capítulo 4 • shame
Cooper
Eu poderia fazer uma lista sobre todas as coisas que eu queria que acabassem naquele momento e uma delas, com certeza, seria o mundo inteiro.
A hora do almoço era uma das minhas horas favoritas do dia, onde eu sentava com meus amigos e esquecia por um momento o quanto Carter podia ser extremamente irritante. Então, para aproveitar aquela segunda-feira ensolarada, eu almocei em baixo da arquibancada do campo de Futebol Americano junto de Adalia, Angeline, Michael e Nathan, todos mastigando um pedaço de seus lanches comprados no Subway, rindo de todas as peripécias que Michael tinha feito durante a primeira semana de aula e sobre a sua prima, que estava de visita na cidade.
O espaço abaixo da arquibancada não era exatamente um lugar onde as pessoas se reuniam para comer, mas era um bom lugar para nós. Só não imaginávamos que também seria para o garoto de cabelos loiros e olhos azuis que, durante a primeira semana de aula inteira, ficou trocando olhares estranhos comigo pelos corredores e na única aula que tínhamos juntos.
Angeline olhou para trás, curiosa para saber de onde vinha aquela estranha sensação de que estávamos sendo observados. Os olhos verdes, quase amarelos, da menina se chocaram com os azuis do garoto, ele abriu um sorriso confiante e desgrudou-se da grade, passando por seus amigos, e caminhando rápido em nossa direção.
Todo mundo ali sabia que Angeline namorava Nathan, então não fazia sentido que ele estivesse a observando daquela forma, a não ser que fosse gay e estivesse de olho no Michael.
— Alli, ele tá vindo para cá, ele vai falar com você! — a loira virou-se para mim, ansiosa.
Adalia revirou os olhos, ela nunca foi muito fã de garotos.
— Por que alguém viria falar comigo? — passei os dedos pelo cabelo, tentando desembaraçar os fios rebeldes do lado esquerdo de minha cabeça.
— Porque você é uma garota tão bonita quanto qualquer outra — Adalia ergueu as sobrancelhas, colocando uma de suas mãos sobre meu ombro esquerdo — Aceita isso para a sua vida, você não é invisível!
Angeline e Michael concordaram com a cabeça. Para eles, eu era tão radiante quanto minha irmã, só tinha que reconhecer isso em mim para que os outros conseguissem enxergar isso também. Ma não era como se eu achasse que aquilo fosse verdade, sabe, é muito fácil falar sobre se amar quando você é uma garota como Adalia e Angeline. Talvez elas só falassem aquilo por serem minhas melhores amigas.
O garoto abaixou-se na minha frente com o mesmo sorriso gentil que ele vinha me lançando durante a semana inteira, ele parecia ser divertido e gentil, ambos na medida certa, e eu era apenas Allison Cooper, sem graça e desajustada. Ele ergueu uma de suas sobrancelhas como se procurasse em sua mente alguma boa palavra para começar qualquer tipo de diálogo e aquilo me deixava desconcertada.
Eu estava tão acostumada a lidar com Carter, que qualquer pessoa que não fosse previsível para mim era um completo desafio.
— Oi...? — eu disse, quebrando o silêncio. Nenhum som saía da boca de meus amigos, eles prestavam tanta atenção no que estava acontecendo, que era como se fosse um momento histórico na vida de todos eles — Precisa de alguma coisa?
— Hã, na verdade não! — ele riu, constrangido — Você é a Cooper, né?
— Sim, mas acho que deve ser um engano, a minha irmã é aquela ali — apontei para Madison, sentada sobre a arquibancada do outro lado do campo, conversando com Gabby.
— Allison, não estraga tudo! — Angeline puxou-me, grunhindo baixinho em meu ouvido.
— Ah, eu não quero falar com a sua irmã — ele riu, sem jeito — É com você mesmo. Fazemos a aula de Estudos Sociais juntos — ele respirou fundo — Achei você interessante e, bom, aqui estou eu!
Eu pude sentir Angeline vibrando por dentro e por fora. Ela estava certa no fim das contas, talvez por entender mais de garotos do que eu. Ela agarrava fortemente a mão de seu namorado, como se quisesse sair pulando em comemoração, mas não podia por querer ver até onde aquilo iria.
— Nossa, isso é estranho — comecei, desviando o olhar, envergonhada. Ele riu anasalado — Deve ter me confundido com alguém, sei lá. Tem certeza que não é a minha irmã que você tá procurando? Porque, assim, ela é ruiva e eu não tenho nada de ruivo, sabe? É difícil de confundir, mas acontece, né? — eu não conseguia simplesmente calar a boca e parar de falar merda. Sentia minhas mãos suarem frio e meu dedos tremerem, ainda com o lanche em mãos — Se quiser, eu mando um recado para ela, mas ela...
— Não, é você mesmo! Allison Cooper, da aula de Estudos Sociais com o Denis Faust — ele agora segurava a risada — Na verdade, estudamos juntos na quinta série. Acho que você não deve lembrar, éramos pequenos e tudo mais — confirmei com a cabeça. Na verdade, depois dele falar da quinta série, eu me lembrava bem de quem ele era — Bom, acontece que eu não tinha idade antes, mas agora eu tenho idade o suficiente para te chamar para sair.
— E quem disse que eu vou aceitar? — ergui uma de minhas sobrancelhas, desafiadora.
Não que eu não quisesse, mas eu não queria que ele soubesse daquilo. Os clichês dizem que você não pode ser um alvo fácil, caso contrário, você pode se machucar.
Ele me encarou, confuso, por um instante parecia pensar que eu tinha enlouquecido de vez e, para a minha infelicidade, não sabia dizer se era por talvez eu ter sido a primeira garota que não aceitou sair com ele, talvez fosse a cara que o Carter faria se aquilo acontecesse com ele, era impossível decifrar.
— Claro que ela vai! — Angeline intrometeu-se.
— Angeline! — Adalia resmungou, repreendendo-a entre os dentes.
— Claro, a Angeline garante — murmurei, irritada, e ele riu.
— Sexta, às 19h. Te pego em casa, se preferir — ele sorriu, largando um papelzinho com seu número anotado em minhas mãos.
Ele levantou-se e se afastou lentamente com um sorriso triunfante no rosto.
— Ele não sabe onde eu moro — estreitei os olhos, confusa.
— Por isso ele deixou o número dele, sua tonta! — Michael fez uma careta, debochado.
Eles me olhavam triunfantes, sorriam como se fossem os verdadeiros vencedores e, por um instante, eu vi meu muno desabar. Eu nunca tinha saído com um garoto. Eu não sabia o que fazer. Encarei Angeline como se quisesse a matar, porque eu realmente queria fazê-lo. Ela não podia decidir por mim, mas o fez mesmo assim, e eu me encontrava em uma dualidade de desenhos: querer e não querer.
Adalia respirou fundo, dentre eles, ela era a única que não parecia gostar do que estava acontecendo.
— Anda, Ada, não consegue ficar feliz pela Allison? — Angeline empurrou-a pelo ombro, brincando — Qual o problema?
— Não vou com a cara dele! — respondeu, dando mais uma mordida no fim de seu lanche.
— E por que? — a loira estreitou os olhos.
— Ele fede a gente babaca. — Disse rapidamente, amassando o papel do lanche — Ele é do mesmo tipinho do Carter. Quem fala que uma garota é interessante quando quer a chamar pra sair?
Dei de ombros, eu realmente nunca tinha ouvido alguém elogiar daquela forma, mas o que eu sabia sobre garotos?
— Só porque ele é quase tão bonito quanto o Carter? — Angeline cruzou os braços, irritada.
— Não. Porque eu conheço esse tipo de garoto. — Ela revirou os olhos escuros — Allison, só toma cuidado, ok?
Confirmei com a cabeça, vendo a garota ajeitar os cachos antes de se levantar e sair andando para dentro da escola.
— Não sei se te agradeço ou se enfio um murro no meio dessa sua cara, Angeline Makarovina.
Terminei de comer meu lanche, enquanto a menina gargalhava, orgulhosa do que tinha feito. Não sei se me orgulharia daquilo.
∞
Eu encarava aqueles malditos olhos verdes à procura de alguma reação. Ele segurava o caderno com uma das mãos e passava o dedo pelos parágrafos dos livros de matemática como se revisasse pela milionésima vez os mesmos exercícios. Estava tão concentrado no que estava fazendo que era como se eu deixasse de existir até mesmo para irritá-lo. Até que aquilo o deixava menos irritante, e até um pouco mais interessante e bonito, o que eu achava que fosse impossível.
— Merda — resmungou, irritado.
Ele soltou a lapiseira ao seu lado no chão, colocou os livros sobre a mesa de centro a sua frente, observando os resultados finais no caderno. Suspirou pesaroso e incerto, mas virou-os em minha direção, por fim, encarando-me como se quisesse que aquilo acabasse logo. Puxei os livros em minha direção, ajeitando-me sobre o tapete enquanto analisava todas as contas.
O professor tinha passado alguns problemas com desafios para que resolvêssemos no trabalho, seis problemas diferentes por dupla. Eu me perguntava o quão desocupado ele era para arrumar tantos problemas para tantos alunos resolverem para um trabalho idiota.
— Essa merda nem faz sentido — ele apontou para o resultado.
— Espera eu ver direito — reclamei, empurrando sua mão para longe.
Carter e eu tínhamos dividido os seis problemas, três para ele e três para mim. Eu tinha conseguido fazer o primeiro problema com certa rapidez, mas Carter não conseguia sair do seu primeiro. Ele já tinha tentado umas seis contas diferentes, nenhuma delas deu qualquer resultado das cinco alternativas possíveis.
— Acho que entendi onde você errou — sorri, aliviada por saber que ao menos ele tinha chegado em algum lugar — Os sinais do fim da conta, você inverteu esse aqui — apontei com a ponta da caneta —, e também colocou a divisão ao contrário. O raciocínio tá certo!
— Ah — ele puxou o caderno em sua direção, apagando o final da conta e refazendo da maneira certa — Faz mais sentido.
Ele circulou a terceira alternativa com um sorriso triunfante no rosto.
— Posso ir embora agora? Ou vai me prender aqui para o seu pai me dar mais um sermão imenso sobre o quanto eu não devo fazer nada com você e sua irmã, caso contrário, ele vai empalar minha cabeça e pendurar na sala? — perguntou, lembrando da quarta-feira em que passamos o dia inteiro tentando decidir quem faria o quê no trabalho — Minha cabeça tá doendo e, honestamente, eu não tô muito a fim de ouvir que eu sou um bosta!
— Some logo daqui! — não consegui segurar a risada — Sem pai maluco dessa vez. Sem falar que eu estou meio atrasada!
Ele estreitou os olhos, curioso.
— A menininha que se mantém em cárcere privado por livre e espontânea vontade vai sair hoje? — perguntou, sarcástico — Quem foi o maluco?
— Miles Young! — sorri, gabando-me.
— Sabia... — Ele não parecia muito feliz em ouvir aquele nome — Cuidado com esse cara!
— Vai se foder, você não é meu pai — empurrei-o para fora de minha casa, enquanto ele ria triunfante.
Fechei a porta, encostando as costas na superfície de madeira. Engoli em seco, eu tinha que me arrumar logo, caso contrário, não adiantaria nada ele passar em casa para me buscar.
Tinha passado a semana inteira trocando mensagens com o Miles para combinarmos tudo da melhor forma possível e, como era o meu primeiro encontro de todos, eu queria que aquilo fosse incrível.
— Madison! — chamei por minha irmã, que logo apareceu no topo da escada.
Corri para o andar de cima, implorando por sua ajuda. A ruiva, meio atordoada, me emprestou algumas das suas roupas favoritas e disse que me ajudaria com a maquiagem se eu precisasse.
Era uma loucura. Eu fui deixando minha roupa pelo caminho do quarto até o banheiro e, desesperada para que tudo desse certo, Madison recolhia as roupas que eu deixava pelo chão, correndo para preparar o secador e a roupa que ela me emprestaria.
De banho tomado e cabelo arrumado em tempo recorde, minha irmã jogou sua blusa favorita, branca de mangas longas, com listras finas e pretas por baixo de uma jardineira jeans que ela só usava em ocasiões especiais. Eu nunca esperei que um dia me olharia no espelho e me sentiria tão bonita quanto naquele dia e, sorrindo boba para o meu próprio reflexo, minha irmã me abraçou por trás, sorrindo igualmente para o espelho.
— Você tá incrível — disse, afastando-se um pouco e pegando um de meus perfumes da penteadeira — Mas com um perfume, você fica dez vezes melhor! — deu algumas borrifadas em meu pescoço.
— Eu nunca teria conseguido sem você! — eu me sentia um pouco mais Madison do que Allison.
— Esquisita, ferrugem — Sam colocou a cabeça para dentro do quarto, chamando por mim e por Madison — o pai disse que tem um cara dentro de um carro esperando por alguma das duas lá fora, melhor andar logo!
— Avisa o pai que a Allison já vai descer, cenoura podre — Madison empurrou-o para fora do quarto.
Sam correu em direção à escada, eu estava ansiosa. Madison apertou meus ombros levemente e me direcionou para fora do quarto, colocando a bolsa em minhas mãos e dizendo baixinho: vai e arrasa. Desci as escadas, abracei meu pai e beijei minha mãe.
Atravessando a porta de entrada, fui em direção ao banco de passageiro do carro de Miles, que sorria para mim como se encarasse uma joia preciosa deixada bem de baixo de seus olhos. Sorri para ele, ainda tímida.
Miles me levou para um restaurante que, segundo ele, os pais gostavam de ir quando tinham a nossa idade. Ele me conduziu até uma mesa próxima a uma janela que dava visão para grande parte da cidade sendo iluminada pela lua.
— Que bonito — comentei, olhando pela janela.
— Minha mãe me trazia aqui às vezes, antes de nos mudarmos pela primeira vez — suspirou, com a voz carregada de um fundo sutil de tristeza.
— Não vieram mais depois que voltaram para Brookline? — perguntei, curiosa.
Olhei-o entusiasmada para descobrir a resposta, mas talvez tivesse feito uma pergunta ruim em um momento pior ainda. Ele abaixou os olhos, escorregando os dedos sobre o vidro da janela, repousando-os na beirada de madeira.
— Meu pai não gosta de lugares e coisas que lembrem a minha mãe — respondeu, sorrindo amarelo.
— Desculpa pela pergunta... — espremi os lábios, constrangida.
— Esquece isso — ele puxou o cardápio — Hoje não é para ser uma noite triste, certo?
— Certo!
O tempo passou tão rápido naquela noite.
Conversávamos sobre o quanto ele se mudou para vários lugares por conta do pai, que viajava dando palestras com cursos de criminologia em algumas cidades, mas que, por fim, voltaram para Brookline e que agora o pai trabalhava como delegado.
Mesmo assim, não era como se eu estivesse na mesma sintonia que ele, como se eu quisesse prosseguir com algum tipo de relacionamento ou coisa do tipo, mas ele era tão agradável e tão gentil, como garotos deveriam ser com garotas, e aquilo me deixava feliz de uma forma que eu nunca estive.
Ele me levou para casa assim que terminamos de comer e conversar sobre coisas favoritas, ou algo assim. Antes que eu pudesse descer do carro, ele surpreendeu-me agarrando-me pelo braço. Me puxou em sua direção e, sem hesitar, roubou um beijo. Meu primeiro beijo.
Não foi desagradável, mas não era exatamente o que eu esperava, apesar de ter sorrido para ele depois do ocorrido porque, bom, aquele era o meu primeiro beijo e eu estava feliz por ter sido daquela forma.
Ele sorriu de volta, abrindo a porta para que eu descesse e deixando um beijo rápido em meus lábios antes de sair de seu carro. Acenei para ele timidamente e corri para dentro. Minhas pernas tremiam tanto quantos meus dedos das mãos. Na verdade, meu corpo inteiro tremia. Aquilo era algo completamente maluco e longe de tudo que eu já tinha imaginado em minha vida. Ainda por cima com um garoto como o Miles Young, que voltara para a escola naquele ano e já tinha sido aceito como arremessador do time de Baseball.
Fechei a porta atrás de mim, arregalando os olhos, ainda um tanto desacreditada. Recebi os olhares de Madison e de mamãe sobre mim e, antes delas perguntarem qualquer coisa, dei pulinhos de animação em reação ao que tinha acontecido, e elas logo entenderam, rindo como se esperassem aquilo por um longo tempo.
Eu me sentia no paraíso, mas não sentia que pertencia a ele.
Eu estava do lado errado do paraíso, mas do lado certo do inferno.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top