42. partners in crime
A ÁGUA GELADA foi como uma bênção para a face quente de Savannah. Apoiando-se nas laterais da pia, ela permitiu-se aproveitar a sensação refrescante por mais alguns segundos antes de reunir as mãos embaixo da torneira e levá-las ao rosto novamente. Em seguida, fechou o registro e fitou o próprio reflexo no espelho: ela parecia pálida e abatida, e estava tão mal quanto aparentava. Aquele havia sido um dia pesado, tanto em questão emocional quanto física. A garota não via a hora de simplesmente descansar, embora temesse não conseguir aquietar a mente o bastante para fazer isso quando estivesse sozinha.
Ela estava em paz agora, porém. Apesar do cansaço, apesar das dores, apesar do que a sua péssima aparência parecia representar, Savannah estava mais relaxada agora do que jamais estivera naquele dia inteiro. Depois da correria de sua vigília, ela finalmente tinha outras coisas — possíveis pistas que poderiam ajudar em sua investigação, ainda por cima — além da morte do pai com as quais ocupar a mente.
Isso, e Peter.
Ele ainda estava no quarto dele, a apenas alguns metros além da porta do banheiro, e saber daquilo deixava a Major tranquila; pela primeira vez em horas, ela não queria ficar sozinha. Além do mais, eles tinham muito a conversar, não tinham? Ela finalmente se sentia preparada para falar sobre tudo que acontecera, e também precisava agradecer pelo rapaz ter salvo sua vida não só uma, como duas vezes em menos de vinte e quatro horas. Também queria agradecer mais uma vez pelas roupas novas que ele lhe emprestara, considerando que as dela estavam sujas de sangue: a menina agora vestia uma calça de moletom e uma blusa com os dizeres "Eu estou com a força e a força está comigo". As peças haviam ficado grandes, mas Savannah se sentia tão confortável que planejava roubá-las para nunca mais devolver.
Ok, brincadeirinha.
Talvez.
Por fim, a vigilante abriu a porta do banheiro e o deixou, carregando consigo a sacola na qual surrara suas antigas roupas. Ela não encontrou, porém, Peter em seu quarto; ela o achou na sala de estar, depositando um copo d'água e um prato com cookies de chocolate na mesa de centro. Ele levantou os olhos conforme Savannah parava na entrada do cômodo, a apenas alguns passos dele.
— Oi — ela disse, rouca.
— Oi — ele replicou.
Os dois se encararam por alguns segundos que pareceram se estender infinitamente. Os olhares eram indecifráveis e, ao mesmo tempo, cheios de significados, como se carregassem tantas palavras não pronunciadas que elas se misturavam e se confundiam. Ainda havia muito, muito a ser dito. Eles não tinham tido a chance de conversar de verdade desde que se encontraram na casa dos criminosos: tirando quando Peter lhe contara sobre seus poderes, eles não haviam falado praticamente mais nada. Após o garoto terminar o curativo de Savannah, eles somente passaram mais alguns minutos em silêncio e de mãos dadas, respirando e descansando, e então se levantaram. O Homem-Aranha seguira para guardar os equipamentos de primeiros-socorros, ao passo que a Major ocupara-se em se livrar de todo o sangue que ainda restava em sua pele e colocar roupas limpas.
Agora, ali estavam eles.
Depois de mais alguns segundos imersos na quietude, o amigo pigarreou.
— As roupas ficaram boas? Se quiser, eu posso pegar alguma coisa da May, sei que ela não vai se importar...
— Não, não precisa — Savannah interrompeu, aproximando-se enfim com um sorriso singelo. — As roupas ficaram ótimas. Obrigada.
Peter anuiu lentamente, um pequeno sorriso também surgindo em seus lábios.
— Imaginei que pudesse estar com fome depois de toda a ação de hoje. — Ele indicou a comida na mesa com o queixo. — Esses não são os cookies de May, fique tranquila. Garanto que são mais comestíveis do que os dela.
A jovem soltou uma risada ao relembrar o fatídico episódio em que fora cobaia de uma receita de biscoitos de May e quase engasgara de tão secos que eles estavam. Peter sorriu também, observando-a pegar alguns cookies. Ele o fez com atenção, como se para certificar-se de que ela estava bem agora, e então se sentou no sofá. Savannah tomou o lugar ao lado dele enquanto comia os biscoitos, e foi apenas após mais alguns minutos que o amigo quebrou o silêncio no qual eles haviam mergulhado mais uma vez.
— Eu entendo — ele disse, baixinho. Seu tom soou mais grave do que o normal e uma expressão séria havia tomado seu rosto. — O que você faz. Por que você faz.
Ela, que mastigava um dos deliciosos cookies de chocolate, estava prestes a dizer de boca cheia mesmo que já sabia daquilo — sabia que ele a entendia bem, sabia que ele era o Homem-Aranha, bem como ela era a Major, para proteger quem não conseguia se proteger sozinho —, mas ele prosseguiu:
— Quando eu ganhei os meus poderes e ainda estava tentando descobrir o que tudo isso significava — ele olhava para as próprias mãos apoiadas no colo —, tive a chance de parar um ladrão, só que... só que eu não fiz isso. Eu o deixei ir, porque não achava que fosse problema meu. — Ele levantou os olhos para a jovem, e eles estavam turvos com o que ela reconheceu como mágoa e arrependimento. — Naquela mesma noite, esse homem matou meu tio Ben.
O peito de Savannah pareceu se contrair ao ouvir aquilo. Ah, Peter. Ela sentiu uma onda de tristeza e solidariedade perpassar por seu corpo, fazendo seus olhos pinicarem. Então, ele entendia. Ela gostaria que não fosse o caso. Gostaria que ele não entendesse, porque entender o que ela sentia em relação ao pai por ter passado por algo similar... A dor de perder alguém e a culpa por se sentir responsável por aquilo era algo que ela não desejava para ninguém. A heroína gostaria que Peter não tivesse um fardo como aquele para carregar.
A realidade, todavia, era diferente de como ela desejava que fosse, e agora Savannah não sabia muito bem o que dizer. Ela tinha noção de que nada do que poderia falar aliviaria a culpa e a tristeza dele, mas, ainda assim, ela segurou uma das mãos dele entre as dela.
— Peter, eu sinto muito — ela apertou os dedos dele de leve. — Mas não foi sua culpa. Você não tinha como saber.
Ela também tinha a noção de que, considerando suas próprias ações e seus sentimentos a respeito delas, não possuía o menor direito de dizer aquilo, embora não ligasse. Era a verdade: a morte de Ben Parker não fora culpa de Peter e ele precisava saber daquilo. Ela gostaria de fazê-lo enxergar as coisas daquela maneira, ainda que acabasse soando como a maior hipócrita da face da Terra.
O rapaz lhe lançou um sorriso triste, como se estivesse pensando a mesma coisa.
— E nem você — foi o que respondeu. — Mas não importa o que qualquer um de nós diga, porque não vai adiantar, vai? Ainda vamos sentir essa culpa, vamos carregá-la conosco para sempre. Vamos querer reparar isso de alguma forma e vamos querer salvar todos que pudermos por aqueles que não conseguimos salvar antes.
Ele estava certo. Aquela era a realidade deles agora: ambos possuíam uma culpa esmagadora que jamais esqueceriam, mas que usariam de combustível para honrar a qualquer preço os entes queridos que haviam perdido. Savannah salvaria quem pudesse por seu pai, assim como Peter o faria por seu tio Ben, mesmo que aqueles não fossem os únicos motivos para eles fazerem o que faziam. Sempre haveria mais em tudo aquilo — mais razões para ajudar a cidade e todos os seus cidadãos, para protegê-los dos perigos e combater o crime —, entretanto, de uma maneira ou de outra, aquele havia sido o ponto de partida deles. O que os fizera aceitarem carregar aquela grande responsabilidade nos ombros.
Quando Savannah socara Flash Thompson para ajudar Amelia, ela percebera que podia fazer mais do que acreditava. Que podia ajudar os outros de algum jeito, defender quem estava com dificuldades, assim como seu pai sempre acreditara ser o certo. Ela havia falhado com ele e jamais poderia consertar aquilo, mas tinha a chance de fazer mais por outras pessoas. E então, por mais loucura que aquilo fosse, ela se tornou a Major, tal qual Peter se tornou o Homem-Aranha ao perceber que poderia usar suas novas habilidades em prol da comunidade ao perder alguém que amava para o crime.
Nunca mais. Nunca mais eles deixariam alguém se machucar pelas ações dos outros, fosse por algum criminoso violento ou qualquer outra pessoa sem caráter, como um namorado idiota ou a polícia corrupta e ineficaz.
Nunca mais.
— Eu não quero impedi-la de ser a Major — Peter prosseguiu. — Você sabe o que está fazendo e eu tenho plena confiança nas suas habilidades, mas... Apenas quero que tome mais cuidado. E com isso eu quero dizer tentar não enfrentar bandidos sem algum tipo de proteção ou arma. Você é mais do que capaz de se cuidar, só que ter visto você desmaiada e sangrando depois de tomar aquele tiro foi... foi simplesmente assustador demais. — Ele fechou os olhos por alguns segundos, como se a lembrança estivesse passando em sua mente naquele mesmo momento e ele tentasse expulsá-la. — Eu entendo que se machucar acaba sendo parte do que fazemos e que algumas situações nos pegam de surpresa, mas eu não posso perder você também. Então, por favor...
Ele se interrompeu, deixando que a frase e todo os seus significados implícitos pairassem no ar. Por favor, não se arrisque mais sem estar com equipamentos. Por favor, não seja doida de sair por aí lutando quando não está recuperada. Por favor, não tome mais tiros. Definitivamente, aquilo era algo em que Savannah já havia pensado: ela estabelecera a si mesma que não se meteria em lutas daquela forma sem pelo menos um colete de proteção. Ser baleada com certeza era uma experiência que ela não ansiava por repetir e tentaria evitar o máximo que pudesse.
A garota molhou os lábios antes de começar a falar. Ela afastou as mãos das de Peter, recolhendo-as para o próprio colo, e ficou as encarando por alguns instantes.
— Eu também me preocupo com você. — Ela recordou-se da ocasião em que a Gangue dos Falsos Vingadores atacara o restaurante em que eles iam jantar, apenas três dias atrás. Recordou-se de como ficara desesperada atrás do amigo, sabendo que precisava protegê-lo e tirá-lo de lá a todo custo. Recordou-se também da briga do dia anterior, quando se lançara, mesmo que ferida e zonza, em cima de um bandido somente porque ele estava machucando Peter. — Agora que sei que você é o Homem-Aranha, me preocupo ainda mais. Também não quero que você se machuque, que se arrisque mais do que o devido. E eu sei que você sabe o que está fazendo, mas acho que é algo instintivo, não é? Zelar por quem gostamos.
Ela ergueu o olhar para o rapaz, que, por sua vez, a fitava com atenção.
— Sim, acho que é — ele murmurou. Ficou alguns segundos em silêncio, então respirou fundo. — Savy, escuta. Sobre aquele dia no banco...
— Não precisa falar nada, Peter — ela o interrompeu com suavidade. Ele já tentara se desculpar com Savannah no dia anterior, antes que eles descobrissem a identidade um do outro e tudo virasse de pernas para o ar. Antes disso, a mera menção àquele fatídico dia teria estressado a heroína. Na ocasião, ela havia ficado furiosa com o Homem-Aranha por ele ter arriscado não só a vida de May, como também a de todos os outros no banco. Mas agora ela entendia o que realmente havia acontecido. Ela se lembrava de Peter surgindo em sua casa mais tarde naquele mesmo dia, parecendo destruído, e de como ele chorara com medo e culpa. Agora que tinha uma visão ampla do tabuleiro, Savannah compreendia por que o Homem-Aranha havia perdido a cabeça na luta do banco, e não o culpava.
— Não, eu preciso. — O amigo replicou, a voz cheia de determinação. — Me desculpe, Savy. Eu fui um completo babaca. Perdi a cabeça quando vi May ali, fiquei com tanto medo de que ela pudesse se machucar que nem pensei direito. Acabei colocando todos em risco, e não quero nem pensar no que poderia ter acontecido se não fosse por você. — Ele balançou a cabeça lentamente, como se a mera insinuação de algo acontecer à tia fosse demais para ele sequer conceber. — Você salvou May e eu sempre serei grato por isso.
Peter deu uma pausa breve, durante a qual ele suspirou e passou a mão pelo rosto e cabelos em um claro sinal de frustração consigo mesmo.
— Às vezes eu me deixo levar pelas minhas emoções e ajo feito um completo idiota. Eu fiquei tão irritado por ter estragado tudo no banco e colocado May em risco que simplesmente acabei explodindo, e peço desculpas por isso. Eu estava apenas bravo comigo mesmo, mas você nunca foi o problema — Ele voltou seus olhos castanhos para a garota mais uma vez. — O que você faz é sensacional, de todas as maneiras. Não importa se você não tem poderes, se não tem tecnologia, se só está nisso há alguns meses. Você é incrível e eu nunca deveria ter insinuado o contrário. Sinto muito, de verdade.
Por um instante, Savannah apenas o olhou, muda, sem fazer ideia do que dizer. Seu peito pareceu se aquecer diante de tudo aquilo, e ela piscou um pouco na tentativa de lutar contra a ardência que se formava nos olhos devido à emoção que tomava conta de si. Ela conhecia Peter bem o bastante para reconhecer que ele era verdadeiramente sincero em cada palavra: estava explícito no rosto dele, na voz, nos olhos que a miravam. A menina sabia que o herói acreditava nela, que a considerava, e ela entendia como raiva e frustração podiam ser perigosas em situações de tensão. Ela não o culpava nem se ressentia. Era compreensível, ainda que errado.
— Você também não é nada mau — foi o que ela respondeu, a voz rouca graças à enxurrada de sentimentos que tentava conter. A heroína comprimiu os lábios para aquela sua resposta deplorável, não demorando para se corrigir. — E com isso quero dizer que você também é incrível, sério mesmo.
Savannah fez menção de falar mais, entretanto, travou por um momento. Havia tanto que tanto que ela gostaria de falar para Peter, tanto para elogiar a respeito dele — como ele era verdadeiramente ótimo, como ser o Homem-Aranha era importante e maravilhoso —, mas a adolescente não sabia nem como começar a colocar seus pensamentos em palavras. Ela quis se socar; aquilo deveria ser fácil, então por que ela estava gaguejando e sentindo as palmas das mãos suarem? Será que era por que temia começar a falar e nunca mais parar, ou por que temia confessar seus sentimentos mais profundos que ainda não tinha coragem de expressar em voz alta, por mais fortes e verdadeiros que fossem?
Em vez de bater a mão na própria testa tamanha era a sua frustração, tudo que a menina fez foi morder os lábios.
— Foi mal. Eu... — ela hesitou e balançou a cabeça para si mesma. — Eu nunca sei o que falar em momentos assim.
Peter soltou uma risada fraca.
— Não precisa falar nada — disse. — Só quero que saiba que eu sinto muito, realmente.
— Não precisa se preocupar mais com isso, Pete. Eu entendo. Se eu estivesse no seu lugar, não sei o que teria feito. — Provavelmente pior, ela pensou com um arrepio. A Major genuinamente torcia para jamais descobrir a resposta daquilo. — Além disso, eu também não sou a pessoa mais fácil do mundo quando estou irritada, então... Está tudo bem.
O vigilante ainda parecia incerto: seus ombros permaneciam rígidos com tensão e o cenho estava franzido com culpa.
— Mesmo?
Savannah alcançou a mão dele mais uma vez, daquela vez entrelaçando os seus dedos. Ela gostava muito daquela sensação, percebeu. Ter a mão de Peter na sua simplesmente parecia correto.
— Mesmo. — Ela abriu um sorriso, e a postura do Aranha relaxou perceptivelmente com aquilo. Apenas alguns segundos se passaram com eles daquela maneira, somente segurando as mãos e sorrindo um para o outro, antes que a menina pigarreasse. — Ei... Eu só queria agradecer por toda a sua ajuda. Tanto a de hoje quanto a de ontem.
— Não foi nada demais — Peter descartou o fato com um aceno humilde, como se realmente não tivesse sido grande coisa.
— Foi, sim. — Savannah, totalmente séria, empertigou-se no sofá. — Se não fosse por você, Peter, eu poderia ter morrido. Você salvou a minha vida — ela apertou a mão dele com suavidade, meio que reforçando a importância do assunto. Antes, a jovem havia tentado fingir que seus ferimentos não foram nada muito grave, mas ter aberto seus pontos e passar por toda a dor de fechá-los novamente a fez perceber que já estava mais do que na hora de finalmente admitir o que havia acontecido. Não significava que a vigilante pararia de lutar ou algo do tipo, mas ela precisava reconhecer o que o amigo fizera por ela. — Então, obrigada. Por hoje, por ontem... e por aquele dia no restaurante também. Não consegui agradecer propriamente na ocasião.
Até porque ela sumira da vista do Homem-Aranha na primeira oportunidade que tivera, somente para que ele não suspeitasse de sua verdadeira identidade. Pelo visto, seu plano tinha funcionado — mas não adiantou muito no fim, considerando que ela estava sentada com o herói em questão agora mesmo, ambos plenamente cientes dos alter egos um do outro.
— Acho que eu é quem deveria que agradecer, considerando que você também salvou a minha pele naquele dia — foi o que Peter respondeu. Seu rosto estava corado e ele sorria com modéstia, mas a expressão rapidamente foi substituída por uma de preocupação. — Mas, Savy...
A menina, já sabendo o que ele diria, suspirou e recostou-se na guarda do sofá. O movimento fez com que uma pontada de dor subisse por seu machucado recém-costurado, e ela precisou esperar alguns segundos a fim de voltar a falar.
— Eu sei, eu sei... Eu não deveria ter ido lá hoje, deveria ter ficado de repouso em casa — ela passou a mão pelo rosto com cansaço. — É só que eu... eu não conseguia parar de pensar no meu pai — Savannah fechou os olhos por um breve instante, como se isso pudesse impedir as lembranças de ressurgirem ou serem mais amargas. Não funcionou. — Eu precisava me distrair com algo que realmente funcionasse. E funcionou, de certo modo. Lá, e agora aqui... esses foram os únicos momentos do dia em que eu consegui me livrar desses pensamentos, sabe?
A Major comprimiu os lábios, sua própria mente ameaçando arrastá-la de volta para aquele vórtice de recordações angustiantes agora que ela falava abertamente sobre elas. Sua consternação deveria estar explícita em seu rosto, pois Peter passou a afagar as costas de sua mão em movimentos circulares e relaxantes.
— Eu entendo, de verdade — o rapaz também se inclinou contra o sofá. — Mas você tem que se permitir se recuperar. Do contrário, vai se machucar ainda mais e nunca vai estar bem o suficiente para conseguir lutar.
— Eu sei — ela disse mais uma vez, o olhar preso nas mãos entrelaçadas deles. — O problema é que tem simplesmente tanta coisa acontecendo. Está sempre surgindo um monte de informações importantes para a investigação contra o Montgomery e a rede de crimes dele. — Ainda era estranho, mas não de uma forma ruim, conversar sobre aquilo tão livremente com Peter, sem máscaras ou fachadas para acobertar suas verdadeiras identidades. Savannah gostou daquilo. — Se eu não fizer nada e algo horrível rolar, vai acabar sendo culpa minha.
Ela virou a cabeça para observar o amigo, o qual também a mirava.
— Ok, vamos fazer o seguinte — Peter começou depois de alguns segundos. — Eu vou atrás dos bandidos, passo todas as informações que descobrir para você e, juntos, nós planejamos os próximos passos da investigação. Dessa forma, você pode se recuperar propriamente sem ficar de fora do que acontece. E, quando você estiver melhor, nós continuamos tudo juntos. — Ele apertou de leve a mão dela para dar ênfase à importância do que dizia. — O que acha?
Savannah não tentou lutar contra o sorriso que surgiu em seu rosto.
— Você está me pedindo para ser sua parceira no crime, Parker?
— Acho que estou — ele falou conforme soltava uma risada. — Como você mesma já disse, nós fazemos uma boa dupla.
De fato, eles faziam. A heroína pensou em todas as vezes em que haviam lutado juntos: eles constantemente se ajudavam em meio ao caos, complementavam os golpes um do outro e protegiam as suas retaguardas. Sem nem perceber, a Major havia se acostumado e gostado de lutar ao lado do Homem-Aranha, de modo que havia se tornado quase que instintivo. Ela sabia que podia contar com ele para dar cobertura a ela, assim como ela daria a ele, mesmo que eles mesmos pudessem acabar discordando no processo.
— Combinado, Cabeça de Teia — a vigilante disse. — Vamos fazer isso.
Savannah soltou a mão do amigo por um breve instante, somente para que pudesse erguer o seu dedo mindinho para ele. Peter não demorou para envolver o dedo dela com o seu próprio, assim selando definitivamente o acordo deles. Eles ficaram alguns segundos daquele jeito, olhando um para o outro com sorrisos nos lábios, uma atmosfera leve e contente envolvendo-os. A jovem sentia como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros: fazia um bom tempo que ela pensava em revelar sua vida dupla para o amigo, e era uma sensação muito boa não ter que fingir mais nada perto dele.
Agora, não havia mais segredos entre os dois: ela sabia sobre Peter ser o Homem-Aranha e ele, sobre ela ser a Major. A maneira como haviam descoberto estava longe de ser ideal, ainda que Savannah fosse grata por ter acontecido, de qualquer forma. Ali, com o rapaz, ao mesmo tempo em que nada parecia diferente, tudo havia mudado — porque eles continuavam sendo os mesmos, só que agora conheciam as faces ocultas um do outro. A garota não sabia o que esperar daquela nova realidade, mas, contanto que tivesse Peter ao seu lado, não temia o que viria a seguir.
Ainda havia muito para conversar; ela queria contar várias coisas para ele e saber de tantas outras, como as aventuras com Tony Stark e o Abutre. Entretanto, tudo tinha o seu tempo, e Savannah contentou-se em dizer:
— Eu tenho uma pergunta muito importante para fazer.
O menino franziu o cenho em curiosidade e fez um sinal para que ela prosseguisse.
— Se você ganhou poderes por causa de uma aranha radioativa... O que teria acontecido se tivesse sido uma barata? — Ela lutava para se manter séria. Peter, por outro lado, piscou algumas vezes antes de cair na gargalhada. Savannah não conseguiu se manter impassível por muito mais tempo, e logo o acompanhou. — O quê? É uma pergunta válida! Você se tornaria um herói ainda assim ou se recusaria a ser o Homem-Barata?
O herói dobrou-se contra o próprio corpo, ainda rindo sem parar.
— Homem-Barata? E quais seriam os meus poderes, por acaso? Voar e ser incrivelmente inconveniente?
— Bem, uma dessas habilidades você já tem — a menina brincou com uma piscadela.
Peter revirou os olhos e emitiu um ruído de ultraje muito exagerado.
— Olha só quem fala!
Eles continuaram rindo, brincando um com o outro e conversando por mais um tempinho: Savannah contou alguns dos episódios catastróficos de quando começara a patrulhar as ruas de Nova York — tal como a primeira vez que tentara impedir um bandido e acabara com um olho roxo —, ao passo que Peter narrou algumas de suas próprias aventuras, como quando lutou contra Adrian Toomes e sua rede de crimes. Eles compartilharam diversas histórias e, naquele meio tempo, acabaram devorando todos os cookies que estavam na mesa mais à frente.
— Não acredito que você chamou a inteligência artificial de Karen. É como se ela fosse, tipo, o computador do Plankton de Bob Esponja! — ela exclamou em um dado momento.
Ela viu o rosto do rapaz ao seu lado se iluminar com animação.
— Foi exatamente por isso que eu dei o nome! Fala sério, não tinha como não fazer isso! As semelhanças entre as duas são gritantes — ele soltou um riso. — Sabia que você foi literalmente a primeira pessoa a perceber isso?
— É óbvio para qualquer um que entenda de Bob Esponja — ela replicou, então completou com uma piscadela: — Ou talvez eu só te conheça muito bem.
Peter sorriu, e foi impossível Savannah não acompanhá-lo. Eles olhavam um para o outro, as cabeças recostadas contra a guarda do sofá. Foi naquele momento que a menina se deu conta do quão próximos eles estavam — eles deviam ter se inclinado na direção um do outro durante a conversa, mas, em meio a todas as piadas e risadas, foi imperceptível. Agora, eles estavam perto o suficiente para que ela sentisse a respiração do jovem bater em seu rosto.
Silêncio se estendeu entre eles. Embora não fosse desconfortável ou algo do tipo, era um tanto destoante das gargalhadas e brincadeiras que eles compartilhavam até então. Savannah queria falar alguma coisa, porém não sabia o quê. Na verdade, olhando para Peter, ela não conseguia formular nada muito concreto para dizer. Ela estava perdida nele, perdida no olhar que ele lhe lançava.
Dessa forma, ela só percebeu o que falava quando ouviu as palavras saírem de sua própria boca.
— Você se arrepende? — Ela murmurou. — Do beijo.
Assim que percebeu o que havia dito, Savannah virou o rosto para que o amigo não visse seus olhos arregalados e o pânico em sua expressão. Não. Será que ela havia mesmo dito aquilo? A adolescente empertigou-se no sofá, sentindo as bochechas coradas e sem saber o que fazer a seguir. Felizmente, ela não precisou planejar muito mais, pois Peter respondeu:
— Não. — Aquilo fez com que ela se voltasse novamente para ele, que a mirava como se estivesse surpreso com o questionamento, ou até com a reação que ela tivera ao proferi-lo. Ele também havia se endireitado no sofá e agora os ombros dos dois se encostavam. — E você?
A garota o olhou por alguns segundos. Parte dela estava simplesmente uma bagunça de borboletas com o que ele havia dito. "Não". Ele não se arrependia. Ela achava que poderia se desmanchar ali mesmo ou, pior, soltar um risinho/ronco vergonhoso que faria com que ela se arrependesse de ter nascido. A outra parte dela, porém, também não acreditava que o rapaz havia acabado de perguntar se ela se arrependia ou não. Quer dizer, não estava óbvio?
— Não. — Ela replicou, séria, para o caso de não estar tão óbvio quanto ela suspeitava. — Não me arrependo.
Eles trocaram um olhar cheio de significado por mais alguns segundos antes que Peter estendesse os dedos em direção ao rosto dela. Ele afastou os cabelos que caíam sobre a face de Savannah, deixando que a mão repousasse em sua bochecha. A menina sentiu a respiração falhar quando ele acariciou a maçã de seu rosto e ela, com coração martelando contra o peito, percebeu quando o olhar dele desceu por um instante para a sua boca. Como se o rapaz fosse um ímã, ela se inclinou na direção dele: seus lábios se roçaram de leve e ela fechou os olhos, uma descarga elétrica parecendo percorrer seu corpo por inteiro.
Foi um contato breve, porém, apenas a insinuação de um beijo antes que eles se afastassem ligeiramente e olhassem de novo um para o outro. Então, sem que mais palavras precisassem ser proferidas, a pouca distância que restava entre eles deixou de existir e os dois estavam se beijando. Algo no peito da garota — talvez toda a tensão que vinha com os questionamentos em torno do que seria da relação dos dois, da amizade que ela tanto prezava, depois de seu momento na festa de Lia — pareceu se desmanchar conforme suas bocas moviam-se uma sobre a outra. O contato era frenético e, ao mesmo tempo, delicado. Era doce e viciante, e ela sabia que jamais se cansaria daquilo.
As mãos de Peter desceram para a cintura de Savannah, ao passo que ela jogava os braços em torno da nuca dele. Ela o puxou para mais perto, aprofundando o beijo que era intenso o bastante para fazer com que tudo sumisse de sua mente. Agora, restava apenas Peter, e ela deixou que se afundasse na sensação dos lábios dele contra os dela, das mãos em sua pele.
Ela poderia continuar com aquilo para sempre. Entretanto, eles acabaram se separando quando o braço do rapaz enlaçou a cintura de Savannah, sem querer fazendo contato com o ferimento recém-costurado dela. Aquilo fez com que a menina se encolhesse por apenas um instante, mas foi o suficiente para Peter se afastar mais do que imediatamente, os olhos castanhos arregalados com preocupação.
— Desculpa, desculpa, desculpa! — ele exclamou, culpa genuína encharcando sua voz. — Tudo bem? Eu machuquei você?
Apesar de tudo, Savannah não conseguiu evitar sorrir, achando graça da afobação dele e com o coração aquecido diante da consideração com seu bem-estar. Ela, por sua vez, somente apoiou o cotovelo na guarda do sofá e recostou a cabeça na mão, um olhar suave preso no rapaz diante de si.
— Não, eu estou bem. — Não era mentira, até porque a dor fora momentânea. Agora, existia apenas o fantasma dela, uma sensação intangível quando comparada ao conforto que a menina estava sentindo ali. — Está tudo ótimo.
Peter ainda parecia meio culpado, então a garota segurou a mão dele, entrelaçando seus dedos com um sorriso nos lábios. O rapaz relaxou e afagou as costas de sua mão com o dedo, mas, antes que qualquer um dos dois pudessem fazer mais alguma coisa, eles ouviram o tilintar de chaves do outro lado da porta — May.
Quase que de imediato, eles pularam para longe um do outro; Savannah se apressou em arrumar os cabelos e as roupas amassadas, ao passo que Peter, de alguma forma, achou o controle da televisão no meio das almofadas. Ele conseguiu ligar a TV no exato momento em que a porta era aberta, e eles encararam a tela na tentativa de simular algum tipo de interesse.
— Oi, crianças! — May, que carregava várias sacolas de compras nos braços, disse. Os adolescentes se viraram para ela com uma surpresa um pouco exagerada demais e a cumprimentaram com afobação, sendo tudo, menos naturais. — Puxa, nem imaginava que vocês estivessem por aqui, senão teria pedido para... — Ela parou de falar assim que fechou a porta e se voltou para eles. Ela pareceu notar o estado dos dois: as bocas vermelhas e inchadas, as roupas abarrotadas, os cabelos desgrenhados. Ela pigarreou. — Ah, desculpe. Não queria atrapalhar.
Savannah e Peter começaram a negar de imediato, ainda que fosse uma mentira descarada. Suas palavras se misturaram, tornando-se uma confusão ininteligível e deixando mais claro do que nunca que, de fato, algo havia acontecido antes de a mulher chegar. Por fim, ao se darem conta de que estavam sendo óbvios demais, eles pararam de falar, e o Homem-Aranha recomeçou com mais calma:
— Nós só estávamos... hm... conversando. E assistindo a esse — ele se interrompeu por um instante e olhou para a televisão a fim de descobrir o que estava sendo exibido no canal aleatório em que ligara — documentário...?
Soou mais como uma pergunta do que uma resposta, portanto, Savannah reforçou:
— Sim, esse documentário sobre... — Ela olhou de esguelha para a TV, até porque não sabia também o que estava passando. — Os cavalos-marinhos. — A menina limpou a garganta. — Uma espécie realmente fascinante.
Depois daquele comentário incrivelmente natural, os três encararam-se em um estranho silêncio por mais alguns instantes antes que os jovens se erguessem e corressem para ajudar com as compras. Sem dizer uma palavra sequer, eles ocuparam-se em desempacotar e então guardar os produtos que May trouxera. Por fim, quando estavam quase no fim de sua tarefa, a mulher inquiriu em um tom desinteressado:
— Então, por que vocês estão assistindo a esse documentário?
Savannah e Peter, respectivamente, responderam em uníssono:
— Trabalho de escola.
— Diversão.
Eles pararam o que faziam — o rapaz guardava sucos na geladeira, ao passo que a menina abastecia a despensa com enlatados — e trocaram um olhar breve, para então se corrigirem:
— Diversão.
— Trabalho de escola.
Mais uma vez, eles se encararam expressivamente, quase que tendo uma discussão silenciosa: eles gesticulavam de leve com as cabeças e os lábios na tentativa de chegar em algum consenso sem revelar tanto da mentira na qual haviam se metido. Não que fosse adiantar de alguma coisa, claro, até porque May obviamente já havia entendido tudo. Ela, apoiada contra a pia, fazia um esforço visível para não rir.
— Diversão ou trabalho de escola?
— Os dois. — Savannah falou com rapidez a fim de evitar mais respostas incompatíveis e vergonhosas. — Nós, hm, estamos fazendo um trabalho de Biologia e tivemos que escolher um animal para fazer um relatório sobre.
— Isso! — Peter exclamou como se estivesse ouvindo aquilo pela primeira vez. O que, embora fosse verdade, não deveria parecer o caso. A Major precisou evitar revirar os olhos. — Nós escolhemos os cavalos-marinhos porque eles são — ele pigarreou — divertidos.
A heroína, muito prestativa, adicionou:
— Fato curioso: você sabia que eles têm um parceiro só para a vida toda?
Os adolescentes abriram sorrisos inocentes. May, por outro lado, somente os encarou com uma expressão entretida e, por fim, meneou a cabeça, fingindo acreditar na mentira deles. Antes que a tia pudesse dizer qualquer coisa, Peter se aproximou de Savannah e segurou sua mão, para então começar a guiá-la cozinha afora.
— Falando nisso, temos que continuar o trabalho!
Sem esperar por uma resposta, eles se apressaram em direção ao quarto do garoto. Ao entrarem, Peter virou-se para fechar a porta, mas Savannah disparou em um sussurro alarmado:
— Não fecha! — Ela gesticulou com ênfase. — Ou sua tia vai achar que vamos ficar aqui nos beijando!
— E não vamos? — O rapaz respondeu com uma falsa confusão, claramente brincando.
Savannah revirou os olhos, sorrindo. Peter riu e apoiou-se contra a sua escrivaninha; a garota o acompanhou, recostando-se ao seu lado. Os braços dos dois se tocavam, e ela precisou lutar contra a vontade de deitar a cabeça no ombro dele. Em vez disso, tudo que ela fez foi dizer:
— Talvez seja melhor eu ir embora — ela suspirou, sem querer realmente ir. — Já está ficando tarde e não quero atrapalhar.
O garoto, por sua vez, emitiu um ruído descontente do fundo da garganta.
— Eu tive outra ideia — ele disse, olhando para ela de esguelha. — Você não gostaria de ficar para jantar?
— Você não gostaria de ficar para sempre?
Os jovens deram um pulo no lugar quando May, parada no batente da porta, disse aquilo. Eles se afastaram mais uma vez, cada um deslizando para o lado oposto da mesa o mais rápido possível como se tivessem sido pegos fazendo algo de errado.
— May! — Peter, com as bochechas ruborizadas, repreendeu.
— O quê? Eu gosto dela — a mulher deu de ombros. — E eu não estava espionando vocês, só estava passando e acabei escutando sem querer! A culpa não é minha que a porta está aberta.
O Homem-Aranha mirou acusadoramente a parceira, que apenas desviou o olhar com inocência, como se para evitar ser responsabilizada. May riu, atraindo mais uma vez o foco deles, e apoiou-se contra a porta com um sorriso doce.
— Brincadeiras à parte, adoraríamos ter você aqui, querida. Vou fazer macarronada hoje!
— Surpreendentemente, a macarronada dela é boa — Peter disse, aproximando-se da tia.
A mulher estalou a língua com indignação e tentou acertar um peteleco no sobrinho, o qual somente esquivou-se aos risos. De seu lugar, Savannah sorriu abertamente; não podia negar que estava com fome depois da correria daquele dia, especialmente quando já não havia almoçado direito.
— Jantar me parece ótimo — aceitou, por fim, e confidenciou: — Perder todo aquele sangue me deixou faminta.
May a olhou com alarde e preocupação, ao passo que Peter balançava a cabeça com um sorriso amarelo e pigarreava.
— Ela só está brincando — ele falou para a tia.
Savannah comprimiu os lábios para evitar soltar uma risada conforme May, parecendo confusa, assentia lentamente. Ela se recompôs com rapidez, porém, e logo disse:
— Vou deixá-los sozinhos agora — a mulher abriu um sorriso inocente. — Para poder me trocar, quero dizer, e daí fazer a macarronada.
Ela lançou ao sobrinho uma piscadela cúmplice ao deixar o quarto. Peter se demorou mais alguns segundos observando o lugar onde a tia estivera alguns segundos atrás, então virou-se com um misto de descrença e encabulação nas feições para a amiga, ela própria com o rosto avermelhado diante de toda a situação.
— Bem, isso foi sútil.
A ironia em seu comentário fez com que Savannah risse. Ele, balançando a cabeça de leve, acabou por rir também, som que pareceu provocar um milhão de sensações no peito da menina. Ela, tentando não pensar muito naquilo, desencostou-se da mesa e aproximou-se do herói com a mão estendida.
— Venha, Parker, vamos lá ajudar com a janta.
O rapaz fez menção de segurar sua mão — entretanto, antes que pudesse fazê-lo, a voz chocada e desorientada de May os alcançou de algum lugar do apartamento:
— Peter, por que tem toalhas cheias de sangue no nosso cesto de roupas?
Os adolescentes simplesmente congelaram por um instante, entreolhando-se com os olhos arregalados.
— Você tinha dito que não teria problema! — Savannah sussurrou com exasperação.
— Eu estava meio que em pânico na hora! — ele respondeu e passou as mãos pelos cabelos, pensativo. Então, ele ergueu a cabeça subitamente como se tivesse acabado de ter uma ideia brilhante. — Já sei! Vou colocar a culpa toda em você. Assim, ela não vai ficar tão brava.
— O quê?! — A menina exclamou.
Mas Peter, com um sorriso, já tinha corrido para fora do quarto. E Savannah, por mais que soubesse que ele não a responsabilizaria como havia dito, disparou atrás. Afinal, alguém precisava livrar a cara dele da fúria da tia.
✶
Peter aterrissou suavemente no chão da praça completamente deserta, os braços ainda envolvendo Savannah com cuidado para não cutucar seu ferimento por acidente como antes, mas ainda com firmeza para que ela não caísse. Eles foram daquela maneira o trajeto inteiro do bairro do rapaz até o dela, ele a segurando e ela com as pernas em torno de sua cintura para se firmar. Agora, conforme a menina saltava de seu colo, ela olhava em volta para certificar-se de que não havia ninguém por perto; em seguida, sinalizou que a barra estava limpa para o Homem-Aranha poderia tirar a máscara.
O herói o fez, portanto, e enfiou a peça no bolso da jaqueta. Ele não usava o uniforme completo, apenas colocara a máscara para que, obviamente, ninguém visse seu rosto enquanto atravessava a noite para deixar a amiga em casa. De qualquer forma, ele se ajeitou, cobrindo os lançadores de teias com as mangas, e logo os adolescentes começavam a andar.
Eles haviam parado um quarteirão antes da casa de Savannah, visto que ela não sabia se o irmão já havia chegado e não queria arriscar que ele visse algo que não deveria. Assim, eles agora cobriam a pouca distância que restava até a residência dos Evans, caminhando lado a lado na rua anoitecida enquanto conversavam.
Em dado momento, Savannah soltou uma risada baixinha. O som pareceu reverberar pelo corpo de Peter e aquecer seu peito, tanto que ele quase não ouviu o que ela falou em seguida.
— A sua máscara está aparecendo — ela indicou o blusão dele com o queixo.
Ao olhar para baixo, o garoto notou que, de fato, a peça despontava para fora de seu bolso. Ele apressou-se em arrumar aquilo enquanto a amiga balançava a cabeça com diversão, para então enganchar o braço no dele e aproximar-se um pouco mais de seu corpo. Vento soprava contra eles, e o próprio Peter se encolheu em direção a ela numa tentativa própria de se aquecer também.
— Meu Deus, Parker. Você realmente é muito bom em disfarçar sua identidade, né? — Ela provocou. — Você deve ser o herói mais atrapalhado que eu conheço.
— Como se você conhecesse muitos heróis — o rapaz devolveu, zombeteiro. — Além disso, não foi o que você disse mais cedo. Não fui eu a sua inspiração?
A menina grunhiu e encolheu os ombros com vergonha, as bochechas ficando avermelhadas. Peter, por sua vez, somente abriu um sorriso vitorioso, a mente voltando para o jantar em sua casa cerca de uma hora antes. Ele fora surpreendentemente agradável, isso se considerassem o que o antecedera: May encontrando as toalhas ensanguentadas e exigindo a história por trás delas. Após o choque inicial devido à não só descobrir que Savannah era a Major, como também havia levado um tiro e aberto seus pontos, as coisas ficaram menos tensas. Eles prepararam a comida enquanto conversavam sobre a vida dupla dos adolescentes e, em algum ponto durante a refeição, Savannah admitiu que a ideia de se tornar uma vigilante surgira depois de socar Flash Thompson em uma festa. E, então, ela deixou escapar que, uma vez em casa, acabara vendo uma notícia do Homem-Aranha salvando algumas pessoas de um assalto e pensara em como gostaria de ajudar de alguma maneira também.
Peter sabia que havia mais naquilo tudo, claro, do que somente tê-lo visto auxiliando a população. Coisas relacionadas ao seu pai, relacionadas ao episódio com Lia — mas saber que, de alguma forma, ele a inspirara a iniciar sua luta contra o crime fazia seu ego inflar mais do que deveria.
— Eu vou me arrepender de ter contado isso, não vou?
O menino inclinou a cabeça, rindo. Logicamente, ele jamais deixaria passar a oportunidade de provocá-la com aquilo.
— Provavelmente.
Savannah bufou e cruzou os braços, assim desvencilhando-se de Peter. Embora ela ainda estivesse por perto, o herói teve de reprimir um muxoxo diante da sensação de vazio que a separação provocou. Não que importasse mais, de qualquer forma, já que eles haviam acabado de chegar à casa da garota. Eles atravessaram a sua fachada, subiram os degraus da varanda e pararam em frente à entrada.
— É isso — o Homem-Aranha disse. — Chegamos.
Savannah voltou-se para ele com as sobrancelhas arqueadas, como quem dissesse "Uau, sério mesmo?". Porém, em vez de espezinhá-lo como ele sabia que ela estava morrendo de vontade de fazer, ela deixou que sua expressão falasse por si e abriu um sorrisinho.
— Bem — começou, virando-se por completo para ele. — Obrigada por me acompanhar, Cabeça de Teia.
— O prazer foi meu, esquentadinha — ele replicou e também voltou-se para encará-la frente a frente.
Aa feições da menina suavizaram enquanto ela erguia o queixo, os olhos presos no rosto de Peter. Este, por sua vez, abaixou o rosto sorridente para ela e inclinou-se em sua direção. Todavia, mal os narizes deles haviam se tocado quando a porta de entrada foi aberta de repente — os dois pularam para longe um do outro mais do que de imediato, deparando-se com Kyle. O homem, com os braços cruzados sobre o peito, mirava-os com uma expressão nada amigável. Ele intercalou o olhar entre Savannah, que mexia no cabelo de forma encabulada, e Peter, cujas bochechas estavam rubras.
— Onde você estava? — Ele por fim questionou a irmã.
A heroína franziu as sobrancelhas diante da seriedade de seu tom de voz.
— Na casa do Peter. Qual é a dessa cara?
Kyle arqueou as sobrancelhas com descrença para ela.
— Ainda precisa perguntar? Você chegou hoje passando mal, e aí, quando voltei para casa, não havia nem sinal seu — ele colocou as mãos na cintura, parecendo indignado por ela sequer ter perguntado. — Você também não respondeu nenhuma das minhas mensagens, então, me diga, que cara eu devo fazer?
— A bateria do meu celular acabou — ela explicou com calma. — Relaxa, Kyle. Como você pode ver, está tudo bem. Não precisa ficar nervoso.
— Eu estava preocupado.
Savannah acabou soltando um bufo debochado, inclinando a cabeça com uma expressão levemente irônica. A julgar pelo repuxo nos lábios do detetive, aquilo não o agradou nem um pouco, mas Peter sabia de onde a frustração da parceira vinha: ela já havia desabafado sobre como o irmão muitas vezes sumia por horas a fio sem dar notícias, e nem ao menos se dignava a mandar mais do que uma mensagem curta e vaga explicando que não iria para casa como combinado.
— Ah, sim — a menina piscou os olhos lentamente. — Se ao menos você tivesse ficado preocupado assim ontem quando me largou sozinha na rua do cinema.
O Homem-Aranha sabia sobre aquilo também. Eventualmente, durante toda a conversa que eles tiveram naquela noite, a adolescente contara que o único motivo pelo qual estivera passando pela loja de eletrônicos durante seu assalto fora porque o irmão não aparecera para ir ao cinema com ela; assim, ela resolvera voltar para casa, e deu no que deu.
Kyle, porém, não fazia ideia daquilo. Ele nem sequer reparara que Savannah passara a noite fora, o que incomodava Peter. Ele, de certa forma, havia tomado as dores da amiga para si. Quer dizer, o detetive estava preocupado em um momento, mas em outro nem mesmo se importava em checar como ela estava? Ainda assim, por mais frustrado que o adolescente estivesse em nome de Savy, ele não falou nada, pois sabia que não deveria se meter nos assuntos dos Evans.
O homem em frente a eles somente revirou os olhos, exasperado, e apoiou-se contra o batente da porta. Então, ele pareceu recordar-se de que Peter estava ali também e se virou para ele.
— Oi, Peter — cumprimentou. — Já está tarde, não é? Talvez seja melhor você ir.
— Kyle — Savannah ralhou entredentes.
— Não, tem razão — o menino roçou a mão na dela, como se dissesse para não se estressar com aquilo. — May está me esperando mesmo. — Ele sorriu sem mostrar os dentes. — Nos vemos amanhã?
A Major olhou para ele, as feições suavizando ao fazê-lo. Ela tocou de leve seus dedos, um toque breve que não passou despercebido por Kyle. Mesmo assim, ele não disse nada.
— Sim — ela também sorriu. — Tchau, Peter.
Após despedir dos irmãos, o garoto começou a se afastar. Às suas costas, ele ouviu Savannah dizer "Que bicho te mordeu, hein?" e Kyle resmungar algo ininteligível, para então adentrarem a casa e fecharem a porta. O Aranha olhou por cima do ombro por um instante e sorriu, para então colocar as mãos no bolso e continuar andando. Ele esperaria abrir uma certa distância da casa dos Evans antes de colocar sua máscara e içar-se pela noite com suas teias, apenas para evitar o risco de Kyle ver algo suspeito.
Peter já havia chegado à calçada quando ouviu, ao longe, a porta da casa ser aberta novamente. Com as sobrancelhas franzidas, ele olhou por cima do ombro a tempo de ver Savannah vindo de encontro a ele. Quando por fim o alcançou, ela apoiou a mão no ombro dele e inclinou-se em sua direção.
O rapaz quase entrou em combustão espontânea quando os lábios dela tocaram sua bochecha, depositando ali um beijo leve e rápido. Ela se afastou rapidamente, a face tomada por um sorriso que ela inutilmente parecia tentar conter.
— Até amanhã.
Peter somente teve tempo de sorrir de volta e balbuciar alguma resposta sem sentido antes que ela se virasse e disparasse de volta para a própria casa. Então, tocando o rosto bem onde ela o beijara, ele permitiu que seu sorriso se alargasse e seguiu o caminho para casa.
✶
[26/05/2022]
oi, meus amores! como vocês estão?
esse capítulo ficou um pouco grandinho, mas honestamente eu acho que ele é um dos meus favoritos até agora! tô toda boba com a savannah e o peter aiaiaiai, a glicose tá lá no alto depois dessa........ petição para eles poderem se beijar em paz sem ninguém atrapalhar. nossa, e eu simplesmente amo a teoria de o peter ter dado o nome da karen em homenagem à esposa do plankton, então tive que colocar né? impossível deixar passar.
bem, hoje tenho algumas coisinhas para dizer, então vou ser breve. primeiro, já estamos quase chegando aos 100k!!!!! tô toda chorosa com isso- muito obrigada a todos, cada view e comentário e voto me deixa super feliz! planejo postar um especial triplo assim que chegarmos a 100k..... então talvez eu demore um pouquinho mais para aparecer. mas, considerando que minhas aulas na faculdade estão quase acabando e logo mais vem as férias, talvez eu arranje um tempinho extra para escrever. enfim, vamos ver k
segundo, vim falar do crossover do século, obviamente. não eu todo dia vindo promover alone together aiai...... bem, o primeiro capítulo já está disponível na trwnity e é da nossa savanninha, não deixem de ir lá conferir pq eu escrevi com mto carinho!!! eu e as meninas, na verdade, colocamos mto amor em toda a preparação do crossover e ele é simplesmente tudo!!! (não poupo elogios a ele. simplesmente meu xodó.)
enfim, por enquanto é só! espero não demorar muito para voltar, assim como espero que tenham gostado desse cap! até logo ♡
beijos!
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