17. catch me if you can
A VISTA DO TELHADO ERA TÃO estonteante que chegava a tirar o fôlego de Savannah.
Depois que a Major e o Homem-Aranha decidiram esperar pelo fornecedor da gasolina, só restara achar um lugar apropriado para aguardarem. Aquilo foi facilmente resolvido pelo herói: ele havia escalado a parede do beco, subindo pela construção ao lado do posto. Ao chegar no topo, o rapaz lançara uma teia na garota para puxá-la até o telhado. Savannah tinha tentado não pensar no chão que se distanciava mais e mais a cada segundo... mas, no final, ao observar aquela vista... ela havia percebido que aquele frio na barriga valera a pena.
Ela ainda tinha aquela sensação mesmo agora, enquanto encarava a noite da cidade. Diante de seus olhos, o Queens se estendia, luzes piscavam ao longe, uma sinfonia de buzinas ecoava pelos céus, a lua brilhava. Se aquela era a visão que o Homem-Aranha tinha toda noite... pela primeira vez, Savannah o invejou. Invejou a liberdade do mascarado, o qual não era restringido ao chão e podia balançar livremente por suas teias. Ela queria poder fazer o mesmo.
— Aliás, gostei do nome. — De repente, o Homem-Aranha disse, sua voz abafada quebrando o silêncio em que estavam mergulhados fazia tantos minutos. A garota demorou alguns segundos para assimilar que algo lhe fora dito e virar a cabeça para o rapaz, que prosseguiu: — Gostei do seu novo nome, Major. Muito melhor que África.
Ela riu baixinho.
— Obrigada.
E então os dois voltaram à vigilância, completamente altivos. Dali de cima do telhado, agachada atrás da mureta, a visão de Evans era ampla. Ela utilizava das luzes da cidade para enxergar tanto quanto podia. Ao seu lado, o Homem-Aranha o fazia com mais facilidade que ela, devido a suas muitas tecnologias; depois de ele pedir a alguém chamada Karen — Savannah teve de admitir ficar surpresa ao descobrir que ele também tinha uma parceira — que ativasse "o modo de reconhecimento avançado", explicou que era um recurso que permitiria que escutasse o fornecedor e o dono do posto quando chegasse a hora.
Desde então, estiveram aguardando. Por um bom tempo. A menina não havia ousado tirar o celular do bolso para conferir as horas, não havia ousado fazer qualquer coisa que não prestar atenção. E esperar. Mesmo que aquilo estivesse sendo tedioso e cansativo ao extremo. Ela preferia mil vezes a adrenalina de uma luta — ainda que seus músculos e machucados não dissessem o mesmo — ou de um interrogatório à ansiedade da espera.
Ela tentava conter um bocejo quando seu celular começou a tocar. O barulho, alto devido ao fone em seus ouvidos, assustou-a, e seu sobressalto fez com que o Homem-Aranha levasse um susto também. Rapidamente, a jovem apertou por cima da máscara o botão do fone para aceitar a ligação, sabendo que provavelmente era Amelia. Torcendo para que realmente fosse ela.
— A polícia está indo aí.
Qualquer alívio que Savannah pudesse sentir com a voz de Lia do outro lado da linha foi imediatamente substituído por tensão.
— Você só pode estar de brincadeira — resmungou.
— Quem me dera — um suspiro cansado. — Você tem que sair daí. Os policiais... sabe que eles não gostam de vigilantes.
A Major sabia que a amiga estava certa. Sabia que não podia estar naquele lugar quando a polícia chegasse. Só que... ali, no alto daquela construção, era improvável que ela e o seu quase-parceiro fossem vistos. O fornecedor ainda não havia aparecido; se a polícia chegasse antes dele, com certeza ele daria meia volta e fugiria. De onde Savannah estava, seria possível detectar o criminoso... ou seja, ela poderia segui-lo.
— Aranha, a polícia está vindo — falou, ainda assim. Nada mais justo que avisá-lo agora que estavam trabalhando juntos.
As lentes do uniforme do herói se mexeram, como se ele estivesse comprimindo os olhos debaixo da máscara, talvez ponderando o que faria: se iria embora ou se esperaria pelo real bandido. Depois de alguns segundos, ele começou:
— Eu...
A palavra pairou no ar, inacabada, ao o herói voltar-se para a rua, para onde um caminhão-tanque surgia. Savannah também dirigiu seu total foco para o grande veículo, provavelmente cheio de combustível adulterada... O automóvel parou em frente ao posto de gasolina, porém a heroína não conseguiu ver quem desceu dele.
Ela, o Homem-Aranha e Lia, que continuava aguardando na ligação, ficaram em silêncio até o herói murmurar, a atenção fixa nas paredes do posto, como se conseguisse ver através delas:
— É uma mulher. Dean acabou de abrir a porta da loja para ela... — Ele deu uma pequena pausa. — Ela foi direta: pediu logo o pagamento por essa nova remessa de gasolina.
Savannah apertou o bastão, nervosa. Ao seu lado, o rapaz não parou de narrar os acontecimentos, a voz abafada e distante.
— Ele disse que não quer fazer mais parte desse acordo. Disse que descobriu que a gasolina está causando destruição pela cidade. Ela não ficou contente com isso. — O Homem-Aranha parou para escutar mais um pouco. Savannah não precisava de tecnologia alguma para saber que, por trás daquelas paredes, acontecia uma briga. — Dean ofereceu o dinheiro, mas disse que quer ser deixado em paz. Acabou de contar que estamos na cola dele...
O estampido de um tiro ecoou pela noite.
Todos os pelos de Savannah eriçaram-se por completo diante daquilo, os músculos ficando tensos. O Homem-Aranha parou de falar, não muito diferente dela. Até mesmo Lia ofegou.
Poucos segundos depois, os heróis estavam em pé, e, com o auxílio das teias do Aranha, logo atingiam o chão do beco. Savannah correu para a porta dos fundos, sem importar-se em ser discreta, o bastão pronto para qualquer coisa. A cada passo que dava, tinha de se obrigar a seguir em frente... A adolescente temia o que poderia ver.
Assim que chegou à loja de conveniência, não encontrou nenhum sinal da fornecedora. Do lado de fora do local, o caminhão-tanque começava a andar — mas Savannah mal ligou para aquilo. Não quando se deparou com o dono do posto caído, as costas apoiadas no balcão, sangrando.
A visão causou ondas de náuseas em Savannah. E ela não conseguiu se mover, não diante daquilo, de todo aquele sangue. Havia tanto sangue, mais e mais empoçando-se ao redor do homem a cada segundo. Mas o peito dele se movia, e aquilo foi o bastante para fazê-la se mexer; tinha que estancar aquele sangramento antes que o corpo entrasse em choque hipovolêmico, antes que fosse tarde demais.
Evans, prendendo o taco às costas, correu por entre as prateleiras da loja em busca de qualquer coisa que pudesse usar para interromper aquele fluxo de sangue. Por sorte, achou um pacote de gaze, e não perdeu tempo para abri-lo enquanto corria de volta para Dean, ao lado de quem se ajoelhou. Ela tentou ignorar a sensação do sangue molhando seus joelhos. Apenas pressionou, com os dedos trêmulos, o tecido contra o ferimento localizado no abdômen.
O homem gemeu de dor, mas seus olhos não se abriram — nem mesmo quando berrou ao o Homem-Aranha, depois de se agachar ao lado de Savannah, pingar água oxigenada em sua ferida a fim de mantê-la esterilizada. O som fez a menina encolher-se, atordoada.
— Karen, ligue para a emergência! — o herói comandou antes de aplicar mais um pouco do líquido no machucado.
Outro grito, e Savannah fechou os olhos com força, como se aquilo pudesse reverter aquela situação horrível. O que aquela mulher fizera... Evans não conseguiu evitar a onda de culpa que a atingiu ao perceber que a criminosa atirara em Dean depois que ele mencionara a visita que os vigilantes lhe fizeram.
A garota respirou fundo para tentar evitar que mais pânico se acumulasse, e o cheiro de sangue a fez querer vomitar.
Sem deixar de pressionar a gaze contra o machucado, ela virou-se para o Homem-Aranha, cuja tensão ela podia sentir de onde estava. Com seriedade total, Savannah disse:
— Vá atrás daquele caminhão.
Ele olhou para ela, as lentes da máscara arregaladas.
Considerando o homem ferido bem à frente deles, só um dos dois podia ir atrás daquela mulher e acabar com aquele esquema de gasolina batizada e colocar atrás das grades as pessoas que estavam causando tantos males pela cidade. E, por mais que a Major quisesse, com todas as suas forças, fazer parte daquilo, precisava admitir que o Homem-Aranha teria mais chances de perseguir a criminosa com aquelas teias dele.
Quando o vigilante olhou dela para o dono do posto, a menina assegurou:
— Ficarei com ele, mas você tem que ir agora!
Ele hesitou, mas por fim se levantou.
— Boa sorte.
— Você também.
Savannah observou o Homem-Aranha correr para a porta de vidro, deixando-a sozinha com Dean. Ela tornou a olhar para ele, cuja face parecia mais pálida, e pressionou mais o curativo contra o ferimento, o que arrancou do homem um resmungo. A heroína sentiu os olhos queimarem, lágrimas de pavor espreitando.
— Podemos colocá-lo no meu carro e levá-lo para o hospital.
A voz de Amelia deu um susto em Savannah. A amiga estivera tão calada que a vigilante até mesmo se esqueceu de que estava ali, ouvindo cada coisa.
— Não — sua voz saiu rouca. — Não quero arriscar movê-lo e acabar piorando a situação. A ambulância logo estará aqui e a polícia também.
Ela pingou mais algumas gotas de água oxigenada no ferimento da bala. O urro de Dean a fez estremecer.
— Então, vou aí te ajudar.
— Não! — ela disparou.
De repente, sirenes estridentes que soaram do lado de fora. Com um pânico tão pegajoso quanto o sangue em suas luvas revirando-se em seu âmago, Savannah lançou olhar por cima do ombro na direção da entrada. Aquilo revelou que a polícia ainda não estava na rua, mas que logo apareceria.
— Tudo bem, Savy, mas você não pode ficar aí — Lia falou, a tensão palpável em sua voz. — Dê o fora!
Mesmo sabendo que Amelia estava certa, foi com esforço que Savannah levantou-se, e foi um esforço ainda maior correr na direção da porta que dava para o escritório de Dean. Ela deteve-se na porta, observando através de uma pequena fresta policiais irromperem para a loja de conveniência e encontrarem o dono do posto caído no chão. Com aquilo, a jovem obrigou-se a ir embora, mesmo quando uma inquietação fria, causada pela desconfiança e pelo medo de algo acontecer ao homem ferido, pesou em seu estômago. Mas ela não podia ficar lá por mais tempo, então, contra todos os seus instintos, precisou se mexer.
Depois de atravessar a saleta e o corredor, ela logo estava no beco. Savannah teria corrido direto para uma das saídas dele se não houvesse uma pessoa em cada uma delas. Ambas tinham armas em mãos, apontadas para ela, mas estava escuro demais para que ela enxergasse os rostos. Provavelmente estavam ali para impedir que qualquer criminoso escapasse... nesse caso, impediriam que ela escapasse.
— Não se mova! — exclamou uma das figuras. Era uma mulher que estava na abertura mais distante do beco. Na abertura mais próxima, estava a silhueta de um homem, este que prosseguiu:
— Mãos onde conseguimos ver!
Aquela voz...
Kyle.
Era Kyle quem estava diante dela.
Savannah simplesmente estacou onde estava. Um zumbido tomou conta de sua cabeça... Seu irmão estava ali. Apostava que Theo, seu parceiro, estava dentro do posto, enquanto ele fora para lá interceptar qualquer tentativa de fuga. Ele fora resolver as coisas, e ali estava, diante de sua irmã. Apontando uma arma para ela.
O coração da menina acelerou a uma velocidade que não sabia ser possível. A sua respiração falhou.
Ela sabia que Kyle não a feriria mesmo que não soubesse quem era de verdade. Mas e quanto a outros policiais? Ela não tinha como saber o que fariam. Deus, como ela sequer fugiria se estava cercada?
— Mãos para o alto! — o detetive bradou, a voz mais firme.
Savannah ergueu, de forma lenta, os braços. O bastão permanecia preso às costas, bem ao seu alcance, mas ela duvidava que conseguiria utilizá-lo para fazer qualquer coisa que fosse útil. Merda, merda, merda! O que ela faria? O que faria?
Não tinha como fugir.
Talvez... talvez se contasse a Kyle. Ele a deixaria ir. Talvez...
Algo se enroscou suas mãos e pulsos, porém. E, no instante seguinte, a Major estava no ar. Por mais surpresa e atordoada que estivesse, a adolescente não ousou gritar. Não ousou nem ao menos respirar até que se chocasse contra o Homem-Aranha, os pés tocando o telhado em que montara vigília minutos antes. Minutos. Parecia que horas haviam se passado.
Savannah sentiu que poderia cair ali mesmo, devido ao misto de tensão e alívio que percorria o seu corpo. Mas não houve tempo para desabar no concreto, nem para palavras de agradecimento. O Aranha, após pedir licença para passar o braço por sua cintura, lançou uma teia pela noite — os dois, então, rasgaram os céus, distanciando-se do posto, dos policiais, da confusão. Ele pulou mais algumas vezes de telhado em telhado antes de enfim parar e soltar Savannah, que cambaleou para trás.
Ela estava dividida entre chorar, vomitar e abraçá-lo tamanho era o seu alívio.
— Obrigada — ela balbuciou, apoiando-se nos joelhos, tentando recuperar o fôlego que perdera naqueles últimos minutos. — Eu poderia te beijar agora mesmo.
— Imaginei que pudesse precisar de ajuda — o rapaz disse, para em seguida pigarrear. — Você está bem?
— Sim — falou. — E quanto ao caminhão? Quer dizer, não pense que não estou grata, porque estou, e muito...
— Meu drone está seguindo o caminhão — ele a cortou com sutileza, como se achasse graça de como ela se embaralhara. — Ele está um pouco a frente de nós.
Savannah ainda estava aturdida demais para perguntar ou sequer se espantar com a palavra drone. Então, ela somente assentiu diante das informações e respirou fundo; o ar puro — ou tão puro quanto o ar de Nova York conseguia ser —, livre do odor pungente de sangue, foi uma bênção para as suas narinas. Mesmo que houvesse sangue sujando os joelhos e mãos de Savannah, o cheiro não era tão forte, mas continuava sendo uma lembrança do que haviam deixado para trás.
— Dean... — o nome pesou no ar.
— Dean vai ficar bem — ela conseguiu dizer. — Os policiais o encontraram.
— E você acha que vão...
— Sim — ela o interrompeu, sabendo o que diria. — Eu conheço um dos policiais lá. Ele não vai deixar nada de ruim acontecer com Dean. Nele, podemos confiar. — Nos outros, no entanto...
O Homem-Aranha assentiu e seus ombros relaxaram.
— Major? — A voz de Lia a arrastou-a daqueles pensamentos que ela não queria ter em mente tão cedo. — O que aconteceu?
Ela, mais uma vez, esquecera de que a amiga estava ainda lá com ela. Puxa, aquela conta de telefone seria uma das caras.
— Eu explico depois — Savy respondeu, afastando-se alguns passos do Homem-Aranha, embora não houvesse muito lugar para uma conversa privada naquele telhado. — É melhor você ir para casa.
— Mas e quanto a você?
— Não sei quando vou acabar aqui — foi sincera. Para onde aquele caminhão a levaria, somente o tempo poderia responder. — Não se preocupe comigo. Tenho o Homem-Aranha como companhia. — O seu tom mais leve conseguiu arrancar um risinho de sua amiga.
— Acho que, nesse caso, eu deveria me preocupar com ele — as palavras fizeram com que Savannah sorrisse um pouco. Lia, então, suspirou. — Tome cuidado, ok?
— Ok — murmurou. — Se cuida.
Amelia encerrou a ligação. Evans observou o horizonte, aliviada em saber que o carro da amiga estava a muitas quadras dali, estacionado em uma rua sem câmeras e escondido pelas sombras, e que logo estaria ainda mais longe.
Com um suspiro cansado, a jovem passou as luvas pelo uniforme em uma tentativa de limpar o sangue delas e se virou para o Homem-Aranha.
— Pronto? — inquiriu.
Em resposta, o rapaz estendeu a mão para ela. Savannah aceitou-a e, juntos, eles pularam para o próximo prédio.
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[27/10/2019]
oi, galera! tudo bem com vocês?
demorei mas cheguei! esse capítulo ia ser maior, mas eu decidi cortar (de novo) pq não queria que se tornasse mto cansativo........ então minha ansiedade para o próximo capítulo continua a mesma, pq eu amo ele hihihihi
se tiver algum erro nesse capítulo, me perdoem. são cinco da manhã e alguma coisa poder ter escapado da revisão k
bem, espero que tenham gostado do capítulo!!!! amo saber a opinião de vocês! até a próxima!
beijos!
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