𝐑𝐔𝐍


❝ Quando você tem medo e
faz mesmo assim, isso é coragem.❞

— Coraline e o mundo secreto.





Acordei com o som barulhento dos meninos se levantando. Pareciam um bando de elefantes correndo na grande savana da África seus passos pesados ecoando pela cabana.

De fato, Thomas havia cumprido sua promessa: ele estava deitado no chão em frente à minha rede a noite inteira, com uma expressão cansada no rosto.

— Bom dia. — Sorri preguiçosamente, espreguiçando-me ao vê-lo se virar para mim e se levantar com esforço.

— Bom dia. — Ele retribuiu o sorriso, com grandes olheiras que denunciavam a noite em claro. Seus olhos estavam vermelhos e pesados.

— Sua cara está horrível, Thomas. — Chuck anunciou, visivelmente acordado e animado, esticando os braços e bocejando.

— Não consegui dormir com seus roncos a noite inteira, cabeçudo. — Thomas retrucou, esfregando os olhos e lançando um olhar exasperado para Chuck.

Chuck fez uma careta e retrucou algo ininteligível, arrancando risadas dos outros meninos que começavam a se agitar pelo dormitório.

Levantei e fiquei cara a cara com Thomas, que agora se espreguiçava.

— Cumpri com o prometido, viu? — Disse, cruzando os braços e levantando uma sobrancelha.

— Claro, foi uma promessa de dedinho. Se descumprisse, teria que arrancá-lo e dar aos porcos para comer. — Falo com um sorriso travesso, o provocando.

— Não seria má ideia. —  Thomas responde. De forma brincalhona dei uma cotovelada leve em sua costela, provocando um riso abafado.

Newt veio se juntar a nós, com um semblante sério mas ao mesmo tempo aliviado por ter nos visto.

— Esses trolhos vão me dar trabalho. Minho e Alby foram ver os rastros de Ben no labirinto, então estou no comando hoje. — Ele disse, com um toque de orgulho na voz. — Zart vai ficar encarregado da plantação. Thomas, prepare-se para trabalhar como uma mula. — Deu um tapinha nas costas dele, fazendo um gesto para que se apressasse.

— Que maravilha, me sinto lisonjeado. — O garoto alto respondeu sarcasticamente, revirando os olhos enquanto se espreguiçava novamente.

— Fique longe desse homem enquanto ele trabalha, Kenzie. Preciso que ele se mantenha concentrado para render na plantação. — Newt advertiu, me lançando um olhar engraçado.

— Como se eu fosse perder meu tempo olhando para ela. — Thomas disse de forma afrontosa, escondendo o rosto que começava a corar e desviando o olhar.

— Ei, eu não sou tão horrível assim. — Fingi estar ofendida, colocando dramaticamente as mãos no peito e fazendo uma expressão magoada.

— Todos nós sabemos que você perde tempo olhando para ela. — Newt fala enquanto chuck soltou uma gargalhada, quebrando o clima e fazendo todos rirem.

— Ele não consegue evitar, sou irresistível. — Virei-me, jogando os cabelos para trás com um ar de falsa modéstia, sentindo o rosto de Thomas queimar de vergonha.

— Convencida. — Thomas murmurou, abaixando a cabeça e rindo, juntamente com Newt, que balançava a cabeça divertidamente.

— Vamos, garotos! Arrumem-se. O café da manhã será servido em menos de cinco minutos, depois cada um aos seus devidos trabalhos. — Newt ordenou, fazendo os meninos correrem em direção aos únicos quatro banheiros da cabana, numa corrida desenfreada para conseguir um lugar primeiro.

Aquele pequeno momento de descontração era um alívio bem-vindo na rotina árdua e imprevisível que vivíamos.




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Passei a manhã inteira com Clint e Jeff, logicamente na enfermaria. Jeff era um garoto moreno e magro que, por alguma estranha razão, cheirava a maracujá. Ele não era de falar muito, ao contrário de Clint, mas me explicou minha nova função na ala: suturar e limpar os equipamentos que os rapazes usavam.

Eu não adorava aquilo, mas também não detestei tanto quanto o que fui obrigada a fazer com o Winston no sangradouro.

— Bom isso, você esta pegando o jeito. É bom treinar bastante antes de suturar alguém de verdade — Ele disse enquanto eu terminava de fazer uma sutura em uma esponja de lavar louça que o mesmo havia me dado para treinar os pontos.

— Viu só? Já sou mais útil que o Thomas nessa clareira. — Debocho do garoto que nem estava no mesmo cômodo que eu.

Jeff ri.

De repente, alguém bate na porta antes de entrar. Era Gally, segurando a mão envolvida em um pano vermelho manchado de sangue.

— O que aconteceu, Gally? — Jeff se espanta ao ver o garoto.

— Me cortei com o serrote. — Gally parecia sereno, como se aquele corte não fosse nada.

— Caramba cara, durante esses três anos na clareira você se machucou no máximo cinco vezes construindo alguma coisa. O que deu em você hoje? — Jeff balançou a cabeça impressionado avaliando o corte.

Gally pareceu entediado. — Estava distraído quando cortava madeira e ele escapou da minha mão.

— Kenzie, venha ver, o que me diz? Provavelmente vai precisar de pontos. — Gally olha para mim enquanto Jeff me chama para avaliar o corte.

Avaliei o corte na palma da mão de Gally, notando a profundidade e a irregularidade do ferimento. Ele ficou me encarando, seus olhos atentos a cada movimento meu.

— Vou buscar um copo de água, já volto. — Disse Jeff, nos deixando a sós.

— Provavelmente você vai precisar levar quatro pontos. Vai ser minha primeira cobaia viva a ter uma sutura profissional de primeira mão. — Disse de forma sarcástica, mas um pouco animada, pegando o equipamento de sutura e já higienizando o local ferido.

Gally esboçou uma risada abafada. — Como dormiu?

— Bem. — Respondi, pela primeira vez havia dormido bem desde que cheguei à Clareira.

— Não vi você em sua rede ontem. — Gally comentou, a voz carregada de curiosidade.

— Anda me vigiando?— Provoquei. — Dormi na rede de Thomas.— Disse, dando de ombros enquanto fechava o primeiro ponto com delicadeza.

— Eu vi. — Gally murmurou entre os dentes, pude sentir uma nota de ciúme ou raiva evidente em seu tom.

— Então por que perguntou se já sabia a resposta? — Repliquei, levantando uma sobrancelha enquanto começava a trabalhar no segundo ponto.

Gally desviou o olhar por um momento, antes de voltar a me encarar. — Só queria ouvir de você. — Respondeu de forma ríspida. — Não gosto de ve-la com Thomas, ele não é confiável.

— Ninguém é confiável para você Gally, você desconfia até da sua própria sombra. — Tentei esconder minha irritação concentrando-me no terceiro ponto.

— Mas não precisa se preocupar Gally. Estou aqui para sobreviver e tentar sair desse inferno, assim como todo mundo.

Ele ficou em silêncio por um instante, observando meus movimentos precisos. — Você tem jeito para isso. — Disse finalmente, a voz mais suave.

— Obrigada. — Respondi, terminando o último ponto e cortando o fio. — Está feito. Como se sente?

— Melhor. — Disse ele, esboçando um sorriso meio forçado.

Vai, ele estava tentando ser gentil.

— Talvez você tenha um futuro como uma Med-Jack.

Devolvi o sorriso, sentindo uma inesperada sensação de realização. — Vamos torcer para que ninguém mais se machuque.

Jeff voltou com o copo de água, entregando-o a Gally. — Parece que você está em boas mãos. — Disse ele, aprovando meu trabalho com um aceno de cabeça.

No meio da tarde, eu estava pronta para desabar de exaustão. Aquele trabalho de se curvar e se arrastar de joelhos para examinar os machucados dos garotos era demais. Cansada e com o corpo dolorido, dirigi-me à cozinha para comer um lanche e tomar um pouco de água. Sentia-me capaz de devorar uma refeição inteira, apesar de ter almoçado apenas duas horas antes.

Peguei uma maçã, dei uma mordida e depois me deixei cair no chão ao lado de Thomas e Chuck, que já estavam conversando. Newt também estava lá, mas sentado sozinho, ignorando todos. Seus olhos estavam injetados de sangue e sua testa marcada por rugas profundas de preocupação.

Thomas olhou para mim com uma cara de cansado e sorriu. — Dia difícil?

— Você nem imagina, e o seu? — Perguntei, exausta, enquanto mastigava a maçã.

— Extremamente. — Ele coça a nuca. Chuck riu, tentando aliviar o ambiente.

— Bem-vinda ao nosso mundo.

Observei Newt de relance. Ele parecia imerso em seus próprios pensamentos, alheio à conversa ao redor. A preocupação era evidente em seu rosto.

— O que será que há de errado com ele? — Chuck fez a mesma pergunta que tinha em mente. — Está parecendo você quando saiu da caixa.

— Não sei. — Respondeu Thomas. — Por que não vai lá e pergunta para ele?

— Posso ouvir cada maldita palavra que vocês estão falando aí. — Newt falou em voz alta.

— O que há de errado com você? — Indaguei preocupada. Newt era uma das poucas pessoas na clareira de quem eu realmente gostava.

Ele levantou os olhos lentamente, como se estivesse voltando de um lugar distante. — Só pensando. — Disse ele, sua voz rouca. — Há muito em jogo.

Thomas assentiu, entendendo a gravidade da situação.

— Alby e Minho. — Murmurou ele. — Eles já deviam ter voltado.

Antes de me dar conta, eu e Thomas já estávamos de volta ao trabalho, eu limpando os equipamentos da enfermaria e ele arrancando ervas daninhas novamente e contando os minutos até terminar sua obrigação nos Jardins.

Eu olhava constantemente para a Porta Oeste, procurando algum sinal de Alby e Minho. A preocupação de Newt havia passado para mim.

Newt dissera que eles deviam ter retornado ao meio-dia. Isso deveria ter sido tempo suficiente para chegarem ao Verdugo morto, explorarem o terreno por uma hora ou duas, e depois voltarem.

Não era de admirar que Newt parecesse tão perturbado. Quando Chuck sugeriu que eles estivessem apenas explorando o lugar e se divertindo, Newt lhe dirigiu um olhar tão duro que pensei que Chuck fosse sofrer uma combustão espontânea.

Nunca esquecerei a expressão que tomou conta do rosto de Newt em seguida. Quando eu e Thomas perguntamos por que ele e alguns outros não saíam para o Labirinto em busca dos amigos, sua expressão mudou para o mais completo horror. Aos poucos, a impressão passou e ele explicou que enviar grupos de busca era proibido, pois mais pessoas poderiam se perder. Mas não havia dúvida quanto ao medo que lhe passou pelo semblante. Newt morria de medo do Labirinto. O que quer que tivesse lhe acontecido lá - talvez relacionado à persistente lesão no tornozelo - devia ter sido horrível.

Tentei não pensar a respeito e procurei me concentrar em limpar e organizar a sede dos Med-Jacks.

Felizmente, uma fina garoa pairou sobre a Clareira. Fazendo todos se abrigarem no pátio principal, onde era coberto. No entardecer, o silêncio era denso e todos estavam tensos, temendo que Minho e Alby não retornassem antes das portas se fecharem. O vazio da ausência deles pairava sobre a Clareira, aumentando a apreensão de todos.

— Eles já deveriam ter voltado. — Thomas fala alto o suficiente para os meninos mais próximos escutarem. — O que acontece se eles não conseguirem?

— Eles vão conseguir. — Newt apoia a testa em sua mão. Tentando passar um ar de segurança a todos, mesmo a maioria sabendo que ele estava preocupado.

— Não consigo ficar aqui sentando enquanto eles estão lá perdidos. — Falo andando para a frente do labirinto.

— O que ela está fazendo? — Alguém pergunta, fazendo a maioria dos garotos me seguirem.

— Por que garotas são loucas? — Outro sussurra alto.

— Vai tentar ajudar? Como? — Thomas pergunta dando uma acelerada para me alcançar. — Pulando para dentro do labirinto e tentar acha-los?

Isso não parecia má ideia e Thomas também acabou percebendo isso.

Newt e nem mesmo o intrometido de Gally tentaram me barrar ao chegar na frente da porta oeste.

— Por que não mandamos um grupo de busca?— Thomas sugere mais uma vez.

— É contra as regras. — Responde Gally agachado ao lado do garoto de camisa azul. — Eles tem que voltar por conta própria, simples assim.

Revirei os olhos. Essas mantidas regras estavam me irritando.

— Quem liga pra essa merda de regra? — Bufo. — Parece tão estúpido ficar aqui se preocupando tanto quando poderíamos estar lá dentro tentando encontrá-los.

— Não podemos mais arriscar perder mais ninguém! Entenderam? — Newt fala de forma direta.

Minho era esperto demais para se perder. Impossível, eles não estão mortos.

O muro direito do labirinto começa a se mover, levantando nuvens de poeira e pedras à medida que avança. As fileiras de pinos de travamento se alinham, fechando os orifícios correspondentes no muro esquerdo. Eu estava perplexa diante do fenômeno, observa o muro se movendo com uma mistura de fascínio e incredulidade. A cena desafia qualquer explicação lógica e parece completamente impossível, parecia que aquilo havia deixado Thomas atônito diante da magnitude do evento também.

Isso não pode estar acontecendo. Todos os clareanos começaram a se agitar, falando coisas indecifráveis.

Algo se movera dentro do labirinto, ao fundo do comprido corredor à frente. Das formas se materializaram a distância, avançando na direção da abertura da Porta.

— Lá! — Thomas grita, apontando para a direção onde todos perceberam que era Minho, com um dos braços de Alby dobrado sobre os ombros, praticamente arrastando o rapaz atrás de si.

Suspirei em alivio.

— Tem algo de errado. — Newt fala chocando o resto dos garotos.

Minho olhou para a frente e me viu, ele sabia que meus olhos deviam estar saltando para fora das órbitas.

— Eles o pegaram! — Gritou Minho, a voz estrangulada e fraca de cansaço. Cada passo que ele dava parecia ser o último.

Todos estavam tão atordoado com a virada nos acontecimentos que demorou um instante para recobrar a consciência

A maioria gritava palavras de motivação para Minho conseguir chegar a tempo antes das portas se fecharem. Mas não estava adiantando de nada.

Eles não tinham chance de chegar a tempo. Chance nenhuma.

O muro da direita avançava com rapidez, parecendo se acelerar quanto mais eu quisesse que ele se retardasse.

Thomas olha para mim e sussurra — Pronta?

Assinto da maneira mais discreta possível. — Se vemos do outro lado. — Murmuro e em um instante nos movemos até a direção onde minho tropeçou.

— Não se atrevam. — Escutei Newt dizer, o mesmo tentando agarrar minha blusa, falhando miseravelmente enquanto pegava o ar.

Os gritos de incentivos viraram lamentos e gritos de desespero. As portas do labirinto começaram a se fechar nos pressionando pouco a pouco entre as paredes.

E com um estrondo os muros se fecharam atras de nós, o eco do bramido percorreu a pedra recoberta de hera como uma risada maligna.

Com um movimento brusco, perco o equilíbrio e caio diretamente sobre Thomas. Sinto sua respiração ficar presa por um momento sob meu peso repentino antes de me afastar rapidamente, enrubescida pela situação.

Meus olhos encontram os dele, cheios de surpresa, enquanto tento me desvencilhar, tropeçando no processo. — Desculpa. — Falo embaraçadamente.

Ele apenas murmurou um tudo bem e se sentou ao meu lado, tentando recuperar o fôlego.

Durante vários segundos, senti como se o mundo tivesse se congelado. Um silêncio profundo seguiu-se ao estrondo surdo e trovejante da Porta se fechando, e o céu pareceu ser encoberto por um véu sombrio, como se até mesmo o sol tivesse medo do que se movia furtivamente pelo Labirinto.

O crepúsculo se instalara e os muros colossais eram como lápides enormes em um cemitério de gigantes infestado de ervas daninhas.

Então um grito agudo de Alby mais à frente chamou nossa atenção para a realidade; Minho lamentava. Nos afastamos do muro e corremos em direção aos dois Clareanos.

Minho conseguira se levantar e estava em pé de novo, mas a sua aparência era horrível, mesmo na pouca luz ainda restante - suado, sujo, todo arranhado. Alby, no chão, parecia pior, as roupas rasgadas, os braços cobertos de cortes e manchas sanguinolentas.

— Se vocês acham que foram corajosos por virem aqui, escutem uma coisa. — Ele respirou fundo. — Podem se considerarem mortos, assim como nós.





001. Bom dia minha gente!!

002. A Teresa esbagaçada tá
chegando.

003. Quero que vocês sejam
pacientes com o romance da Kenzie com o Tommy, vai ser um slow burn, eles acabaram de ter as memórias apagadas e estão confusos!! Agradeço desde já.

004. Votem muuuito e comentem
bastantee<33



XOXO
yas.

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