33. hostage situation

A BICICLETA ERA pequena, desconfortável e roxa. Savannah pedalou o mais rápido que pôde, mesmo com os sapatos ocasionalmente escorregando dos pedais minúsculos. As fitinhas magenta amarradas no guidão esvoaçavam com o vento e a cestinha na dianteira balançava tanto que parecia que ia cair; a bunda da garota doía no banco e era verdade que os mecanismos podiam estar podres àquela altura, mas a sua velha bicicleta de infância teria de bastar por ora. 

Era o meio da tarde de sábado, quatro de novembro. Embora a Major tivesse decidido evitar patrulhar antes de a noite cair — para evitar chamar a atenção em plena luz do dia e ser denunciada —, precisou abrir uma exceção para aquela situação em especial. Assim, ela optou por tomar a rota mais vazia até o seu destino, e, visto que o clima estava péssimo, com o céu carregado com pesadas nuvens de chuva, havia ainda menos pessoas do que o normal nas ruas.

Savannah estivera sozinha em casa quando ouviu o rádio comunicador da polícia farfalhar. Kyle havia ido fazer companhia a Theo e ela, cujos pensamentos passeavam entre as lembranças do dia anterior, no hospital, e depois na casa de Peter, fora pega de surpresa pela informação repassada. Escutara atentamente e então correra para se trocar; montada em sua pequena bicicleta roxa, a qual encontrara mais cedo enquanto revirava a garagem, ela disparara para fora de casa.

À medida que chegava perto do banco, podia ouvir sirenes ficarem mais altas. Ela não pôde deixar de ficar nervosa enquanto parava na praça localizada a duas quadras do problema. Ela escondeu a bicicleta em um arbusto e permaneceu abaixada, mas o medo de ser achada fazia o coração martelar forte dentro do peito.

De repente, ela ouviu um cochicho:

— Ei, Major? Você tá aí?

Savannah saiu de trás de seu esconderijo vergonhoso — de alguma forma, esconder-se atrás de um arbusto era um golpe muito maior em seu orgulho do que ela havia imaginado — para então estar diante do Homem-Aranha. Alguns trovões soaram acima de suas cabeças, um sinal de que logo choveria.

— Sim — ela respondeu, limpando folhas presas em seu uniforme com dignidade. Ela o encarou, completamente séria. — Preparado?

O herói, ao invés de rir por causa de onde ela o estivera aguardando, somente assentiu, tão soturno quanto sua parceira, e lhe estendeu a mão. Uma vez que a Major se segurava firme nele, suas teias os içaram até a construção mais próxima — e para a seguinte, e a depois dela, até que os dois estivessem aterrissando no telhado do banco.

Cambaleando um pouco, Savannah afastou-se do rapaz para olhar a situação abaixo. Viaturas e oficiais enchiam a rua, conversando baixinho e tentando manter afastada a multidão na calçada. Os vigilantes haviam tomado o cuidado de se aproximarem pela rua de trás, porém, ainda assim fora muita sorte ninguém tê-los visto. Ela se distanciou da beirada antes que aquilo mudasse.

Ela voltou para perto do Homem-Aranha, que observava o interior do banco através da grande claraboia no telhado. Mesmo sem conseguir ver o rosto dele, Savannah sabia que estava tenso. Ela também estava. Afinal, lidar com uma situação de reféns era assustador.

Assim que a jovem ouvira no rádio que criminosos haviam feito reféns em um banco, ela soube que precisava ajudar; aquele tipo de cenário poderia durar horas a fio, a menos que um grupo conseguisse entrar sem ser detectado para neutralizar a ameaça. No caso, ela sabia que não conseguiria sozinha, então mandara uma mensagem para o Aranha através de seu celular descartável, contando o problema e marcando um ponto de encontro.

Eles eram a equipe perfeita para a tarefa: os assaltantes estavam preocupados demais com a polícia para cogitar a intromissão deles. Até porque, depois do pronunciamento do comissário no dia anterior, ninguém esperaria que eles dessem as caras tão cedo. Talvez fosse, de fato, mais inteligente esperar um pouco para retornar à ativa, mas Savannah precisava fazer o que pudesse para ajudar. Qualquer um daqueles policiais lá embaixo podia ser corrupto — sabia que não podia confiar neles para manter as pessoas seguras e cuidar dos ladrões, então ali estava.

A garota tentou afastar o medo que revirava suas entranhas conforme observava a situação dentro do banco. Sua mente trabalhava furiosamente para criar uma estratégia viável a fim de lidar com aquilo tudo.

— Há três deles com os reféns e outros dois nos cofres nos níveis inferiores — o Homem-Aranha avisou.

Savannah anuiu com frenesi.

— Certo. Vamos cuidar dos bandidos nos cofres primeiro. Talvez, lá de cima, não dê para escutar a luta, então vamos precisar atrair os outros lá para baixo. De uma maneira ou de outra, precisamos afastá-los dos reféns — ela disse.

— Depois de lidarmos com os dos cofres, é melhor alguém se esconder para o caso de um dos outros assaltantes descer com algum civil — o herói sugeriu. — A concentração dele vai estar em só um de nós, e o outro pode surpreendê-lo por trás e apagá-lo.

— Sim — ela concordou. — Os reféns são a prioridade. Precisamos mantê-los a salvo.

O Homem-Aranha aquiesceu. Então, ele abriu a janela da claraboia, uma passagem grande o bastante para que eles pudessem se esgueirar para dentro do local com cuidado. Eles aterrissaram no segundo andar do banco, onde havia algumas saletas, todas vazias no momento. Mantendo-se abaixada, a Major espiou o térreo: três criminosos rondavam o local, caminhando entre os reféns com armas a postos. Dava para ver, na extremidade do salão, uma barricada em frente à saída. Na outra ponta, um portão revelava um corredor que Savannah suspeitava dar para os cofres.

Para a sua sorte, a passagem ficava bem ao lado da escadaria que conectava os dois pisos. A questão era como conseguiriam chegar até lá sem serem notados.

Como se o Universo estivesse esperando por este questionamento, um barulho irrompeu pelo silêncio: um toque de celular. A princípio, Savannah gelou, com medo de algo acontecer a quem quer que estivesse recebendo aquela ligação. Todavia, querendo ou não, aquilo podia servir como distração, e ela duvidava que fossem ter outra chance como aquela.

Ela estava para sinalizar aquilo ao Homem-Aranha quando acabou correndo os olhos pela sala, sua atenção atraída pela comoção que se formava abaixo. As pessoas remexiam-se desconfortáveis e assustadas enquanto um homem, sob o olhar de todos os três assaltantes, tentava pegar o seu celular para recusar a chamada. Suas mãos estavam impossivelmente trêmulas, então a mulher ao seu lado fez o favor de ajudá-lo a desligar o aparelho.

Savannah perdeu o ar por completo.

Aquela mulher era May.

May Parker, a tia de Peter, estava naquele banco. A Major ficou ainda mais ansiosa do que acreditava ser possível. Meu Deus, meu Deus, meu Deus. Uma enxurrada de sentimentos derramou-se sobre a heroína; medo e preocupação atenuaram-se e ameaçaram tomar conta dela. Conhecer alguém ali tornava tudo pior, mil vezes mais aterrorizante. Agora ela sabia: precisava correr até aqueles cofres agora, precisava desviar a atenção dos reféns, de May.

Não apenas por todos ali, mas por aqueles que os conheciam, como Peter. Não poderia permitir que qualquer coisa acontecesse à tia dele.

Savannah virou-se para falar com o Homem-Aranha — entretanto, era tarde demais. Quando ela percebeu, ele já estava saltando o guarda-corpo.

Peter não pensava. Ele mal respirava, se fosse ser sincero. A única coisa que perpassava por sua mente era um nome: May.

Mais cedo, sua tia saíra, mas ele não fazia ideia de para onde ela tinha ido. Agora sabia; a mulher estava ali, sendo feita de refém por um bando de assaltantes. Como se a situação em que o banco encontrava-se não fosse estressante por si só, saber sobre May tornava tudo ainda pior. Pessoal. Aquilo desencadeava uma onda de pânico pelo corpo do herói, um medo genuíno e de gelar o coração.

Assim que viu a tia, uma descarga de ansiedade percorreu o seu corpo. Ela estava sob a atenção dos criminosos — e, naquele instante, ele soube que não poderia deixar aquilo acontecer. Não poderia deixar nada acontecer com May.

Ele nem ao menos pensou antes de pular do guarda-corpo do segundo andar. Nem sequer lembrou-se do plano que havia forjado com a Major: lidar com os bandidos no cofre primeiro, proteger os reféns a qualquer custo. Sim, ele faria aquilo. De uma maneira diferente, mas ainda protegeria tia May e todos os outros.

Quando ele aterrissou no chão, estava entorpecido, zonzo. Provavelmente não era a melhor das sensações para experimentar durante uma luta como aquela, mas não era como se conseguisse controlar. Tudo que podia fazer era tentar se concentrar no que se desenrolava ao seu redor — os três ladrões supervisionando os civis agora olhavam para ele, e em uma fração de segundos ergueram suas armas.

Atrás do mais próximo, May Parker arregalou os olhos ao ver o sobrinho, o qual somente teve tempo de lançar uma teia na grande arma do homem à sua frente e puxá-la para longe antes de uma saraivada de tiros ser lançada em sua direção. Ele saltou para desviar das balas, gritos e o barulho de vidro se quebrando soando ao fundo.

Pelo rabo do olho, Peter enxergou a Major correndo escada abaixo na direção do confronto. Ela atacou o homem que estava mais perto dos degraus. Ele tentou atirar nela, mas a heroína usou o seu bastão para desviar a arma; uma sequência de tiros foi defletida para o teto, atingindo a grande cúpula e fazendo vidro chover sobre todos. Os gritos dos reféns pareciam distantes conforme a luta se seguia.

— Se protejam! — A jovem bradou.

Não foi preciso dizer mais nada. A partir disso foi caos: os civis, que já haviam se amontoado em um canto, enfim dispersaram-se pelo salão, alguns em uma tentativa de chegar até a porta de saída apesar de estar barrada, outros, de simplesmente escapar da briga que se desenrolava.

Enquanto isso, o ladrão cuja arma o Homem-Aranha pegara avançou, agora puxando uma pistola do coldre. Peter esquivou-se das balas com destreza. A terceira criminosa que estava no salão também foi para cima dele; o rapaz lançou sua arma para longe com uma teia, mas ela jogou-se nele de qualquer maneira. Ela grudou em suas costas, dificultando a dança desleixada que o herói fazia com o outro oponente.

A Major surgiu um segundo depois. Ela atingiu o homem com tanta força que ele deu um giro no lugar, e tiros destinados ao Aranha atingiram o outro lado da sala. Vidros de cabines estilhaçaram, lascas de mármore voaram, mais pessoas gritaram.

Sua parceira nocauteou o criminoso, ao passo que Peter se livrava da mulher a suas costas e a prendia à parede mais próxima com teias. Não houve tempo para descanso ou comemorações, porém. Os assaltantes que haviam estado no cofre subiram para ver o que acontecia e, logo que viram os heróis parados em meio à confusão, atacaram.

Uma mulher começou a disparar mais balas contra eles. A Major caiu no chão quando foi atingida por uma bem no peito — Peter sentiu a garganta fechar e tentou correr até ela, mas o homem que restava colocou-se entre eles. Ele investiu contra o rapaz, o qual percebeu, com um sobressalto, que arma dele não era comum.

Diante de tudo que vinha acontecendo, com os ataques organizados e as redes de drogas, era fácil esquecer-se de que tudo havia tido início com o roubo das armas do Abutre. Que elas haviam recomeçado um novo tipo de confusão, embora não tivessem aparecido mais desde a noite com a Gangue Fedora. Agora, ele encontrava-se cara a cara com uma daquelas invenções: era um dispositivo longo e afunilado, alargado perto da base para guardar, Peter imaginava, o núcleo Chitauri, do qual irradiava luz.

Algo como eletricidade pipocou no ar quando o vigilante desviou do feixe de luz que a arma emitiu; o raio atingiu a parede, mas Parker não se virou para ver o estrago. Em algum lugar adiante, a Major havia se levantado e parecia tão bem quanto poderia estar conforme lutava com a sua agressora.

Peter se distraiu por alguns segundos apenas, mas foi aquilo que bastou para o assaltante. Ele apontou a arma para o herói ao mesmo tempo em que este arrancava o aparato de suas mãos com uma teia, mas não antes que um pulso de eletricidade subisse pelo braço direito de Peter.

Foi como ferroadas em sua pele. Minúsculas agulhas pareceram perfurar o rapaz de dentro para fora, e o seu corpo vibrou e tremeu. O menino caiu no chão, sem ar. Seu pulso direito queimava onde o seu lançador de teia estava e, por um momento, tudo era escuridão — mas então o sistema do uniforme voltou a funcionar, e o banco acendeu-se de volta perante os seus olhos.

— Karen — engasgou, lutando para levantar-se.

Estou aqui, Peter — a IA respondeu de imediato. — A interface foi forçada a reiniciar devido a um choque de alta voltagem. O seu lançador direito foi danificado. Você está bem?

O rapaz resmungou algo como uma afirmação ao erguer-se. O seu oponente não estava mais em seu campo de visão. A arma alienígena estava presa na parede por uma teia. Ao redor de Peter, pessoas encolhiam-se em cantos, chuva começava a se infiltrar pela claraboia quebrada e a polícia tentava abrir caminho para o interior do banco, ainda impedida pela barricada na entrada.

— Não se mexa! — O assaltante que o vigilante procurava gritou de algum lugar. — Ou vou atirar nela!

O Homem-Aranha, voltando-se rapidamente para onde o homem se encontrava, perdeu o fôlego ao vê-lo segurar ninguém mais, ninguém menos que May. Uma de suas mãos apertava a mulher contra ele, ao passo que a outra segurava uma pistola. May tinha o rosto congelado, se em choque, desespero ou até mesmo resignação, Peter não sabia dizer. Ele próprio estava afundando em um medo gelado e invasivo que o enrijecia a cada segundo.

Ele fez o que o homem mandou. Não ousou se mexer. Seus olhos estavam presos na tia, os estilhaços de seu coração ameaçavam cortar o peito de dentro para fora. Ele tentou calcular se seria rápido o bastante para erguer a mão e atirar uma teia, mas havia tanto em risco que ele não sabia o que fazer.

Tia May. Peter podia perceber que ela tentava controlar a respiração e transformar a expressão em uma mais calma. Suas mãos tremiam na lateral de seu corpo, mas ela lançou ao sobrinho um olhar que ele conhecia muito bem: um que dizia que tudo ficaria bem. Peter estava indeciso entre gritar de frustração ou chorar; mesmo naquela situação, era ela quem tentava consolá-lo. Ele sentia-se zonzo. Precisava tirá-la de lá, precisava...

O criminoso usava uma máscara para esconder o rosto, mas Peter conseguia ouvir o sorriso na voz dele quando disse:

— Muito bem. Agora, você vai me ajudar a sair daqui, ou...

Ele não completou a frase, pois, de repente, uma mão agarrou o seu pulso e o torceu. A arma foi arrancada de seus dedos, e ele soltou um grito dolorido quando a Major puxou o seu braço com um tranco, bem na direção contrária à da articulação. Aquilo foi distração o bastante para fazê-lo soltar May. Peter a puxou assim que ela cambaleou para frente, arrastando a tia para a segurança.

A heroína adiante, por sua vez, retirou com rapidez a munição da pistola com a mão livre e, em seguida, deu uma rasteira no bandido. O pulso dele estralou quando ele caiu no chão, o braço ainda sendo torcido. De imediato, o Homem-Aranha o prendeu em uma teia — foi uma surpresa acertar a mira com o tanto que suas mãos tremiam. Ele tremia por inteiro, na verdade. A chuva agora estava mais forte e caía sem piedade no banco, mas o frio que revirava as entranhas do rapaz não tinha nada a ver com ela.

— May — o som saiu estrangulado, quase inaudível.

— Estou bem — a tia sussurrou de volta para ele. Atrás dos dois, as barricadas começavam a ceder, e logo a polícia estaria ali dentro. — Peter, estou bem, mas você tem que ir. Agora.

Ele não queria ir. Queria ficar ali com May, certificar-se de que ela estava bem, ver se ela estava ferida. Mas a mulher afastou-se dele com firmeza e lhe deu um toque na direção da Major, um olhar autoritário em seu rosto. Ele sabia que ela estava certa. Sabia que ficar ali com a tia chamaria atenção demais — então, com passos vacilantes, ele aproximou-se da parceira para tirá-los dali.

Peter içou-os para fora do banco no exato momento em que a polícia entrava. Quando os oficiais os notaram, os dois já estavam desaparecendo pela cúpula quebrada. Uma vez no telhado, rapidamente afastaram-se daquela confusão toda.

Contra os seus braços, a Major também tremia. Talvez fosse de inquietação pelo que acabara de acontecer, ou de frio por causa da chuva cada vez mais intensa. No entanto, assim que aterrissaram em um beco distante da cena do crime, próximo da praça em que se encontraram mais cedo, Peter percebeu que era de raiva.

Eles se separaram assim que tocaram o asfalto da viela, e o olhar que a heroína lançou a ele foi o de mais pura fúria. Ele nunca vira os seus olhos tão escurecidos e tempestuosos, quase tanto quanto o céu acima deles.

— No que você estava pensando? — sua voz estava perigosamente baixa. Parker não respondeu. — Nós tínhamos um plano.

— Não havia garantias de que iria funcionar. — Peter falou, mas sua voz soou distante para os próprios ouvidos. Parecia besteira se defender. — Abordagens diferentes também podem ser eficazes.

— Você chama aquilo de eficaz?! — ela esbravejou. Um trovão rugiu junto a ela, como se sua fúria controlasse os céus. — Aquela mulher quase morreu! Foi um milagre ninguém ter se ferido!

Talvez ele merecesse aquela raiva. Havia, de fato, pisado na bola. Ficara desesperado por causa de May e agira por impulso. Tinha tornado pior uma situação já complicada, ele sabia. Não havia como descrever a culpa e o nervosismo que tomavam conta de Peter — tais sentimentos pareciam inflar dentro dele, juntando-se à raiva que sentia de si mesmo e de tudo que havia acontecido. Ele estava totalmente pilhado, e simplesmente explodiu.

Aquelas sensações eram asfixiantes. Elas afogaram todos os pensamentos de Peter, todo o seu bom-senso. Tudo que ele sentia era tristeza, culpa e raiva. Raiva de si mesmo pelo que fizera. Raiva por ter a Major brigando com ele, por mais certa que estivesse em fazer aquilo. Mais uma vez, o Aranha não sabia o que estava fazendo; só sabia que não precisava de ninguém apontando os seus erros, não agora, principalmente quando ele próprio já fazia aquilo.

— Eu sei o que faço, tá legal?! — Era uma mentira. Mas mesmo agora ele não conseguia impedir as palavras de escapulirem. — Já faço isso há um ano, enquanto você está aqui há o quê, quatro meses? Não preciso de ninguém tentando me ensinar a ser herói, especialmente você!

Nada daquilo era verdade. Ele respeitava e valorizava a opinião dela, independentemente de quanto tempo ela estivesse no ramo, mas, em meio a todo o seu desespero, preocupação e angústia, foi aquilo que, infelizmente, saiu de sua boca.

Embora não pudesse ver o rosto dela, ele notou quando o seu corpo inteiro se retesou, quando os olhos ficaram ainda mais nebulosos. Mais tempestuosos do que o céu que caía sem misericórdia sobre eles.

— Se não quiser levar sermão de alguém como eu — cada palavra soava ácida —, então faça o maldito trabalho direito. Você percebe que, por sua causa, aquelas pessoas ficaram no meio do fogo cruzado, quando nós poderíamos ter evitado isso? Comece a pensar antes de agir. Porque, sim, o que fazemos é perigoso, mas foi você quem tornou os riscos maiores hoje.

Havia dureza em suas palavras, ferro em seu olhar, mas ele conseguiu detectar um quê de fragilidade na rouquidão de sua voz, induzida pela raiva, por forçar o tom mais grave, pela chuva que tomava. Não acreditava que houvesse mágoas por causa das farpas que trocavam naquele momento — não, ele suspeitava que o que acontecera no banco a afetara mais do que deixava transparecer.

A Major lhe deu as costas antes que ele pudesse responder. Queria ter a última palavra da discussão, e Peter nem ao menos ligou. Ele apenas se recostou na parede do beco, trêmulo, pensando nos erros daquele dia, pensando em tia May. Pensando em tio Ben também. Sua garganta estava fechada e ele mal conseguia respirar; o frio penetrava os seus ossos não tinha nada a ver com a chuva.

Savannah estava furiosa.

Os dedos da menina apertavam o cabo do secador com força enquanto ela repassava o que havia acontecido mais cedo. Ela, ao chegar em casa após o episódio no banco, achara que um longo e quente banho iria ajudá-la a relaxar um pouco, mas estava terrivelmente errada. Não havia como se livrar da irritação que sentia toda vez que se lembrava do que o Homem-Aranha fizera e falara.

Não preciso de ninguém tentando me ensinar a ser herói, especialmente você!

Em frente ao espelho, a vigilante encarou a própria carranca, os cabelos voando para todo lado. Estava indignada por o Homem-Aranha ter resolvido simplesmente tacar tudo pelo ar e agir por conta própria. Tudo bem, ela entendia que aqueles cenários eram difíceis e estressantes, que planos muitas vezes podiam não funcionar, mas, francamente? Ele nem sequer tentara! Havia colocado todos em perigo quando se lançara à briga bem na frente dos reféns. E por quê? Ele sabia que era preciso tratar aquilo com delicadeza e cuidado. Que coisa estúpida, impensada, inconsequente...

Savannah afastou o secador com um pulo ao queimar a orelha sem querer. Xingando, ela desligou o aparelho e o largou em cima da pia. Honestamente, ela queria encontrar de novo o Homem-Aranha somente para gritar com ele tudo que não havia conseguido no beco, quando estivera engasgada de raiva e ainda chocada com tudo que acontecera.

A garota massageou a região do peito em que a bala a havia acertado. Embora o projétil tivesse sido barrado pelo colete, ainda doía, e agora um hematoma se formava no local. Os ouvidos dela também doíam por causa dos estampidos dos tiros; haviam sido tantos, e fora um verdadeiro milagre ninguém ter se ferido. Um milagre May não ter se ferido.

Maior que a raiva de Savannah era somente a sua preocupação. Embora soubesse que agora estava tudo bem, ainda era horrível pensar em May e na situação em que ela havia estado. O medo que se apossara da Major ao ver a mulher entre os reféns ainda era fresco na mente, bem como o desespero gritante que sentira ao vê-la ser ameaçada. Havia sido aterrorizante — a ideia de May, que sempre fora gentil e acolhedora e divertida, machucar-se era demais para sequer cogitar, e a simples possibilidade de que poderia ter falhado com ela e Peter fazia Savannah ficar nauseada.

O coração da heroína apertou; não podia deixar de imaginar como os Parker estavam agora. Ainda que May não tivesse se machucado, uma experiência como aquela era perturbadora. Quanto ao amigo, Savannah sabia que ele ficaria muito abalado ao descobrir o que havia acontecido. Provavelmente, milhares de "e se" passavam pela mente do rapaz, torturando-o lentamente.

Com um suspiro, a adolescente deixou o banheiro para ir até a cozinha. A chuva forte já parara fazia um tempinho e agora a casa estava completamente silenciosa — Savannah estava sozinha, não que aquilo fosse alguma novidade. Desconfiava que Kyle ainda estivesse no hospital com Theo e não sabia que horas ele voltaria, então estava determinada a passar o restante do seu sábado comendo salgadinhos.

Bem. Ela queria falar com Peter, para ser sincera. Queria perguntar se ele e a tia estavam bem. Porém, teoricamente, não tinha como ela saber que May estivera no banco durante o assalto. Ademais, não desejava ser invasiva nem pressionar o amigo: se ele contasse para ela, que fosse porque quisesse, não porque ela o bombardeara com perguntas.

Ainda assim, depois de pegar um lanche no armário e se jogar no sofá, Savannah enviou um simples "Oi, tudo bem?" para ele. Sondando. Não pressionando, mas demonstrando discretamente que estava lá caso ele precisasse conversar. Era provável que ele nem falasse nada; a heroína entendia melhor do que ninguém que, depois de experiências como aquela, às vezes era preciso ficar sozinho. Ainda assim, ela desejou que pudesse fazer algo para ajudar.

Savannah largou o celular ao seu lado e passou a buscar pelo controle remoto da televisão. Dedicaria aquela tarde para assistir a todos os episódios que não tinha visto ainda de The Good Place — já que havia prometido a Ned e logo ele acabaria lhe dando algum spoiler se ela não se atualizasse —, mas, antes que ela sequer encontrasse o controle, ouviu um baque alto do lado de fora.

A vigilante franziu o cenho antes de ir conferir. Ao abrir a porta, porém, foi surpreendida por ninguém mais, ninguém menos que Peter. Ele encontrava-se a alguns passos da porta, como se tivesse acabado de chegar ali — o que fazia Savannah se questionar sobre o barulho que ouvira antes, mas toda a sua curiosidade desapareceu ao ver o amigo. Ele vestia um blusão surrado, como se colocado às pressas, e os ombros estavam caídos.

Ele parecia exausto. O peito de Savannah doeu; ela queria puxá-lo para um abraço bem apertado, mas se conteve. Ao invés disso, a garota, sem dizer nada, abriu passagem para o amigo entrar, e logo estava batendo a porta atrás dos dois.

— Você quer alguma coisa para comer? Beber?

Peter negou com a cabeça, e ela assentiu lentamente. Silêncio instalou-se entre eles: não do tipo confortável, como geralmente era, mas um tenso. O menino parecia nervoso, e ela não estava muito melhor. Sentia-se esquisita por ter que fingir não saber o que havia acontecido. Odiava aquilo, na verdade. Não pela primeira vez, ela pensou em contar a verdade para ele, mas aquela não era a melhor hora para tal revelação.

Savannah começou a falar no exato momento em que Peter o fazia também. Suas palavras se atropelaram e se embolaram, o que fez com que os dois rissem fracamente. Aquilo pareceu quebrar um pouco da atmosfera carregada, e a adolescente sinalizou para o amigo falar enquanto o conduzia até o sofá.

— Desculpa aparecer de repente — ele disse. — Eu só... Não sei. Não queria ficar sozinho e... Queria te ver. Conversar, digo.

Sentada, a Major abraçou as pernas contra o peito. Seu olhar manteve-se preso em Peter, que balançava os pés em um sinal de nervosismo. Também queria te ver, ela desejou falar. Conversar com você, simplesmente saber se está tudo bem.

— O que aconteceu? — foi o que ela respondeu.

O rapaz desviou os olhos dela para as próprias mãos, cerradas no colo. Ele hesitou momentaneamente, mas começou:

— Você viu assistiu às notícias essa tarde? Houve um assalto ao Banco Central. — Ele soava distante. Savannah, por sua vez, incapaz de falar, somente assentiu. Peter demorou um pouco para continuar. — May estava lá.

O final da frase mal saiu, como se ele tivesse dificuldade em reconhecer o fato. A menina não o culpava, e a angústia que tomou o rosto dela não era fingimento algum.

— Ela está bem? Se machucou?

— Não, está tudo bem com ela — revelou, e um alívio indescritível tomou conta da vigilante. — Ela está na delegacia agora, depondo. Não pude ficar lá... May me mandou embora, na verdade.

Savannah inclinou-se na direção dele e colocou a mão em seu ombro. Aquilo fez com que Peter a olhasse.

— Ela só não queria que você se preocupasse ainda mais. Essas coisas demoram demais, são um saco. Logo vocês vão para casa — ela disse. — Fico muito feliz que ela esteja bem, mesmo.

O jovem meneou a cabeça. A Major, então, mirando-o com sinceridade e preocupação, tomou suas mãos na dela. Peter deu uma olhadela para os seus dedos entrelaçados, mas voltou-se a ela novamente quando perguntou:

— E como você está?

Foi o que bastou para que ele desmoronasse. Seus lábios comprimidos tremeram e ele abaixou o rosto, como se para esconder a sua tristeza. Savannah, por sua vez, diminuiu toda a distância entre eles e o puxou para um abraço; Peter passou os braços por sua cintura, repousou a cabeça em seu ombro e simplesmente chorou. A menina deixou que ele se apoiasse nela, afagando suas costas com carinho enquanto sentia seu corpo tremer.

— Foi assustador, Savy — sua voz estava rouca. — Tudo quase deu errado. Se não fosse pela Major, a May...

— Está tudo bem agora — ela murmurou contra os cabelos dele. — Ela está segura.

Sabia que aquelas palavras talvez não adiantassem muito, mas ela não fazia ideia do que poderia falar para que ele se sentisse melhor. O seu peito doía tremendamente por ver o amigo daquela maneira e ser incapaz de ajudar como desejava.

Peter balançou a cabeça, afastando-se um pouco dela. Seu rosto estava vermelho, marcas de lágrimas manchando suas bochechas.

— Você não tem ideia de como foi — ele falou, aí acrescentou rapidamente: — Eu... estava com ela no telefone quando começou. E se algo tivesse acontecido... Eu não saberia o que fazer. Queria poder ter...

Ele não terminou a frase, parecendo engasgar-se nas próprias palavras. Savannah mordeu os lábios; não conseguia nem imaginar como devia ter sido assustador para ele, estar impotente daquela maneira. Com delicadeza, a menina ergueu o queixo de Peter de modo que ele olhasse para ela.

— Peter, me escuta — falou, gentil. — Não fique pensando em todos os "e se". Sei que é difícil, mas isso só vai fazer mal a você. O que importa é que a May está bem agora, e logo vocês vão se encontrar, não é? Ela está bem. Concentre-se nisso, e não no que poderia ter acontecido. Não havia nada que você pudesse ter feito lá, certo? Não se culpe por algo além de seu controle.

Talvez fosse incrivelmente hipócrita de sua parte estar proferindo aquelas palavras — mas, apesar de tudo, elas não deixavam de ser verdadeiras, e ela não deixava de falar sério com Parker. Ele, por sua vez, somente fechou os olhos e respirou fundo. Quando tornou a abri-los, havia algo novo em sua expressão, uma determinação contrastante à sua tristeza.

— Savannah. Preciso dizer uma coisa.

A seriedade no tom dele fez a Major empertigar-se no sofá. Ela acenou com a cabeça para encorajar o amigo a prosseguir. Quando, todavia, ele fez menção de falar, o celular de Savannah começou a tocar.

A adolescente deu um pulo em seu lugar. Com um bufo, ela desviou o olhar do de Peter para o celular largado ao seu lado no sofá. Era Kyle quem ligava, ela descobriu após dar uma espiada no visor. Em seguida, recusou a chamada e voltou-se para o menino.

— Foi mal. O que você ia dizer?

Peter piscou algumas vezes antes de balançar a cabeça.

— Nada. Só... você está certa, acho.

Ele fungou. Seus olhos vermelhos ainda brilhavam por lágrimas. Savannah, em um impulso, levou as mãos ao rosto do rapaz e passou os polegares com suavidade pelas bochechas dele, apagando os rastros de lágrimas de seu rosto. Peter pareceu ficar sem reação por um segundo, o que a fez ficar um pouco sem graça. Ainda assim, ela enlaçou os seus dedos nos do amigo, segurando-os firme ao dizer:

— Vai ficar tudo bem, eu juro. Nada vai acontecer com a May.

Aquela era uma promessa, Savannah sabia, que ela faria de tudo para cumprir.

[30/11/2020]

oi, gente, tudo bem com vocês?

eu não porque o meu coração quebra com o peter chorando assim......

aliás, A FANFIC BATEU 51K AAAAAAAAAAAFNRGFYERFYWYWJFRHW muito obrigada mesmo, galera! agradeço a todos que leem, comentam, votam.... eu fico muito feliz com todos vocês! obrigada de coração!

enfim, eu espero que vocês tenham gostado desse cap, espero logo voltar com o próximo! até!

beijos!

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