capítulo 7 • you've got me
Carter
A sala de aula estava silenciosa, mas, apesar disso, eu me sentia observado pela janela da porta no outro lado da sala desde que eu tinha jogado uma bolinha de papel na cabeça de Allison. Meus olhos constantemente se desviavam para aquela direção, na procura falha de encontrar o retardado que estava me encarando naquele fim de aula de História.
Estiquei as pernas por baixo da cadeira da menina que sentava-se na minha frente — a deslumbrante Rebecca que, na verdade, parecia mais uma garota carente do que realmente deslumbrante — e senti as juntas estralarem. Ethan, que se sentava ao meu lado, atirou uma bolinha de papel sobre a minha mesa, o que era o jeito mais discreto que ele conhecida de mandar algum bilhete.
Abri o papel amassado, girando-o para que eu pudesse ler melhor. A letra torta dele me rendeu longos segundos tentando descobrir qual era a primeira palavra. Nêo, Nõo, Nãa... Isso nem faz sentido... Mas, depois de conseguir entender que se tratava de um "não" bem estranho, ler o resto não foi mais tão difícil.
"Não esquece que hoje você vai para a casa da Allison"
Revirei os olhos. Como eu esqueceria?
Peguei a caneta sobre a mesa e, antes que eu escrevesse uma resposta, virei-me para o lado, onde ele se sentava, ergui uma sobrancelha, confuso. Ele sabia que eu não esqueceria, então não fazia sentido me lembrar.
— O que você quis dizer com isso? — sussurrei para ele.
— Olha para a janela... — ele estreitou os olhos, indicando para eu esperar até ele dar o sinal — Agora! — indicou com o queixo.
Meus olhos giraram rapidamente para a janelinha da porta e, quando aqueles intensos olhos azuis esbarraram nos meus, tive certeza de que talvez aquela fosse uma ameaça disfarçada. O loiro recuou assim que percebeu que nossos olhos se cruzaram e eu, instintivamente, voltei meu olhar para a Allison que, dentre a sua imensidão de pensamentos, rabiscava no caderno o conteúdo da lousa com direito a alguns desenhos entre os tópicos. Ela nem percebeu que ele estava ali.
— Que maluco — ri baixo, encarando Ethan, que não se conteve em soltar uma risada abafada.
— Como ela aguenta? — perguntou, sussurrando.
Novamente peguei-me encarando a garota de longos cabelos castanhos ondulados. Allison não fazia o tipo de garota que se relacionava com moleques populares dos times da escola.
— Ela aguenta? — perguntei de volta.
— Pois é... — Ethan esticou-se em sua cadeira — Acho que você aceita algumas coisas estranhas quando começa a namorar, alguma coisa assim...
Keith virou-se para nós dois, meio irritado. O garoto gordinho, de bochechas rosadas e cabelo desgrenhado, era, provavelmente, uma das pessoas mais gente boa da escola, mesmo que morresse de medo de levar uma bronca dos professores.
— Não que eu me importe, mas o professor quer arrancar a cabeça de vocês dois — apontou para o professor, que nos encarava com a cara fechada — Vê se vocês dão uma segurada nas risadas!
Confirmei com a cabeça, agradecendo o garoto pelo aviso. Mesmo que eu tivesse tentado prestar atenção no final da aula, a única coisa que pairava minha cabeça era como as pessoas aceitavam determinadas coisas depois que começavam a namorar, e eu nunca entendi muito bem aquela conversa sobre ceder e adaptar as coisas.
Olhei novamente para a janelinha, Miles não estava mais lá, e também não aparecera mais até o fim da aula. Eu tinha me sentido observado durante uns cinco minutos da aula e me sentia estranho, não conseguia sequer imaginar como Allison não tinha percebido que ele estava bem ali, na porta.
— Não faz sentido! — disse, provavelmente alto demais, porque a sala inteira se virou para mim.
— O que não faz sentido, Daniel Carter? — o professor perguntou, curioso — Não entendeu algo da explicação?
— Hã... — encarei o conteúdo na lousa — Deixa pra lá, eu já entendi!
Afundei as costas na cadeira, enquanto Ethan ria da disfarçada mais ridícula que eu já tinha dado em toda a minha vida.
O sinal tocou poucos minutos depois, e os alunos começaram a arrumar as coisas para o intervalo.
— Ok. Não faz sentido! — virei-me para Ethan, repetindo o que eu tinha dito mais cedo.
— Claro que não faz sentido pra você. — Ele riu — Você só namorou a maluca da Daiane, e durou o quê? Um mês?
— Quatro meses! — corrigi, irritado.
Rebecca e Keith se viraram para trás, interessados no assunto. Os grandes olhos castanhos de Rebecca me encararam pedintes por uma explicação, e os de Keith me pareciam indignados com a informação nova que ele tinha ouvido. Afastei-me instintivamente, desejando mentalmente que eles se virassem para frente.
— Nunca teve uma namorada de verdade, Dan? — Rebecca perguntou, com um sorriso de canto estampado em seu rosto.
— Não é possível! — Keith franziu o cenho, encarando o chão, pensando em um argumento — Com todo respeito, mas você é o cara mais bonito da escola, você conseguiria qualquer garota que quisesse, com exceção da esquisita da Allison e, mesmo assim, você só teve uma namorada?
— E isso muda algo? — meio aversivo, encarei-o estreitando os olhos.
— Não exatamente — Keith recuou.
— Achei que alguém como você já teria sido fisgado de verdade. — Rebecca sorriu de maneira travessa. Me segurei para não revirar os olhos.
Olhei para Ethan, que segurava uma risada alta. O loiro sentou-se sobre a mesa de Keith, não era possível que ele estivesse rindo da minha cara naquela situação, mesmo sabendo sobre o quanto eu não suportava tocar naquele assunto.
— O caçador nunca vira presa, gata! — rebati, lançando um sorriso sarcástico.
— Pode até ser, mas uma hora ou outra a gente sempre acaba gostando de alguém. — Rebecca era insistente e, com aqueles olhos brilhantes, não pude deixar de soltar uma risada abafada. Ela me encarou profundamente irritada e constrangida.
— Isso não é verdade, um leão pode muito bem caçar o seu caçador! — Keith ergueu as sobrancelhas, explicando.
— Cala a boca, Keith! — retruquei.
— Ele tem razão — Ethan concordou, fazendo um high-5 com Keith.
— Vocês falam como se esse tipo de coisa acontecesse com gente como eu! — cruzei os braços.
— Aconteceu com o Miles. — Ethan riu.
— E ele é do time de Baseball! — Keith acrescentou.
— E ele é o mesmo tipo de cara que você! — a menina finalizou.
— Quê que isso tem a ver? — perguntei.
— Se ele virou presa da Allison, você também pode virar a presa de alguém! — Rebecca explicou o óbvio.
Olhei para a porta, Miles estava escorado no batente esperando Allison terminar de fazer o que quer que ela estivesse fazendo. Fechei o caderno — que estava vazio — sobre a mesa, joguei as canetas de qualquer jeito para dentro da mochila e, percebendo o olhar curioso de Rebecca sobre o meu, guardei o caderno e fechei o zíper da mochila, fazendo o incômodo barulho afiado calar a boca dos três que me enchiam o saco.
Eu não gostava de correr para fora da sala como um imbecil como a maioria fazia, mas aquela sala me deixava levemente claustrofóbico com Miles ali na porta. Levantei-me rapidamente quando vi Jordan — Fullback do time da escola —, passar pelo corredor. Aquela era a minha desculpa para correr na direção do corredor.
Agarrei a mochila pela alça e joguei-a sobre o ombro. Não cheguei a esperar por Ethan, apenas atravessei a sala rapidamente, deixando-os para trás.
— Jordan! — chamei o garoto fazendo sinal para que ele me esperasse perto do final dos armários.
Ele parou e, logo que viu Adalia, a irmã mais nova, passando pelo corredor, foi conversar com a garota para passar o tempo antes que eu chegasse.
— Pensa que eu não vi você jogando a droga da bolinha na cabeça da minha namorada? — os dedos de Miles envolveram meu braço com força.
Eu tinha quase certeza que aquilo poderia deixar uma marca bem engraçada em meu braço. O garoto me puxou para trás, me impedindo de sair. No findo, mal sabia que tudo tinha sido calculado e que ele estava, praticamente, seguindo o roteiro. Ele era bem mais baixo que eu, seu queixo ficava na altura do meu ombro, e, se tudo desse errado, eu poderia o nocautear ali mesmo sem muito esforço. Isso se eu quisesse desistir de jogar Futebol Americano por, sei lá, pelo resto da minha vida acadêmica.
— E por que exatamente você estava me vigiando...? — perguntei, estreitando os olhos com um sorriso de canto.
Seus dedos espremeram ainda mais meu braço, no fim das contas, aquilo não era praticamente nada perto das pancadas que eu recebia em jogo. Seus lábios se espremeram e ele franziu o cenho ainda mais.
— Deixa a minha garota em paz, tá entendendo? — grunhiu entre os dentes.
— Ainda não respondeu o porquê de estar me espionando em vez de ir para a aula! — provoquei.
— Eu tava indo no banheiro e decidi dar uma olhada. — Suas narinas dilatadas só me provavam que eu realmente tinha alcançado o objetivo de o irritar — Da próxima vez...
— Vai fazer o quê? — ri desdenhoso — Entrar na sala e chorar pra professora que nem você fazia na quinta série?
Ele abriu a boca para falar algo. Era aquilo que eu queria, que ele explodisse e largasse de mão, mas eu semblante mudou completamente quando a voz de Allison chamou por seu nome atrás de mim. Ele abriu um sorriso largo e calmo, soltando meu braço como se nada tivesse acontecido ali. Chegava a ser patético o quanto ele a subestimava.
— O que tá fazendo aqui? — ela perguntou, com um sorriso desconcertado no rosto — Achei que fosse almoçar mais rápido hoje, disse que tinha alguns trabalhos...
— Eu faço mais tarde — ele passou seu braço sobre os ombros dela — Eu queria passar mais tempo com você.
— Nossa, que romântico — ironizei.
— Ah! — ela corou, encarando o chão. Era muito claro que ela não era muito fá de afeto em público, ao menos do afeto dele em público — Nós vamos embora juntos, certo? — perguntou para mim.
Peguei o celular para fingir não me lembrar de que aquele dia era sexta. Acendi a tela e encarei rapidamente o horário e, logo abaixo, a data e o dia da semana.
— Pois é! — respondi — Nos encontramos no mesmo lugar de sempre, então.
Afastei-me antes que ela pudesse dar uma resposta, porque eu sabia que ela odiava quando eu a largava falando com o vento, e talvez uma das minhas coisas favoritas da vida fosse irritar a irmã esquisitinha da Madison Cooper.
Guardei o celular no bolso da calça e fui em direção a Jordan. A irmã do garoto afastou-se rapidamente, revirando os olhos com um sorriso debochado no rosto. Era um ano mais nova que ele e, apesar de ter a minha idade, ela era umas vinte vezes mais madura que qualquer garota que eu já tinha conhecido por ali.
Jordan e Adalia eram assim, maduros demais, sensatos demais. Isso porque a mãe e o pai deles os criaram de uma forma dura e rígida, enfatizando em como eles precisavam lidar com o racismo e com as injustiças que eles encontrariam por serem negros. Essa criação resultou em dois adolescentes inteligentes, ponderados e preocupados.
Adalia, segundo Jordan, escondia uma paixonite por mim desde o ano anterior, e eu sabia que era verdade. Muitas garotas de Brookline High School gostavam de mim, mas com Adalia a história era outra, ela não era para o meu bico.
Extremamente bonita e cheia daquelas conversas sobre empoderamento, que ela aprendeu com a mãe, que eu, na verdade, achava o máximo, Adalia sempre soube sair por cima de mim em tudo que ela fazia, mesmo que gostasse de mim, ela sabia esconder bem para os outros, porque a pose de durona dentro e fora de casa sempre me fez rir e, no fim das contas, ela fazia parecer que era só mais uma amiga durona que eu tinha.
Encarei-a sumir no meio dos alunos enquanto Jordan me encarava com as sobrancelhas erguidas, curioso.
— Tem que falar para a Adalia parar com isso! — encarei-o de volta, e ele riu — É sério, uma hora ou outra a gente vai acabar competindo pra ver quem consegue esconder mais os sentimentos sendo debochado!
— Adalia já te largou de mão, otário! — ele encarou Ethan se aproximar de nós dois — Me disse que tem uma garota que tá bagunçando ela inteirinha!
— Caralho, boa sorte pra ela! — suspirei — Garotas são uma dor de cabeça sem fim!
— Corta essa, a única garota no mundo que te dá dor de cabeça é a Allison! — Ethan disse com um sorriso divertido.
— Nisso eu tenho que concordar... — Jordan espremeu os lábios, conformado.
∞
Eu fechei o livro sobre a mesa de centro da casa das irmãs Cooper. Eu esperava ser a última vez que aquela casa abrigaria a minha presença, mas ainda não tínhamos terminado o trabalho e eu estava com fome.
O último tópico era maior do que esperávamos, as contas ocupavam quase uma página inteira e minha cabeça já não estava mais funcionando como deveria.
Olhei rapidamente para o topo da escada, sorrindo ao perceber que a ruiva mais incrível da escola estava prestes a descer. Eu tinha que manter a pose, mas era complicado com Madison por perto, ela conseguia fazer com que tudo que eu falasse parecesse idiota o suficiente para ser descartado.
— Precisam de alguma coisa? — a garota perguntou, parando atrás do sofá.
— Não — a irmã respondeu, sem prestar muita atenção na garota.
— Perdeu alguma coisa na minha cara, garoto? — Madison perguntou, fazendo com que eu voltasse para a realidade depois de perceber que eu tinha ficado o tempo todo encarando cara dela, provavelmente parecendo um imbecil maníaco.
— Não — vire-me de volta para a mesa de centro — Foi mal.
Madison afastou-se para a cozinha e eu, ansioso para ir embora, sacudia as pés incansavelmente. Encarei Allison para descobrir o porquê dela não tirar os olhos do caderno, surpreendendo-me com um rabisco elaborado de um rosto familiar que tomava forma aos poucos com os traços rápidos da garota, a ponta fina da lapiseira delicadamente escorregava pelos pequenos detalhes do maxilar ainda em formação e, sem saber como reagir, aproximei-me ainda mais para olhar.
— Não sabia que você tinha algum tipo de habilidade especial que não fosse encher a porra do meu saco todo dia. — Comentei, inclinando a cabeça para ver melhor o desenho.
— Isso? — ela olhou-me surpresa, talvez por ter considerado o comentário anterior como um elogio — Eu gosto muito de desenhar e tudo mais, mas não acho que eu consiga viver disso um dia. Sabe como é...
— Deveria tentar. Você é boa nisso — me encarou com as bochechas rosadas e um sorriso tímido no rosto.
Ela levantou-se rapidamente, empolgada e com o sorriso alargando-se no rosto. Agarrou meu pulso e me puxou para o escritório de seu pai. Àquela altura, eu já não estava entendendo mais nada, aquilo era só um escritório, não tinha nada demais nele, mas ela me puxou por mais poucos metros até parar em frente a uma portinha de madeira estreita, com um sorriso genuíno no rosto. Eu nunca tinha a visto sorrir daquela forma antes.
— Por que me trouxe para o banheiro do escritório? — entortei o nariz, confuso — Espera... — ergui uma de minhas sobrancelhas, com um sorriso sarcástico no rosto — Por que quer entrar no banheiro do escritório comigo? Achei que estivesse namorando.
— Não quero entrar no banheiro com você — ela, irritada, recuou um passo — Só abre a droga da porta!
E foi quando eu empurrei a porta para abri-la que eu entendi o que ela queria me mostrar. Eu não conseguia fechar a boca, o paraíso era um quartinho atrás do escritório do pai de Allison.
Tinham dois cavaletes dispostos em lados opostos da sala apertada, tinham manchas de tinta por todo lado, do chão ao teto, pelas paredes, nos próprios cavaletes, e até em alguns pedaços de vidro da janela que dava passagem para uma luz amarelada que vinha do Sol lá fora.
Penduradas nas paredes, milhares de quadros feitos a mão com técnicas diferentes, iam da tinta acrílica até a óleo, mesmo que a maioria fosse feita com aquarela. Eu estava extasiado no meio da sala, girava encarando cada detalhe, cada quadro.
Era como se ali fosse um mundo paralelo, feito especialmente para a Allison. Era incrível, eu tinha que admitir. Não sabia exatamente porque ela estava mostrando aquilo justo para mim, mas sabia que a sensação que aquilo trazia era intensa e eu não conhecia palavras suficientes para descrever como eu me sentia vendo aquilo.
Os quadros eram, em sua maioria, de paisagens no pôr do sol, mas tinham alguns pequenos com os rostos de seus amigos mais próximos, reproduções de algumas fotos que ela deixava pregada ao lado do quadro.
Caminhando pela sala, consegui encontrar um quadro escondido atrás de um armário de madeira, abaixei-me ali na frente e, antes que eu pudesse puxar a tela para dar uma olhada, a garota pulou em minha direção, me derrubando de costas no chão, tentando me segurar para não ver o quadro. Mas, cara, eu jogava Futebol Americano, uma menina de cinquenta quilos não era nada perto dos caras que já me derrubaram e até dos que eu já derrubei.
Segurei-a com um dos braços, impedindo que ela alcançasse o quadro, que eu puxava de trás do armário com a mão livre. Poderia facilmente ser Allison ali naquela tela, o corpo nu sendo coberto pelos próprios braços, que envolviam os joelhos, parecia frágil e triste, talvez frustrada. A cabeça apoiada sobre uma das mãos que mantinha-se sobre o joelho, passava totalmente a imagem de alguém que estava cansado da vida.
Intercalei o olhar entre a menina e a pintura. Engoli em seco, era ela, bem ali. Um autorretrato de como ela realmente se sentia e eu enxergava aquilo no fundo de seus olhos castanhos.
— Sua assinatura é uma droga, sabia? — empurrei a tela de volta para seu local de origem — Então era isso que você sempre quis fazer "quando crescesse"? — fiz aspas com os dedos.
— Sim, mas sempre me falaram que isso não faria com que eu me sustentasse — deu de ombros, como se largar mão de seus sonhos fosse apenas mais uma atitude rotineira para ela — E você? — surpreendeu-me com a pergunta — O que sempre quis fazer?
— Produção musical — encarei o chão aos meus pés.
— Sério? — ela cruzou os braços, achando que eu estava brincando.
— E é por sempre fazerem essa cara que eu desisti. — Ergui uma sobrancelha — Por sorte, sempre amei Futebol Americano tanto quanto música...
— E você sabe tocar alguma coisa? — perguntou, curiosa.
— Algumas coisas... — e ela ergueu as sobrancelhas, ainda um tanto desacreditada — Fazia aulas de piano quando era pequeno, mas até que eu me viro com um violão, uma guitarra e um baixo.
— Espera aí! — ela pediu, levantando-se rapidamente — Não sai daí!
Ergui as mãos em rendição, sentando-me direito no chão para que o árduo trabalho de esperá-la fosse menos desconfortável. Ela voltou para a sala com um violão velho nas mãos. Empolgada, ela fechou a porta da salinha e correu em minha direção com o violão, me entregou instrumento azul, que estava riscado e tinha alguns adesivos da década de 80 grudados nele, apesar disso, as cordas pareciam ser novas e ele estava em condições suficientes para soltar um bom som.
— É o violão velho do meu pai — comentou, cruzando as pernas em minha frente, empolgada — Faz tempo que ele não toca, então deve estar desafinado.
Dedilhei as cordas, fazendo uma careta ao perceber que as duas primeiras cordas estavam desafinadas. Tocando com um dos dedos, eu apertava as tarraxas com a mão livre até elas ficarem bem afinadas.
— E o que eu faço com ele? — perguntei.
— Toca alguma coisa pra mim!
Respirei fundo, eu nunca tinha me apresentado para ninguém.
É só a Allison, não precisa ficar nervoso.
Demorei algum tempo até conseguir pensar em alguma música que eu achava que ela gostaria de ouvir. Talvez eu tivesse acertado bem no centro do alvo, porque quando dedilhei os acordes de uma das minhas músicas favoritas, o sorriso que ela soltou sem querer era surpreso e contente, como se ela também amasse aquela música.
Seus olhos se arregalaram e seu sorriso aumentou mais ainda quando comecei a cantar os primeiros versos, acompanhando o ritmo da música. Ela fechou os olhos, com um sorriso no rosto, como se relaxasse só de me ouvir ali na frente dela. Eu sorri instintivamente, era uma sensação boa, mesmo que o mundo ao nosso redor parecesse sumir aos poucos.
Eu gostava do que estava fazendo, ia tocando uma atrás da outra, enquanto ela acompanhava o ritmo da música dançando descontraída ao meu redor, no meio da sala, que era quase um mundo só nosso, com as nossas partes favoritas das coisas, mesmo que não fôssemos nossas partes favoritas do mundo real.
Não sabia mais quanto tempo tinha se passado desde que tínhamos entrado na sala, mas, quando finalmente parei, exausto, e larguei o violão no canto da sala, me esticando sobre o chão para encarar o teto e ela deitou-se ao meu lado, consegui olhar pela janela e já estava escurecendo. Respirei fundo, o tempo sempre passava mais rápido quando tinha música envolvida.
— Isso foi incrível — ela comentou, ofegante.
— Eu sou incrível! — provoquei, virando o rosto para ela com um sorriso malandro.
— E nada humilde — ela provocou de volta, com o mesmo sorriso.
Eu não sabia dizer se estávamos ficando cada vez mais próximos, ou se era apenas impressão minha, mas algo me dizia que eu já estava chegando perto demais de uma garota que namorava.
Senti a respiração dela tocar meu rosto, eu não conseguia desviar meus olhos de seus lábios rosados, que estavam entreabertos de uma forma mais convidativa do que deveriam estar, eu não sabia se deveria me aproximar mais, mesmo que eu já sentisse que nossos lábios estavam quase se tocando, eu sabia que não era o único que estava chegando mais perto, nós dois estávamos.
Os rostos se encaixando aos poucos, minha pele tocando a dela, um calafrio percorreu meu corpo inteiro e ela foi fechando os olhos.
Eu só posso estar maluco. Ela tá me enlouquecendo.
O barulho da porta se abrindo de repente foi o suficiente para nos afastarmos em um pulo assustado. Sentei-me tão rápido que o mundo girou e minha visão foi escurecendo aos poucos. Eu estava ofegante, meu coração batia tão forte que pensei que fosse o vomitar.
— O que vocês estavam fazendo? — Madison perguntou, desconfiada.
— Descansando do trabalho — Allison disse rapidamente, entregando o violão para a irmã guardar.
A mais baixa empurrou a irmã mais velha para fora da sala e esperou para que a mesma saísse do escritório para virar-se para mim, pálida como se tivesse visto um fantasma, com os olhos arregalados e sem conseguir sequer olhar para mim.
— Isso nunca aconteceu, tudo bem? — disse, segurando a porta atrás de si.
— E aconteceu alguma coisa? — estreitei os olhos, fingindo não estar tão nervoso quanto ela — Porque eu não me lembro de ter acontecido algo!
— Ótimo! — ela suspirou, aliviada.
O que eu mais temia achegou-se entre nós: o silêncio constrangedor, tomando conta de nós dois sem pedir licença e tornando tudo aquilo ainda pior. Ela me encarava assustada, e eu me segurava para não deixar transparecer nenhum tipo de nervosismo para ela, eu tinha uma reputação para zelar e eu não deixaria minhas emoções estragarem isso.
— Eu vou embora — quebrei o silêncio, vendo os ombros dela se relaxarem — A gente termina a última conta do trabalho na segunda, depois do treino.
Ela confirmou com a cabeça, me acompanhando até a saída de sua casa. Antes de atravessar a porta, dei mais uma olhada para ela, era mais um talento abandonado sabe-se lá porquê.
Atravessei a porta e a fechei atrás de mim.
E se todos soubessem que Allison Cooper fazia coisas incríveis com aquelas?
Era algo que eu gostaria de saber, mesmo que eu não fizesse questão de ser a pessoa que falaria para ela que ela era incrível. Ela tinha que saber disso por si só.
Fechei os olhos com força, afastando todas as hipóteses de porquês para todo o drama interno de Allison.
Ela é irritante, se você a ajudasse, ela provavelmente acharia que você é mais um dos amigos idiotas dela. Ela precisa de ajuda, mas você não é o cara que vai a ajudar.
Quando me dei conta, já estava prestes a deitar na cama para dormir, ouvindo Andrew, meu irmão mais velho, arrumar suas coisas no quarto da frente.
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