39. she knows

PETER ESTAVA TENDO um ótimo dia. Uma pena que não durou.

O rapaz cantarolava baixinho a música que ecoava pelo laboratório. Balançando o corpo no ritmo da canção, ele ocupava-se em mexer em seus lançadores de teia; enquanto isso, do outro lado da bancada, Tony encontrava-se debruçado em cima de documentos holográficos sobre nanotecnologia e fazia algumas anotações de quando em quando. Ele franzia o cenho em concentração, embora não parecesse incomodar-se com o barulho ao seu redor.

As ferramentas nos dedos do Homem-Aranha zuniam conforme ele as manuseava com cuidado para não danificar ainda mais o circuito de seu lançador, já prejudicado durante o assalto ao Banco Central no sábado anterior. Desde a ocasião, o herói havia arrumado o aparelho como podia, embora não tivesse adiantado muito. Os lançadores de teia que sr. Stark havia lhe dado eram mais complexos dos que os seus antigos, aqueles que o próprio Peter fizera para si no início de tudo — entretanto, após tirar um tempo para desvendar por inteiro tal tecnologia, arrumá-la não estava sendo difícil. De fato, se ele tivesse dedicado um momento para compreendê-la propriamente durante a semana que se decorrera, o equipamento teria ficado novinho em folha muito antes.

Mas aquilo teria significado que ele não estaria ali, dando upgrades em seus aparelhos na companhia do Homem de Ferro. Portanto, de certa forma, ele ficava contente por ter estado apressado e impaciente demais para restaurar os lançadores anteriormente, já que aquilo lhe rendera tal momento na Torre dos Vingadores. Os heróis deveriam ter feito aquilo na sexta-feira, era verdade, mas então Peter se ocupara com o ataque ao restaurante e Tony acabara se atrasando mais em sua reunião. No fim das contas, fora uma coisa boa, pois o garoto duvidava que teria conseguido se concentrar depois de tudo que havia acontecido.

Sr. Stark, então, remarcara o compromisso: considerando que no dia seguinte o rapaz estaria ocupado com a festa de Lia, foi determinado que ficaria para domingo. Happy até mesmo havia ligado no sábado à noite para certificar-se de que o Aranha estaria presente, como se ele pudesse esquecer — embora, Peter suspeitava, o homem tivesse feito aquilo somente para provocá-lo.

Você vai estar aqui amanhã mesmo, garoto? Ou vai estar em outro encontro? — Happy perguntara com diversão até demais na voz.

Peter ficara muito grato por ninguém poder ver o seu rosto naquele momento; ele havia escapado para o quintal da casa dos Bennett justamente para ter mais privacidade durante a ligação, somente pela chance de ser algo importante. O que não fora o caso.

— Não acredito que você me ligou para dizer isso — ele havia resmungado, a vergonha palpável em seu tom.

Considerando a última vez, eu preciso checar, não é? Mas só lembrei agora — fora o que ele respondera, simplesmente, ainda parecendo achar graça da falta de jeito do adolescente. — Por acaso estou interrompendo algo?

O garoto estivera se preparando para ouvir mais piada a respeito de um encontro inexistente quando notara Savannah entrando no quintal. Fora o que bastara para que ele murmurasse uma desculpa qualquer para Happy a fim de encerrar a ligação... e, então, eles ficaram sozinhos ali.

Recordar-se daquilo — a leveza de sua conversa, o olhar que a amiga lhe lançara, os lábios dela contra o seu, o corpo dela em seus braços — fazia Peter se sentir eletrizado. A verdade era que o seu bom humor estava atribuído por inteiro a tudo que ocorrera na noite anterior: ele repassava e repassava o que havia acontecido em sua cabeça, como se para certificar-se de que era real. Para certificar-se de que ele e Savannah haviam mesmo se beijado.

E era tudo verdade, ainda que não parecesse às vezes. Ele lembrava-se de como as coisas haviam ficado constrangedoras quando estiveram arrumando a casa de Amelia para a festa. Eles estiveram tão perto de se beijar e, depois da interrupção de Ian Bennett, haviam se comportado como se tivessem acabado de evitar um grande desastre. Mas, agora que aquilo de fato acontecera, estava longe de parecer um erro, e eles certamente não agiram como se tivesse sido um.

Embora, claro, uma parte de Peter estivesse preocupada. O restante da noite havia sido ótimo, mas e se Savannah acabasse se arrependendo, no fim das contas? A possibilidade daquilo fazia uma massa pesada comprimir o peito do rapaz. E se, depois do que acontecera, tudo mudasse entre eles? E se a amizade deles fosse destruída? Tal ideia era angustiante demais para que ele sequer a concebesse.

Ele tentava ignorar todos aqueles pensamentos, empurrando-os para o fundo de sua mente até que chegasse a hora de lidar com a realidade. Quando ele e Savy se vissem novamente... sim, somente então ele se preocuparia. Ainda que, caso a garota dissesse que aquilo fora de fato um erro para ela, ele estivesse disposto a ignorar todos os seus sentimentos em prol de manter a amizade intacta. Por mais doloroso que aquilo fosse, ainda era uma alternativa melhor a perder a amiga.

Peter balançou a cabeça na tentativa de livrar-se de tudo aquilo. Os jovens haviam feito uma espécie de trato silencioso para não se preocuparem com aquilo por enquanto, não tinham? Assim, o herói preferia se ater às boas memórias da noite anterior, as quais colocavam um sorriso em seus lábios mesmo agora, horas depois. Ele passara o dia inteiro daquela maneira, simplesmente incapaz de tirar Savannah Evans de sua cabeça.

O menino já tinha parado de cantarolar fazia alguns minutos, mas ainda se balançava em sua cadeira. Aquilo pareceu chamar a atenção de sr. Stark, que comentou de repente:

— Você está bem sorridente hoje. Acho que consigo ver todos os seus dentes. — O homem ergueu os olhos de sua pesquisa. — Isso quer dizer que você se divertiu na festa?

Peter pigarreou e deu de ombros na tentativa de parecer casual. Ele manteve-se focado nos lançadores, remexendo em placas e fios.

— É, foi legal.

Mas Tony pareceu ver além de sua fachada, de modo que abriu um sorriso divertido.

— Me pergunto se tem algo a ver com o encontro em que você foi um dia desses — ao ver a expressão do adolescente, ele deu de ombros com um ar igualmente casual. — Ah, sim, SEXTA-FEIRA e Happy me contaram tudo sobre ele.

Por que será que ele não estava nem um pouco surpreso por sr. Stark saber daquilo? Ele deveria ter imaginado... do jeito que Happy não parava de implicar com ele, era claro que falaria para o Homem de Ferro, o qual, por sua vez, nunca deixaria passar a oportunidade de trazer o assunto à tona. Peter não ficou irritado com aquilo, apenas meio encabulado — e, quando balançou a cabeça em negação alguns segundos depois, o seu rosto vermelho entregou tudo que tentava esconder.

— Não era um encontro — foi o que respondeu. — Só estava indo jantar com a minha...

O menino acabou se interrompendo, incerto de como chamar Savannah àquela altura. Ele realmente não fazia ideia, no fim das contas. Mas, em vez de se preocupar com aquilo, ele apenas empurrou os pensamentos para o fundo da mente.

— Não importa, porque aquela gangue invadiu o restaurante antes que a gente pudesse sequer fazer os pedidos — ele deu de ombros em uma tentativa de dar menos importância ao assunto. — Enfim. Não era um encontro, de qualquer maneira.

Sr. Stark arqueou as sobrancelhas com uma expressão cética. Houve um breve período de silêncio quando a música que tocava chegou ao fim, logo dando início à outra. As canções variavam desde baladas dos anos 80 a hits de rock, com um destaque especial para Led Zeppelin. Era uma playlist bastante aleatória, ainda que surpreendentemente agradável.

— Não sei se finjo acreditar ou se acho engraçado você pensar que está enganado alguém, principalmente a mim, a essa altura.

Peter soltou um suspiro de derrota, deixando que as ferramentas que usava caíssem com um estalido na bancada. Entretanto, não foi capaz de segurar o pequeno sorriso que ergueu o canto de seus lábios.

— É tão óbvio assim?

— Só para qualquer um que tenha olhos.

Mais uma vez, o Homem-Aranha sentiu-se ruborizar. Ele virou o rosto para observar os arredores, como se aquilo fosse ser capaz de fazê-lo controlar a vermelhidão; o laboratório encontrava-se completamente diferente do que da última vez em que o jovem estivera lá, cerca de um mês atrás. Muita coisa mudara desde então, e agora o local estava repleto de projetos e equipamentos. Além de suas paredes de vidro estava o restante da Torre, com seus lances de escada, sofás e mesas.

Tony ergueu-se de sua cadeira. Ele começou a andar pelo laboratório com ar de quem estava prestes a fazer um discurso.

— Escute, vou contar um segredo: as coisas não são tão complicadas como pensa — ele falou. — Você gosta dela e, pelo que eu posso presumir pelo seu ótimo humor de hoje, ela parece gostar de você também.

Parecer — aquela era a palavra chave. Porque, no dia anterior, Savannah parecera gostar tanto dele quanto ele gostava dela, mas e se somente tivesse se deixado levar pelo momento? Claro que ela se afeiçoava a ele, afinal, eles eram amigos próximos, mas o que aconteceria caso aquilo fosse tudo? E se, no fim das contas, os únicos sentimentos que nutrisse por ele fossem provenientes da amizade dos dois?

A qual poderia estar prejudicada depois do que havia acontecido.

Peter fechou os olhos, querendo evitar pensar naquelas coisas.

— Não parece simples, sr. Stark — disse, por fim.

— Claro que não. Você é um adolescente, e adolescentes são dramáticos por natureza. — Tony piscou com diversão, e então suas feições suavizaram. — É normal ficar inseguro e nervoso, garoto. Todos ficam desse jeito.

Era fácil para o homem falar. Ele tinha a srta. Potts, ao passo que Parker tinha apenas uma rede de hormônios e paranoias que o faziam sentir as coisas em dobro e duvidar de tudo. Obrigado, adolescência, ele pensou com secura.

— Você também ficava assim com a srta. Potts no início?

— Não, mas isso porque eu sou um conquistador nato.

Peter soltou uma risada. Àquela altura, sr. Stark já havia parado de dar voltas no laboratório e alcançado o adolescente. Ele parou ao seu lado, colocando a mão em seu ombro tal qual um pai faria.

— O nome dela é Savannah, não é?

O vigilante concordou com um singelo aquiescer. Tony, por sua vez, meneou também a cabeça; suas feições, não pela primeira vez, pareceram intrigadas durante alguns segundos, como se ele possuísse conhecimento de algo que o outro, não.

— Fale com Savannah — foi o que ele disse. — Talvez tente chamá-la para um encontro de verdade. Um em que, você sabe, os dois possam terminar o jantar sem ter que lidar com alguma gangue.

Mais uma vez, Peter soltou uma risada curta.

— É, isso seria legal — ele refletiu. E, ainda que aquela conversa não o tivesse deixado menos conflitado no que dizia respeito aos seus sentimentos e aos de Savy, ele ainda apreciou a tentativa do Homem de Ferro de ajudar. Ele estava certo quanto a uma coisa: o rapaz teria de conversar com a amiga. E, quem sabe, ele não poderia realmente chamá-la para sair em um encontro de verdade depois daquilo. — Obrigado, sr. Stark.

Tony acenou com uma mão, como quem dissesse que não fora nada demais, e com a outra deu tapinhas nas costas do Homem-Aranha.

— De todas as coisas que eu imaginei que seria na vida, guru amoroso de adolescentes com certeza não estava na lista — ele resmungou, mais para si do que para o menino, mas este sorriu do mesmo jeito. — Agora, leia isso, pirralho. Quero que me dê uma opinião.

Dito isso, o homem fez um gesto com a mão para aproximar deles a tela holográfica que estivera observando alguns momentos antes. Ela se expandiu pelo laboratório, projetos e imagens e longos textos relacionados à nanotecnologia revelando-se para Peter, cuja atenção voltou-se totalmente para Tony quando este começou a falar.

Como sempre, a cidade era extremamente barulhenta: uma sinfonia de buzinas, escapamentos e gritos comuns dos nova-iorquinos acompanhava Peter conforme ele balançava-se em suas teias. O herói percorria as ruas com calma, sem um rumo exato a seguir; ele estava apenas aproveitando a volta de seus lançadores e a liberdade que vinha com eles, embora estivesse preparado para o caso de encontrar alguém precisando de ajuda.

O Homem-Aranha içou-se para cima, soltando-se da teia que o prendia a um prédio. Por um instante, ele pendeu no ar, o vento soprando de maneira abafada em seus ouvidos, o Queens piscando abaixo, uma sensação inexplicavelmente boa tomando apoderando-se dele. O vigilante poderia ficar daquela maneira para sempre, mas, eventualmente, a gravidade cobrou o seu preço. Ao começar a despencar, o rapaz utilizou seus lançadores para se segurar em uma construção e voltou a perambular por aí.

Já havia escurecido fazia algum tempo, e as ruas abaixo ficavam cada vez mais desertas à medida que o herói desbravava o Nova York. Entretanto, mesmo sem problemas à vista, Peter ainda não tinha vontade de ir para casa. Em parte porque ele ainda aproveitava a independência proporcionada pela vigília, em parte porque sabia que, assim que encerrasse a noite, aquilo o aproximaria cada vez mais do encontro com Savannah no dia seguinte.

Não que ele não quisesse vê-la; não, ele apenas temia a possível conversa que teriam. Uma conversa em que ela poderia dizer que tudo fora um erro e que eles deveriam continuar sendo apenas amigos. Se aquilo acontecesse... O menino aceitaria a decisão, claro, mas doeria mais do que ele se permitia pensar. E pior que aquilo era imaginar que a amizade deles fosse ser afetada e eles se distanciariam.

Parker sabia que estava sofrendo por antecipação, mas não conseguia evitar. Em meio ao seu bom humor e alegria por conta da festa de Lia, existiam aquelas dúvidas e inseguranças. Ele estava dividido entre sua felicidade e seu nervosismo; havia feito o que podia para manter tudo aquilo afastado durante o dia inteiro, e agora, sozinho e sem muito com o que se distrair, a tarefa se provava um pouco mais complicada.

Dessa forma, foi meio que um alívio ouvir gritos raivosos e altos ruídos de luta vindos da rua sobre a qual pairava — finalmente, algo para ocupar a sua mente... Quer dizer, oh, não, crime!

Sem perder tempo algum, Peter avançou para baixo. Ele olhou rapidamente em volta ao atingir o chão, descobrindo que os barulhos vinham de uma loja de eletrônicos mais à frente. Foi capaz de enxergar, pela vitrine, três figuras mascaradas: havia um homem guardando sua pistola no coldre enquanto aproximava-se de duas mulheres. Uma delas segurava os braços da outra, imobilizando-a para que, o Aranha suspeitava, o cara com a arma pudesse atingi-la.

Peter sabia quem era a jovem encurralada. Ainda que não usasse o seu típico uniforme, não poderia ser ninguém além da Major. Ela era a única pessoa que ele conhecia que se jogaria em um assalto daquela maneira.

E, mesmo que houvesse a chance de ele estar errado — mas ele duvidava ser o caso —, aquela garota estava em apuros. De uma maneira ou de outra, o herói ajudaria... e, de quebra, se aquela fosse mesmo a Major, ele finalmente teria a chance de se desculpar com ela pelas coisas que dissera naquele dia no banco.

Peter, portanto, correu para a loja. Ele escancarou a porta sem cerimônias, fazendo com que o sininho na entrada tilintasse espalhafatosamente. Aquilo pareceu chamar a atenção de todos do lado de dentro, que pararam o que faziam a fim de encará-lo. Lembrando tarde demais de ligar o modulador de voz do uniforme, o Homem-Aranha forçou a voz para que ficasse mais grossa e irreconhecível:

— Não acredito que vocês não me chamaram para a festa!

Seu surgimento pareceu proporcionar a distração necessária para que a jovem presa — agora ele não tinha dúvidas de que realmente fosse a Major — lançasse a cabeça para trás. Ela atingiu o rosto da mulher que a segurava, de modo que acabou sendo solta. Com rapidez, o outro bandido tentou sacar a arma do coldre, mas Peter o lançou para o chão com um chute ante que fosse possível. Em seguida, ele atirou teias em ambos os criminosos, prendendo o homem ao piso e a comparsa à parede.

A Major, meio arfante e olhando para os criminosos detidos, estava agora ao lado dele. Ela passou a mão pela cabeça, esfregando a têmpora como se doesse. Sua voz soou arranhada, embora mais grave também, quando falou:

— Chegou bem na hora, Cabeça de Teia.

O vigilante deu de ombros.

— Bem, o meu arrepio do Homem-Aranha disse que você estava com problemas — ele brincou, ainda que ela não fosse entender a referência. — Mas parece que você já tinha dado conta do recado.

A garota virou-se para encará-lo. Dava para ver as sobrancelhas franzidas dela pelo recorte na máscara destinado aos olhos, coisa que Parker mal reparou. Tudo que passava por sua cabeça no momento era em como poderia se desculpar com ela pelas coisas horríveis e nem um pouco verdadeiras que lhe havia dito no sábado anterior. Para alguém que havia imaginado aquele cenário várias vezes, era de se imaginar que ele soubesse o que dizer. Todavia, as palavras haviam escapado de sua mente, e ele começou a falar de improviso.

— Enfim, que bom que eu encontrei você, Major — falou com um pigarro, meio esbaforido. — Queria me desculpar por aquele dia no banco. Eu agi feito um completo babaca e não deveria ter dito aquelas coisas para você... Eu nem sequer acredito nelas! — ele gesticulou com exasperação para cima. — Eu só estava irritado com toda aquela situação, e perdi a cabeça quando vi que tomaram May como refém, e então...

Peter se interrompeu mais do que imediatamente, percebendo o seu erro tarde demais. Tamanha era a sua afobação, sua ansiedade e nervosismo para explicar o que se passara naquela tarde que havia acabado de revelar o nome da tia como um grande idiota.

Porém, aquele não era um fato impossível de o Homem-Aranha saber, não? Poderia dizer que havia descoberto xeretando os arquivos da polícia, ou que havia localizado a mulher para saber se ela estava bem depois de tudo que acontecera. Felizmente, era uma falha fácil de ser corrigida, e ele estava prestes a fazê-lo quando a Major, cambaleante, recuou alguns passos.

— Como você sabe a o nome dela?

Sua voz soou atônita. Sua voz soou natural, sem tentativas de modificar o tom a fim de disfarçá-lo. Mais do que isso, sua voz soou terrivelmente familiar — e o próprio Peter chocou-se, o corpo retesando e os olhos arregalando-se diante do que escutava.

Não. Era impossível, não era? Ele só podia ter ouvido errado. Porque a Major havia falado exatamente como Savannah, e aquilo só podia ser um equívoco por parte dele. Estava imaginando coisas, só podia ser.

— Eu... O quê? — Ele balbuciou, desorientado. — O que você disse?

Ele precisava ouvi-la de novo. Precisava ouvir sua voz para comprovar que havia se enganado, que fora apenas impressão sua. Entretanto, tudo que a heroína fez foi encará-lo, quase que como se dentro de um transe, com os seus olhos azuis em arregalados. Olhos que o rapaz uma vez achara conhecer graças à outra parte de sua vida dupla, possibilidade que então descartara como uma grande coincidência.

— Major... — ele começou, não ousando referir-se a ela pelo que poderia ser o seu verdadeiro nome.

Seu chamado pareceu despertá-la de seu torpor. Com um sobressalto, a heroína vacilou, como se estivesse com dificuldade para manter-se ali. Conforme passava a mão pela cabeça de novo, ela girou no lugar, em busca, ao que tudo indicava, de algo. Ela abaixou-se para pegar o que quer que fosse após parecer achar o que queria — embora Peter mal tenha prestado atenção, visto que o seu sentido aranha se fez presente naquele mesmo segundo.

O Homem-Aranha não foi veloz o suficiente para identificar de onde vinha o perigo, e, de repente, ele foi erguido no ar por uma espécie de aura azul. Ele estava paralisado, a Major ao seu lado, tão incapaz de se mover quanto ele. Eles só conseguiram observar enquanto um terceiro bandido surgia por trás das estantes da loja. Provavelmente, a sua ex-quase-parceira havia cuidado dele antes, mas agora o criminoso havia voltado ao jogo, e desta vez com uma grande arma em mãos.

Peter a reconheceu. Logicamente, era uma das armas do Abutre, mas o vigilante já a havia visto no ano anterior quando a Gangue dos Falsos Vingadores tentara assaltar caixas eletrônicos e acabara destruindo a Padaria do Delmar. Naquela ocasião, ele também fora detido por aquele raio azul, mal conseguindo se mexer, bem como agora.

O rapaz não teve mais tempo para recordar-se do passado nem para prestar atenção na sensação fria que se agarrava a ele mesmo com o uniforme, não quando tanto ele quanto a Major foram lançados contra a vitrine da loja, esta reduzida a pedaços conforme ambos eram cuspidos para a rua. Os dois rasgaram o ar com intensidade, atingindo a calçada do outro lado. Eles colidiram contra um carro estacionado no meio-fio; Peter perdeu o ar quando seu corpo amorteceu o impacto do da heroína, e então eles desabaram no asfalto.

Desorientado e com dor, Peter tentou se erguer. Cada célula de seu corpo parecia protestar contra o mais ínfimo dos movimentos, sua cabeça girava, seus pulmões clamavam por oxigênio. As coisas ao seu redor levaram um tempo para entrarem em foco novamente. De forma vaga, o rapaz registrou o alarme do automóvel em que haviam batido apitar sem parar. O veículo estava amassado e possuía duas janelas quebradas, o vidro espalhado sobre os vigilantes e o chão ao redor.

A Major, debruçada desconfortavelmente sobre o que parecia ser uma mochila (o que ela devia ter se abaixado para recuperar previamente), estava caída um pouco mais adiante. Havia cacos de vidro em suas roupas e cabelos; o rapaz sentiu uma onda de agonia percorrê-lo ao notar que havia algumas lascas cravadas em sua perna, vulnerável graças ao tecido pouco resistente da calça. Ele se perguntou se ela estaria mais ferida caso tivesse atingido diretamente no carro, em vez de ter o choque da colisão absorvido por ele.

A menina demorou mais alguns instantes para se mexer. O Homem-Aranha já cambaleava em sua direção quando ela espalmou as mãos no asfalto na tentativa de se levantar.

— Está tudo bem? — Ele inquiriu.

Ela assentiu de leve, os olhos semicerrados com a dor. Peter estendeu a mão para ajudá-la a se erguer, gesto que ela aceitou. Porém, uma vez que os dedos dele se fecharam em torno de seu pulso esquerdo, a Major retraiu-se com um grunhido e se afastou. Tal movimento fez com que a manga do suéter dela subisse ligeiramente, de modo que o garoto pôde enxergar o curativo que havia em seu braço. No exato lugar em que Savannah havia sido ferida pelo falso Hulk.

Caso ainda houvesse alguma dúvida na mente de Peter a respeito da identidade secreta da vigilante, ela desapareceu por completo no momento em que ele viu o machucado dela.

A Major era, de fato, Savannah Evans.

E, a julgar pelo modo como a jovem o encarava, sem contar com sua reação dentro da loja de eletrônicos... ela com certeza sabia sobre ele. Sabia que Peter era o Homem-Aranha.

Por um momento, o herói observou a amiga, agora totalmente em pé, apoiar-se contra o carro. Ela segurava a tal mochila com uma das mãos, a qual o menino reconheceu como a mesma que ela levara para a casa de Amelia no dia anterior. Seus olhos e sobrancelhas, os únicos aspectos de seu rosto em evidência pela máscara, denunciavam uma careta de dor. Por fim, Savannah desviou o olhar do dele, voltando o foco para os cacos de vidro cravados em sua perna. Como se aquilo não passasse de um incômodo, ela inclinou-se para tirar a maior das lascas.

Peter sentiu as feições contorcerem-se com aflição — mas, antes que ele pudesse sequer fazer menção de ir ajudá-la de alguma forma, o seu sentido aranha apitou novamente. Daquela vez, o herói foi mais rápido.

— Cuidado! — ele alertou.

Savannah, por mais zonza que aparentasse estar, agiu no segundo seguinte. Ela mergulhou para o chão junto ao rapaz quando a enorme caixa de uma televisão foi lançada em direção a eles, atingindo, em vez disso, o veículo atrás dos dois e o amassando ainda mais. Os vigilantes, cada um em flancos opostos do carro, mal tiveram tempo para respirar, porém; um tiro atingiu o pneu do automóvel, a poucos centímetros de onde a Major estava, e mais uma caixa com algum eletrônico voou na direção deles. 

Como se tivessem combinado previamente, os dois deram a volta no carro, assim improvisando um abrigo para escaparem dos tiros e se reagruparem. Peter escorou-se na lataria e espiou a situação através das janelas restantes: na entrada da loja, estava tanto o homem com a arma do Abutre quanto os dois bandidos que a Major e o Homem-Aranha haviam derrubado outrora. Provavelmente haviam sido soltos pelo terceiro criminoso enquanto os vigilantes se recuperavam do golpe que os lançara para a rua. Aquilo também explicava o porquê de outro ataque não ter vindo quando eles estiveram caídos e vulneráveis, quando teria sido mais fácil derrotá-los.

Porém, se antes os assaltantes haviam demorado para recomeçarem suas investidas, não era mais o caso. O garoto abaixou-se no exato momento em que uma bala estilhaçou uma das janelas até então intactas do carro; voltando a se apoiar no automóvel, ele lançou uma olhadela para Savannah. Ela, encostada na porta de passageiro, tinha a mão na cabeça. Sangue escorria pela perna e ela respirava pesadamente, mas, ainda assim, seus olhos tinham um brilho de determinação quando se voltaram para ele.

Peter entendeu a mensagem. Ela estava tão desorientada quanto ele, tão surpresa ou machucada, mas nada daquilo importava enquanto eles estavam sob ataque. Depois de uma breve troca de olhares, eles assentiram um para o outro. E, então, saltaram de seu esconderijo.

Naquele mesmo momento, mais uma caixa — daquela vez, ao que tudo indicava, de uma impressora digital — foi atirada em direção a eles por aquela aura azul. O Homem-Aranha segurou-a com suas teias, girou e lançou-a com força de volta. Os bandidos se dispersaram quando a embalagem atingiu a fachada da loja com um estalo, fugindo por pouco, e aí partiram para um confronto direto. De soslaio, o herói enxergou Savannah aproveitar a distração de seu contra-ataque para correr até os oponentes. Ela mancava ligeiramente, mas aquilo não a impediu de jogar-se contra a mulher que outrora a segurara.

A assaltante, embora não possuísse uma arma de fogo, segurava uma faca que havia tirado sabe-se lá de onde. Ela brandiu a lâmina contra a Major, que usou a sua mochila para atingi-la com força. Por mais que Peter se preocupasse com o bem-estar da amiga, ele agora tinha certeza absoluta de que ela sabia o que estava fazendo, e ele próprio estava ocupado desviando de tiros e objetos — estilhaços da vitrine da loja, mais caixas, qualquer coisa que parecesse estar ao alcance do assaltante — lançados em sua direção pelo raio azul.

O rapaz lançou teias no homem que manuseava a arma do Abutre para incapacitá-lo, e, em seguida, saltou até o bandido que tentava alvejá-lo. Ele acertou-lhe um chute que o mandou para o chão, mas, antes que pudesse prendê-lo ao asfalto, seu sentido aranha soou pelo que devia ser a trigésima vez naquele dia. No segundo seguinte, Peter ouviu pneus cantando; ao espiar por cima do ombro, ele enxergou uma van arrancar da esquina.

O veículo correu a toda velocidade na direção deles, e o herói precisou dar um pulo para trás a fim de não ser atropelado. Mal o carro havia parado e a janela se abaixou, revelando a ponta de um rifle. O Aranha arregalou os olhos e girou para escapar das balas. Savannah, que até então lutava contra o cara da pistola — o qual, ao que tudo indicava, havia se levantado e desistido de sua arma de fogo — pela posse do aparato do Abutre, também notou o perigo. Ela mergulhou para o chão com um grito ao desviar dos tiros.

Peter lançou uma teia no rifle e o puxou, arrancando-o das mãos de quem deveria ser o motorista de fuga daquele grupo de assaltantes. Entretanto, nem ao menos teve tempo de respirar antes que fosse envolvido novamente por aquela aura azul.

Paralisado no ar, o menino praguejou mentalmente, fazendo esforço, em vão, para tentar se libertar. Ele viu o cara da pistola (que agora estava mais para cara da arma do Abutre, não é?) sorrir e fazer menção de lançá-lo pelos ares — algo que nunca chegou a acontecer, na verdade, pois a Major surgiu e pulou sobre o homem.

O bandido acabou largando a arma com isso, de modo que o Homem-Aranha foi solto. Ele aterrissou no chão enquanto Savannah e o criminoso brigavam: ele se debatia, arranhava e estapeava para tirá-la de suas costas, contudo, a garota continuava agarrada ao pescoço dele, sem afrouxar o mata-leão que fazia. De fato, ela só se abalou quando o assaltante, cujos movimentos já vacilavam, cravou as mãos na lateral do corpo dela. A vigilante soltou um grito rouco e ele aproveitou a distração para atirá-la no chão.

Uma vez que a amiga estava longe da zona de risco, Peter não perdeu tempo. Ele derrubou o homem, que tossia devido ao golpe que recebera, e usou suas teias para prendê-lo ao asfalto. Em seguida, virou-se com certo frenesi, pronto para combater o restante dos criminosos; todavia, ao olhar em volta, ele descobriu que não havia mais ninguém contra quem lutar na rua.

A van havia desaparecido, bem como o bandido que estivera manuseando a arma do Abutre antes do cara da pistola. A mulher com quem Savy lutara previamente jazia desacordada no chão, embora não houvesse nenhum sinal de seus companheiros. Sem sombra de dúvidas, haviam aproveitado a distração do confronto para escapar, deixando para trás os comparsas e até mesmo o aparato de tecnologia alienígena.

Balançando a cabeça, Peter aprumou-se. Talvez não fosse tarde demais para localizar o carro e prender os fugitivos. Ele e Savannah poderiam ir para um lado enquanto seu drone poderia vasculhar o outro, de modo que, se tivessem sorte, conseguiriam emboscar os criminosos.

O rapaz virou-se para a Major, que utilizava um carro como apoio para se erguer. Ela, em algum momento, havia alcançado sua mochila no chão e agora a segurava contra o corpo, arfante devido à luta.

— Dois deles escaparam — o Homem-Aranha relatou. — Mas acho que dá para alcanç...

Ele nunca chegou a terminar a frase, as palavras substituídas por um grito de alerta quando ele viu as pernas de Savannah fraquejarem. Ele não foi rápido o suficiente para segurá-la antes que ela cedesse e colapsasse no chão, deixando uma marca vermelha na janela do veículo em que se segurava quando tentou, em vão, amparar a queda.

Com o coração disparado, Peter a alcançou — somente para soltar um arquejo angustiado ao notar que a blusa dela estava completamente encharcada de sangue, assim como suas mãos e até mesmo a bolsa. Os olhos dela estavam fechados e o corpo, tão inerte que chegava a ser assustador. Um medo gelado tomou o menino por inteiro quando ele se deu conta de que a amiga havia levado um tiro, e, daquela vez, não usava um colete à prova de balas para se proteger.

Por um breve momento, ele recordou-se de quando o motorista da van começou a alvejá-los com o rifle. O jovem achara que Savannah havia gritado com a surpresa e se lançara ao chão para desviar das balas — no entanto, agora ele percebia que ela havia gritado e caído ao ser atingida. O mesmo valia para quando estivera lutando contra o cara da pistola: ela se jogara nele e somente o soltara quando ele a acertara no machucado.

Se o Homem-Aranha olhasse para trás, ele conseguiria ver o criminoso com o corpo manchado de vermelho onde a heroína o atacara. Se olhasse para trás, conseguiria ver rastros de sangue pela rua. Mas ele não fez nada disso: todo o seu foco estava em Savannah, e ele estava congelado, em pânico e com um desespero cada vez maior arrastando-se por seu corpo, tirando-lhe o ar e fazendo com que suas mãos tremessem.

Hospital. Ele precisava levá-la para um hospital, e rápido.

Quase como se em resposta ao seu pensamento, sirenes de polícia ecoaram ao longe. Elas fizeram o vigilante perceber que, caso levasse a Major a qualquer hospital, ela seria exposta. Seria denunciada e presa, ou pior. Mesmo que ela usasse roupas comuns no momento, mesmo que Peter tirasse sua máscara e a apresentasse apenas como Savannah Evans, vítima de algum assalto que dera errado, ainda poderia haver câmeras para denunciar a verdade, e aquele era simplesmente um risco grande demais para se correr.

A angústia e o pavor pareciam estrangular o coração do adolescente. Ele não conseguia respirar direito e sua mente estava anuviada pelo medo, mas ele obrigou a pensar com clareza. A vida da amiga dependia daquilo, e ele não falharia. Não se permitiria, não poderia falhar.

Portanto, ele a tomou em seu colo, as mãos mais trêmulas do que imaginava ser possível. O corpo da menina estava flácido contra os seus braços e o seu sangue não demorou para molhar o uniforme dele. Aquilo só pareceu intensificar o desespero gelado que arrastava-se pelo herói, mas, ainda assim, ele arranjou forças para se erguer e dizer com a voz falhada:

— Karen, ligue para o sr. Stark. Agora.

Com isso, ele lançou uma teia na construção mais próxima. Peter abraçou Savannah com firmeza antes de içá-los para o céu noturno, rumo à Torre dos Vingadores.

[01/11/2021]

puts e agora kk

oi gente! tudo bem com vocês?

finalmente consegui aparecer, ai..... antes tarde do que nunca né kk

bem, o motivo principal da minha demora foi, como vocês sabem, a repostagem da fic. mas enfim ela terminou e cá estou, mais contente do que nunca com o estado da história hihihi e agora to ainda mais animada para os capítulos que tão vindo aí...... eu amo a parte 2 de super af

aliás, gente, chegamos a 80k de visualizações!!!!!!! eu surtei DEMAIS vendo isso, vocês nem tem noção! muito, muito obrigada, galera, fico contente demais com cada view, comentário e voto de vocês! <3

enfim..... acho que é só isso mesmo que eu tenho para falar. espero que vocês tenham gostado do cap, e espero também não demorar muito para voltar com o próximo!

beijinhos!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top