Capítulo 12: Vedada
Hoje o tempo está nublado, então mesmo agora à tarde coloco uma roupa mais leve e resolvo correr um pouco. Já que isso ajuda há distrair um pouco a cabeça é o que farei. Um dos meus defeitos que não suporto é o de pensar demais. Já passei noites sem dormir porque as engrenagens do meu cérebro não param de girar e girar. Papai dizia que precisava colocar um botão de desligar nas minhas costas. Até ele se irritava às vezes com minha mania de ficar andando em círculos na sala e deixando as dúvidas que eu tinha serem pensadas em voz alta sem deixar um espaço pra serem respondidas.
FLASHBACK
— E se eu for à lanchonete do senhor José? – pergunto enquanto ando de um lado para outro na sala com meu pai impaciente sentado na poltrona me encarando — Eu ouvi da filha dele que estavam precisando de uma garçonete. Será que tenho o perfil?
— Amelie..
— Ou posso ir ao escritório daquele advogado rico e chato que aparece na TV. – interrompo papai que bufa e deita a cabeça no encosto — Posso entregar as correspondências. – paro de andar e faço careta — Que burra, Parker, advogado nem deve ter correspondência. Ou tem?
— Mel?
— Já sei. – levanto o dedo interrompendo-o de novo — Posso ser uma garota do jornal?
— Garota do jornal? – Papai pergunta rindo.
— Isso. Aquelas que andam de bicicleta jogando os jornais na calçada. – coloco as mãos na cintura pensativa — Mas acho que ninguém lê jornal hoje em dia e meus braços são finos demais pra isso.
— Amelie – papai segura meus ombros — Desliga um pouco.
— Não consigo.
— Consegue sim – ele finge apertar um botão na minha nuca e dou risada — É sério, precisa se desligar um pouquinho. E não adianta bufar.
— Mas eu não.. – nem termino de falar e ele me puxa pra um abraço.
— Você sabe que não precisa fazer isso. – ele diz — Você só tem 13 anos, Mel. Tem uma infância pra aproveitar.
— Não. – me afasto o olhando — Se você piorar e precisarmos passar dias no hospital ou se você morrer por falta de tratamento, eu não vou aproveitar a infância do mesmo jeito. Por que não me deixa ajudar pelo menos uma vez? Eu sou capaz.
— Eu sei que é nunca disse o contrário.
— Então por que não deixa? – pergunto e papai suspira — Eu não posso perder você, pai. E eu vou perder se não te dar o tratamento. Você sabe disso. Eu já.. Até montei um currículo. Olha – abro a gaveta de um armarinho que temos na sala e puxo um papel entregando na mão dele — Eu.. Nunca fui à escola, mas eu sei fazer muita coisa. Eu mato até galinha se me pedirem – ele dá risada — É sério, não ri. E pensa, se você morrer, mamãe casa com outro. E credo.. Ele vai me fazer chamá-lo de pai.
— É isso seria ruim – papai faz careta — Tá bom, princesa. Você venceu. – sorrio vitoriosa — Mas vamos fazer um trato, ok? – ele pergunta e balanço a cabeça concordando — Vai trabalhar, mas assim que conseguirmos um bom dinheiro ou acertarmos nossas contas você vai parar e vai viver sua vida de criança. Não quero que você pare de viver por minha causa, quero que aproveite. Fechado?
— Mas pai..
— Fechado? – ele pergunta novamente com a mão estendida.
FLASHBACK
Corri por vários quilômetros até parar no cemitério. A polícia deixou com que enterrasse meu velho da melhor maneira possível. Matt comprou um lugar no cemitério e fizemos só uma cerimônia mais fechada somente pra nós seis. Passei numa floricultura e comprei lírios. Era a flor predileta que papai gostava de cultivar no pequeno jardim de casa.
Tenho pensado muitas vezes no que aconteceu naquele dia. O sangue, os barulhos do soco, os tiros. Tudo parece aumentar e é inevitável não pensar. Parece que quanto mais os dias passam mais difícil fica esquecer. Talvez eu devesse deixar tudo de lado. Eu devo? Talvez. Mas não consigo. Eu tinha certeza que a dor diminuiria nesses três meses só que ela apenas piorou, corroendo-me ainda mais por dentro como ferrugem. Por fora eu pareço bem, por dentro sou apenas um ferro enferrujado que vai se despedaçar com apenas um sopro. Se isso vai demorar eu não sei. Apenas sinto que isso está mais perto de acontecer.
— Desculpa a demora. – digo me sentando de frente pra lápide — Tá uma loucura. – coloco as flores no lugar e tiro algumas folhas de cima. — Mas seria tudo mais fácil se o senhor estivesse aqui. – respiro fundo e fico rodando o anel no meu dedo — Hoje eu fiz aquela panqueca de framboesa que você gostava. Até que não ficou tão ruim. Mas eu preferiria as que fazia. Apesar de que a do meu aniversário de oito anos ficou horrível e tivemos dor de barriga o dia todo. – dou risada e mordo meu lábio segurando a vontade de chorar. — O que eu fiz? – sussurro — E-eu devia ter te obedecido, devia ter.. Aproveitado minha infância. E agora você tá ai, por minha culpa. E não adianta o senhor dizer que não é minha culpa, porque é. – começo a chorar — Me desculpa pai. Eu sei que eu só te dei dor de cabeça e literalmente dei um tiro nela. – abraço meus joelhos — Eu devia ter te ouvido e provavelmente você estaria aqui, ou se tivesse morrido, não seria tão doloroso como tá sendo agora. Eu só.. Quero o senhor de volta. Não consigo sozinha.
Não sei quanto tempo fiquei sentada aqui, mas agora já estou indo embora. Aqui no cemitério, a brisa é um pouco mais forte, de cortar o rosto na verdade. Coloco o gorro que deixei no meu bolso e enfio as mãos nos bolsos enquanto ando. De longe ouço um barulho baixo como se alguém pisasse num galho. Eu já odeio cemitérios e ainda ouvir esses barulhos é a pior coisa possível.
- Mel. - a voz me chama e paro de andar na hora. Uma voz.. Conhecida e que me causa arrepios. - Querida. - olho envolta procurando algum sinal ou até um vulto, vai saber. No cemitério pode acontecer de tudo. - Eu também sinto sua falta princesa.
- Quem tá ai? - coloco a mão na minha cintura procurando minha arma que deixei no abrigo.
- Sou eu, Mel. - a voz vai se aproximando e aperto meus passos - Não tá reconhecendo a minha voz? Estava falando comigo até agora.
Meu primeiro instinto é sair correndo, e o faço. Mas a última coisa que sinto é uma pancada no rosto.
.
Meus joelhos ardem, um líquido escorre pela minha barriga. Sangue. Acordei já de joelhos com os pulsos amarrados um de cada lado e os olhos vendados. Acabei levando uma surra bonita.
- Quem tá ai? - pergunto ao escutar uma porta se abrindo. Vários passos vêm em minha direção, mas ninguém diz uma palavra.
- O que vamos fazer com ela? - uma voz grossa pergunta.
- Chefe pediu pra descartarmos por enquanto. - outra voz diz.
- Ei. - sussurro e um tapa arde na minha bochecha.
- Cala a boca! Já fizemos o que tínhamos que fazer. - outra voz - Ouvido. - ele diz e de repente uma pancada no meu ouvido esquerdo que me faz gritar e minha audição começa a zunir. Ouço-os comentarem algo entre si. Mas não consigo saber o que - Agora ficamos de olho.
.
Liberaram-me minutos depois. Quebraram meu celular então não pude pedir ajuda, além de terem me jogado afastado da cidade. Então minha única solução, mesmo com dor e machucada, está sendo ir saltando pelos prédios com a teia pra chegar mais rápido. Assim que chego ao prédio do abrigo, não aguento e desabo no chão caindo em cima do terraço e gemendo de dor.
Respiro fundo antes de me levantar e descer aos poucos as escadas para o quarto andar. Não aguentando mais, paro de andar me recostando a parede e colocando a mão no ferimento da barriga, tossindo um pouco de sangue.
- Amelie! - não sei de onde Amberly surgiu, mas agora ela me segura impedindo que eu caísse.
- Oi - dou um sorriso fraco.
- Onde você se meteu? - ela segura meu rosto.
- Não sei.
Amberly passa os olhos no meu corpo, e quando se depara com minha barriga, tira a própria blusa e cobre meu machucado.
- Vou ver se o Joe tem algum kit de primeiros socorros aqui. - Amberly diz e encosto minha cabeça em seu ombro.
- Era.. Várias pessoas.
- Vemos isso de--
Nem deixo Amberly terminar de falar já engasgando com meu próprio sangue. Cuspo um pouco no chão e correndo ela me leva para o quarto. Só percebo tudo ao vê-la limpar minha barriga e tentar estancar o sangramento. Deixo a mão em cima do pano enquanto ela sai procurando por Joe, mas minha visão fica turva.
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