19. the best sandwich in queens
A RESIDÊNCIA DOS EVANS ESTAVA VAZIA quando Savannah enfim a adentrou, ansiosa pelo conforto de seu lar depois daquela noite exaustiva. Ela não conseguia acreditar na quantidade de coisas que havia acontecido em somente um dia — que nem terminara ainda, tendo em vista que eram onze horas da noite —, mas uma eternidade parecia ter se passado desde a manhã, quando ela e Amelia haviam feito aquele teste no Buzzfeed. Deus, naquele momento, ela nem imaginara o que as horas seguintes trariam.
Depois da luta intensa que resultou na fuga de três dos criminosos mais importantes daquela organização criminosa, a Major e o Homem-Aranha tinham subido até o terceiro andar da fábrica para vasculhar a tal sala mencionada por Englert diversas vezes. Lá, eles encontraram caído no chão um papel contendo informações sobre os novos compradores da gasolina adulterada. Provavelmente, os bandidos haviam estado tão preocupados em deixar aquele lugar que acabaram perdendo um documento no processo. Que bom. Savannah enfiara a folha no bolso, com o intuito de entregar a Kyle de alguma forma.
E, então, depois de chamarem a polícia do distrito e esperarem pelas viaturas, o seu mais novo parceiro a havia ajudado a regressar ao Queens. Com o auxílio das teias deles, os dois retomaram o caminho que tinham feito até Staten Island e, uma hora depois, estavam de volta ao lar.
Agora, porém, a escuridão da sua casa era tudo menos reconfortante. Savannah não se surpreendeu com o fato de seu irmão não estar lá, não com o que acontecera mais cedo no posto de gasolina e agora, na indústria abandonada. E, apesar de a adolescente estar grata por isso, já que não teria que tomar cuidado para não ser vista, ela desejou ter a presença de alguém ali. O silêncio ao seu redor era quase opressor.
Naquela quietude, as memórias que Savannah se esforçara para manter afastadas voltaram com força total. A luta. O barulho dos tiros, estrondos iguais ao que soara no posto de gasolina mais cedo, quando Englert atirara em Dean. O homem, caído no chão, sangue empoçado ao seu redor. O mesmo sangue, agora seco, manchando as mãos e as roupas da heroína... A menina nunca vira alguém ferido tão gravemente quanto o dono do posto. Mesmo em suas atividades de vigilante, ela nunca presenciara algo do tipo. Cortes e arranhões eram coisas completamente diferentes de tiros.
Só de pensar no estado daquele homem, só de pensar em seu corpo flácido ensanguentado e estirado no piso, só de pensar no cheiro de seu sangue impregnando o ambiente e o uniforme dela...
Savannah arrancou a máscara enquanto corria escada acima, enquanto tentava alcançar o seu quarto, enquanto atirava-se pelo cômodo para chegar ao banheiro. Caindo de joelhos nos ladrilhos depois de tropeçar nos próprios pés, o estômago revirado de tal maneira que chegava a doer, agarrou-se à privada e vomitou.
Todas aquelas recordações a fizeram vomitar até que não houvesse mais nada em sua barriga além de água e bile, o desespero e o nojo e o medo parecendo corroer suas entranhas. Ao se recompor, reparou que a sua visão estava embaçada, e ela demorou alguns segundos para se dar conta de que não era graças a cansaço ou fraqueza, e, sim, ao choro vindo do pânico que ela enfim sentia tomar conta de si.
A jovem permaneceu um momento encostada na parede fria, lágrimas queimando os olhos e escorrendo pelas bochechas. Soluços escapavam de seus lábios, seu corpo parecia febril. Sem a adrenalina para mantê-la ocupada, Savannah sentia-se terrivelmente perturbada. Ela desejava não ter visto o que tinha visto.
Demorou um pouco para a menina se erguer. Com as pernas tremendo e com os braços agarrando-se à pia em busca de apoio, observou o próprio reflexo no espelho: cabelos desgrenhados, rosto suado, nariz inchado e sangue manchando a boca e o queixo.
Sangue, tanto sangue...
Savannah arrancou as luvas de couro da mão e as deixou de lado, decida a lavá-las somente depois. Logo em seguida, abaixou a cabeça e abriu a torneira; a água fria que jorrou contra sua face foi uma breve bênção, que rapidamente foi substituída por dor lancinante quando ela esfregou a pele. Precisava tirar aquele sangue de si, não importava se simplesmente tocar em seu nariz enviasse pontadas de dor por todo seu rosto.
Apesar da dor insuportável, ele não parecia estar quebrado. Ela já quebrara o nariz antes para saber como era a sensação, e aquilo não chegava perto. Quase, mas não. Assim, Savannah apenas prosseguiu. Grunhiu e soluçou, porém não parou por um instante.
Por fim, com o rosto limpo e pingando água, ela arrancou o uniforme às pressas, não aguentando mais a sensação do calor e do suor. Ela atirou o colete à prova de balas, agora com duas marcas novas, no chão, e então havia restado apenas a regata preta que sempre usava sob as vestimentas militares e as roupas de baixo.
Respirando fundo tanto quanto seu nariz permitia, ela atravessou a casa com as pernas fracas até a lavanderia, no porão. Savannah optou pelo tanque para lavar o sangue do uniforme e da máscara, os quais esfregou até suas mãos doerem. Somente parou, com as mãos ardendo, quando a sujeita parecia ter saído quase que por inteira.
Ela não fazia ideia de que horas eram — novamente, parecia que uma eternidade havia se passado —, mas sua noite não estava terminada. Ela voltou para o banheiro do próprio quarto, onde pendurou o uniforme para secar e em seguida entrou debaixo do chuveiro na esperança de tirar a sensação de imundice que a cobria. Quem sabe conseguisse lavar aquelas memórias junto ao suor.
Demorou mais do que o usual no banho. Só saiu quando se sentiu limpa, quando aquela sensação grudenta deixou de existir e o gosto de bile na boca foi substituído pelo da pasta de dente.
Tudo que queria fazer era dormir, descansar, dar um fim àquele dia terrível... Mas não podia fazer aquilo antes de atualizar o seu quadro de investigações enquanto todas as informações ainda estavam frescas em sua mente.
Ela anotou tudo que recordava: tudo que tinha aprendido naquela noite sobre Montgomery e a Gata Negra, sobre Englert e a fábrica clandestina de gasolina adulterada. Pregou ao quadro a lista de compradores e escreveu comentários sobre a Gangue Fedora — pois, graças ao que a criminosa de cabelos vermelhos tinha dito sobre ela e o Homem-Aranha serem uma pedra no sapato deles desde o confronto contra aqueles os bandidos, Savannah confirmou que estava tudo, de fato, conectado. As armas do Abutre roubadas, o combustível adulterado e até mesmo um novo esquema de drogas... tudo isso estava ligado a uma operação muito maior comandada por Montgomery. Não, não exatamente por ele; aparentemente, havia um outro chefe, alguém que estava fora e que deixara o outro homem no comando.
Savannah escreveu um grande ponto de interrogação ao lado da Gata Negra, pois tinha a impressão de que havia muito sobre ela que não estava claro. Ela, que sempre lhe parecera tão irreverente, aparentava estar presa a Montgomery por algum motivo.
Com aqueles pensamentos, a garota acabou lembrando-se do relatório feito por Theo sobre o interrogatório da Gangue Fedora, os quais lera tanto tempo atrás. Lá, ele observara que os ladrões pareciam estar sendo controlados. O detetive estava certo. Na verdade, todos eles — criminosos, policiais, a própria população e até mesmo os vigilantes — pareciam ser fantoches de algum grande esquema, este que a Major se esforçaria por completo para desvendar.
Mas não naquele momento. Não, Savannah precisava urgentemente de descanso.
Quando por fim caiu na cama, ela descobriu que eram pouco mais de duas da manhã. Com um suspiro cansado, ela verificou as mensagens no celular, muitas das quais ignorou — inclusive as de Kyle dizendo que voltaria tarde para casa, mas apenas o fez para que o irmão não perguntasse o motivo de estar acordada àquela hora. Somente se preocupou em responder às mensagens de Lia, que perguntavam se ela estava bem, e às de Peter. Eles estiveram conversando sobre um dos filmes favoritos do rapaz, Interestelar, um pouco antes de ela ir para o trabalho naquela tarde.
| peter (15:58)
o final é meio questionável,
mas juro que o filme é legal
savannah (02:13) |
se tem o matthew mcconaughey,
então é certeza de que eu vou ver
Ela estava prestes a deixar o celular de lado quando, para sua surpresa, a mensagem foi visualizada.
| peter (02:13)
pelo matthew mcconaughey
eu venderia minha alma
| peter (02:14)
esse ator é incrível demais
Savannah sentiu a boca se repuxar em um sorriso, apesar de tudo.
savannah (02:14) |
contra fatos não há
argumentos... ele é tudo!
mas e aí, tudo bem?
| peter (02:14)
sim, só não tô
comseguinfo dormir
*conseguindo
| peter (02:15)
o sono tirou minhas
capacidades de escrever
e você?
savannah (02:15) |
eu sou uma criatura
da noite....... eu não durmo
Foi só mandar aquela mensagem que os olhos da menina pesaram, ela incapaz de combater a exaustão que a fez apagar naquele instante.
✶
Savannah xingou alto quando a esponja de maquiagem tocou o hematoma no maxilar, uma cortesia da Gata Negra. Ainda bem que o banheiro feminino do colégio estava vazio; a última coisa que desejava era que alguém especulasse o motivo da torrente de palavrões que escapava de seus lábios enquanto retocava a base.
Mesmo com o toque gentil da esponja, sua pele irradiava dor para todo canto, mas a garota continuou com as batidinhas até que não conseguisse mais ver nenhuma marca amarelada subindo pelo queixo. Infelizmente para ela, o seu nariz inchado e vermelho era mais difícil de esconder. Savy teve de aguentar perguntas o dia inteiro a respeito do que acontecera, e sempre dizia que havia machucado durante uma aula de kung fu.
A verdade era mais complicada que aquilo.
Enquanto afastava a esponja do rosto, os olhos presos nos ferimentos, sua mente levou-a para a luta com a Gata Negra. Sempre que Savannah lutava contra bandidos, eles usavam seu tamanho ou força bruta contra ela. A jovem, no entanto, passara anos treinando contra aquele tipo de agressão e por isso sabia se virar tão bem. Porém, lutar de verdade, não em torneios, com alguém também treinado era diferente. A Gata Negra sabia krav maga, a Major percebera, e aquelas habilidades faziam-na ainda mais perigosa do que os outros, talvez. Portanto, a heroína deveria tomar cuidado. Geralmente, ela era subestimada por seus oponentes — daquela vez, ela que havia subestimado.
A porta do banheiro foi aberta de repente e um grupo de adolescentes risonhas entrou. Aquilo tirou tais pensamentos da cabeça de Evans, e ela não permitiu que eles ressurgissem. Tentara manter as lembranças incômodas afastadas o dia inteiro, ocupando-se com as lições ou então nas suas tentativas de não dormir nas aulas; distrair-se ajudava. Ela também tentava se acalmar repetindo as informações que descobrira pela manhã por intermédio de Kyle: além de nenhum dos bandidos que nocautearam em Stanten Island ter escapado, o dono do posto tinha sido levado ao hospital às pressas e passava bem.
Embora aquilo fizesse a adolescente sentir-se infinitamente melhor, não apagava a sensação do sangue dele.
Vamos lá, Savannah. Quando você se tornou uma vigilante, sabia que poderia ver esse tipo de coisa. Se acalme!
Aquilo não ajudou muito.
Ela lançou um último olhar para o espelho a fim de conferir se a base havia realmente encoberto todo o machucado. Já que não via mais nenhuma marca na pele, deu-se por satisfeita e saiu do banheiro.
Quando o sinal da última aula havia batido, Evans correra de imediato para fora da classe, tendo a incômoda sensação de que seu hematoma estava visível. Naquele momento, os corredores ainda estavam vazios, diferentemente de agora. A menina teve de lutar contra o crescente fluxo de alunos para poder chegar ao seu armário.
Ela já guardava suas coisas quando Lia apareceu, um sorriso estampado no rosto. Ela adquiriu uma expressão mais cautelosa, porém, ao inquirir:
— Tudo bem?
Honestamente? Não muito. A heroína já vira dias melhores, embora não estivesse mal como na madrugada. Pela manhã, quando Lia havia passado em sua casa para levá-la à escola, Savannah lhe contara sobre o que havia acontecido, o que desencadeara mais uma crise de choro nela. Amelia escutara e a abraçara. As novas informações adquiridas e chorar realmente haviam ajudado a aliviar a tensão, mas mesmo agora a Major se sentia meio amuada. Ela só desejava ir para casa e dormir.
— Sim — foi o que respondeu, então. — Só dolorida e com sono. E você? Qual é o motivo desse sorrisão?
A amiga voltou com o sorriso radiante de antes, e então entrelaçou o braço no de Savy para começar a andar.
— Ned me chamou para ir na casa dele — confidenciou, mordendo os lábios. — Você quer vir junto? Sabe, se distrair vai fazer bem.
— Apesar de essa ser uma oferta tentadora, vou ter que passar — ela conseguiu abrir um sorriso verdadeiro. — Eu só quero ir para casa.
— Tem certeza?
— Absoluta. E não precisa me dar carona, quero andar um pouco. Para espairecer. — Aquilo não era uma mentira. Vendo o olhar relutante no rosto de Bennett, ela acrescentou: — Sério, Lia, estou bem. Não precisa se preocupar.
A vigilante tentou transmitir o máximo de confiança que podia com o olhar. Pareceu funcionar, pois a amiga suspirou e assentiu.
— Tudo bem, mas saiba que é você quem está perdendo. Vamos construir a Estrela da Morte de Lego dele.
Evans estava prestes a brincar dizendo que tudo que ela perderia era uma tarde de vela quando parou e franziu a testa.
— Espera. Você odeia Star Wars!
— É, mas o Ned não sabe disso — Amelia respondeu, o que arrancou uma risada genuína de Savannah. — Sempre que ele menciona, eu só sorrio, concordo ou mudo de assunto. É que ele parece tão feliz e confortável falando sobre esses filmes que eu não quero estourar a bolha dele!
— E você acha que vai conseguir manter a mentira hoje — começou, o tom transmitindo sua descrença, enquanto os corredores da Midtwon eram substituídos pela fachada do colégio — quando vocês forem montar a Estrela da Morte?
— Esse é o plano — deu um aceno de mão como se desconsiderasse aquele fato. Em seguida, apontou com o queixo para frente. — Ali estão eles. Nem um piu!
Evans resistiu à vontade infantil de dizer piu à medida que se aproximavam de Peter e Ned, os quais estavam apoiados perto da escada que dava para o campo de futebol. Leeds gesticulava espalhafatosamente, ao passo que Parker, ao seu lado, apenas balançava a cabeça com um sorriso pequeno, como se descartasse o que o amigo lhe propunha. Peter aparentava estar... para baixo, apesar do sorriso. Com os ombros meio curvados, uma aura de cansaço, ele parecia... bem, parecia Savannah.
Ela não tinha percebido aquilo antes, talvez porque estivesse tão cansada que não conseguira prestar atenção em praticamente nada, ou talvez porque o amigo fosse tão bom em esconder as coisas quanto ela. A menina sentiu o cenho franzir em preocupação.
Por fim, os quatro se encontraram, e Amelia estalou um beijo na bochecha de Ned. Savannah e Peter emitiram ruídos de descontentamento apenas para caçoar do casal, o qual resolveu ignorar a brincadeira enquanto entrelaçavam as mãos e se viravam para eles.
— Última chance para aceitarem, gente — Lia cantarolou, de modo que Evans soube que os dois haviam sido convidados para o encontro dos amigos... de novo.
— Não querem mesmo ir? — Ned acrescentou com um olhar preocupado.
— Gente, qual é! — Foi Peter quem respondeu. — A gente já enche o saco de vocês o suficiente aqui. Vão se divertir!
Pelas expressões nos rostos da dupla, eles pareciam prestes a protestar; assim, Savy agarrou o braço de Peter e o puxou escada abaixo, guiando-o para o campo de futebol delicada e rapidamente. Ela podia escutá-lo rir ao seu ouvido. Ao chegarem na base da escada, ela virou-se para trás e gritou:
— Juízo, crianças! — Aquilo lhe rendeu o dedo do meio de Amelia. A menina riu antes de acenar para o casal e então se voltar para o rapaz ao seu lado, o qual também ria ao se despedir. — Sei que estão apenas preocupados conosco, mas, eu juro, esses dois... — soltou um suspiro. Ela percebeu que ainda tinha o braço enganchado no de Peter, e aí o soltou. — Ei, tudo bem?
— Sim. Só cansado — ele replicou. Literalmente a mesma resposta de Savy para Lia. — E então, tem carona ou posso acompanhá-la, criatura da noite?
O garoto estivera chamando-a daquele jeito o dia inteiro. A jovem, honestamente, não se importava nem um pouco com aquilo, mas ainda assim ela empurrou a lateral do corpo de Parker com o seu de leve, como se o repreendesse apesar do sorriso que despontava dos lábios. Ainda que sútil, o movimento pareceu provocar dor no menino, que se encolheu com uma careta.
— Opa, foi mal! — ela mordeu os lábios, uma expressão culpada tomando-lhe o rosto.
— Sem problemas, é que... eu, hm, caí no banho ontem.
Savannah provavelmente não devia ter rido. Ela até tentou cobrir a boca com a mão para abafar o som, mas sua gargalhada escapou do mesmo jeito. Aquilo fez o menino emitir um ruído indignado no fundo da garganta.
— Ei, não ri! Eu tô todo dolorido!
— Perdão, então — seu tom deixava claro que ela não lamentava nem um pouco. — Mas, respondendo à sua pergunta, não, não tenho carona hoje. Para o seu prazer, você poderá me acompanhar.
Foi a vez de Peter de empurrá-la com o próprio corpo, o que o fez encolher-se de dor mais uma vez. Savy arqueou as sobrancelhas, mas o jovem lhe lançou um olhar que transmitia que não tinha arrependimentos. Os dois por fim começaram a se mover, caminhando preguiçosamente pela extensão do campo de futebol. Havia jogadores praticando, bem como alguns torcedores, mesmo não sendo um dia de treino oficial. Savannah cumprimentou alguns de seus amigos do time.
— Mas e aí? Como tá o nariz? — o menino perguntou um tempinho depois.
— Ah, tá indo, né? — deu de ombros. — Não tenho muito o que fazer além de esperar desinchar. Mas é aquela coisa, né? Se dá para respirar, então está bom.
Parker meneou a cabeça como se aquele fosse um ótimo argumento. Àquela altura, eles já haviam chegado à outra extremidade do campo, onde a saída que dava para a estação de metrô se encontrava. O sol de outono queimava o topo de suas cabeças a cada passo que eles davam.
— Cara, essa deve ter sido uma aula de kung fu violenta — ao lado dele, ela assentiu em concordância. Você nem imagina... — Aliás, você vai fazer alguma coisa agora?
— Na verdade, sim. Eu tenho um encontro — ela levantou o olhar para ele. — Com a minha cama, é claro. — Sorriu. — Por quê?
— Eu tô morrendo de vontade de comer o melhor sanduíche do Queens. Quer vir junto?
Uma grande parte da adolescente desejava somente ir para casa e hibernar. No entanto, uma parcela de si temia que não fosse conseguir, apesar do cansaço; achava que talvez pudesse ficar se revirando no colchão, repassando os acontecimentos da noite anterior... Ela, então, percebeu que não queria ficar mergulhada em silêncio, pelo menos não no momento. Ela queria fazer alguma coisa para tirar a mente daqueles pensamentos. E, olhando para Peter, reparando nas bolsas escuras debaixo dos olhos dele, no seu jeito... era possível que o rapaz também quisesse distrair-se.
Assim, Savannah se pegou dizendo:
— Vamos lá!
Quando os dois entraram no vagão do metrô, momentos depois, milagrosamente encontraram lugares vagos. Ficaram jogando conversa fora durante algumas poucas estações até que Peter anunciasse que precisavam descer. Os dois trocaram o ar-condicionado do transporte público pelo calor da tarde, e Savannah deixou que o rapaz liderasse o caminho até o lugar que vendia o tal melhor sanduíche.
Era, na realidade, uma lojinha logo abaixo da estação que o amigo disse ser "a padaria do Delmar". Assim que Savannah viu o local, entretanto, estacou no chão — reconhecia aquele nome, aquela fachada, das notícias. Aquele era um dos estabelecimentos que havia sido destruído pelas armas do Abutre no ano anterior.
Ela mexeu nervosamente na alça da mochila. Recordar aquilo fez o seu estômago pesar, pois havia ressuscitado as memórias que ela tentava manter afastadas. Não. A jovem respirou fundo. Não pensaria naquilo agora. Não arruinaria aquela tarde. Não, naquele momento ela seria apenas Savannah Evans, não a Major. Seria apenas uma adolescente normal saindo um amigo.
Peter já estava na porta de entrada quando pareceu se dar conta de que ela não estava mais em seu encalço: ele virou-se para trás e inclinou a cabeça em um gesto indagador, como se perguntasse se ela viria ou não. Savannah obrigou-se a se mover, então. A cada passo que dava suas mãos pareciam ficar mais suadas.
Ela queria gritar. Não desejava que suas preocupações atrapalhassem a sua tarde mais do que já haviam atrapalhado sua madrugada. Assim, respirou fundo, respirou fundo, respirou fundo... Por fim chegou até o amigo, o qual agora segurava a porta aberta para ela. Ela passou pelo arco depois de agradecer com um sorriso leve. Parker foi logo atrás, apoiando a mão em seu ombro. O toque pareceu ancorá-la à realidade. Não estava sozinha, estava bem, estava tudo bem...
Seus ombros relaxaram.
O interior da loja era acolhedor. O cheiro de pão e de condimentos no ar fez o estômago de Savannah roncar — ela não havia percebido como estava com fome até aquele momento. Ela ficou um tempo observando o espaço, tanto que mal reparou quando Peter deixou o seu lado para se escorar no balcão no canto do lugar, de onde um homem barbudo os olhava.
— Oi, sr. Delmar! — o jovem exclamou.
— Oi, sr. Parker! — O homem respondeu. — Faz um tempo que não aparece por aqui.
O garoto deu de ombros antes de inclinar-se para o lado e pegar dois pacotes de jujubas de uma estante.
— Sabe como é, com a escola e o estágio não sobra muito tempo.
— Estuda, garoto, estuda... — Pela expressão que Peter fez ao olhar para trás, Evans pôde deduzir que ouvia muito aquilo do senhor. A menina precisou esconder um sorriso. — Quem é a sua amiga?
— Essa é a Savannah — o menino ainda a olhava quando respondeu.
Com um pequeno sorriso, a garota cumprimentou o sr. Delmar enquanto se aproximava do balcão, sobre o qual havia um pequeno cardápio. Ela arrastou-o até si, sentindo a presença sólida de Parker ao seu lado.
— Prazer em conhecê-la, sinta-se à vontade! — O sr. Delmar devolveu o sorriso antes de retornar a Peter, ao passo que a garota começou a percorrer os olhos pelas opções de sanduíches. — O de sempre?
— Com picles extra e bem achatado, por favor — o rapaz piscou. Savy ainda analisava o menu; ela mal percebeu o amigo chegar mais perto até que dissesse ao seu ouvido: — O melhor para mim é o número cinco, mas o sete também é muito bom.
A jovem acompanhou o dedo dele deslizando pelo plástico para lhe indicar os lanches recomendados, porém já havia feito sua decisão.
— Acho que esses vão ter que ficar para a próxima — ela batucou as unhas no cardápio. — Vou querer o número três. Com azeitonas extra, por favor.
Parker emitiu um ruído indignado no fundo da garganta, o que fez a Major erguer as sobrancelhas.
— Azeitonas são horríveis!
A boca de Savannah escancarou-se de perplexidade.
— Retire o que disse!
O rapaz somente fez uma careta. A menina, então, mostrou-lhe língua, gesto que foi devolvido. O sr. Delmar parecia achar graça dos dois, tanto que murmurava com diversão algo em espanhol que parecia ser "Esses jovens de hoje em dia" ao aceitar o dinheiro pelos lanches, estes que não demoraram para ficar prontos.
— Dois sanduíches para o senhor Parker e a senhorita Savannah — o homem lhes entregou os embrulhos e, depois que eles agradeceram, prosseguiu. — Aliás, Peter, como está a sua tia?
— Hm, bem — o garoto disse de maneira vaga, e rapidamente acrescentou: — Temos que ir agora. Até logo, sr. Delmar!
Evans acenou para o dono do estabelecimento com um sorriso antes de deixar espaço junto do amigo. Os dois voltaram para as ruas cheias, o odor forte de Nova York contrastando com o cheiro agradável da padaria. Os adolescentes desembrulharam seus pedidos ao mesmo tempo em que Peter explicava que o sr. Delmar tinha uma atração nem tão secreta por tia May. "É, deu para perceber com essa sua resposta" foi o que a menina respondeu com uma risada antes de dar uma mordida no sanduíche.
Uma exclamação escapou de seus lábios.
— É maravilhoso! — ela miou, deliciada. — Eu não acredito que vivi dezesseis anos sem nunca provar isso antes!
O rapaz ao seu lado gargalhou.
— Não é à toa que é o melhor sanduíche do Queens!
De fato, não era.
Durante um tempo, eles quase não falaram nada, somente prosseguiram caminhando lado a lado e comendo seus lanches. A cada mordida, o estômago de Savannah cantava e pedia por mais e mais. Sinceramente, como algo podia ser tão bom?
— Sabe — a menina começou de repente —, isso me faz lembrar dos dias em que minha mãe trazia sanduíches para mim e para o meu irmão depois que voltava do trabalho.
Peter demorou alguns segundos para engolir a comida e replicar:
— Ela não traz mais?
— Ela tá na França... a trabalho — a garota revelou. As feições de Peter tornaram-se impressionadas e ele fez um gesto pedindo para que ela contasse mais. — Bem, ela era militar, na verdade, mas acabou deixando o exército depois de me adotar para entrar em uma agência de segurança. Minha mãe acabou aceitando esse contrato para ser guarda-costas de um estrangeiro cujo nome nem eu sei porque a gente precisava do dinheiro e... — Ela deu de ombros com um suspiro. — Eu e o Kyle nunca continuamos a tradição.
Savannah não contou que esperava ansiosamente pelo regresso de Angeline Evans para retomar o costume. Não contou que havia dias em que contava o tempo até que o contrato de três anos de serviço acabasse. Já fazia um ano e oito meses, e Savy não via a mãe pessoalmente desde que ela partira. Ela acolheu o sentimento esmagador de saudades que lhe apertou o coração, pela primeira vez no dia não tentando reprimir recordações.
— E quanto ao seu pai?
Savannah demorou alguns segundos para responder.
— Ele morreu quando eu tinha treze anos.
Parker estacou subitamente. A heroína também parou, alguns passos à frente, e se virou para olhar o amigo, cujas feições estavam tomadas por culpa.
— Ah, caramba. Desculpa, eu não sabia...
— Ei, tudo bem. Já faz um tempo — ela abriu um sorriso triste. — Falar sobre isso já não dói tanto quanto antes.
Não era uma mentira. Mesmo existindo momentos em que a saudade não a deixava respirar, Savannah havia aprendido a se sentir grata pelas lembranças e pelos bons momentos que compartilhara com a família quando esta ainda estava reunida. Pensar nisso não a deixava deprimida na maior parte do tempo, e, sim, feliz pelo que teve.
— Sinto muito. De verdade.
Ela apenas assentiu. Por mais que ela se sentisse daquela maneira, não significava que quisesse falar sobre aquilo no momento. Então, ela simplesmente chamou Peter com a cabeça, indicando que os dois deveriam continuar andando. Calados, os dois o fizeram — diferentemente do que Savannah achou que seria, a quietude pairando sobre eles não era desconfortável ou pesada. Era... reconfortante, de certo modo.
O silêncio foi quebrado, no entanto, quando Parker comentou:
— Ah, esqueci de falar! A Amelia mencionou que você precisa de ajuda em Química... — deve ter sido a expressão no rosto da menina que o fez acrescentar: — Foi sem querer, na verdade. Ela só me perguntou como iam as aulas, e eu acabei dizendo que você não tinha dito nada. — Ele franziu a testa. — Se precisa ajuda, por que não pediu, Savy?
Por um momento, Savannah apenas admirou como o seu apelido soava bem na voz de Peter — depois que voltou a si, ela deu de ombros.
— Eu não quero atrapalhar. Você anda ocupado com o estágio e tudo mais... não quero tomar o seu tempo livre.
— Qual é, somos amigos. Você não vai tomar nada! Posso dar um jeito, se ainda quiser.
Para ser sincera, ela queria. Tinha tentado ver vídeo aulas e não entendera absolutamente nada. Ainda assim, tinha a impressão de que estaria somente perturbando o menino, por isso estava prestes a recusar. Aquilo devia estar estampado em seu rosto, pois o rapaz parou mais uma vez de andar para olhá-la bem. Assim, prosseguiu:
— Eu tenho mais folgas do que você imagina. A gente pode fazer isso funcionar. O que me diz?
Ela mordeu o lábio inferior, em silêncio por alguns segundos, fitando a expressão gentil do amigo. Logo, ela balançou a cabeça.
— Aceito, então — ela abriu um sorriso. — Obrigada, sério, Pete... Não só por isso, mas por hoje também — ela balançou o lanche pela metade. — Eu estava precisando.
Um sorriso também despontou dos lábios do Peter.
— Eu também.
E então eles retomaram a caminhada.
✶
[30/11/2019]
eu sou apaixonada por esses dois, af sofro demais
e aí gente? como vão? espero que vcs tenham gostado desse cap, eu fiquei toda sofrida e soft enquanto escrevia... só queria proteger a savy aiai tadinha da minha filha. e vocês aí achando que ser uma vigilante adolescente era fácil
as sequelas vêm para todos
ok, mas falando sério agr, essa cena é mto importante pra mim porque mostra que ninguém é forte a todo momento e que todos têm seus momentos de crise. a savannah pode até ser a major, mas ela ainda é uma adolescente com sensibilidades
enfim, espero que tenham gostado! perdão caso algum errinho tenha escapado da revisão. até o próximo capítulo <3
beijos!
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