CAPÍTULO 13
Desde o momento em que vi a correntinha da amizade que Alison e eu costumávamos dividir marcando a página do livro que eu havia dado a ela, soube que não iria embora sem tentar fazer com que nos acertássemos – ou a menos com que chegássemos a um meio termo. Durante todo o tempo que levou para que ela terminasse de se arrumar e finalmente viesse ao meu encontro, fiquei pensando milimetricamente no que poderia dizer que não fosse deixá-la na defensiva ou tocar sem querer em alguma ferida escondida sob a superfície.
O meu único empecilho, no entanto, era não fazer a menor ideia de que mágoas ela guardava em relação a mim; nossa relação tinha acabado de uma hora para a outra: num dia éramos melhores amigos, mais que melhores amigos, e no outro ela simplesmente havia decidido terminar tudo, usando uma desculpa esfarrapada qualquer como motivação. E eu, orgulhoso e sentido por ter sido rejeitado sem mais nem menos, simplesmente fingi não me importar.
Hoje, ao olhar para trás, me arrependo amargamente de ter agido daquela forma – se eu tivesse sido mais corajoso ao invés de infantil, teria ido atrás dela e insistido em saber o motivo por trás de todo o tratamento frio que estava recebendo; teria me preocupado mais com a possibilidade de perdê-la do que com o meu orgulho e conseguido resolver qualquer que fosse o problema com uma simples conversa franca, e não deixado que anos de ressentimento e palavras não ditas se colocassem entre nós.
Infelizmente, não foi o que fiz, e agora eu estava na merda.
Todavia, ao descobrir que Alison guardava o seu colar, pude ter a certeza concreta de que, assim como eu, ela ainda se importava com a gente, e por isso assumi o compromisso de fazer o que fosse preciso para ganhar a confiança dela de volta – a qual eu podia não saber como havia perdido, mas que estava certo de que era capaz de reconquistar. E uma mudança de atitude como essa pedia por um recomeço: uma proposta de trégua que fiz à Alison para que pudéssemos voltar do zero e aprender a falar um com o outro sem tecer nenhuma acusação sobre o que quer que tenha acontecido no passado. (Na realidade, tudo não passava de um plano para fazê-la pensar que eu estava contente em esquecer tudo o que já havia acontecido entre nós e mais do que disposto a manter nosso relacionamento agradável e impessoal, quando na verdade tinha como objetivo deixá-la mais à vontade na minha presença, sem toda a paranoia sobre estar perto demais de mim ou falando o que não devia sobre si mesma – coisas que ela cuidadosamente tentava esconder e falhava vergonhosamente no processo.)
Apesar disso, para minha completa surpresa e satisfação, minha teimosa e extremamente cabeça-dura melhor amiga tinha comprado toda a minha história de "recomeço" sem nem hesitar, – o que me fazia pensar que ela também devia ter algum propósito oculto que seria mais facilmente alcançado por meio de um acordo tácito entre nós dois de não falar sobre o passado. Em outras circunstâncias eu até ficaria curioso para saber o que ela está pretendendo, mas desta vez não estou tão preocupado: não importa o quão determinada Alison esteja; eu estou dez mil vezes mais. E não entro em jogo para perder.
Prova disso era ter conseguido convencê-la a me levar para o centro comunitário onde dava aulas de dança para crianças uma vez por semana, – local que parecia ser muito importante para ela, visto que passou o caminho inteiro ameaçando recorrer à violência caso eu fizesse com que passasse vergonha de alguma maneira.
— Só não faça com que eu me arrependa de ter te trazido aqui — Alison repetiu uma última vez, conforme nós dois passávamos pelas portas duplas de vidro e entrávamos no grande e iluminado salão de entrada do centro infantil, no qual logo mais adiante uma mulher de aparência gentil se encontrava falando no telefone atrás de um balcão de recepcionista.
— Estamos certos disso. Ok, muito obrigada — ela disse, antes de encerrar a ligação e nos cumprimentar com um sorriso largo cheio de dentes: — Alison! Graças a Deus está tudo bem. Você não chegou cedo como de costume, então fiquei até preocupada pensando ter acontecido alguma coisa no meio do seu caminho até aqui.
— Bom, você já não precisa se preocupar mais, Helena — Alis respondeu, com um sorriso tranquilizador, dando uns tapinha na mão da mulher. — Como pode ver, está tudo bem comigo. Eu só cheguei atrasada porque tive um pequeno imprevisto, nada de mais.
— Oh, eu vejo — Helena disse, com uma piscadela, dessa vez olhando para mim. — Esse bonitão veio com você, não foi?
Abri meu melhor sorriso, segurando a mão dela e depositando um beijo em seu dorso.
— Enchanté, Helena. É um prazer conhecê-la.
Enquanto a senhora retribuía o sorriso, Alison levou a mão à testa, balançando a cabeça negativamente antes de gesticular na minha direção:
— Helena, este é...
— Zaden LeBlanc — me apresentei, indicando Alison com o queixo. — O amigo mais bonito que ela tem.
— Isso eu posso apostar que é verdade — Helena riu.
— Assim como também posso apostar que além de linda, a senhora é uma mulher de muito bom gosto — devolvi, galante, fechando a boca imediatamente ao sentir um beliscão na cintura.
— Helena, Zaden quer ser voluntário aqui no centro comunitário — Alison tomou a frente, me dando um olhar tão afiado quanto as unhas que ela tinha acabado de cravar na minha pele. Chata. — Você pode entregar uma ficha de inscrição para ele preencher?
— Claro que sim, querida — Helena assentiu, me passando uma prancheta com uma folha de papel e caneta. — No entanto, receio que ele não vá poder começar hoje. Max está doente, então não vai poder entrevistá-lo nem apresentar as oficinas que estão precisando de ajudantes — ela olhou para mim, com um sorriso de desculpas. — Mas você pode ficar com a Alison hoje. Ela sempre ministra as aulas de dança sozinha, então tenho certeza de que vai poder ajudá-la em alguma coisa.
Se não estivesse com o braço imobilizado, teria batido palmas naquele momento. Nem eu poderia ter feito uma sugestão melhor.
— Err, mas... — Alison mal tinha começado sua frase e eu já estava revirando os olhos. A garota não larga o osso nunca, pensei. — Você não acha que seria melhor se... não sei, o Zaden ficasse aqui te ajudando na recepção? Você poderia conversar com ele, contar um pouco sobre como tudo funciona por aqui e...
— Não seja boba! Participando da aula com você, ele vai poder interagir diretamente com as crianças e assim já tirar a prova se consegue ou não lidar com elas. E é melhor vocês dois irem logo para a sala, porque só faltam vinte minutos para começar — a recepcionista advertiu, indicando o relógio pendurado na parede atrás de si no exato segundo em que o telefone tocou novamente. — Boa tarde, Centro Comunitário Infantil de Davens County?
Entendendo a dispensa, Alison suspirou alto, me dando as costas e seguindo em direção a um longo e estreito corredor.
— Ainda temos vinte minutos? — indaguei, surpreso, enquanto a seguia de perto. — E eu aqui pensando que estávamos super atrasados.
— Eu costumo chegar uma hora mais cedo para me aquecer — ela respondeu, em voz baixa. — Mas hoje vou ter que fazer isso com o tempo que me restou.
— Sabe, isso não foi culpa minha — eu disse, me defendendo. — Além do mais, não precisa ficar toda estressada porque vou assistir à sua aula. Eu não vou fazer nada. Só literalmente vou estar lá.
Alison suspirou, parando de andar e se virando para olhar para mim.
— Eu sei que não é culpa sua. E desculpe por ter tentado me livrar de você fazendo com que ficasse na recepção. Foi pura força do hábito.
— Não esquenta. Eu teria gostado de ficar na recepção — falei, inclinando a cabeça para perto da dela. — Você sabe como sou bom com pessoas. A sua amiga Helena ali me adorou.
— Claro que adorou — ela deu uma risadinha, jogando o rabo de cavalo trançado para trás e voltando a caminhar.
Sorri também, mesmo tendo achado sua risadinha levemente sarcástica. Eu adorava quando ela jogava o cabelo daquele jeito.
Andamos apenas mais alguns metros antes de Alison parar de frente para uma porta e girar a maçaneta, abrindo-a para uma espaçosa sala com piso de linóleo, com um imenso espelho cobrindo uma parede inteira. Nas demais, havia pinturas, desenhos e imagens de grandes bailarinos, alguns muito famosos e outros que eu nem conhecia. Um pôster em especial chamou minha atenção, todo emoldurado e em preto e branco, de uma bailarina negra levantando a perna acima da cabeça, equilibrando-se na ponta do pé. Reconheci imediatamente como sendo uma das fotos que Alison mantinha na parede do seu antigo quarto. "É para me inspirar", ela dizia. "Quero ser igual a ela."
Fiquei nostálgico por um instante, viajando no tempo.
— Você se lembra dela? — Alison perguntou, me trazendo de volta para o presente. Ela tinha tirado o casaco que estava usando, descobrindo totalmente seu top e calça de ginástica lilases. Tentei não ficar olhando muito, mas era difícil; a cor caía muito bem nela.
Pigarreei.
— Claro que lembro. DePrince, não é?
Alison assentiu.
— Michaela DePrince. Uma das melhores bailarinas da atualidade. Ela é uma lenda — disse, a admiração em sua voz quase palpável no ar. — De um orfanato na Serra Leoa para o mundo. Enfrentou fome, violência, racismo e preconceito e ainda assim não se rendeu a nenhum deles. É uma grande vencedora. Fico feliz que se lembre dela.
— Eu não esqueço de nada que tem a ver com você.
Seus olhos encontraram os meus, castanhos, indagadores e intensos. Prendo a respiração por um momento, me questionando se será sempre assim: um olhar dela e me sinto queimando por dentro, como se todas as minhas defesas subitamente fossem deixadas de lado. Se você soubesse o efeito que tem sobre mim, eu estaria perdido.
Alison interrompeu o contato primeiro, ativando o aparelho de som que havia no canto da sala por meio de um controle remoto.
— Eu vou começar a me alongar agora, então... — levou um dedo aos lábios, um gesto claro para que eu calasse a boca.
Balanço a cabeça, balbuciando um "como quiser" emburrado antes de puxar uma cadeira de plástico e me sentar – sorte minha ter encontrado uma, porque eu não podia me abaixar e sentar no chão sem forçar o ombro no processo, e Deus sabe o quanto estou tomando cuidado para não fazer nada que prejudique a minha recuperação.
Sendo assim, relegado a um mero e silencioso expectador, só me restava assistir o show de tortura que era observar Alison esticar seus braços e pernas torneados, se abaixando para tocar a ponta dos seus tênis, me dando visão privilegiada do seu traseiro lindo e redondinho.
Tratei de limpar os pensamentos impuros da mente, pensando no que Charles faria comigo se soubesse que estou num centro comunitário infantil admirando a bunda da irmã dele.
Uma surra com certeza seria algo que iria afetar minha recuperação, pensei, com uma careta, enquanto desviava o olhar rapidamente.
Felizmente para mim, não precisei suar frio por muito mais tempo, porque cinco dolorosos minutos depois, uma série de passos veio até a porta, seguido de um grande e animado falatório.
— Acho que os seus alunos chegaram — anunciei, fazendo com que Alison finalmente parasse de se aquecer e olhasse para a porta, que foi aberta naquele exato segundo por uma garota que parecia ter pouco menos que a idade de Zoe.
— Boa tarde, senhorita Walters! — ela exclamou, adentrando na sala seguida de uma turma de pelo menos quinze outras crianças. Ou vinte, sei lá. Nunca fui bom em matemática.
— Boa tarde, Tatiana — Alison respondeu, com um sorriso, pondo as mãos nos quadris. — E então, turma, como vocês estão hoje? Comeram direitinho antes de virem para a aula?
— Claro que sim. Levamos a sério quando você disse que manter uma alimentação saudável era uma das coisas principais para ser uma bailarina — outra garota disse, obviamente orgulhosa de si mesma por ter decorado um ensinamento de sua professora.
— Muito bem, Júlia! — Alison elogiou, tocando o rosto dela. — Continue assim. A saúde de vocês vem em primeiro lugar antes de qualquer coisa, lembrem-se disso. Todos já se alongaram? — ela perguntou, e em resposta, a maioria fez que sim, enquanto a minoria que não havia assentido apresentaram expressões cheias de culpa. — Tudo bem, visto que boa parte já se aqueceu, podemos escolher uma música e dançarmos em estilo livre enquanto os outros ficam se alongando nas barras, ok?
Obedientemente, os pequenos fizeram o que ela pediu, e juro por Deus que tentei não sorrir, mas era adorável: comigo, impaciência à mil e tolerância zero; com aquelas crianças, carinho e compreensão. Alison tinha a maior fama de durona quando na verdade era uma professora toda galera e boazinha.
— Senhorita Walters, quem é aquele ali? — Tatiana, a menininha que havia sido a primeira a entrar na sala, apontou o dedo na minha direção.
— Tati! — uma menina de laço vermelho no cabelo exclamou, baixando a mão da colega. — Sua mãe não te ensinou que é feio apontar desse jeito? Uma bailarina não se comporta assim!
Se elas ao menos imaginassem os gestos obscenos que a professorinha delas já havia feito...
— Cuida da sua vida!
Alison já se preparava para mediar a situação, quando eu me levantei:
— Calma, meninas — intervi, com o tom de voz tranquilizador que eu usava para separar as brigas das minhas irmãs mais novas. — Meu nome é Zaden e eu sou amigo da senhorita Walters. Como ela vive falando para mim que tem uma turma muito talentosa e comportada, hoje vim aqui assistir à aula de vocês. Mas não liguem para mim, estou só de passagem.
Diante da minha explicação, as duas logo correram para poderem se retratar:
— Desculpe envergonhar você na frente do seu amigo, professora — a de laço vermelho disse, com a cabeça baixa.
— E desculpe apontar o dedo pra ele — Tatiana murmurou, com o rosto vermelho de vergonha.
Alison suspirou.
— Tudo bem, meninas. Eu pretendia apresentar o Zaden primeiro para não causar distrações na classe, mas acabei esquecendo quando vocês chegarem. O erro foi meu. — falou, então erguendo um dedo na direção das garotas à sua frente: — Mas isso não é motivo para brigarem entre si e se tratarem mal. Tenham modos umas com as outras, ouviram?
— Sim, senhorita Walters — elas disseram, em uníssono, antes de apertarem as mãos e saírem para se juntar aos outros.
— Mas que rebanho obediente você tem aqui, hein? — indaguei, alto o suficiente para que só Alison ouvisse.
— Sim. Surpreendentemente, eu faço bem o meu trabalho — ela respondeu, entre dentes, com um sorriso artificial no rosto. — Eu sabia que você acabaria causando tumulto.
— Você acha melhor que eu saia? — ofereci, solícito.
— Você faria isso? — indagou, erguendo as sobrancelhas.
— Claro que sim. Não quero atrapalhar sua aula.
— Sério que você não se importa? — Alison perguntou mais uma vez, parecendo chocada.
Abri um sorriso, sabendo que a estava surpreendendo positivamente com essa atitude.
— Óbvio que não. Talvez eu até aproveite para dar uma volta por aqui e conhecer um pouco o lugar — emendei, já me dirigindo à saída. — Nos vemos depois.
— O seu amigo já vai embora, senhorita Walters?
— Mas ele não disse que ia ficar para nos assistir? — a que eu supus se chamar Júlia olhou para mim, fazendo bico.
— Foi por que a Tati e eu brigamos? — a menina de laço vermelho questionou, chorosa.
— Não é nada disso... — Alison ergueu a mão, balançando a cabeça.
— Pensei que você fosse ser o nosso príncipe. — Júlia disse, se colocando na minha frente. — Você tem cara de príncipe.
— Obrigado. Vocês também se parecem com princesas — devolvi o elogio, achando ser a coisa certa a fazer.
Estava errado.
— Fique com a gente! — a menina se agarrou na minha perna. — Seja o nosso príncipe!
Não demorou para que as outras resolvessem imitá-la:
— Isso! Fique com a gente!
— Não temos nenhum menino para nos levantar!
— Mas eu também não posso levantar vocês — retruquei, lutando para manter o equilíbrio. — Meu braço está quebrado.
— Nós esperamos ele sarar!
— Mas vai demorar muito... — olhei para Alison, em busca de socorro. — Senhorita Walters, eu estou precisando de uma ajudinha aqui!
— Meninas, já chega! Soltem ele agora! — ordenou, ao passo que as suas bailarinas relutantemente saíram do meu encalço. Com um gesto indicando a porta, ela sussurrou: — Dá o fora.
Não pensei duas vezes, saindo e logo fechando a porta atrás de mim, dando de cara com Helena, que parecia ter ficado curiosa por causa da gritaria e vindo olhar o que estava acontecendo.
— Nossa! Elas parecem estar agitadas hoje — comentou, espantada. — Nunca tinham dado trabalho antes e do nada começam a gritar feito loucas!
— O que posso dizer? — murmurei, enxugando o suor da testa. — Costumo provocar esse efeito entre o gênero feminino.
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