CAPÍTULO 12

Tiro a bolsa de gelo sobre os olhos, olhando no espelho e decidindo que já haviam desinchado o suficiente. Enquanto amarrava os meus tênis Balenciaga e escolhia qual casaco iria usar por cima do meu conjunto de ginástica lilás, não consegui bloquear a memória de Zaden me chamando de covarde.

Eu não era covarde. A única coisa que eu queria era proteger a mim mesma não reabrindo uma ferida antiga, e isso não era covardia.

O problema, eu estava começando a perceber, era que não importava o quanto eu tentasse negar, ainda doía. Zaden ainda era uma figura que me causava tensão e toda briga que tínhamos me deixava exausta e uma pilha de nervos. A explosão que havia acontecido entre nós dois hoje era a prova disso.

Então, talvez… talvez fingir que ele não me afetava não fosse a solução. Por muito tempo achei que acreditar fervorosamente em algo era o bastante para fazer com que se tornasse realidade, mas eu já tinha cansado de mentir para mim mesma. Não adiantava mentalizar que tudo estava bem quando tão claramente não estava.

No entanto, eu não tinha tempo para esquentar a cabeça com isso agora; a minha aula no centro comunitário infantil começaria logo, e chegar atrasada não era do meu feitio. Descendo as escadas para o andar de baixo, pego minha garrafa de água na geladeira e abro a porta da frente, quase deixando-a cair ao ver Zaden de pé ao lado da parede.

— Meu Deus do céu! — exclamei, dando um salto com o som da porta atrás de mim batendo e o bipe da trava eletrônica sendo acionada. — O que você está… — comecei, sem conseguir nem formular a frase direito. — Eu achei que você tinha ido embora!

Ele suspirou.

— Eu pretendia ir. Só que aí pensei melhor — disse, erguendo os olhos na minha direção, o sol da tarde tornando-os de um azul ainda mais claro. — E percebi que não queria sair daquele jeito. Foi uma discussão imatura. Não quero ficar brigado.

Fiquei em silêncio por um momento, mantendo apenas o contato visual antes de também soltar um longo suspiro.

— Nem eu.

— Desculpe ter chamado você de covarde. Eu não quis dizer aquilo.

Encolhi os ombros.

— Desculpa ter batido a porta na sua cara. Você não merecia — falei, lembrando de como ele me ajudou quando entrei em pânico no banheiro por causa da minha fobia a insetos. — E obrigada por… você sabe. Não rir da minha cara naquela hora. Eu sei que é uma coisa ridícula para se ter medo.

— Ei, não é uma coisa ridícula. E eu nunca riria da sua cara — ergui uma sobrancelha ao ouvir aquilo, ao passo que Zaden deu um meio sorriso. — Não sobre isso, pelo menos.

— Nossa! — ironizei. — Você não faz ideia do alívio que eu sinto ao ouvir isso.

— Acho que tenho uma ideia, sim — ele brincou, antes de pigarrear. — Sabe, Alison, eu estive pensando sobre a nossa briga e cheguei à conclusão de que eu cometi um erro ao tentar reviver o nosso passado.

Pisquei, realmente surpresa. Desde que havia voltado de viagem, Zaden parecia ter colocado na cabeça que deveria fazer com que as coisas entre a gente voltassem a ser como eram antes, tentando uma reaproximação a todo custo – o que para mim estava sendo algo física e emocionalmente desgastante.

Sendo assim, ouvi-lo de repente dizer que tinha errado a respeito disso era no mínimo... inusitado.

— Eu acho que nós dois iríamos nos dar muito melhor se deixássemos tudo o que já aconteceu para trás e focássemos só no presente — Zaden continuou, chegando mais perto. — Pensei no que você disse mais cedo no estacionamento sobre ter mudado muito desde aquela época e vi que tinha razão: não só você mudou, como eu também. Então acho que, se queremos nos entender, devemos não  tentar voltar de onde paramos, mas sim recomeçar — falou, parando de frente para mim. — Isto é… se você quiser, é claro.

Algo no meu subconsciente me diz que essa mudança súbita nele é uma estratégia diferente para uma mesma armadilha, mas ignoro o sentimento, porque vejo em sua na proposta algo  a mais do que um simples recomeço, – uma chance de superá-lo de uma vez por todas.

Zaden ainda conseguia exercer poder sobre a maneira com a qual eu me sentia porque anos atrás, quando nos distanciamos, foi como se tudo tivesse sido deixado em suspenso, como uma história inacabada – e ter a chance de um recomeço era exatamente do que eu precisava para poder reescrevê-la do meu jeito: sem mágoas, sem sentimentos indesejados ou corações partidos.

Eu sentia tanto medo de me aproximar dele e acabar me machucando de novo que nunca tinha parado para olhar pela perspectiva de que as coisas haviam mudado agora – eu estava mais velha, e o tempo havia me deixado mais inteligente e confiante também. Toda a relutância que eu sentia em relação a Zaden eram reflexos da antiga Alison.

Uma versão minha que já não existia mais.

— Quer saber? — indaguei, erguendo o queixo para manter nossos olhares alinhados. Nada de desviar os olhos de agora em diante. — Você está certo. É cansativo ficar brigando por algo que já passou. E, querendo ou não, você e eu somos próximos. Não quero que fique um clima chato entre nós toda vez que nos encontrarmos.

— Viu só? — ele disse, abrindo um sorriso largo que aprofundou ainda mais suas covinhas. — Não é tão difícil concordar comigo, é? Nós dois podemos chegar facilmente a um consenso quando conversamos sem tentar irritar um ao outro.

— Oh, então você tentava me irritar? — perguntei, cheia de sarcasmo. — Nunca teria percebido se não tivesse me dito. Sempre te achei um doce.

Zaden deu uma risadinha.

— Por favor, desse jeito você vai me fazer corar! — ele empurrou meu ombro de leve, fingindo lisonja. — Eu, um doce? Fala sério, você é um doce. A placa que fez com a frase “Zaden braço de pau”? Aquele gesto me comoveu, de verdade. Percebi que tinha até glitter no meu nome. Tão atenciosa!

Mordi os lábios, tentando não rir. Ele era muito ridículo.

— Ah, pare! Você me deixa envergonhada com tantos elogios — falei, tocando o braço dele por impulso. Foi uma coisa idiota de se fazer, e me arrependi no próximo segundo, quando ele me deu um olhar estranho. Tirei a mão. Ok, então ainda não estava pronta para restabelecer contato físico. — Para ser sincera, não acho que foi o meu melhor trabalho. Meio simplório, sabe? Mas em outra ocasião eu coloco mais brilho — dou um riso nervoso cujo som odeio por revelar tão nitidamente a maneira como um breve toque me afetou. — Purpurina e tudo o mais.

— Hmm, vou esperar por isso. No entanto, acho que agora nós temos um lugar para ir, não é? — Zaden indagou, apontando para o carro. — Se bem me lembro, você tem uma aula para dar. Isso sem falar que ainda tem que me apresentar o lugar e fazer uma boa propaganda a meu respeito contando o quão bom com crianças eu sou.

Eu lhe dou um olhar cético, enquanto me dirijo em direção ao veículo estacionado na frente de casa.

— Você não é bom com crianças. Você é bom em mimar crianças.

— E qual é a diferença? — perguntou, franzindo o nariz enquanto vinha atrás de mim. — Eu sou basicamente o Papai Noel: uma figura querida, amada e que dá presentes. Tudo isso sem contar o bônus da minha boa aparência e do meu charme natural. Ninguém resiste quando eu bato os olhinhos.

Bufei.

O lance de “bater os olhinhos” de Zaden nada mais era do que um truque ridículo que ele dizia usar para fazer com que as pessoas se sentissem inclinadas a concordar com as coisas que ele dizia. Consistia resumidamente em assentir com a cabeça devagar e assumir uma expressão solene sem nunca desfazer o contato visual, mantendo a atenção da sua vítima em questão totalmente voltada para ele. E então, em sua tacada final, ele baixava o olhar, piscando com constrangimento fingido.

Era a coisa mais fajuta que eu já tinha ouvido em toda a minha vida, mas Zaden jurava de pé junto que era incrivelmente eficiente. Até agora, pelo que eu sabia, ninguém com quem ele já tinha aplicado o tal truque tinha lhe negado o que quer que ele estivesse pedindo, – declaração que me parecia ser altamente questionável, apesar de Sebastian, Loren e até mesmo o meu irmão já terem presenciado e dito que de fato funcionava.

— Você não vai dizer nada? — Zaden perguntou, em tom de dúvida, se acomodando no banco do passageiro. — Nem mesmo um comentário sobre eu me achar o maior gostosão?

— O maior gostosão? — ergui uma sobrancelha, achando graça. — O maior sem noção, você quer dizer, né? Porque toda vez que cita esse negócio de “bater os olhinhos” eu me pergunto como é que nenhum dos seus amigos te avisa que você está passando vergonha.

— Sabe, às vezes eu fico preocupado com o quão forte você vai morder essa sua língua um dia. Sobre muitas coisas.

— Humpf — dei de ombros, sem me abalar, fechando a porta do carro e passando o cinto de segurança. — Duvido que eu vá morder a minha língua sobre você e sua técnica besta de hipnose. Fala sério, não estamos em The Vampire Diaries.

Zaden repentinamente abriu um sorriso.

— O que foi? — perguntei, entediada.

— Só estou pensando.

— Sobre…?

— Nada. É que… — ele se virou para olhar para mim. — Bem que já me disseram que os meus olhos lembram os do Ian Somerhalder.

Fico calada por um minuto, pressionando os lábios com força enquanto sinto uma risada borbulhar no fundo da minha garganta. Contenho o riso tanto quanto posso, mas no final não consegui segurar: gargalhei alto.

— HAHAHAHAHAHA! — lágrimas surgem no canto dos meus olhos, e minha barriga começa a doer.

— Do que é que você está rindo? — Zaden questiona, parecendo dividido entre se sentir ofendido e rir junto.

— Você… — tento recuperar o ar em meio às risadas. — Parecido… com o Ian… HAHAHAHA! — encosto a cabeça no volante, dando soquinhos nos meus joelhos. — Ah, meu Deus, eu vou morrer de tanto rir!

— Você vai acabar é fazendo xixi nas calças — o homem sentado ao meu lado resmungou, os cantos de sua boca tremendo com a força que está fazendo para mantê-la em linha reta e não cair no riso também.

— Ok, eu acho… que me recuperei agora — tomo um grande gole de ar, descansando no encosto do banco do motorista enquanto espero ter forças novamente sobre os meus membros. — Nossa, dessa vez você se superou. Como alguém pode ser tão convencido a ponto de se comparar com o Ian Somerhalder?

Ele estalou a língua.

— Para a sua informação, várias pessoas já disseram que meus olhos se parecem com os dele, tá? Você só não quer admitir — disse, antes de deixar uma risada baixa escapar. — Fazia tempo que eu não ouvia você rir assim. Foi... revigorante, mesmo sendo às minhas custas.

Enxuguei as lágrimas, me deixando ser eu mesma na presença dele pela primeira vez em séculos.

— Para ser sincera, nem mesmo eu me lembro da última vez em que ri assim.

E me dou conta, como se levasse um banho de água fria, que é porque foi com ele.

— Então é isso — tusso um pouco para clarear a garganta. — Lá vamos nós — anuncio, antes de dar partida no carro.

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