Despedidas
O lugar era um tanto quanto peculiar, pensei isso quando coloquei meus pés do lado de dentro, mas não imaginei que ele fosse invadir a casa de uma pessoa. Fiquei surpresa quando o monstrengo nos levou até um quarto escondido na casa para nos apresentar Henry Legolant.
No momento em que o vi consegui identificar a névoa escura que o circulava, aparentemente ele possuía uma doença que o fazia sugar mana de outros seres vivos — uma maldição que fez com que seus pais o abandonassem para morrer —, Yami o encontrou e deu-lhe um posto no esquadrão.
Existia certa simpatia por minha parte, era triste ver as condições precárias onde o encontramos, mas conforme os dias passaram, ele pareceu melhorar. Não podia me aproximar muito então ocasionalmente mandava clones feitos da minha magia levar comida e água. Claro que eram dissipados em instantes absorvidos pelo rapaz, porém não me afetava tanto.
Acabei por ganhar um quarto no alto, uma grande janela de vidro deixava que a luz entrasse toda manhã e por estar acima da linha das árvores tinha uma bela vista. A única questão foi que o lugar permaneceu vazio por algum tempo então sujeira e pó acabou se acumulando, devia fazer algo em torno de uma semana que estabelecemos o quartel dos Touros Negros e não estávamos nem perto de tornar aquele lugar propriamente habitável.
Não ajudava quando Yami estava mais interessado em vadiar pela floresta atrás de bestas mágicas.
Uma brisa fresca entrava no quarto arejando e tirando de dentro o cheiro de mofo, o local até que era grande e os móveis não estavam em condições tão ruins. Poderia até ter trocado, mas sabia que não iria viver ali por muito tempo.
No canto havia uma mesa escura e sobre ela uma carta que recebi de Julius, nela havia instruções sobre a minha missão com Nacht. Deveríamos passar algum tempo no Reino Heart e chegar até Spade atravessando por sua região de mana forte, não de Clover.
— Ocupada?
Virei para ver o meu futuro companheiro de viagem parado na porta, Nacht tinha se livrado dos cabelos claros e mais do que nunca se parecia com Morgen. Acredito que seja uma maneira de manter a memória de seu irmão viva, levou alguns dias para me acostumar, afinal seus rostos são idênticos, porém as vestimentas e a personalidade ácida fazia seu papel na diferenciação.
— Tentando não morrer de doenças respiratórias — respondi e com a mão pedi para ele entrar. Sentei-me na cama velha, Nacht deu uma olhada em volta e se sentou ao meu lado.
— Convidando um homem para sua cama sem estar casado com ele, que imoral.
— Jovens como você não fazem isso com as mulheres? Quem sabe se eu colocar algumas moedas no seu bolso torne mais aceitável.
Não estava no meu melhor humor, e as tiradas sarcásticas dele também não ajudavam. Nacht pareceu surpreso, e pude jurar ver suas orelhas ficando vermelhas ele escondeu o rosto na mão rindo alto.
— Não acho que faço seu tipo, mesmo para serviços noturnos — e continuou tirando a mão do rosto logo em seguida —, achei que sua preferência se limitava a realeza.
Meu rosto ficou quente, e não tive outra resposta imediata que não fosse o acertar lateralmente. Nacht não deixou barato revidou o golpe e logo estávamos no chão completamente embrenhados e empenhados em nos matar. Sentia os cabelos bagunçados grudados no meu rosto, as mãos estavam sendo seguradas pelo rapaz.
— Tão sensível, não superou sua rejeição?
Longe demais, peguei seu braço o curvei e virei o corpo o imobilizando entre as minhas pernas, sentada em sua cintura o prendia com uma mão e segurava seu pescoço com a outra. Uma fumaça leve e fria saia da minha pele, e até mesmo Nacht começou a ficar mais frio.
— Vou dizer uma vez Nacht, nunca fale disso novamente.
Seus olhos miraram os meus, ele segurou o meu pulso e eu soltei seu pescoço em seguida saindo de cima dele e arrumando os fios bagunçados. Encostei com as costas na cama enquanto acalmava minha mana, caso contrário iria congelar o quarto inteiro num instante.
Ele se sentou com um suspiro — Desculpe, fui longe demais.
— Grande Nacht Faust pedindo desculpas? — mexi na ponta de meus dedos evitando seu rosto — Isso sim, é uma novidade.
— Pode parecer que não, mas sei me portar, na maioria das vezes só não quero.
O rapaz se colocou ao meu lado olhando para frente, um breve olhar em sua direção e vi as marcas de meus dedos aparecendo em seu pescoço. A Benção de Eir o envolveu, as pequenas vinhas congeladas circularam seu pescoço curando a ferida.
— Já se apaixonou por alguém Nacht?
— Não, não realmente. Tinha um casamento arranjado, mas nunca me vi nesse papel então apenas abri mão dos títulos que vinham com ele.
Apoiei a cabeça no joelho, ainda doía, sempre que via Nozel de longe tinha esse gosto amargo que vinha acompanhado de uma pontada no peito.
— Aquele cara é um babaca, qualquer um estaria pulando de alegria em receber uma declaração sua.
— Duvido — e continuei —, quer saber? Fui a tola de pensar que alguém da realeza fosse verdadeiramente se importar com alguém como eu. No fim sou só uma garota quebrada sem dotes, ou títulos. O que eu posso oferecer?
— Mais do que qualquer um pode sonhar.
— Que diabos de conversa é essa? Achei estarem indo para uma missão não ter um caso escondido.
— Não sabe pedir permissão para entrar no quarto de uma dama monstrengo? — vi sua figura passando e sentando na minha mesa sem qualquer cuidado. As madeiras rangeram e até cheguei a achar que iria se quebrar.
— Que dama?
Deixei meu corpo escorregar até deitar chão, queria apenas desaparecer.
— Hum? O que tem de errado com você floco de neve? Está derretendo? — Yami questionou.
— Não, mas poderia.
Nacht riu — O que precisa? Nós devemos ir para a capital ainda hoje.
O capitão dos Touros Negros coçou a cabeça antes de cruzar os braços na frente do corpo — Não sei os detalhes, mas sei da tal missão de vocês. Estão realmente confiantes?
— Mesmo se não estivéssemos, teríamos que construir isso. Ninguém pode resolver isso além de nós.
— Que felicidade — voltei a me sentar —, preocupado com seu esquadrão? Quem diria que teria um coração mole Yami, estou comovida. E Nacht está certo, não teria ninguém melhor para resolver isso então que seja, vamos lá superar nossos limites e salvar a bunda de todo o reino.
Não tive nenhuma grande reação, o que me fez soltar uma seleção de insultos para os dois. Yami e Nacht continuaram jogando papo fora por algum tempo até de verdade chegar a hora de nos encontrarmos com Julius. Meu parceiro de missão não era tão adepto de vassouras, então fui obrigada a acompanhar pelas suas sombras.
Julius estava nos esperando então não teve grandes reações quando começamos a sair do chão.
— Obrigado por atenderem ao meu chamado tão rapidamente. Tivemos algumas questões com o Reino Heart, será necessário adiantar a viagem.
— Em quanto tempo?
Rei Mago, se virou de costas e colocando a mão na boca tossiu a resposta de maneira inaudível.
— Quanto tempo Rei Mago? — questionei novamente.
— Pela manhã.
Se o homem pudesse desaparecer no momento em que disse isso com certeza teria o feito, tínhamos tanto a resolver, nem terminara de arrumar o quarto!
— E sobre as barreiras de magia, como é possível as atravessar? — Nacht questionou.
O loiro mudou a expressão imediatamente — Fomos capazes de conseguir uma autorização, à algum tempo existem projetos para que magos possam ir até Heart como intercambistas, para aprenderem sobre suas magias e manipulação de mana. Listamos vocês como mensageiros, quando chegarem até a fronteira mostrem o selo e devem ser escoltados.
Parecia um pouco estranho — Mesmo assim é um tempo limitado, como vamos explicar que precisamos atravessar até Spade.
— Não se preocupe. Marx irá me colocar em contato com a rainha assim que estiverem lá.
Levantei a mão até os cabelos, ajeitando os fios atrás das orelhas. Tinha que me apressar e resolver algumas pendências antes de ir.
— A decisão já está tomada, não tem o que fazer — declarei —, acredito que devemos nos ver amanhã ainda.
Julius sorriu, e concordou. Não demorou para nós deixarmos o escritório disse a Nacht que ele podia voltar e que tinha assuntos a resolver, não questionou, apenas deixou que eu andasse sozinha pelas ruas. Minhas pernas fizeram o caminho praticamente sozinhas até o castelo Vermillion, esperava que Leo e Mimosa estivessem ali para eu poder me despedir.
Talvez não tivesse tempo o suficiente para falar com Fuego, mas ele entenderia a minha absência mais do que os pequenos. Fui informada que eles estavam no jardim e assim que vi suas cabeças surgindo entre os arbustos altos os chamei.
— [Nome]! Veio brincar com a gente? Cadê o irmãozão? O que é essa capa escura?
— Leo! — chamei seu nome alto colocando as mãos em seus ombros e ajoelhando para ficar de seu tamanho — Rei Mago me deu uma super missão, e para isso mudei de esquadrão, mas isso é um segredo nosso ta bem?
Imediatamente ele tapou a boca acenando com vigor, Mimosa tinha as mãos juntas na frente do corpo e parecia triste. Sempre muito inteligente tinha a sensação de que a garota já tinha uma ideia do que viria a seguir.
Segurei suas mãos entre as minhas — Vou ficar longe um tempo, então vocês dois se comportem.
— Quanto tempo? — lágrimas se acumularam nos olhos da menina, caindo em seguida como pérolas.
— O necessário.
Me despedir das crianças era a coisa mais difícil, depois de muito choro e respostas evasivas deixei o Vermillions para trás, e com o coração apertado me dirigi a um castelo muito mais frio. Na entrada os servos me pararam demandando meu objetivo.
— [Nome] Coldciani, vim para ver Noelle Silva.
— Não recebemos essa permissão, terá de voltar outro dia.
— Não existe outro dia.
— Senhora, é preciso...
— O que está acontecendo?
A voz veio das minhas costas, não havia a necessidade de me virar para poder saber quem era, o timbre sério fez com que arrepios subissem a minha espinha. No peito o coração batia forte e dolorido, era a primeira vez que ficamos próximo desde o dia da rejeição.
Engoli seco, ergui a cabeça e me virei forçando os meus olhos a encararem os seus.
— Preciso ver Noelle.
Um leve franzido apareceu na testa de Nozel, mas logo foi suavizado — Por qual motivo?
— Pessoal.
De novo ele pareceu me medir da cabeça aos pés se demorando um pouco no novo emblema que eu levava no peito.
— Me siga — foi tudo que disse, nos deram passagem e enfim adentrei o castelo. Alguns corredores depois e chegamos ao que devia ser seu quarto.
Imediatamente a pequena se levantou, parecia preocupada em ver o irmão mais velho e ainda mais surpresa por eu acompanhar. Fiz o mesmo discurso que fiz com Mimosa e Leo, um de despedida.
— Você é forte, e carrega o espírito da sua mãe. Pode conseguir tudo que quiser, não se afaste de Mimosa e Leo. — sequei as lágrimas que escorriam por seu rosto de boneca com as costas da mão.
Durante todo nosso diálogo o mais velho dos irmãos da casa Silva ficou observando da porta, depois de um último afago nos cabelos claros da menina. Dirigi-me a saída, meus assuntos por ali estavam acabados, ou então foi o que eu pensei. Nozel segurou meu pulso quando estava andando pelo corredor externo.
— Foi para isso que mudou de esquadrão?
— Não te interessa Silva — puxei o braço —, você também não se importa, então não precisa se forçar a conversar comigo.
— [Nome] eu...
Respirei fundo — Escuta, minha preocupação é apenas com Noelle. Vou embora e não precisará me ver por um longo tempo.
— Espera — dessa vez ele alcançou a minha mão, a segurando de uma maneira mais delicada —, eu não te odeio. Se é isso que está pensando.
— Mas também não gosta — antes que pudesse raciocinar minhas palavras já haviam saído, e não era agora que eu ia parar —, já me rejeitou uma vez, fazer uma segunda é crueldade. Não tente falar que entendi errado.
— O que preciso fazer não é uma punição ou ligado a você, se é com isso que está preocupado. Felizmente o mundo não gira ao seu redor alteza.
Soltei a sua mão e segui sozinha até a saída, deixando para trás sentimentos incertos. É difícil matar algo que nasceu e floresceu sem perceber, o simples fato de meu coração disparar com um toque de mãos e sua proximidade me fazia acreditar que ainda tinha em meu interior uma paixão não correspondida. Também não poderia deixar que regrasse a minha vida, talvez um dia eu agradeça, mas para acalmar uma alma turbulenta vou apenas pensar que o tempo estava errado.
• F I M •
Parte 1
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