o impacto fazendo um baque surdo reverberar pelo cômodo.

Não me sinto orgulhosa de admitir, mas minhas pernas falharam antes mesmo do meu corpo atingir o piso acarpetado. Deixei a Mansão LeBlanc em um rompante, descendo os degraus até o andar de baixo e passando para me despedir de Zara às pressas. Ela pareceu confusa com a minha saída repentina, me perguntando o motivo de eu já estar indo embora tão cedo. Dei um sorriso de desculpas e respondi que tinha prometido jantar com os meus pais em casa e não podia me atrasar. Disse isso sem nem pestanejar, mesmo sabendo que havia noventa e nove vírgula nove por cento de chance de eu chegar em casa e não encontrar ninguém.

Às vezes eu me assustava com o quão bem eu podia mentir; não só para os outros como também para mim mesma.

Fechei os olhos, flashes do desastre que eu deixara acontecer enchendo a minha mente como se houvessem sido invocados.

Eu sabia que não podia baixar a guarda quando estivesse sozinha com Zaden. Eu sabia e o fizera mesmo assim, deixando minhas defesas de lado sem nem mesmo me dar conta por causa de uma declaração delirante de afeto. Não era a primeira vez que eu ouvia ele dizer que gostava de mim, mas meu coração acelerou como se fosse. E, por um momento, eu inconscientemente acreditei.

Mesmo sabendo que da primeira vez tudo o que eu tinha ganhado por acreditar era ter quebrado a cara logo em seguida ao escutá-lo dizer a mesma coisa sobre uma garota que eu nem mesmo conhecia.

Mas por algumas horas... tudo o que eu queria era esquecer. Agir como se nada tivesse mudado, como se o tempo não tivesse passado. E esse foi o meu erro: me permitir rir com ele sem reservas, cantar com ele como costumava fazer e dançar na sua frente como louca, curtindo a música do show dos meninos como faria se estivesse lá. Foram minutos de descontração, mas nos quais senti seu olhar queimar como base sobre mim.

Eu tentei ignorar. Tentei mesmo, mas era uma tarefa difícil fingir não se afetar quando sentimentos como aqueles começavam a se impor sobre a razão, lutando para subir à superfície a todo custo. Era muito difícil, contudo, eu estava me saindo bem. Estava no controle.

Até Zaden me puxar para cima dele daquele jeito, me agarrando de surpresa como se tivesse todo o direito, como se eu fosse dele. E, depois de me trazer para o seu colo, como tacada final, ele simplesmente esperou que eu decidisse o que fazer, me encarando com olhos azuis que pareciam turvos de desejo. Ainda consegui desviar o olhar do seu uma vez, só para deixá-lo recair sobre o pingente com as nossas iniciais gravadas se exibindo orgulhosamente em seu peito.

Foi então que eu decidi que queria que Zaden me beijasse. E quando ele o fez, eu o beijei de volta como se não houvesse amanhã. Como se tivesse todo o direito. Como se ele fosse meu.

Convenci a mim mesma de que só queria beijá-lo para provar que os anos e a distância haviam mudado o que eu sentia, que nada seria mais do mesmo jeito. De certa forma, eu não me enganara: o tempo realmente havia passado entre nós dois.

E deixado tudo ainda mais forte.

Eu não conseguia entender. Como todo o cuidado que eu tinha tomado para não chegar perto demais de Zaden e para evitar tocá-lo sempre que possível tinha se transformado em alimento para os meus sentimentos por ele? Como anos de distância e tratamento frio tinham se convertido em atração descontrolada e desespero para estar com ele? Como era possível?

Depois de Zaden, houve outros rapazes com quem me relacionei – não tive nada sério ao ponto de me envolver emocionalmente com nenhum deles, mas ainda assim havia tido algumas experiências legais. Apesar disso, eu não podia deixar de notar que nenhuma delas tinha conseguido chegar nem perto do que fora o meu primeiro beijo. Será que nunca vou encontrar ninguém que saiba beijar como ele?, eu pensei, com raiva.

Era preferível dar crédito à habilidade de Zaden do que voz ao que eu sentia por ele.

Enquanto eu o beijava, tentei lembrar a mim mesma que não tinha nada de importante naquilo; afinal, um monte de pessoas se beijava sem se gostar. Esclarecendo ainda mais: Zaden não gostava de mim e eu não gostava dele – o que havia entre nós era puramente físico. Para começo de conversa, nada teria acontecido se Zaden não tivesse resolvido usar a corrente que eu lhe dera de presente justo no dia em que eu resolvera deixar minhas reservas quanto a ele de lado. Um momento de fraqueza da minha parte era totalmente compreensível. Eu podia me permitir aproveitar por alguns minutos antes de retornar à realidade. 

E estávamos indo muito bem até Zaden abrir a boca e arruinar tudo ao dizer que nunca havia tirado o colar do pescoço, que o carregava consigo desde o dia em que eu lhe dera.

Verdade seja dita, não tinha nada demais naquela frase. Não tinha nada errado no que ele dissera, mas sim na forma como havia dito: com tamanha emoção, carinho e saudade que era de se esperar que realmente fosse algo importante para ele, que fosse algo precioso que ele valorizava, e não somente mais um presentinho qualquer que recebera de aniversário. Zaden tinha falado da correntinha no mesmo tom que havia usado para falar que gostava de mim anos atrás: soando tão sincero que chegava a doer.

Desde o início da nossa amizade, sempre houveram pessoas que diziam que ele apenas tolerava andar comigo por consideração a Charles. Eram comentários maldosos discretos, cuidadosamente feitos pelas minhas costas e sempre acompanhados de um quê de comiseração, como se aqueles que falavam de mim sentissem pena da minha situação. Perdi as contas de quantas vezes eu havia entrado na sala de aula ou passado pelo pátio principal e pegado fragmentos de conversas que giravam em torno da mesma pauta: a pobre coitada da irmã do Charles e sua óbvia e unilateral paixonite por Zaden LeBlanc.

Nunca encolhi os ombros ou baixei a cabeça ao ouvir aqueles boatos. Para mim, que sempre fui uma pessoa orgulhosa, era inconcebível deixar que outras pessoas tivessem poder sobre a maneira como eu me sentia ou me comportava. No entanto, com o passar dos dias, aquelas fofocas começaram a afetar minha autoconfiança e autoestima, e de tempos em tempos eu me pegava perguntando a mim mesma se alguém como eu podia mesmo ser querida por um garoto que já tinha tudo e todos aos seus pés. "O que eu tenho de tão especial?", era o tipo de coisa que ecoava em minha mente quando eu me comparava com as outras meninas ao meu redor. Felizmente, esses pensamentos não duravam, porque eu imediatamente listava uma série de fatores que me faziam ser tão boa quanto qualquer outra pessoa. Eu sabia o meu valor; nada e nem ninguém mudaria isso.

Sendo assim, parei de me sentir patética e insegura e resolvi dar de presente a Zaden algo que ele já vinha comentando comigo que queria: uma corrente da amizade personalizada. Eu estava hesitante por causa do que ouvia na escola, mas fui em frente mesmo assim. Comprei com meu próprio dinheiro. Gastei tudo que tinha para mandar fazer um modelo de prata especial em forma de palheta de guitarra com nossas iniciais gravadas. Lembro que estava morrendo de vergonha, mas comprei mesmo assim. Achava que ele ia gostar, então... na época eu só... só achei que valia a pena correr o risco de um constrangimento se fosse para vê-lo feliz.

Quando as correntes ficaram prontas, eu estava tão nervosa que nem tinha aguentado esperar pelo dia do aniversário dele para poder mostrar. Meu coração estava martelando com força dentro do meu peito de tanta ansiedade para saber o que ele ia achar do presente. E Zaden realmente adorou! Tinha me abraçado apertado, me erguido nos braços e tudo. Na hora eu achei que aquele gesto foi por ter ficado animado demais por estarmos usando um par de colares iguais. Hoje eu me pergunto se não havia sido simplesmente para esconder sua verdadeira reação por cima do meu ombro.

Não penso que Zaden fingia ser meu amigo por completo; ele não seria baixo a esse ponto. Se era por Charles ou por querer fazer uma boa ação para que eu me sentisse aceita no Instituto, eu não sabia, mas no final o que importava era que não havia sido por mim. Fosse o que fosse, o que eu não conseguia engolir era o fato de ele ter feito com que eu acreditasse que estava interessado em mim quando até com outra menina estava ficando. Tudo bem que eu o tinha beijado primeiro, mas por que ele não tinha se afastado e esclarecido as coisas? Por que continuar com a encenação de que gostava de mim quando não era esse o caso? Tinha dito até para mantermos tudo em segredo dos meninos enquanto bolava algum tipo de pegadinha para pegá-los de surpresa quando fôssemos contar sobre nós dois. Não fazia o menor sentido. A conclusão a que cheguei foi a de que ele tinha achado o nosso beijo tão bom quanto eu e planejava continuar tirando vantagem da situação até se cansar.

Foi então que comecei a pensar em Zaden como um canalha mulherengo que não ligava para nenhuma garota de verdade. Ele dizia que um dos lemas da sua família era sempre olhar nos olhos de alguém quando estivesse falando a verdade e, pelo menos nisso, eu acreditava: quando dissera anos atrás que sentia vontade de me beijar, tinha me encarado sem pudor, mas desviado o olhar intencionalmente quando disse que gostava demais de mim para arriscar me perder.

Por isso que, no presente, quando estávamos nos beijando no quarto dele e de repente surgiu todo um blá-blá-blá sobre como a corrente que eu lhe dera significava muito e etc., eu senti a urgência de classificar o que estava acontecendo como nada além de um beijo sem importância. Eu me sentia atraída por ele e ele se sentia atraído por mim e tudo bem, podíamos tirar proveito daquilo se os dois estivessem conscientes dos termos. Mas então Zaden vinha tentar jogar aquela falsidade sentimental pra cima de mim de novo? Como se eu já não tivesse tido o bastante daquilo no passado?

Fiquei possessa de raiva. Não só dele, por não ser capaz de ser sincero uma vez na vida, mas também de mim, por ter caído no mesmo joguinho de sempre, como uma completa imbecil. 

Cerrei os punhos, socando meus joelhos.

— Pelo amor de Deus, Alison — eu disse, com os olhos ardendo. — Você já superou. Você não gosta mais dele. Não gosta. Não pode gostar. Cai. Na. Real.

Bati minha cabeça com força contra a porta, tentando encontrar firmeza na dor. Uma onda de vertigem me atingiu, e depois de um minuto de tontura, eu me coloquei de pé e me encaminhei para o meu closet. Alcançando na prateleira uma das caixas com minhas sapatilhas de balé, eu as calcei e amarrei em volta dos meus tornozelos. Eu precisava me tranquilizar. Tentar apagar da memória o quão bem me senti por estar tocando em Zaden de novo. Anestesiar as sensações que o beijo dele havia despertado.

E então comecei a fazer a única coisa que nunca falhava em expulsar quaisquer distrações da minha mente e sempre conseguia monopolizar por completo a minha atenção: dançar. 

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