capítulo 9 • sheep
Carter
Era humanamente impossível aquilo ficar mais constrangedor.
Allison estava sentada entre mim e Miles, em minha frente estava um Samuel eufórico, à sua direita estava uma Madison irritada e nas extremidades estavam os pais dela, agindo como se nada estivesse acontecendo, talvez porque achassem que realmente nada estava de fato acontecendo.
Acho que eu nunca estive tão quieto em toda a minha vida quanto naquele jantar. Receber os constantes olhares do pivete, estar com Madison em minha diagonal me encarando volta e meia, como se quisesse se certificar de que eu não falaria nenhuma merda absurda, e, para piorar, estar com seus pais por perto era só mais um lembrete de que eu não poderia dar nenhuma bola fora, já que Anthony Cooper poderia me esmagar com uma marreta a qualquer instante.
A mesa toda era um completo silêncio, ensurdecedor e enlouquecedor, quase mortal. Eu peguei um pedaço de pizza que eles tinham comprado, já que não daria tempo para cozinhar. Nenhum dos presentes esboçava qualquer tipo de intenção de abrir a boca, o que era ainda pior, eu precisava de barulho. Era ensurdecedor porque me incomodava a alma e de uma forma que eu nunca tinha sentido antes. Era intenso, agonizante e sufocante.
— Sexta tem jogo de baseball! — Miles quebrou aquele siclo vicioso de não abrir a boca.
Pela primeira vez na história da humanidade eu não queria enfiar uma rolha na boca daquele imprestável. Não era como se eu desgostasse menos dele, mas o fato de ter feito todo aquele silêncio sepulcral cessar com uma frase boba e óbvia como aquela fez com que ele se tornasse meu herói por pouco mais que um segundo e meio.
— Seria legal se vocês fossem. — Colocou um pedaço de pizza na boca — A Madie estará com as meninas da torcida, né?
A ruiva confirmou com a cabeça, sem dar qualquer indício de fala. Ela só se preocupava em afundar seu rosto na pizza e, enquanto a cortava, intercalava o olhar entre mim e a pizza em seu prato. Por um momento, cheguei a pensar que ela queria cortar meu pescoço com a mesma raiva que cortava um pedaço da massa.
— Você deveria ir também, Carter. — aí você forçou, hein, cara. — Seria legal. É só um amistoso, porque tá começando a temporada estadual do time de vocês, acho que vai ser legal pra você dar uma relaxada antes do primeiro jogo.
— Tenho outros planos! — enfiei um pedaço na boca.
Samuel ergueu as sobrancelhas quase invisíveis e voltou seu olhar para mim. Ele se interessava por cada palavra que eu dava, e aquilo soava um tanto invasivo, apesar de achar incrível o quanto ele parecia querer se espelhar em mim.
— Que tipo de planos? — o ruivo perguntou, soltando o garfo e a faca sobre o prato.
Encarei-o por um momento, como se eu não quisesse responder aquilo. Eu fiquei poucos segundos o encarando, mas, aparentemente, eles se passaram tão arrastados quanto milênios cansados. Sacudi a cabeça, retomando o pensamento anterior, tentando afastar a cara de todo mundo, que me encaravam curiosos.
— O treinador vai faltar amanhã, sexta é a reposição do treino de amanhã. Depois eu vou para casa dormir! — encarei meu prato, notando como aquela pizza parecia não acabar nunca — Eu costumo dormir depois dos treinos, é bem cansativo.
A feição de Samuel me pareceu bastante descrente, mas era verdade, eu ficava exausto. Não era nenhum super-herói que nunca se cansa, ele não podia esperar que eu tivesse energia cem por cento do tempo.
— Você deveria ir com a gente. — O ruivo espetou um pedaço de pizza.
— Deixa pra próxima, baixinho! — estiquei o braço, atravessando a mesa e bagunçando seu cabelo.
Puxei mais um pedaço de pizza, mesmo um pouco assustado por ainda aguentar comer mais um pedaço, sabia que tinha espaço para mais um. Sempre tinha espaço para pizza.
Peguei a garrafa de refrigerante, destampando-a para encher meu copo. Timidamente, o copo de Allison foi sendo empurrado em minha direção, enchi o meu e entreguei a garrafa para ela, mas, assim que vi os pais dela voltarem seus olhos confusos para mim, fingi arrumar a blusa, peguei a garrafa de volta e despejei o líquido dentro do copo da menina.
Eu não consegui perceber quando o assunto do jantar foi parar no futuro de todos os adolescentes presentes na mesa, parecia ser a única coisa que os adultos sabiam falar quando se tratavam de adolescentes. Cansativo e chato.
Allison comentou que queria entrar para o clube de Artes Plásticas da escola e, arrebatadoramente, as atenções se voltaram para o nosso lado da mesa.
Os olhares dos pais dela não eram dos mais animadores. Talvez eles estivessem decepcionados por ela ter escolhido artes e não qualquer outra coisa que adultos costumam querer que seus filhos escolham, mas aquilo não me soava ruim. Eu sabia o quão boa ela era, e também sabia que tinha seus motivos para esconder aquilo só para ela e sua família, que não parecia a apoiar muito.
Sorri diretamente para ela assim que ouvi que ela queria entrar para o clube de Artes Plásticas e ela, virando o rosto para mim, retribuiu com um sorriso largo e entusiasmado.
— Artes, Allison? — Miles pigarreou, fazendo-a voltar seus olhos para ele — Com tantas coisas para fazer, você quer mesmo se sujar com tintas? — e o pai dela, em vez de defendê-la, concordou — Madison comentou que duas meninas desistiram da vaga para líder de torcida, você podia tentar!
— Eu não gosto muito...
— Você fez ginástica quando pequena, lembra? — o pai insistiu — Era tão boa quanto a Madie!
— Viu? — Miles sorriu para ela — Você se daria bem.
— Não acho que seria uma bo...
— Mas você se destacaria — cortou-a rapidamente, colocando uma mecha do cabelo da garota para trás da orelha — Você é tão bonita, já tem meio caminho andado!
— O que beleza tem a ver com a capacidade de fazer acrobacias, Miles? — Madison se irritou, e com razão.
Miles hesitou, percebendo que tinha falado besteira.
Eu não me atrevia a abrir a boca, me sentia um peixe fora d'água ali no meio, encarava os talheres em minhas mãos como se só eles existissem no mundo.
— Não gosto muito dos unifor... — ela abaixou a cabeça, quando ele interrompeu-a mais uma vez.
— São apenas roupas!
— Não precisa fazer isso se não quiser, Alli! — a mãe da menina tentou amenizar a situação.
Respirei fundo, sacudindo as pernas em baixo da mesa, aquela situação estava me deixando estranhamente mais ansioso do que o normal, era como se eu quisesse gritar o mais alto que conseguisse até minha voz sumir e mandar todos eles calarem a boca.
— Carter, o que você acha? — Anthony perguntou, apontando o garfo em minha direção.
— Eu acho que Artes Plásticas é bem legal, até...
— Artes Plásticas é coisa de drogado, Carter, não é lugar para uma garota como a Allison. — Miles virou-se para mim, irritadiço.
Encarei-o furiosamente, Anthony parecia concordar com Miles em partes, enquanto a mãe dela parecia tão desconfortável quanto o resto de nós ali na mesa. Larguei o garfo sobre minha pizza, fazendo o barulho agudo calar a boca de todo mundo e voltarem os olhos para mim rapidamente.
— Cara, você é surdo ou se faz de idiota? — encarei-o ainda desacreditado — Ela disse que não gosta, que não quer. Você nem deixa ela terminar de falar, como pode querer decidir o que ela vai fazer?
Allison me encarou, furiosa.
Porra, garota, eu tô do seu lado!
— Vai deixar ele decidir por você? — encarei-a fundo em seus olhos. Ela queria dizer que não, ela gritava por dentro, tão alto que eu conseguia ouvir. Ela só precisava falar.
Pelo amor de Deus, Allison, aja como a Allison de sempre!
— Ele não está decidindo por mim! — disse, furiosa — Vou entrar para as líderes de torcida.
— Ouviu o que você acabou de falar!? — revirei os olhos, ainda mais irritado — Você nem sequer gosta disso!
— Como você pode querer decidir o que eu gosto ou deixo de gostar? — devolveu o argumento.
— Você só quer entrar pra essa merda pra agradar o retardado do seu namorado! — apontei para Miles, que riu com desdém de toda a situação.
— Eu posso ter mudado de opinião!
— Engraçado, se fosse eu quem tivesse te falado isso, você teria arrumado mil e um motivos pra me falar o quanto eu seria um babaca por tentar te forçar a fazer algo! — disse, entre os dentes.
— Porque você é um babaca! — cruzou os braços.
Eu recuei, não devia ter o feito.
Ok. Eu era um babaca e sabia muito bem daquilo. Um ponto para Allison Cooper.
Os pais da garota me encaravam como se eu precisasse abaixar a minha bola e, constrangido, o fiz, abaixando os ombros e me encolhendo na cadeira. Enfiei uns três pedaços de uma vez na boca, só para evitar mais alguma briga.
— Também acho que a cabeçuda devia entrar pro clube de Artes Plásticas — Samuel comentou, dando de ombros.
— Cala a boca, Samuel! — Allison bradou para o irmão.
Madison também parecia incomodada com o que tinha acabado de acontecer, mas não teve coragem de abrir a boca — como normalmente fazia para proteger a qualquer custo a irmã mais nova.
— Ela sabe que a gente só fala isso para o bem dela — ele acariciou a bochecha da garota.
— Ok, pra mim já deu! — empurrei a cadeira para trás, me levantando rapidamente — Vai deixar tratarem sua irmã assim? — perguntei para Madison, que baixou os olhos entristecidos.
Larguei metade da pizza sobre o prato. Andei apressadamente em direção à sala, peguei minha mochila, que estava apoiada no braço do sofá, coloquei-a nas costas e atravessei a porta da casa sem pensar duas vezes.
Eu estava furioso.
Eu sentia meu sangue borbulhar dentro de minhas veias. Queimava como ácido.
Não é possível! Caralho, garota, não é possível!
Caminhei por tantas quadras sem olhar para trás, que não sabia se conseguiria voltar para casa. Meus pés batiam firmes no chão, eu não sabia para onde estava indo, eu não queria ir para casa.
Calmo... Eu preciso ficar calmo!
Coloquei a mão no bolo, abrindo um sorriso ao encontrar o isqueiro ali. Joguei a mochila para frente do meu corpo, apoiando-a apenas em um ombro. Abri o zíper apressado. Enfiei o braço para dentro, procurando alguma coisa que poderia me deixar calmo, mas encontrei apenas meu celular, puxando-o para fora dali. Fechei a mochila e liguei a tela, deixando o celular reconhecer a digital do meu polegar.
Arrastei a tela para lá e para cá atrás do aplicativo de mensagens, encontrei-o logo depois, bem na frente da minha fuça, e toquei sobre o mesmo, abrindo a conversa do Ethan.
"Me encontra no parque Griggs. Preciso ficar calmo, traz alguma coisa" enviei a mensagem para ele.
"To indo" respondeu rápido.
Respirei fundo. Eu ainda queria destruir tudo que estava na minha frente. Não sabia ao certo o porquê, nem porque me importava tanto, mas vê-la sendo diminuída e reduzida ao máximo foi doloroso até para mim.
Dobrei poucas esquinas até chegar no Parque Griggs, onde Ethan me esperava sentado na calçada com o rosto apoiado nas mãos. Apertei o passo até chegar mais perto dele, me sentei ao seu lado e ele me entregou um cigarro de dentro no maço. Era o nosso favorito. Acendi rápido, traguei uma, duas, três, quatro vezes seguidas, mas ainda sentia tudo queimar e corroer dentro de mim. Fumei um, dois, três, quatro cigarros um atrás do outro, e nem assim eu me senti mais calmo. Era como se meu corpo estivesse imune à nicotina. Normalmente funcionava.
— Preciso de alguma coisa mais forte. — Resmunguei.
Ethan olhou para mim, jogando as cinzas de seu cigarro no chão. Ele franziu o cenho, talvez porque eu não era de fumar muitos seguidos. Antes de eu pegar o quinto, ele guardou o maço no bolso, para que eu não pegasse mais nenhum.
— Sabe o que vai te acalmar? — ele me encarou, esperando que eu respondesse — Colocar essa bagunça aí pra fora!
— Não, eu preciso relaxar. — Encarei meus próprios pés.
Ethan se levantou e me ofereceu sua mão como ajuda para que eu me levantasse também.
— Você me conta o que aconteceu enquanto a gente vai pra sua casa, aí quem sabe eu te libero mais um cigarro. Fechado?
Pensei por alguns instantes, eu não sabia se valeria muito a pena. Ethan não gostava que eu fumasse, ele sempre dizia a mesma coisa "você nunca vai ser um jogador profissional se continuar soltando tanta fumaça quanto uma chaminé", então ele racionava meus cigarros sempre que podia.
— Fechado... — cedi.
A caminhada até a minha casa era longa, eu não morava tão perto da casa de Allison quanto eu pensava. Eu contava para ele cada vírgula do que tinha acontecido, sem poupar os detalhes constrangedores e nem deixando de enfatizar o que mais me irritava, desde a hora que eu saí da escola com eles, até a hora que eu saí da casa dos Coopers.
Ele concordava que Miles era um verdadeiro imbecil e tinha motivos bem maiores ao seu favor, mas sua feição mostrava que ele queria dizer algo mais que apenas concordar com o que eu o contava. Ele remexia os dedos como se estivesse pesaroso em dizer. Respirou fundo algumas vezes e, quando estávamos em frente a minha casa, ele soltou:
— Você gosta dela?
— Quê!?
Eu não conseguia segurar a risada, gargalhei de lágrimas saírem dos meus olhos e minha barriga doer. Daniel Kellan Carter gostar de Allison Cooper? Nem por um milhão de dólares!
Mas Ethan se mantinha sério, ele não estava brincando, era como se, para ele, aquela possibilidade realmente existisse. Ele cruzou os braços, descontente.
— Eu tô falando sério!
— Eu nunca, em hipótese alguma, me apaixonaria por Allison Elizabeth Cooper! — encarei-o com um sorriso de canto.
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